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No que diz: respeito ao nosso país, lutamos para avançar para o socialismo por uma via democrática — que é uma via de luta de classes e de luta de massas muito áspera; e pensamos que se possa e se deva não só avançar para o socialismo mas também construir a sociedade socialista com o contributo de forças políticas, de organizações, de partidos diversos; pensamos que, nas nossas condições, a hegemonia da classe operária deva realizar-se numa frente de luta, num bloco de poder, num sistema político pluralista e democrático. Eis porque o modelo se assim nos podemos exprimir — de socialismo, pelo qual a apelamos à luta a classe operária e os trabalhadores italianos, é diferente de qualquer outro modelo existente.
E. Berlinguer
Discurso na conferência de partidos comunistas
em Moscovo, Junho de 1969
Na impossibilidade de publicarmos todo o texto do programa do PCI como é de nosso hábito nesta colecção, fomos forçados a seleccionar trechos da proposta do PCI para a resolução dos problemas da sociedade, italiana. É o mais importante documento recentemente difundido. Fomos obrigados a fazer o mesmo com a precedente entrevista de Berlinguer.
A Itália tem necessidade de uma nova direcção política e moral, assente sobre o entendimento entre todas as forças democráticas e populares e sobre a participarão qualificada de todas as componentes do movimento operário na direcção da vida nacional. É uma necessidade que se revela imperiosa com a experiência dos últimos anos. Esta é a primeira condição para fazer sair o país da crise económica, social, política e moral que o atormenta...
Às interrogações e preocupações que hoje assaltam os Italianos, nós, comunistas, respondemos falando a linguagem da verdade. Ocorre olhar de frente para a realidade. A situação é extremamente crítica. É preciso um esforço sério para sair desta situação. Não é possível prometer tempos fáceis. Quem o fizer, para ganhar o favor dos eleitores, é um demagogo. Quem encobrir ou quiser proteger as posições dos grupos privilegiados e das categorias que gozam de vantagens especiais é um irresponsável. Para fazer sair a economia e a sociedade italianas da crise que as assaltou, impõe-se uma viragem na orientação política governativa, mas também nos comportamentos dos indivíduos e dos diferentes grupos sociais que não correspondem ao efectivo saneamento e renovação dia vida nacional. Para assentar o desenvolvimento do país em novas e mais seguras bases é necessário um período de austeridade. Mas para seguir este caminho é necessário ter plena confiança nas possibilidades de relançamento da nossa economia e de solução efectiva dos nossos problemas. Dentro de alguns anos, no decurso da legislatura parlamentar que vai nascer com as eleições de 20 de Junho, pode-se fazer sair a Itália do túnel da crise, pode-se ver o início de um período novo e de autêntico progresso para o povo e para a nação.
Poder-se-á pedir aos trabalhadores e às massas populares um esforço ainda maior se se garantir uma justiça cada vez maior na adopção das medidas necessárias e na distribuição da riqueza. A injustiça social ó inimiga da solidariedade nacional. Devem salvaguardar-se os interesses e melhorar decisivamente as condições das camadas mais pobres, das massas já obrigadas às mais duras renúncias. Sacrifícios apropriados devem ser impostos principalmente aos grupos privilegiados. Para pedir a todos que contribuam para o necessário empenhamento comum é necessário indicar uma perspectiva clara, fazer participar democraticamente largas massas de trabalhadores e de cidadãos na definição das opções que hoje se impõem. Não foi dada nenhuma destas garantias, nenhuma destas condições foi realizada pelos governos dirigidos pela DC. Os sacrifícios foram sempre e essencialmente pedidos às classes trabalhadoras.
Em que campos e em que sentido se impõe actualmente grande severidade? É necessária severidade no campo da gestão da coisa pública, no campo da utilização dos recursos, na atitude doe indivíduos e das massas frente a algumas exigências fundamentais. É necessária firmeza na luta contra o esbanjamento, contra os rendimentos parasitários e especulativos, contra a corrupção; e na contenção dos rendimentos mais altos, na protecção dos rendimentos mais baixos. É necessária firmeza para preparar e levar à prática uma gradual superação da «floresta remunerativa», dos graves e injustificados desequilíbrios de tratamento que se verificam —em consequência sobretudo da política de clientelas da DC— entre as diversas categorias de trabalhadores e dentro de cada uma delas, sobretudo no sector público. É necessária decisão para evitar uma expansão incontrolada dos consumos individuais, incompatíveis com as actuais condições e exigências do país. É necessário um forte empenhamento dos empresários para reinvestir na Itália os lucros e concentrar todos os seus meios e as suas capacidades de iniciativa nos sectores produtivos. É necessário um rigoroso empenhamento de todos no trabalho, um rigoroso empenhamento dos jovens no estudo para adquirirem uma nova e mais elevada qualificação cultural e profissional.
É opinião dos comunistas — como já dissemos repetidas vezes— que não se deve procurar uma extensão ulterior do sector público da economia mas uma reordenação e um empenhamento renovado deste sector actualmente suficientemente vasto — para se alcançarem os principais objectivos de desenvolvimento económico e social fixados pela instância de programação democrática. Deve-se procurar oferecer, através da programação, um quadro de referência para as opções das empresas privadas e orientar o seu desenvolvimento nas direcções consideradas prioritárias. Reconhece-se não só a particular função social das pequenas e médias empresas) mas a liberdade de iniciativa de todas as empresas privadas. Estas tendem a trabalhar na base das solicitações do mercado em ordem à obtenção do lucro. A política de programação deve procurar — sem ignorar o jogo dos mecanismos de mercado— criar novas conveniências para as decisões das empresas e empenhar as maiores empresas e as organizações patronais, através de meios adequados, na obtenção de determinados fins de interesse geral. O essencial é que o desenvolvimento do país deixe de ser condicionado —como aconteceu no passado, através de uma política que levou à profunda crise actual — pelos interesses e pelas decisões dos grandes grupos monopolistas.
A validade e o sucesso de uma nova política de programação estão ligados a um mais amplo desenvolvimento da vida democrática a todos os níveis e, por conseguinte, à participação de todos os cidadãos na formação das opções e das decisões a adoptar, especialmente no campo da política económica. Assume especial relevância no quadro da programação a questão da relação com os sindicatos e da participação operária. A autonomia dos sindicatos deve ser plenamente respeitada, mesmo no âmbito dos trabalhos de programação: compete aos sindicatos decidir as formas do seu contributo na elaboração de cada um dos programas e das orientações gerais da programação e, sucessivamente, a partir do seu juízo, as formas do seu contributo para um positivo desenvolvimento da política de programação. A questão que está na ordem do dia — depois da conclusão dos novos contratos de trabalho para algumas categorias fundamentais da indústria— é a do pleno reconhecimento da função nacional da classe operária, do direito dos trabalhadores e dos seus representantes a aceder, nas maiores empresas, aos dados da gestão empresarial, a participar num debate empenhado sobre os programas de investimento e a exercer um controle sobre a sua actuação. O reconhecimento e o exercício — ao nível da grande empresa, como no plano territorial e à escala nacional — destes novos direitos de participação e de controle da classe operária, abrirão uma nova fase na política de programação, nas relações industriais e na gestão da economia.
É necessária também uma nova política para as Forças Armadas com o fim de lhes aumentar a eficiência, em ordem à segurança e à independência da nação e para garantir as instituições da República. Na base de qualquer reforma neste campo deve estar uma inspiração democrática. Ocorre partir do princípio de que o soldado e o oficial são cidadãos, que cumprem um dever o que, como tais, devem ser respeitados e gozar de todos os direitos que competem ao cidadão. As Forças Armadas não devem ser um corpo à parte mas viver em estreita comunhão com o povo e com as instituições democráticas.
As nossas propostas tendem, além do mais para: confirmar a validade do serviço militar obrigatório, que deve, porém, servir não apenas como treino militar, mas deve também procurar o aperfeiçoamento cultural e a preparação profissional dos soldados e dos oficiais e contribuir para o desenvolvimento da sua consciência cívica; garantir, no respeito de uma disciplina consciente, o exercício dos direitos civis e políticos de todos os elementos das Forças Armadas, estabelecer uma relação directa entre Forças Armadas e Parlamento.
O pleno respeito da liberdade, religiosa, da autonomia de todas as organizações religiosas e Igrejas, a clara reafirmação da soberania e independência do Estado italiano e da Igreja católica, exigem a solução do problema que, nos últimos anos, os governos dirigidos pela DC inadmissivelmente iludiram: a adequação, com o acordo de ambas as partes, da regulamentação das relações entre Estado e Igreja — actualmente baseados na Concordata de 1929 — à nova realidade do País.
Mas não deve entender-se a laicidade do Estado apenas no sentido da independência da Igreja, mas mais amplamente, que não pode fazer sua uma ideologia particular ou privilegiar esta ou aquela corrente cultural, filosófica, cientifica, artística. Está-se longe ainda, nu Itália, de uma aplicação integral, coerente, deste princípio, desta concepção que, para nós, é válida, mesmo na perspectiva do socialismo.
Nos anos passados — sob o impulso de um movimento de opinião cada vez mais amplo e com a contribuição autónoma e determinante do Partido Comunista —, em geral, avançou-se no caminho da extensão dos direitos cívicos e da participação democrática. Mas devem-se dar novos e substanciais passos sobretudo num mais amplo reconhecimento e acolhimento das instâncias do movimento de emancipação e libertação da mulher.
O desenvolvimento sem precedentes deste movimento no decurso dos últimos anos representou um dos factos de maior relevância e significado na evolução recente da sociedade italiana.
Grandes massas femininas amadureceram urna nova consciência de si: é muito viva actualmente a procura por parte das mulheres de uma participação autónoma na vida social, cultural, política: cresce nelas a vontade de viver de modo novo as relações interpessoais, de modo a fundamentá-las cada vez mais nas grandes ideias da Igualdade, da dignidade, da plena expressão da personalidade de cada um. O desenrolar e o sucesso da batalha contra a derrogação da lei do divórcio deram o sinal do despertar e da maturação de largos estratos das massas femininas. Tudo isto exprime o desenvolvimento de uma grande e rica potencialidade democrática, representa uma solicitação poderosa para a renovação política, social e moral da nossa sociedade. A consolidação e o relançamento da democracia italiana passam também por uma capacidade efectiva de todas as forças políticas democráticas para oferecer a esta nova presença e interrogação das massas femininas novas respostas.
Uma política, que em todos os campos deve tender para remover todos os obstáculos à plena expressão da personalidade da mulher, deve ser acompanhada por um esforço para abolir das leis do pais e da prática quotidiana qualquer forma residual de discriminação relativamente à mulher, no plano das responsabilidades profissionais como no do tratamento previdencial e fiscal, no plano dos regulamentos escolares como no das eleições para as cooperativas de agricultores. São indispensáveis a vigilância e a iniciativa do Governo — até agora bastante omissas— para a aplicação integral dos importantes resultados já conseguidos no campo legislativo, mas são também indispensáveis novas intervenções de carácter legislativo, no quadro de uma multiforme acção geral com o objectivo de garantir à mulher plena igualdade e plena possibilidade de participar na vida social, económica e política.
Dentro deste quadro, a partir das experiências importantes que já se realizaram nos Concelhos e nas Regiões, nós, comunistas, apontamos a necessidade de criar um método de consulta das associações e movimentos femininos por parte do Governo e do Parlamento, sempre que se decidirem questões que se revistam de especial interesse para as massas femininas.
É possível começar já a entrever as linhas da nova sociedade da nova Itália., que nós cremos que possa vir a nascer da crise actual.
Emergiram novos valores das experiências vividas nestes anos pela sociedade italiana: difíceis, contraditórias, mas ricas, como nunca, de fermento e de aquisições positivas.
Falemos antes de mais dos valores morais, porque é aqui que os falhanços podem vir a ser irreversíveis. Da solidariedade expressa nas lutas sociais à igualdade de direitos, solicitada na escola e no trabalho; das iniciativas para recuperar para a vida social os marginalizados e os excluídos à vontade de elevação da condição humana que se manifesta em reivindicar o direito à saúde e à instrução; do espírito de tolerância e de cívica confrontação afirmado na luta das ideias ao pluralismo criativo na cultura e na arte: tudo isto, experiências vividas por milhões de italianos, revela já tendência para o afirmar-se de uma nova moral que tenta opor-se ao egoísmo, ao privilégio, à segregação dos fracos, à decadência psíquica e física dos indivíduos, à violência e ao dogmatismo.
Falemos das experiências políticas. Está a amadurecer na vida sindical, nas experiências das administrações locais e regionais, no trabalho parlamentar de formulação de leis, uma possibilidade que nunca tinha existido na Itália e que tem bem poucos paralelos nos outros países, de colaboração entre diferentes forças, que, sem abandonarem as suas ideologias, antes considerando-as fértil campo de elaboração, se propõem objectivos políticos e sociais comuns a alcançar para o bem da, comunidade.
Ao movimento operário e à esquerda europeia cabe um papel novo e decisivo, em sentido democrático, na renovação das sociedades europeias. A crise italiana é um aspecto da crise mais vasta da Europa e do Ocidente capitalista e, mais em geral, da ordem e da estrutura do mundo que saíram da Segunda Guerra Mundial. Daí a nossa escolha, clara e coerente. Ela nasce da convicção de que a actual crise do mundo capitalista ameaça não só a economia e o desenvolvimento democrático das sociedades europeias mas comporta o risco de um declínio histórico desta parte do mundo. Por isso, é interesse vital do movimento operário que a Europa ocidental e, em primeiro lugar, a Europa comunitária defenda e desenvolva o seu papel como entidade autónoma na cena mundial. Ao escolher, neste quadro, o caminho de um desenvolvimento da Itália para o socialismo, e que se realize na democracia, no pluralismo, na defesa e ampliação das liberdades cívicas e políticas, nós não nos estamos a disfarçar nem renunciamos a ser nós próprios. Pelo contrário, escolhemos o único caminho que, no Ocidente, pode permitir à classe operária assumir uma nova função directiva e só enquanto ela exercer a missão de defender e desenvolver todas as conquistas e todos os valores positivos que se afirmaram no passado através dum longo e duro desenvolvimento histórico da Europa. A. questão da colaboração entre as forças democráticas e populares põe-se, em toda a Europa ocidental, em termos novos. Está-se pela primeira vez, diante da possibilidade de empreender uma grande obra comum, a obra da unidade e da renovação da Europa, na qual cada componente não ofusca mas desenvolve plenamente as suas próprias características e os seus valores específicos e originais. É neste contesto que a Itália poderá vir a readquirir um grande peso internacional porque só neste contexto e nesta perspectiva tudo o que ela representa — o seu património de valores históricos, ideológicos, culturais — poderá realmente contar. Fora disto estará sempre condenada à marginalização e a tomar-se objecto das decisões de outrem. O assumir por parte do Partido Comunista de novas responsabilidades como força de governo não é um perigo mas uma garantia para a presença da Itália na Europa e no mundo.
A exigência de uma política de desanuviamento, de coexistência pacífica, de redução equilibrada e controlada dos armamentos — simultaneamente com a exigência de uma unidade europeia efectiva — é actualmente reconhecida em Itália por um vasto leque de forças. Mas uma real, coerente e autorizada presença e iniciativa da Itália na cena internacional foi impedida pela persistência, no seio dos governos da DC, de preconceitos anti-comunistas, de mesquinhas preocupações de propaganda, de concepções subalternas e até de elementos de corrupção.
Inclusão | 29/05/2015 |