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Camarada Notkin:
Não me apressei com a resposta, porque não considero urgentes as questões por você apresentadas. Além disso, existem outras questões, de caráter urgente, que naturalmente desviaram a minha atenção de sua carta.
Há nas "Observações" a conhecida tese de que a sociedade não é impotente ante as leis da ciência e que os homens podem, conhecendo as leis econômicas, utilizá-las no interesse da sociedade. Você afirma que esta tese não pode ser aplicada a outras formações sociais, que ela só pode vigorar no socialismo e no comunismo, que o caráter espontâneo dos processos econômicos, por exemplo, no capitalismo, não permite à sociedade utilizar as leis econômicas no seu interesse.
Isto não é certo. Na época da revolução burguesa, na França, por exemplo, a burguesia usou contra o feudalismo a conhecida lei da correspondência obrigatória das relações de produção com o caráter das forças produtivas, pôs abaixo as relações de produção feudais, criou as novas relações de produção burguesas e colocou-as em correspondência com o caráter das forças produtivas, formadas no seio do regime feudal. A burguesia fez isso não porque tivesse aptidões especiais, mas porque estava, vitalmente interessada nisso. Os feudais resistiram a isso não porque fossem estultos, mas porque estavam vitalmente interessados em impedir a realização dessa lei. O mesmo é preciso dizer da revolução socialista em nosso país. A classe operária utilizou a lei da correspondência obrigatória entre as relações de produção e o caráter das forças produtivas, destruiu as relações de produção burguesas, criou as novas relações de produção socialistas, pondo-as em correspondência com o caráter das forças produtivas. A classe operária pôde fazê-lo, não porque tivesse aptidões especiais, mas porque estava vitalmente interessada nisso. A burguesia que, de força de vanguarda, nos albores da revolução burguesa, já se havia convertido numa força contra-revolucionária, resistiu, por todos os meios, à realização dessa lei — e resistiu não porque lhe faltasse organização nem porque o caráter espontâneo dos processos econômicos a isso a obrigasse, mas, principalmente, porque estava vitalmente interessada em impedir a realização dessa lei.
Por conseguinte:
A diferença, neste caso, entre o proletariado, de um lado, e as outras classes que já realizaram no decorrer da história revoluções nas relações de produção, de outro lado, consiste em que os interesses da classe proletária se fundem com os interesses da maioria esmagadora da sociedade; pois a revolução do proletariado significa não a abolição desta ou daquela forma de exploração, mas a abolição de qualquer exploração, enquanto as revoluções das outras classes, abolindo apenas esta ou aquela forma de exploração, se limitaram ao quadro de seus estreitos interesses de classe, que se encontravam em contradição com os interesses da maioria da Sociedade. Nas "Observações" fala-se sobre o caráter de classe da utilização das leis econômicas no interesse da sociedade. Lá se diz que "diferentemente das leis das ciências naturais, onde o descobrimento e a aplicação de uma nova lei realiza-se mais ou menos suavemente, no domínio econômico os descobrimentos e as aplicações de novas leis, que afetem os interesses das forças moribundas da sociedade, encontram a mais forte resistência, por parte dessas forças". Todavia você não prestou atenção a isto.
Você afirma que a completa correspondência das relações de produção com o caráter das forças produtivas só pode ser alcançada no socialismo e no comunismo, e que nas outras formações sociais somente uma incompleta correspondência se pode realizar.
Isto não é certo. No período posterior à revolução burguesa, no qual a burguesia destruiu as relações de produção feudais e instituiu as relações de produção burguesas, houve inegavelmente períodos em que as relações de produção burguesas correspondiam plenamente ao caráter das forças produtivas. No caso contrário, o capitalismo não teria podido desenvolver-se com a rapidez com que se desenvolveu depois da revolução burguesa.
Ademais, não se devem compreender em seu sentido absoluto as palavras "completa correspondência". Não devem ser compreendidas no sentido de que no socialismo, não exista nenhum atraso das relações de produção em face do crescimento das forças produtivas. As forças produtivas são as mais móveis e revolucionárias forças da produção. Indiscutivelmente, elas marcham à frente das relações de produção, mesmo no socialismo. As relações de produção, somente depois de algum tempo se transformam de conformidade com o caráter das forças produtivas.
Como, neste caso, é preciso entender as palavras "completa correspondência"? Deve-se compreendê-las no sentido de que no socialismo, geralmente, não chega a haver um conflito entre as relações de produção e as forças produtivas, no sentido de que a sociedade pode, a seu tempo, colocar as relações de produção, que se atrasam, em correspondência com o caráter das forças produtivas. A sociedade socialista tem a possibilidade de fazê-lo, porque em seu seio não existem classes moribundas capazes de organizar uma resistência. Naturalmente, também no socialismo haverá forças inertes que se atrasam, que não compreendem a necessidade de modificar as relações de produção, mas, decerto, não será difícil vencê-las, sem chegar para isso a um conflito.
Dos seus raciocínios decorre que os meios de produção e, antes de tudo, os instrumentos de produção, fabricados por nossas empresas nacionalizadas, você os considera mercadorias.
Será possível considerar os meios de produção do nosso regime socialista como mercadorias? A meu ver, de modo algum isso será possível.
A mercadoria é um produto da produção que se vende a qualquer comprador, pelo que, ao efetuar-se a venda, o seu possuidor perde o direito de propriedade sobre ela, enquanto o comprador torna-se o proprietário da mercadoria, podendo revendê-la, empenhá-la, deixá-la estragar-se. Conviria definir dessa maneira os meios de produção? Claro que não. Em primeiro lugar, os meios de produção não "se vendem" a qualquer comprador, não "se vendem" nem aos kolkhoses; apenas são distribuídos pelo Estado entre suas empresas. Em segundo lugar, o dono dos meios de produção — isto é, o Estado — ao entregá-los a uma ou outra empresa, de nenhum modo perde os direitos de propriedade sobre esses meios de produção, mas, ao contrário, conserva-os integralmente. Em terceiro lugar, os diretores de empresas, que recebem os meios de produção do Estado, não somente não se tornam proprietários, mas ao contrário são considerados mandatários pelo Estado Soviético para dirigir o emprego os meios de produção de acordo com planos estabelecidos pelo Estado.
Como é evidente, os meios de produção, em nosso regime, não podem ser incluídos na categoria de mercadorias.
Por que, então, se fala do valor dos meios de produção, do seu custo, do seu preço, etc.?
Por duas razões.
Primeira. Porque é necessário para o cálculo, para a contabilidade, para determinar se as empresas são ou não rentáveis, para o controle e verificação das empresas. Mas isto é apenas o lado formal da questão.
Segunda. Porque é necessário para realizar, de acordo com os interesses do comércio exterior, a venda de meios de produção aos países estrangeiros. Aqui, no domínio do comércio exterior, mas somente neste domínio, nossos meios de produção realmente são mercadorias e realmente se vendem (sem aspas).
Resulta, desta maneira, que no domínio do comércio exterior, os meios de produção fabricados por nossas empresas conservam as propriedades de mercadorias, tanto na forma como também na essência, enquanto no domínio da circulação econômica dentro do país, os meios de produção perdem as propriedades de mercadorias, deixam de ser mercadorias, e saem dos limites da esfera de ação da lei do valor, conservando apenas a aparência de mercadorias (cálculos, etc.).
Como explicar estas peculiaridades?
Em nossas condições econômicas socialistas, na verdade, o desenvolvimento se realiza não sob a forma de revoluções, mas sob a de mudanças graduais, em que o velho não é pura e simplesmente abolido, mas muda de natureza para adaptar-se ao novo, conservando, apenas, sua forma; e o novo não destrói simplesmente o velho, mas penetra no velho, modificando-lhe a natureza e suas funções, sem romper a sua forma, mas aproveitando-a para o desenvolvimento do novo. Assim acontece não somente com as mercadorias, mas também com o dinheiro em nossa circulação econômica, bem como com os bancos que, ao perderem suas antigas funções e ao adquirirem novas, conservam sua forma antiga, utilizada pelo regime socialista.
Se encararmos o assunto do ponto de vista formal, do ponto de vista dos processos que operam na superfície dos fenômenos, pode-se chegar à falsa conclusão de que as categorias do capitalismo continuam vigorando em nossa economia. Se, ao contrário, examinarmos o assunto através da análise marxista, que faz uma rigorosa distinção entre o conteúdo do processo econômico e a sua forma, entre o que há de profundo nos processos de desenvolvimento e os fenômenos superficiais, então pode-se chegar à única e correta conclusão de que, das antigas categorias do capitalismo, conservou-se, em nosso país, principalmente a forma, a aparência exterior; quanto à essência, essas categorias mudaram radicalmente em nosso país, segundo as exigências do desenvolvimento da economia nacional, da economia socialista.
Você afirma que a lei do valor exerce uma ação reguladora sobre os preços dos "meios de produção", produzidos pela agricultura e entregues ao Estado pelos preços de tabela. Refere-se você, neste caso, aos "meios de produção" como matérias-primas, por exemplo, o algodão. Você poderia acrescentar também o linho, a lã e outras matérias-primas agrícolas.
Antes de tudo é preciso assinalar que neste caso a agricultura produz, não "meios de produção", mas sim um dos meios de produção — matérias-primas. Não se pode jogar com as palavras "meios de produção". Quando os marxistas falam da produção de meios de produção, têem em vista, antes de tudo, a produção de instrumentos de produção — aquilo que Marx chama de "meios mecânicos de trabalho, cujo conjunto pode denominar-se o sistema ósseo e muscular da produção", o que constitui os "sinais característicos distintivos de uma determinada época da produção social". Colocar no mesmo plano uma parte dos meios de produção (a matéria-prima) e os meios de produção, incluindo os instrumentos de produção, significa pecar contra o marxismo, pois o marxismo parte do papel determinante dos instrumentos de produção em comparação com todos os outros meios de produção. Todos sabem que a matéria-prima por si própria não pode produzir instrumentos de produção, embora algumas espécies de matérias-primas sejam necessárias como material para a produção de instrumentos de produção, ao passo que nenhuma matéria-prima pode ser produzida sem instrumentos de produção. Vamos adiante. Pode dizer-se que a ação da lei do valor sobre o preço das matérias-primas produzidas na agricultura, seja uma ação reguladora, como você o afirma, camarada Notkin? Ela seria reguladora se existisse em nosso país o "livre" jogo dos preços das matérias-primas agrícolas, se em nosso país funcionasse a lei da concorrência e da anarquia da produção, se não tivéssemos uma economia planificada e se a produção de matérias-primas não fosse regulada por um plano. Justamente porque todos estes "se" não existem no sistema da nossa economia nacional, a ação da lei do valor sobre o preço das matérias-primas agrícolas não pode, de modo algum, ser reguladora. Em primeiro lugar, porque os preços das matérias-primas agrícolas, em nosso país, são firmes e fixados por um plano e não "livres". Em segundo lugar, o volume da produção de matérias-primas agrícolas não é determinado por fatores naturais ou por quaisquer outros elementos casuais, mas por um plano. Em terceiro lugar, os instrumentos de produção, necessários à produção de matérias-primas agrícolas, estão concentrados não nas mãos de pessoas isoladas ou grupos de pessoas, mas nas mãos do Estado. Que resta, portanto, depois disso, do papel regulador da lei do valor?
De tudo isso se conclui que a própria lei do valor é regulada pelos fatos acima mencionados inerentes à produção socialista.
Por conseguinte, não se pode negar que a lei do valor atua na formação dos preços das matérias-primas agrícolas, que ela é um dos seus fatores. Com maior razão se torna inegável que sua atuação não é, e nem pode sera reguladora.
Ao falar da rentabilidade da economia nacional, da economia socialista, contestei, nas minhas "Observações", alguns camaradas que afirmam que em vista de nossa economia nacional planificada não dar maior preferência às empresas rentáveis e admitir também, ao lado dessas empresas, a existência das de pouca rentabilidade, ela destruiria o próprio princípio da rentabilidade na economia. Nas "Observações" ficou dito que a rentabilidade das empresas e ramos de produção isolados, não pode comparar-se com a rentabilidade superior que nos dá a produção socialista, ao livrar-nos das crises de superprodução, e ao garantir-nos um ininterrupto crescimento da produção.
Seria errado, porém, concluir daí que a rentabilidade das empresas e ramos de produção isolados não tenha valor particular e não mereça séria atenção. Isto, naturalmente, seria um erro. A rentabilidade das empresas e ramos de produção isolados tem enorme importância para o desenvolvimento da nossa produção. Ela deve ser levada em conta tanto no planejamento da construção, como no planejamento da produção. Este é o abc da nossa atividade econômica, na etapa atual do seu desenvolvimento.
Não se sabe como entender as suas palavras referentes ao capitalismo: "produção ampliada sob forma muito deformada". É preciso dizer que tal produção, e além disso ampliada, não existe no mundo.
É evidente que, depois que o mercado mundial foi dividido e que começou a reduzir-se a esfera de aplicação das forças dos principais países capitalistas (Estados Unidos, Inglaterra, França) aos recursos mundiais, o caráter cíclico do desenvolvimento do capitalismo — isto é, o crescimento e o declínio da produção — deve, apesar de tudo, persistir. O crescimento da produção nestes países, todavia, se fará numa base restrita, porque o volume da produção nestes países irá diminuindo.
A crise geral do sistema capitalista mundial começou no período da primeira guerra mundial, particularmente em conseqüência do afastamento da União Soviética do sistema capitalista. Esta foi a primeira etapa da crise geral. No período da segunda guerra mundial, desenvolveu-se a segunda etapa da crise geral, particularmente depois do afastamento do sistema capitalista dos países de Democracia Popular da Europa e da Ásia. A primeira crise, no período da primeira guerra mundial, e a segunda, no período da segunda guerra mundial, não devem ser consideradas como duas crises isoladas, separadas uma da outra, como crises independentes, mas como etapas do desenvolvimento da crise geral do sistema capitalista mundial.
Essa crise geral do capitalismo mundial é apenas política ou apenas econômica? Nem uma, nem outra.
Ela é geral, isto é, uma crise multilateral do sistema capitalista mundial, que abrange tanto a economia, como a política. Desta maneira, é compreensível que na sua base se encontre sempre maior desintegração do sistema econômico capitalista mundial, que abrange a economia, como também a política. Compreende-se, pois, que à base dessa crise se encontrem, de um lado, a desagregação cada vez maior do sistema econômico mundial do capitalismo e, de outro lado, o crescente poderio econômico dos países que se desligaram do capitalismo: a URSS, a China e os demais países da Democracia Popular.
21 de abril de 1952.
J. STALIN
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Inclusão | 11/08/2009 |