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Em nossa última lição analisaremos o papel das grandes personalidades e das causalidades, na história, do ponto de vista materialista.
O desenvolvimento da história está ligado a certos acontecimentos históricos, nos quais certas personalidades, de um lado, e certas casualidades, por outro, desempenham geralmente papel importante. É esse papel que devemos investigar.
Falando dos acontecimentos históricos que reúnem muitos indivíduos (como revoluções, guerras, etc.), não trataremos aí de indivíduos, mas de coletividades, e já sabemos que a psicologia individual está comprometida na psicologia coletiva. Não podemos deixar de lado o fato de grandes personalidades desempenharem às vezes papel importante nesses acontecimentos. Ainda mais: esta ou aquela personalidade pode deixar de fato sinais de si, sobre a época em que vive ou atua. Não podemos negar, por exemplo, que Marx tem na história do movimento operário um dos mais importantes papeis; que idêntica influência exerceram em seu tempo, por exemplo, Napoleão , nos acontecimentos da França e Lenine no desenvolvimento da Revolução Russa. Surge então a pergunta: — em que consiste o papel dessas personalidades e como se explica sua importância e, por outro lado, se o fato, de desempenharem eles, papel importante não estará em contradição com os fundamentos do materialismo histórico. Sabemos mais, que em certos momentos sucedem, na vida da sociedade, casualmente, devido ao encontro de diversas causas, grandes e importantes acontecimentos. Este ou aquele invento pode, de certa maneira, imprimir certa direção ao desenvolvimento posterior da sociedade (estando alguns cientistas pesquisando os meios de conseguir alimentos artificiais, imaginemos que na Rússia, certo cientista consiga descobrir agora esses meios; um tal acontecimento viria colocar a Revolução Russa em caminhos bem diversos e abriria a ela perspectivas completamente diferentes)[1].
Essa questão do papel das personalidades e casualidades na história deve ser explicada cientificamente, pois sendo impossível prever quais as personalidades que irão nascer e que causalidades irão acontecer, quer dizer isso que não se poderia de forma alguma, prever a marcha da evolução.
Para responder com acerto essa questão, deve-se analisar o fenômeno das personalidades e casualidades e ver de que elementos são formados e em que consiste sua ação na história.
Vejamos em que consistia a personalidade de Napoleão; por que se destacou ele da média de todos os homens, e em consistia sua superioridade.
Napoleão foi um grande estrategista e, graças à sua vontade forte e à sua enorme energia, exerceu grande influência sobre outros homens e pode dirigi-los. Com isso ele se destacou da massa circulante. Exatamente na época em que Napoleão aparecia no palco da história, a França encontrava-se numa situação em que essa extraordinária habilidade pôde ser aproveitada (se, por exemplo, Napoleão tivesse existido cinqüenta anos antes, suas habilidades estratégicas não seriam aproveitadas e ele não seria “um Napoleão”). Para que seu talento estratégico pudesse aparecer e ser devidamente aproveitado, Napoleão teve que viver em certa época correspondente. Mas a época da Revolução Francesa não foi por ele criada, antes, ela o criou como tal, e Napoleão, como personalidade, é por isso um produto de sua época. Portanto: — para que as grandes personalidades possam ser aproveitadas, devem elas antes de tudo ter nascido numa época correspondente. Somente a Revolução Francesa que colocou no poder a burguesia comercial e industrial, com suas aspirações naturais e vitais de expansão, deu lugar a que se manifestasse o talento de Napoleão. Se não houvesse uma pessoa tão hábil como Napoleão, não haveria talvez tantas vitórias, mas a França, com as suas aspirações expansoras de então, seria tal, com ou sem Napoleão; por outro lado devido à supremacia técnica da Inglaterra na situação econômica e política internacional, a França, mesmo com Napoleão, teve, finalmente, que perder a guerra. Alem disso, deve-se tomar em consideração que Napoleão recebeu certa educação, teve certas idéias, realizou certas aspirações. Tudo isso não foi tomado fora da sociedade. Ao contrário, era o resultado do estado geral da sociedade francesa daquela época. Dessa forma, acontece que Napoleão se tornou “Napoleão” devido às condições sociais da época em que vivia. A própria personalidade é em sua maior parte o resultado das relações sociais, do meio social, que são determinadas, em última análise, pelas relações de produção.
O mesmo se pode dizer de Lenine, que é um dos maiores estrategistas no campo da luta de classes e que possui uma vontade férrea e uma energia inquebrantável, e cuja influência sobre as massas é colossal[2]. O saber de Lenine e sua estratégia deram-lhe a possibilidade de manobrar magistralmente entre diversos grupos e classes sociais, precisar o estado da luta e a combatividade de cada classe. Sua vontade férrea e sua energia inquebrantável deram-lhe a possibilidade de constituir um partido comunista tão forte e conseqüente como o nosso.
Não foi Lenine quem criou a Revolução Russa, mas a Revolução Russa o criou. Somente alguns aspectos da revolução Russa é que trazem a marca de Lenine, e se tais traços individuais emprestam à Revolução certa fisionomia, sua marcha geral, porem, é determinada pela atividade das grandes massas operárias e camponesas. Somente os camponeses descontentes, por um lado, e a forjada combatividade do operariado por outro, e a guerra, a crise no organismo capitalista, somente esses três fatores é que puderam ter determinado a Revolução. Lenine sabia muito bem auscultar o pulso da Revolução, sabia como manobrar. Em geral, porem, sua marcha é determinada pela coletividade, pelas grandes massas e seus interesses. O mesmo podemos dizer do papel de Marx no movimento operário mundial, sobre o qual em certo sentido deixou ele sua marca individual.
Também podemos apreciar o papel das grandes personalidades e outro ponto de vista. Sendo a história toda, o resultado da atividade humana (“são os homens que fazem a história”, disse muito bem Engels), acontece que cada indivíduo desempenha um papel na história, pois que a atividade coletiva nada mais é do que a soma de atos individuais. Nesse sentido se diz que com certo ato ou com a soma de certos atos, começa uma nova época na história. A diferença entre a atividade (atos) de uma grande personalidade e a da média dos membros da sociedade é quantitativa e não qualitativa, mas a quantidade às vezes se transforma em qualidade e os atos das grandes personalidades podem se tornar inícios de grandes modificações ou revoluções, que o trabalho anterior dos homens médios havia preparado. Os grandes homens estão como que impregnados da energia dos atos de milhares e milhões de homens da massa que os preparam. Tirem-lhes, porem, essa energia potencial e ficam eles (os atos dos grande homens) sem força, e perdem sua significação.
Se em vez de épocas inteiras tomarmos diferentes momentos em distintas épocas, veremos que cada momento tem sua fisionomia. Essa fisionomia é em certa medida determinada pela atividade de personalidades que se destacam mais ou menos da média dos homens. A diferença aqui está somente no âmbito, na grandeza da atividade desta ou daquela personalidade e na proporção dos resultados. O papel dos grandes homens no conjunto dos acontecimentos é, por isso, limitado aos traços e cores individuais nos acontecimentos dados, e sendo que, na história, afinal não são os traços e cores individuais que desempenham o papel mais importante, mas sim o conteúdo e a própria forma dos acontecimentos, claro está que o papel de um grande homem é proporcionalmente pequeno, na história.
Desta forma podemos estabelecer que, segundo o ponto de vista materialista, não é completamente afastado e negado o papel de certas grandes e até pequenas personalidades. O materialismo histórico somente esclarece em que consiste essa atividade, o que a provoca e determina. A diferença entre grandes e menores personalidades está somente na quantidade, mas não na qualidade, porque as grandes personalidades não criam as condições gerais, ao contrário elas próprias (os grandes homens) são criadas pelas condições e provocadas pelos acontecimentos.
O mesmo se deve dizer também dos importantes acontecimentos casuais. Eles desempenham papel na história, eles representem um acontecimento histórico somente quando o terreno social está preparado para que possam despertar as forças letárgicas e a energia potencial. Sem isso, eles passam despercebidos na história. O descobrimento, por exemplo, de certa lei natural, só se poderá dar quando a ciência o preparou e só pode tornar-se um fator influente no momento em que a sociedade pode e deve aproveitá-lo.
O materialismo histórico traz no conjunto de suas explicações o papel e a influência de grandes personalidades e de casualidades importantes. Os grandes acontecimentos nos servem para destacar na história épocas distintas; as grandes personalidades para compreender os traços individuais contidos na história. O materialismo histórico tem sua maior significação em chamar o homem à atividade. Tendo encontrado as leis da evolução social, ele vê quais as classes que podem progredir e lhes dá para al a consciência, — o archote que iluminará o seu caminho histórico revolucionário.
Até os últimos tempos os filósofos esforçavam-se por compreender o mundo; agora, porem, apresenta-se diante da filosofia o problema de reconstruir o mundo, disse Marx. No materialismo histórico sintetizou Marx a compreensão da evolução da sociedade com a vontade modificá-la e nos deu o instrumento para essa modificação. O materialismo histórico tornou-se deste modo uma filosofia e um instrumento da classe operária e revolucionária, em sua luta pela libertação e na sua tentativa de formar um mundo novo.
Notas:
[1] Estas lições foram dadas em 1921 na época da fome na Rússia. (retornar ao texto)
[2] No presente por ter sido escrito em 1921 e Lenine ter morrido em 1924. (N.P) (retornar ao texto)
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Inclusão | 17/04/2010 |