A Alternativa Italiana do PCI


Os Comunistas Italianos Perante a História
”fare la política delle cose”


capa

Por nossa parte, solicitamos a cada camarada que não subestime a importância desta iniciativa e não perca esta ocasião para libertar-se (quem ainda o não tenha feito) e libertarmos (através da discussão) de formas de «tacticismo» para esses, afinal de contas, não nos prejudicaria uma escassa participação na votação de 28 de Novembro, já que tal atingiria sobretudo os moderados e a direita. Lembrem-se estes camaradas que o nosso dever é ligar os cidadãos à sorte dos partidos democráticos, mas também às instituições democráticas.
Anónimo
De um folheto do PCI publicado pelas células que
concorriam às eleições de concelhos de bairros em Florença,
em 28.11.1976, na circunscrição n.° 11.

Os documentos seleccionados nesta secção procuram dar ao leitor uma visão geral da actuação do PCI em diversos campos da actividade social. Alguns de seus autores não são membros deste partido, como no caso do presidente da Câmara Municipal de Roma, eleito como independente. Tão pouco sabemos da estrita posição partidária dos autores do texto sobre infantários em Bolonha. Mas, na medida em que o PCI tem como princípio político convidar outros partidos democráticos a participar nas administrações onde é maioritário, nenhuma realização, mesmo em Bolonha, é obra só dos comunistas. Porém, coma «a cidade de Bolonha permanece e continuará a permanecer a nossa cidade piloto no que concerne à maneira de governar e administrar», como afirmou Cossuta no encerramento de uma conferência promovida pelo PCI sobre Desenvolvimento e Reforma do Estado, realizada entre 29 de Setembro e 4 de Outubro de 1975, cremos que os exemplos da prática do PCI em Bolonha são «os mais comunistas possível».

O PCI e a Política Internacional


Pelo Socialismo na Europa
Giancarlo Pajetta(6)


Se é verdade que está a emergir, por toda a parte, uma nova e crescente exigência de socialismo, no espírito das pessoas e nas suas lutas, e que o socialismo é visto cada vez mais como uma necessidade vital, como a única resposta real para a dramática crise da sociedade capitalista, então o «camarada» Marx não está realmente nem morto nem sepultado como muitos diziam no princípio deste século. O facto é que a crise se situa acima e para lá do «ciclo económico» e afecta cada vez mais cm extensão e profundidade a vida política, cultural e moral precisamente daqueles países onde o capitalismo está «maduro» e, por conseguinte, onde é impossível defender que a solução é completar a revolução capitalista. Ao mesmo tempo, a ideia de que a sociedade capitalista exige transformações revolucionárias está a ganhar terreno exactamente nos países onde as tradições democráticas são mais antigas, onde a vida cívica está mais altamente desenvolvida e onde há uma cultura centenária que deu os seus mais ricos frutos. Por outro lado, a experiência do movimento da classe operária naquelas sociedades onde foram socializados os meios de produção e se instituiu a planificação, diz-nos que não é fácil eliminar os ainda insolúveis problemas ligados com as estruturas políticas e com as relações entre os cidadãos e as instituições. Lembra-nos que não é fácil criar um paraíso a partir das dificuldades da realidade. Marx não está morto nem sepultada, mas também não poderá ser embalsamado.

O marxismo está vivo precisamente porque os seus ensinamentos estão perfeitamente enlaçados com a dialéctica da história. Está vivo porque nos ensina que é necessário que o processo de renovação seja permanente. A recente declaração conjunta dos partidos comunistas francês e italiano segue esta linha de renovação, de procura, de busca da unidade na realização de transformações sociais de grande alcance. Este documento teve um sem número de interpretações, algumas delas sem qual quer fundamento. Mas a simples, a mais verdadeira com que se pode dizer acerca dele é que a experiência —os obstáculos encontrados e os sucessos conseguidos — levou-nos hoje a procurar uma via para o socialismo que reconhece a existência das particularidades nacionais o ao mesmo tempo toma em consideração o que há do comum em países onde as tradições históricas, as relações entre as forças políticas, as estruturas sociais e a composição da vida cívica apresentam tantas e tão profundas analogias.

Para nós o essencial hoje é o desenvolvimento da democracia. Isso envolve a necessidade de garantir e do defender direitos e instituições que representam conquistas históricas, mas também implica a consciência de que o problema se apresenta actualmente de modo diferente, num contexto que mudou e que exige ainda mais mudanças. Para aqueles, que reflectiram, como nós, na história dos séculos passados da grande maioria dos países da Europa ocidental e que pagaram muito caro, como nós os períodos de tirania que negaram esses direitos, a livra dialéctica dos partidos nas assembleias eleitas, o sufrágio universal, directo e proporcional, o voto secreto e liberdades cívicas são mais do que justos direitos inalienáveis do homem e do cidadão. Nós dizemos que estes direitos podem ser, e (na nossa situação) com certeza são, os únicos instrumentos aptos para conseguir uma transformação socialista e para garantir uma base sólida para uma nova forma de sociedade.

Para mim, a expressão «via europeia» para o socialismo é inviável ou, pelo menos, excessivamente genérica, se com ela se pretende significar a formulação de um modelo único ou a busca de uma identidade impossível, não obstante todos os processos de integração e colaboração internacional. De resto, mesmo a revolução democrática burguesa tomou formas diferentes no nosso continente e produziu estruturas e estilos de vida política também diferentes. Ainda hoje a Europa burguesa não é toda ela republicana e, mesmo esta, já está em declínio. A este propósito, a história mostrou que nesta Europa burguesa a república nem sempre foi a forma política das sociedades democráticas mais avançadas. É certo, contudo, que no decorrer desta história certos princípios e instituições se enraizaram e a esses princípios e instituições podemos e devemos atribuir um valor universal: princípios e instituições que representaram, por um lado, o ponto mais alto da revolução burguesa e metas de grandes lutas do povo e da classe operária, por outro. Disse-se — e os nossos mestres também o disseram — que só a revolução socialista pode tomar plenamente vivos estes princípios e que podem constituir o ponto de partida para a transformação e modificação da sociedade capitalista. Acima e para lá do problema da Europa ocidental que nos interessa aqui, a reflexão e a memória destes ensinamentos deve levar-nos a concluir que a completa implementação desses princípios deve representar também um elemento necessário de desenvolvimento da vida cívica naquelas sociedades onde a socialização dos meios de produção e a abolição das classes exploradoras permitiram começar já a construir a sociedade socialista.

Na presente situação, sentimos que o reconhecimento ido pluralismo dos partidos políticos adquire um significado novo e específico, mesmo em relação a afirmações já defendidas no passado e leva-nos a considerar n influência negativa que a falta de pluralismo tem tido noutras experiências. Neste aspecto, a ideia de que a realização de transformações num sentido socialista é necessária não está de modo nenhum limitada aos programas dos partidos comunistas ou às suas análises o apreciações da sociedade actual ida Europa ocidental. Necessidades semelhantes têm vindo a ser expressas por formações com diferentes características e nem todas elas provêm de uma matriz ideológica única. Surgem problemas semelhantes nos partidos socialistas e sociais-democráticos, no mundo católico e nos sindicatos. Assim sendo, os comunistas só podem reivindicar uma função hegemónica e conquistar o reconhecimento de que são uma força de vanguarda, se mostrarem que entendem as razões porque é que neste longo período histórico não se conseguiu criar só um partido da classe operária, mas antes surgiram outras formações e porque é que essas outras formações com raízes em camadas populares e trabalhadoras continuam a existir.

É sobre este entendimento que deve assentar uma vasta política de alianças na convicção de que o pluralismo existe como uma garantia para o desenvolvimento democrática, mesmo se, de acordo com as condições históricas, pode ser implementado através de instituições diferentes e de modos diferentes, assim como a democracia se desenvolveu de forma diferente nas sociedades capitalistas.

No passado, em algumas das nossas formulações e particularmente no decurso de experiências havidas em outros países, o princípio do pluralismo não foi negado, foi contudo acompanhado por declarações constitucionais no sentido de que é o Partido Comunista que conduz o Estado e que todos os outros partidos estão dependentes dele, mostrando deste modo que a existência desses outros partidos é vista como um vestígio do sistema anterior, destinado a ser absorvido. De qualquer modo, a esses outros partidos são negados, em princípio, os direitos de representarem uma alternativa ou agirem como uma força real de oposição.

A concepção que elaborámos nestes anos, as resoluções dos nossos congressos e, mais recentemente, as afirmações contidas no documento franco-italiano são — e isto deve ser dito claramente — algo de novo e diferente. De acordo com este ponto de vista, a hegemonia concretiza-se por um processo muito diferente, e o conceito marxista de «ditadura do proletariado» pode ser levado à prática na nova sociedade em formas constitucionais democráticas, tal como aconteceu ao que Marx clamou «ditadura da burguesia», sem qualquer confusão com formas ditatoriais e tirânicas de governo ou administração do Estado.

Por outras palavras, não se suprime a democracia burguesa, completa-se, realiza-se uma democracia sem privilégios. Mas, em face da crise da sociedade capitalista e de uma exigência cada vez maior de socialismo, não é suficiente responder somente com a defesa dos direitos democráticos, ou mesmo com o seu necessário desenvolvimento, sem se proceder a mudanças nas estruturas sociais e nos meios de produção. Mas aqui, a mesma linha de reflexão que nos levou a reconhecer o pluralismo político obriga-nos, no que toca aos nossos países, a uma análise mais complexa do que a simples divisão da sociedade em burguesia e proletariado e levanta o problema das alianças em termos que não poderão ser reduzidos às formas clássicas, que certamente não negamos, da aliança operário-camponesa. As sociedades a que nos referimos como tendo um «capitalismo maduro» não reduziram ao estado de proletariado todos os estratos sociais que o capital monopolista domina e que de algum modo explora ou subjuga. Esta diversificação das estruturas sociais não é simplesmente um vestígio duma sociedade ultrapassada que a burguesia tende a eliminar ou que o proletariado, uma vez no poder, poderia abolir, talvez por decreto. Pelo menos para a Europa ocidental (para não mencionar a América industrializada), uma concepção deste tipo não vale pura e simplesmente e a realidade de uma diversificação muito mais complexa permanece como um obstáculo à construção duma sociedade, que tenha como objectivo a abolição das classes, entendida como uma sociedade em que não deve existir qualquer outro estrato trabalhador, além do proletariado, totalmente desligado da posse dos meios de produção. Os conceitos de planificação democrática, controle público e socialização gradual das empresas, de que fala o documento dos dois partidos, exigem reformas e a introdução de elementos de socialismo que implicam não só a possibilidade, mas também a necessidade, de amplas alianças sociais. E aqui falamos da aliança entre estratos sociais diferentes para se chegar ao socialismo e para construir um socialismo que leve em conta a diversificação social, ou, podíamos dizer, um pluralismo social, que não vise uma intervenção exclusiva do Estado como único proprietário e produtor.

Os comunistas italianos têm estado a trabalhar estas questões e a avançar tais perspectivas já há alguns anos. O nosso encontro com os camaradas franceses, quo também têm vindo a elaborar programas que levam em linha de conta a evolução real da sociedade em que trabalham, e o interesse mostrado por estes problemas por outros: partidos (na Bélgica, na Inglaterra, na Espanha) são importantes sinais de um processo em curso nos partidos comunistas da Europa ocidental. Chamar a isto «revisionismo», no sentido de abandono do objectivo socialista, só é possível para grupos que gostam de viver à margem da história ou para repetidores dogmáticos de fórmulas, que não entendem as mudanças que ocorreram e as coisas novas que podem e devem ser feitas para se ser realmente revolucionário, para avançar concreta- mente no caminho do socialismo e para ver que o socialismo personifica realmente aqueles ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, que foram mutilados, traídos e calcados aos pés pela sociedade burguesa e que actualmente só podem ter plena realização na sociedade socialista. É nesta base que avançamos com a nossa proposta no sentido da unidade. Quais são as respostas? Os sociais-democratas, cujas estratégias e tácticas não tiveram sucesso na implantação do socialismo mesmo em países onde estiveram no poder durante longos períodos do tempo, não podem certamente responder mantendo posições que mais do que meio século de experiência mostrou serem insuficientes e negativas. O problema de uma renovação profunda, do debate e da procura de novas soluções existe também para os sectores não comunistas da classe trabalhadora e nós, comunistas, temos um papel a desempenhar nesse debate, embora não possamos certamente fazê-lo sozinhos.

Os comunistas declaram a sua inabalável opção democrática. A détente(7) substitui-se à guerra-fria; o Terceiro Mundo avança; está a abrir-se um novo capítulo para a Espanha, Portugal, Grécia e para outros países. Estes são os novos elementos de um contexto político que obriga a ver em moldes novos o problema do socialismo na Europa. Não estamos a avançar com uma proposta com fins meramente propagandísticos para voltar depois às velhas polémicas e às formas de passado. Está em curso uma renovação socialista, surgem novos fermentos de unidade, com repúdio pelo anticomunismo. Em nossa opinião, este processo está em curso em vários países e a força e a urgência dos problemas levantados pela crise do capitalismo podem generalizá-lo. Por isso não podemos permanecer como espectadores passivos. Os socialistas italianos exprimiram já um juízo negativo sobre a sua curta experiência de unidade com a social-democracia e estão a propor hoje soluções unitárias e a discutir projectos socialistas. Os socialistas franceses estão a debater com grande intensidade polémica os problemas do socialismo autogestionário, mas mantêm o seu compromisso com o programa comum com o Partido Comunista Francês. Os socialistas belgas rejeitam as posições anticomunistas oficialmente subscritas pela sua própria Internacional; os socialistas finlandeses não excluem a sua cooperação no Governo.

Os problemas que é preciso discutir, sem esperar por acordos e soluções simples, tocam todos os campos: desde as liberdades democráticas e reformas sociais que permitam um modelo novo de produção e desenvolvimento até a uma política internacional que garanta, em primeiro lugar, a paz, mas também uma colaboração mundial que elimine todos os vestígios neocolonialistas e que rejeite todas as formas de dominação imperialista assentes no subdesenvolvimento e na exploração dos povos.

Eis porque seria simplista e mesmo grotesco imaginar a unidade da classe trabalhadora e do movimento socialista como uma aceitação pelos comunistas do status quo. A eliminação de velhas cisões (enquanto se mantiveram as características autónomas que amadureceram durante este período) e o novo internacionalismo só terão sentido se tomarem possível sair da crise do capitalismo de uma forma nova para transformar a sociedade, que a produziu, e abrir um novo capítulo da história.


Declaração Conjunta PCI-PCF
(Roma, 15-11-1975)


A situação em França e na Itália caracteriza-se pelo agravamento duma crise que afecta todos os aspectos de vida económica, social, política, moral e cultural.

Nos seus aspectos económicos, esta crise — que faz parte integrante da crise que engloba o sistema capitalista em geral e afecta todas as relações económicas à escala mundial — tem pesadas consequências para os trabalhadores e para as massas populares, duramente atingidos pelo desemprego e pela subida dos preços. Ao mesmo tempo o campesinato, os artesãos e as pequenas e médias empresas lutam com sérias dificuldades.

As instituições da vida civil defrontam-se com problemas cada vez mais sérios. A crise política acentua-se, e as relações sociais e morais são afectadas por fenómenos de degeneração.

Esta crise revela a incapacidade do sistema capitalista de dar resposta à necessidade de desenvolvimento das forças produtivas, incluindo a ciência e a tecnologia, à necessidade de garantir o direito ao trabalho, um melhor nível de vida, o progresso cultural e a afirmação de todos os valores humanos. Em ambos os países, como aliás, sob formas diferentes, noutros países da Europa Ocidental, ergue-se a ameaça duma grave regressão da sociedade no seu todo.

As forças do grande capital e do imperialismo tentam tirar partido desta situação para minar as conquistas económicas, sociais e políticas dois trabalhadores. Mas através da sua luta a classe operária e as massas populares podem derrotar tais tentativas, alcançando novas, conquistas: e abrindo caminho para novos progressos sociais e democráticos.

Com tal objectivo, o PCI e o PCF, lutando pelos interesses imediatos dos trabalhadores, trabalham ao mesmo tempo por uma política de profundas reformas democráticas, capaz de resolver os graves, problemas económicos, sociais e políticos dos seus países.

Para a França como para a Itália, a presente crise veio revelar mais claramente do que nunca a necessidade de desenvolver a democracia e fazê-la avançar para o socialismo.

Os dois Partidos conduzem a sua acção em condições objectivamente diferentes, e por esta razão cada um segue uma política adequada às necessidades e características do respectivo país. Não obstante, e porque ambos lutam em países capitalistas desenvolvidos, constatam que os problemas concretos com que se defrontam apresentam características comuns e requerem soluções semelhantes.

Os Comunistas Italianos e Franceses entendem que a marcha para o socialismo e a construção duma sociedade socialista, que propõem como meta para os seus países, devem prosseguir-se no quadro duma democratização contínua da vida económica, social e política.

O socialismo há de constituir uma fase superior da democracia e da liberdade: e a democracia realizada do modo mais completo.

Dentro deste espírito, todas as liberdades — que são o produto não só das grandes revoluções democrático-burguesas mas também das grandes lutas populares do nosso século, conduzidas pela classe operária — terão que ser garantidas e desenvolvidas. Isto aplica-se à liberdade de pensamento e expressão, à liberdade de imprensa, de reunião, associação e manifestação, à liberdade de deslocação das pessoas dentro e fora do seu país, à inviolabilidade da vida privada, à liberdade religiosa e à liberdade total de expressão: das correntes de pensamento e de todas as opiniões filosóficas, culturais o artísticas. Os Comunistas Franceses e Italianos declaram-se a favor do pluralismo de partidos políticos, do direito à existência e actividade de partidos de oposição, da livre formação de maiorias e minorias e da possibilidade da sua alternância democrática, da natureza laica e do funcionamento democrático do Estado, da independência do poder judicial. Do mesmo modo se declaram favoráveis à liberdade de actividade e à autonomia dos sindicatos. Atribuem importância fulcral ao desenvolvimento da democracia nos locais de trabalho, por forma a que, os trabalhadores participem na gestão das suas empresas, com reais direitos e amplos poderes de decisão. A descentralização democrática do Estado deverá conferir um papel cada vez mais importante aos governos regionais e locais, que deverão gozar de ampla autonomia no exercício dos seus poderes.

Uma transformação socialista da sociedade pressupõe o controlo público dos principais meios de produção e troca, a sua socialização progressiva e a implementação do planeamento económico democrático a nível nacional. O sector das pequenas e médias explorações agrícolas, a indústria artesanal e as pequenas e médias empresas industriais e comerciais, podem e devem desempenhar um papel específico, positivo, na construção do socialismo.

Esta transformação só pode conseguir-se através de grandes e poderosas lutas e amplos movimentos de massa, que unam a maioria do povo em tomo da classe operária. Ela exige a existência, garantia e desenvolvimento de instituições democráticas plenamente representativas da soberania popular e o livre exercício do voto universal directo e proporcional. É neste quadro que os dois Partidos — que sempre respeitaram e continuarão a respeitar o veredicto do sufrágio universal — concebem o acesso dos trabalhadores à liderança do Estado.

O Partido Comunista Italiano e o Partido Comunista Francês atribuem a todas estas condições da vida democrática um valor de princípio. A sua posição não é táctica, antes deriva da sua análise das condições objectivas e históricas específicas dos seus países e da sua reflexão sobre o conjunto das experiências internacionais.

Os dois Partidos defendem que nas relações entre todos os Estados — que devem caracterizar-se por uma cooperação cada vez mais íntima, no quadro duma nova divisão internacional do trabalho — deve ser garantido o direito de cada povo a decidir em soberania sobre o seu próprio sistema político e social. Por isso sublinham a necessidade de lutar contra o atrevimento do imperialismo dos EUA ao interferir na vida de outros povos, e declaram-se contrários a todas as interferências estrangeiras.

Os dois Partidos entendem que para se garantir o êxito da luta contra o inimigo principal da classe operária e das massas populares — o capitalismo monopolista — é essencial conseguir um livre entendimento entre diversas forças sociais e políticas, no seio das quais a classe operária unida terá que conseguir implantar a sua capacidade de vanguarda. Estas amplas alianças são necessárias tanto na fase actual como para a construção do socialismo.

O desenvolvimento duma cooperação sólida e duradoira entre Comunistas e Socialistas constitui a base desta ampla aliança. Por outro lado, verifica-se actualmente que largas camadas do mundo Católico se estão tomando cada vez mais conscientes da contradição existente entre a realidade do imperialismo e do capitalismo e as suas mais profundas aspirações à fraternidade entre os homens, à justiça social, à afirmação de valores morais mais altos e à realização da personalidade de cada um. Este facto cria crescentes possibilidades de aproximação entre os Comunistas, o movimento da classe operária em geral e as forças populares de inspiração católica. Estas forças podem e devem desempenhar um importante papel na criação duma sociedade nova.

Na actual situação de crise, com as grandes tarefas que ela implica, os dois Partidos estão plenamente conscientes das suas crescentes responsabilidades e da sua insubstituível função.

Em conformidade com as conclusões da Conferência dos Partidos Comunistas da Europa capitalista, realizada em Bruxelas em Janeiro de 1974, os dois Partidos reafirmam o seu propósito ide trabalhar pela promoção de acções comuns entre os Partidos Comunistas e Socialistas e todas as forças democráticas e progressistas da Europa contra o fascismo e todos os ataques à liberdade, na defesa dos interesses da classe operária e das massas populares, e pelas transformações democráticas profundas nas estruturas económicas e sociais.

Face à orientação, profundamente hostil aos interesses populares, dos monopólios multinacionais e nacionais e dos grupos cuja política vem agravando o desemprego e os desequilíbrios sociais na Europa do Mercado Comum, os dois Partidos atribuem grande importância ao desenvolvimento de iniciativas unitárias por parte das forças populares e de esquerda — nomeadamente no âmbito do Parlamento Europeu — no sentido da democratização das orientações e modos de actuação da Comunidade Económica Europeia e da construção progressiva duma Europa democrática, pacífica e independente.

Dentro do mesmo espírito, nesta hora crucial para a Espanha, os dois Partidos condenam todas as tentativas de perpetuar o regime de Franco, seja por que forma for, certos de que neste aspecto interpretam a convicção de todos os democratas. Reafirmam a sua solidariedade militante com a classe operária e todos os antifascistas de Espanha, que lutam para salvar e libertar os presos políticos e instaurar um sistema de plena liberdade política.

Exprimem, além disso, as suas apreensões face às dificuldades com que se defronta a jovem democracia Portuguesa e a sua esperança de que toda a classe operária e as forças democráticas uma vez mais consigam encontrar a unidade na sua luta para barrar o caminho a todas as ameaças reaccionárias e garantir o progresso democrático e social daquele país.

A Conferência de Helsínquia dos Estados Europeus — para cuja realização e bom êxito a União Soviética deu um contributo notável — marcou um importante passo em frente no caminho da detente internacional e da criação dum sistema de segurança colectiva na Europa. A coexistência pacífica é a única alternativa para uma guerra de extermínio; é condição de solução de conflitos entre Estados e de desenvolvimento da maior cooperação internacional em todos os campos. A coexistência pacífica, que não é sinónimo do status quo social e político, oferece o terreno mais favorável à luta contra o imperialismo e a favor da democracia e do socialismo. Sem deixarem de prosseguir esta luta, os dois Partidos desenvolvem a sua acção a favor de novos avanços no sentido da paz, da gradual redução mútua dos armamentos— com a meta final do desarmamento total — e duma gradual superação e dissolução dos blocos militares. E exprimem o seu propósito de contribuir para a união de todas as forças interessadas em travar a corrida aos armamentos.

Reafirmando o princípio da autonomia de cada Partido, do respeito, da não-interferência e do internacionalismo, o PCF e o PCI propõem-se prosseguir e reforçar a sua cooperação fraterna.


Sobre a Invasão da Checoslováquia: Autonomia e Internacionalismo
Achille Occhetto(8)


Diferentemente dos vários comentários dos jornais italianos à posição do PCI frente aos acontecimentos da Checoslováquia., a Stampa foi o único diário que conseguiu, em certa medida, distanciar-se do tradicional provincianismo dos comentadores políticos do nosso país ao tentar, pelo menos, intuir o real alcance da nossa atitude e da nossa política. Efectivamente, o diário de Turim descobriu que a rejeição do partido-guia é «um instrumento com o qual o PCI não se transforma, como erroneamente se pensa, numa força mais moderada; transforma-se num movimento que agora pode ter maior capacidade para alimentar uma carga revolucionária». Isto é, como acrescenta Vittorio Gorresio, o PCI é cada vez mais um partido capaz de guiar todos os revolucionários na batalha contra o sistema capitalista. Em resumo, o jornal da Fiat procurou ver para além das míopes especulações anticomunistas de sabor propagandístico para pôr de sobreaviso as classes dominantes contra o perigo de crerem que o PCI se tomou mais maleável ou esteja a perder o seu vigor combativo, e convida-as a considerar a possibilidade de virem a encontrar-se numa «situação menos tranquila» do que a do passado. Não há dúvidas de que a autonomia, para nós, é um instrumento para o desenvolvimento do movimento revolucionário e progressista e, ao mesmo tempo, um instrumento para a reconstrução de uma real unidade internacional. Concretamente, a Stampa percebeu que nós não estamos seguramente dispostos a renunciar ao nosso internacionalismo pelo prato de lentilhas de uma miserável inserção na política de centro-esquerda, na gestão de um sistema social destinado a desaparecer. Não, nós, ao assumir com clareza a nossa posição de reprovação da intervenção soviética, não cedemos às solicitações dos adversários, às lisonjas de amigos interesseiros, não nos vergamos às exigências de um democraticismo sem fronteiras e sem distinções mas comportamo-nos, antes de mais, como comunistas e como internacionalistas.

A nossa posição sobre os acontecimentos da Checoslováquia foi — numa situação que é dramática para quem sabe viver autenticamente o problema da liberdade — um dos momentos mais altos do nosso internacionalismo. E isto porque, nessas horas difíceis, tivemos a consciência aguda de que não se podia pôr o acento sobre a autonomia entendida como isolamento provinciano na hortazinha nacional, mas sobre o empenhamento em reconstruir sobre bases novas a unidade do movimento operário, mesmo através de uma discussão política e ideológica para fazer triunfar as posições justas. Neste sentido, para nós, a escolha nunca foi entre, dentro ou fora do campo das forças do socialismo, mas o problema que pusemos foi de como estar nesse campo para contribuir para superar erros e distorções e para o pleno desenvolvimento da luta anticapitalista e anti-imperialista.

Por isso, é necessário fazer viver nos factos uma nova concepção do internacionalismo e é necessário deixar campo livre ao pleno desenvolvimento da democracia socialista. O grande mérito do relatório de Longo ao Comité Central foi exactamente o de não ter-se limitado a exprimir apenas uma discordância, mas de ter querido recomeçar imediatamente uma obra de relançamento político e ideológico de uma perspectiva em que acreditar e pela qual lutar.

Agora devemos olhar para diante, conscientes das tarefas que a posição por nós assumida confia ao nosso partido, avançar com a consciência de que a frente de luta contra o imperialismo pode, mesmo neste momento difícil, alargar-se e reforçar-se mais. Ocorre por conseguinte aprofundar todas as consequências da afirmação Segundo a qual as fronteiras do socialismo não coincidem com as fronteiras dos países socialistas, mas são muito mais amplas porque encerram todas as forças que, no mundo, se batem contra o capitalismo e contra o imperialismo. Daqui resulta que uma verdadeira política internacionalista deve antes de mais sentir o dever de defender essas fronteiras que são fronteiras políticas e Ideológicas, que são fronteiras que atravessam, graças à luta dos comunistas e de todos os revolucionários, a Itália e os doutros países capitalistas, são fronteiras que dividem os operários dos patrões nas fábricas, os trabalhadores dos agrários nos campos, são fronteiras que alargamos com a vitória de 19 de Maio, são as fronteiras móveis da guerrilha da luta de libertação e são, finalmente, as fronteiras que cada dia se formam na consciência de cada homem, de cada socialista, de cada democrata.

Para iluminar esta consciência, que é a grande força moral da revolução em todo o mundo, é necessário partir sempre da consideração de que o socialismo não se pode impor às grandes massas humanas só através da luta económica, mas pode-se fazer triunfar sobretudo através de um confronto de valores e de ideais, bases para uma sociedade diferente e um homem novo.

Batemo-nos por um socialismo mais humano, dizem os camaradas checoslovacos. Pois bem, nestas horas ainda incertas, nós estamos sem hesitações com aqueles que querem destruir a burocracia conservadora porque sabemos que nos muros cheios de mofo da burocracia não pode germinar qualquer espírito revolucionário.

Eis porque a posição do Partido Comunista Checoslovaco não é, como afirmam alguns neodogmáticos repetidores de fórmulas: uma posição de revisão reformista; efectivamente, como afirmaram com clareza, ao contrário de outros, os próprios estudantes alemães da SDS «a tentativa de reforma da República Socialista Checoslovaca não é, de facto, um passo atrás em direcção à economia capitalista»; quando se pretende destruir o círculo da ossificação burocrática abre-se o caminho à participação, isto é, à autêntica inspiração revolucionária do socialismo. Eis a razão por que a nossa crítica à atitude soviética não enraíza, como pretendem alguns astutos comentadores burgueses, em qualquer motivação de direita, mas é uma crítica de comunistas a comunistas. Eis a razão por que nos batemos como revolucionários contra qualquer cedência à concepção dos imperialistas dos Estados Unidos da subdivisão do mundo em esferas de influência e em blocos contrapostos.

É verdade: nós queremos a unidade de todos os revolucionários e de todas as forças democráticas e de paz contra o imperialismo. Estejam portanto atentos os capitalistas: qualquer esforço do movimento comunista nu caminho da democracia socialista deve fazê-los tremer porque, deste modo, se reforça a alternativa de uma saciedade socialista, por a democracia socialista não é para nós uma cedência à democracia burguesa, mas o instrumento para a realização de uma nova liberdade.


Notas de rodapé:

(6) Do secretariado do PCI e deputado. Texto publicado em The Italian Communists (foreign bulletin of the PCI), nº 5-6, Setembro-Dezembro de 1975, pp. 58-64. (retornar ao texto)

(7) Em francês no original (N. do T.) (retornar ao texto)

(8) Membro da direcção do PCI, secretário regional na Sicília. Editorial de L’Unità, 1-9-1968, logo após a invasão da Checoslováquia. (retornar ao texto)

Inclusão 02/06/2015