MIA > Biblioteca > Imprensa > Novidades
Bastantes comunistas chineses, conta Mao Tsé-tung, não largavam nunca os livros e tornaram-se uns após outros contra-revolucionários; liam livros marxistas, copiosos tratados de ciências sociais e tornaram-se «sábios», «estudiosos», intelectuais». «teóricos», etc., desligaram-se da prática das massas e tornaram-se renegados da Revolução. Os revolucionários, os que se propõem transformar o mundo, não concebem o materialismo dialéctico como um método próprio ao acto do conhecimento; o próprio processo do conhecimento é radicalmente diferente no materialismo dialéctico e nas várias versões do idealismo. Os que se propõem transformar o mundo e não apenas «conhecê-lo», dissecá-lo, descrevê-lo, catalogá-lo, sabem que há uma relação dialéctica entre o método e o acto do conhecimento — há uma prática teórica dialeticamente relacionada com a prática social do agente do conhecimento. O burguês «marxista» que, na tranquilidade do seu gabinete de trabalho, longe das multidões ululantes, longe das tempestades sociais, se propõe estudar, com base em académicos dados estatísticos e sociológicos, a condição do operariado numa determinada formação social é um idealista.
Escreve Mao Tsé-tung:
«Para determinar se tal ou tal representante da camada intelectual é revolucionário, não revolucionário ou contra-revolucionário, há um critério decisivo: saber se ele quer ligar-se às massas operárias e camponesas e se de facto se liga a elas».
A ligação às massas, a inserção nas lutas populares é a única prática capaz de revolucionar o intelectual Filho por excelência da divisão burguesa do trabalho, o intelectual só é revolucionário quando a sua prática (social e política e, portanto, teórica) recusar a sua condição de reprodutor do saber imposto à classe operária. Não é lendo e devorando livros marxistas que um intelectual (burguês) se transforma num (intelectual) revolucionário. é participando concretamente nas lutas de massas, aprendendo nelas e com elas, fazendo progredir a teoria e a prática revolucionárias. Um «marxista» livresco pode ser, num momento e numa situação precisos, um aliado da revolução — nunca será porém um intelectual revolucionário, um militante, e tende, pela sua inserção social, pela sua prática, a transformar-se num contra-revolucionário.
«Enquanto não se incorporam de alma e coração nas lutas revolucionárias das massas, enquanto não se decidem a servir os interesses das massas e a fundir-se com elas, os intelectuais tendem com frequência a ser subjectivistas, individualistas, pouco práticos no raciocínio e irresolutos na acção.» (Mao Tsé-tung).
Fazei inquéritos e não digais asneiras! Isto é: inquiri entre as massas, fundi-vos com elas, perguntai, vivei no meio delas e sabereis quais as suas fraquezas e qual a sua força.
O inquérito operário, o inquérito marxista-leninista, é o pressuposto de uma luta política radical, isto é, que toma as coisas pela raiz, que vai à raiz das coisas, que conhece a realidade de A a Z, para a transformar de A a Z. Pressupõe, por sua vez uma profunda capacidade de inserção das vanguardas nas massas, uma movimentação dos revolucionários entre as massas com o à-vontade dos peixes na água. Assim, se o método do inquérito aparece já esboçado nos clássicos, (Marx, Engels, Lenine), só a prática política, profundamente inovadora e profundamente inserida nas massas populares, do Partido Comunista Chinês, dá origem ao inquérito operário. Daí a opção que está na base desta recolha de textos: publicamos textos de Mao e um inquérito de Marx que faz, junto deles, figura de glorioso antepassado. É com o maoísmo — o marxismo-leninismo da nossa época — que o «inquérito operário» adquire o seu pleno significado.
O inquérito marxista diz essencialmente respeito à luta de classes. O seu objecto por excelência é a luta de classes, as suas manifestações concretas, o grau de combatividade, de consciência e de preparação que as classes atingiram através do devir histórico e no decurso da luta. A luta de classes não é uma categoria morta que possa ser compreendida e esquematizada através apenas do económico, isto é, das estatísticas de salários e dos estudos académicos sobre os mais-valias. O político e o ideológico são terrenos característicos da luta de classes, e sem os conhecer a fundo, sem os conhecer realmente, por intermédio da prática, do inquérito, qualquer esboço acerca da situação e da evolução de uma sociedade é fictício («A história da humanidade é a história da luta de classes», Marx-Engels). Saber quais os problemas que, de facto, afectam os intervenientes na luta (proletários, camponeses, outros trabalhadores) e como lhes é perceptível essa luta no dia-a-dia das relações de produção, é uma tarefa impossível de levar a caso sem o inquérito. Questões como as cadências, relações entre os proletários e os quadros, importância da aristocracia operária e dos lumpen, solidariedade operária horizontal, relevância do trabalho dos menores, das mulheres e dos negros na solidificação ou deterioração da consciência política, relações «humanas» com os patrões e outros «responsáveis», etc., etc. — só podem ser cientificamente conhecidos utilizando o inquérito, e não mediante a leitura fria de quadros ou fichas fornecidos pela burguesia, em que a relação dos dados escamoteia a globalidade das relações de classe e a sua verificação prática.
Sem inquérito não é possível adiantar análises correctas sobre a real situação da luta numa dada sociedade, e elaborar a estratégia e as tácticas justas em conformidade. Sem inquérito nunca poderá ser superada a incompreensão das necessidades e do nível de disposição das massas, e as «vanguardas» permanecerão eternamente a reboque de acontecimentos que não previnam nem, por isso, puderam conduzir, e só vêm a compreender demasiado tarde — isto quando mesmo não refrearam objectivamente os movimentos que não estavam de acordo com as suas análises irrepreensivelmente «marxistas» Sem inquérito não há direito à palavra.
Perguntar-se-á se os dados conseguidos pela sociologia burguesa são completamente imprestáveis para fundamentaram uma análise científica do real. Dir-se-á (e bem) que não. As conclusões estatísticas do inquérito burguês são certamente, a muitos níveis, importantes para ilustrarem e canalizarem a concepção dialéctica do mundo. Mas são insuficientes.
O materialismo histórico nasce da compreensão de que a sociedade capitalista é predominantemente dicotómica e rejeita a versão burguesa que considera a força de trabalho simples elemento do Capital, como tal estudando a classe e o movimento operários. A classe operária, operando como elemento conflitual e logo capitalista, ou como elemento de oposição e logo anti- capitalista, exige uma observação científica absolutamente específica. Os dados burgueses são pois úteis, mas são incompletos unilaterais, deformantes — tanto mais quanto se apresentam como abarcando toda a realidade. O «inquérito» burguês, mesmo efectuado por «marxistas» com boas intenções (ou só com boas intenções dos não-marxistas), fornecerá porventura material importante para a elaboração das análises materialistas, mas, porque elaborado do exterior da classe operária, nunca chegará ao fundo dos abismos, nunca atingirá as ideias justas. Marx, criticando a Economia Política (burguesa) acentuava o seu carácter limitado, unilateral. Considerar o operário apenas como um factor de produção não é falso, mas é parcial. O método materialista e, nomeadamente, o inquérito operário superam as colecções de dados «neutros» que são a Economia Política e a Sociologia (burguesas).
Mais ainda do que pela consideração da especificidade iniludível do papel histórico da classe operária (em particular) e das classes populares (em geral) e pela recusa em estudar as classes exploradas como simples elementos do movimento do Capital, o inquérito operário distingue-se das sociologias burguesas e revisionista porque se insere na prática que inquire. Um mero conjunto de perguntas a efetuar, não é um inquérito operário. Só alguém ou algum grupo profundamente comprometido na luta de classes, profundamente encharcado na conjuntura que investiga, pode ousar fazer um inquérito operário. Inquirir junto das massas é um acto de militância, antes de ser um acto de investigação.
Inclusão | 19/09/2018 |