A Organização da República Federativa da Rússia
(Entrevista com um correspondente da "Pravda")

J. V. Stálin

4 de Abril de 1918


Primeira Edição: "Pravda" ("A Verdade"), n.°3 62 e 63, 3 e 4 de abril de 1918.

Fonte: J.V. Stálin – Obras – 4º vol., Editorial Vitória, 1954 – traduzida da edição italiana da Obras Completas de Stálin publicada pela Edizioni Rinascita, Roma, 1949.

Tradução: Editorial Vitória

Transcrição: Partido Comunista Revolucionário

HTML: Fernando A. S. Araújo, setembro 2006.

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capa

Em conseqüência da discussão surgida nestes últimos dias, nas colunas da imprensa soviética, acerca dos princípios e modalidades da edificação da Federação Russa, um correspondente nosso dirigiu-se ao camarada Stálin, Comissário do Povo para as Nacionalidades, pedindo-lhe exprimir seu pensamento sobre a questão.

A uma série de perguntas formuladas pelo nosso correspondente, o camarada Stálin deu a seguinte resposta:

As Federações Democráticas Burguesas

De todas as uniões federativas existentes, as mais características, quanto ao regime democrático burguês, são as federações americana e suíça. Historicamente, formaram-se de Estados independentes, passando da confederação à federação; ademais, transformaram-se praticamente em Estados unitários, que da federação só conservaram a forma. Todo esse processo de desenvolvimento, da independência ao regime unitário, verificou-se através de uma série de violências, de repressões e de guerras nacionais. Basta recordar a guerra dos Estados americanos do Sul contra os do Norte[N12] e a guerra do Sonderbund[N13] contra os outros cantões da Suíça. Além disso, não se pode deixar de salientar que os cantões da Suíça e os Estados da América não se formaram segundo um critério nacional e nem sequer segundo um critério econômico, mas de um modo todo fortuito, devido à ocupação casual destes ou daqueles territórios por emigrantes colonizadores ou comunidades agrícolas.

Em que se Distingue Dessas Federações a Federação da Rússia que se Sncontra em seu Processo de Formação

A Federação que se está formando agora na Rússia apresenta, e deve apresentar, um quadro totalmente diverso.

Em primeiro lugar, na Rússia as diferentes regiões são unidades nitidamente determinadas no que se refere aos costumes e à composição étnica. A Ucrânia, a Criméia, a Polônia, a Transcaucásia, o Turquestão, a região do curso médio do Volga, a região quirguiz, distinguem-se do centro não só por sua posição geográfica (regiões periféricas), mas também como territórios economicamente coesos, com determinados costumes e com uma população nacional homogênea.

Em segundo lugar, essas regiões não constituem territórios livres e independentes, mas unidades que foram mantidas pela violência no organismo político do Estado russo e que hoje visam obter a necessária liberdade de ação sob a forma de relações federativas ou de completa independência. A história da "unificação" desses territórios apresenta um quadro cheio de violências e de repressões exercidas pelas velhas autoridades russas. A instauração na Rússia de um regime federativo significará a libertação desses territórios, e dos povos que os habitam, do velho jugo imperialista. Do regime unitário à federação!

Em terceiro lugar, nas federações do Ocidente a edificação da vida estatal é dirigida pela burguesia imperialista. Não é de admirar que a "unificação" não se tenha podido realizar sem violências. Aqui na Rússia, ao contrário, a edificação política é dirigida pelo proletariado, inimigo jurado do imperialismo. esse motivo, tia Rússia se pode e se deve instaurar o regime federativo, na base da livre união dos povos.

Essa é a diferença essencial entre a federação na Rússia e as federações no Ocidente.

Os Princípios da Edificação da Federação da Rússia

Disso resulta claramente — continua o camarada Stálin — que a Federação da Rússia não é a união de simples cidades independentes (como acreditam os caricaturistas da imprensa burguesa), ou, de um modo geral, de regiões (como imaginam alguns camaradas nossos), mas a união de determinados territórios historicamente distintos, que se diferenciam tanto por seus costumes particulares quanto por sua composição nacional. Não é a posição geográfica desta ou daquela região o que pesa, nem tampouco que algumas regiões sejam separadas do centro por extensões d’água (Turquestão), cadeias de montanhas (Sibéria) ou estepes (ainda o Turquestão). Esse federalismo geográfico propagado por Látsis nada tem de comum com o federalismo anunciado pelo Congresso dos Soviets. A Polônia e a Ucrânia não estão separadas do centro por nenhuma cadeia de montanhas ou extensão d’água, mas a ocorre sustentar que a falta de tais elementos geográficos exclua aquelas regiões do direito à livre autodeterminação.

Por outro lado, é fora de dúvida — diz o camarada Stálin — que tampouco o federalismo original dos regionalistas de Moscou, os quais se esforçam para unificar artificialmente em torno de Moscou quatorze províncias, nada tem de comum com a conhecida resolução do III Congresso dos Soviets sobre a federação. Não há dúvida de que a zona têxtil central, compreendendo apenas algumas províncias, é uma unidade econômica coesa e que, como tal, terá um organismo administrativo regional, na qualidade de seção autônoma do Conselho Supremo da Economia Nacional. Mas, o possa haver de comum entre a atrasada Kaluga e a industrial Ivánovo-Voznessensk e qual o critério que segue o atual Conselho Regional dos Comissários do Povo para "unificá-las", é coisa que não se consegue compreender.

Composição da República Federativa da Rússia

Evidentemente não é qualquer fração ou unidade, nem qualquer território geográfico, que deve e pode fazer parte de uma federação, mas somente determinadas regiões, que reúnam naturalmente particularidades de costumes, uma composição étnica própria e um mínimo de coesão econômica em seus territórios. Assim a Polônia, a Ucrânia, a Finlândia, a Criméia, a Transcaucásia (não se exclui, além disso, a possibilidade de que a Transcaucásia se divida numa série de determinadas unidades territoriais nacionais, como a georgiana, a armênia, a azerbaidjano-tártara, etc.), o Turquestão, a região quirguiz, o território tártaro-bachkírio, a Sibéria, etc.

Direitos das Regiões Federadas
Direitos das Minorias Nacionais

Os limites dos direitos dessas regiões federadas serão elaborados, de maneira concreta, no curso da edificação da Federação Soviética em seu conjunto; todavia, é possível estabelecer desde já, a traços largos, esses direitos. O exército e a marinha de guerra, os negócios estrangeiros, as estradas de ferro, os correios e telégrafos, o sistema monetário, os tratados comerciais, a política geral econômica, financeira e bancária, tudo isto necessariamente deverá ser da competência do Conselho Central dos Comissários do Povo. Todas as outras questões, e, antes de mais nada, as formas de aplicação dos decretos gerais, a escola, o processo judiciário, a administração, etc., serão da competência dos Conselhos Regionais dos Comissários do Povo. Nenhuma língua "oficial" obrigatória, nem no processo judiciário, nem na escola! Cada região escolherá a língua ou as línguas correspondentes à composição de sua população; além disso, respeitará a completa igualdade de direitos no uso das línguas, tanto das minorias como das maiorias, em todas as disposições administrativas e políticas.

Estrutura do Poder Central

A estrutura do Poder central, as modalidades de sua constituição, são determinadas pelas peculiaridades da Federação da Rússia. Na América e na Suíça o federalismo levou à pratica um sistema bicameral: de um lado, um parlamento eleito segundo o princípio do sufrágio universal, de outro lado um conselho federal constituído dos estados ou dos cantões. Esse é o sistema bicameral que na realidade conduz ao conhecido burocratismo legislativo burguês. Não é necessário dizer que as massas trabalhadoras da Rússia não aceitariam esse sistema bicameral. Nem falemos sequer da completa incompatibilidade desse sistema com as exigências elementares do socialismo.

Parece-nos — continua o camarada Stálin — que o órgão supremo do Poder da Federação da Rússia deve ser o Congresso dos Soviets, eleito por todas as massas trabalhadoras da Rússia, ou então o Comitê Executivo Central que o substitui. Será preciso, ao mesmo tempo, abandonar para sempre o preconceito burguês da infalibilidade do "princípio" do sufrágio universal. O direito de voto será, ou deverá ser, concedido só àquelas camadas da população que são exploradas ou que, de qualquer modo, não exploram o trabalho alheio. Este é o resultado natural da situação criada pela ditadura do proletariado e das massas camponesas pobres.

O Órgão Executivo do Poder

No que se refere ao órgão executivo do Poder da Federação da Rússia, isto é, o Conselho Central dos Comissários do Povo, este será eleito pelos congressos dos soviets entre os candidatos apresentados, acreditamos., pelo centro e regiões federadas. Assim, entre o Comitê Executivo Central e o Conselho dos Comissários do Povo não haverá nem deverá haver a chamada segunda câmara. Sem dúvida, a prática poderá e deverá elaborar outras formas mais elásticas e adequadas ao objetiva de harmonizar os interesses das regiões e do centro na obra de edificação do Poder. Mas uma coisa é certa: qualquer que seja a forma que a prática elabore, essa forma não fará ressuscitar o sistema bicameral superado e sepultado pela nossa revolução.

Função Transitória do Federalismo

Tais são, a meu ver, — continua o nosso interlocutor, — os traços gerais da Federação da Rússia, que se vai formando sob os nossos olhos. Muitos são inclinados a considerar o regime federativo como o mais estável e sem dúvida como o ideal, e em confirmação dessa tese citam freqüentemente o exemplo da América, do Canadá e da Suíça. Todavia, o entusiasmo exagerado pelo federalismo não é justificado pela história. Em primeiro lugar, tanto a América, como a Suíça, não são mais federações, foram-no entre 1860 e 1870; na realidade transformaram-se em Estados unitários desde o fim do século passado, quando os estados e cantões transferiram todo o Poder ao governo federativo central.

A história mostrou que o federalismo da América e da Suíça não constituiu senão uma fase transitória que preparou a passagem da independência dos estados e cantões para a sua completa unificação. O federalismo mostrou ser uma forma plenamente adequada ao objetivo. uma fase transitória que preparava a passagem da independência ao unitarismo imperialista, mas foi superado e abandonado logo que atingiram a maturidade as condições necessárias para a unificação dos estados e dos cantões num único Estado unitário.

O Processo de Edificação Política da Federação da Rússia.
O Federalismo na Rússia, Fase Transitória que Prepara o Regime Unitário Socialista

Na Rússia a edificação política segue um processo inverso. Aqui, o unitarismo forçado tzarista é substituído por um federalismo voluntário, para que, com o correr do tempo, o federalismo ceda lugar a uma voluntária e fraternal união das massas trabalhadoras de todas as nações e de todas as comunidades da Rússia. O federalismo na Rússia — disse o camarada Stálin terminando a sua entrevista — está destinado a ter, como na América e na Suíça, uma função transitória, a qual prepara o futuro regime unitário socialista.


Notas de fim de tomo:

[N12] A Guerra de Secessão americana (1861-1865) estourou quando sete estados dissidentes do Sul separaram-se da União e proclamaram-se "Estados Confederados da América". A vitória do Norte assinalou o início da unificação nacional de todos os estados americanos sob um governo federal central. (retornar ao texto)

[N13] O Sonderbund, união reacionária dos sete cantões católicos da Suíça fundada em 1845, apoiava o fracionamento político do país. Em 1847, estalou um conflito armado entre o Sonderbund e os outros cantões da Suíça que eram favoráveis a uma centralização do Poder. A guerra terminou pela derrota do Sonderbund e a transformação da Suíça, de federação de Estados, num único Estado federal. (retornar ao texto)

 

pcr
Inclusão 22/11/2007