Primeira publicação: “Rabótchi Put” (“O Caminho Operário”), n.° 23. 29 de setembro de 1917. Editorial.
Fonte: J. V. Stálin, Obras. Editorial Vitória, Rio de Janeiro, 1953, págs. 316-319.
Tradução: Editorial Vitória, da edição italiana G. V. Stálin - "Opere Complete", vol. 3 - Edizione Rinascita, Roma, 1951.
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O elemento peculiar do momento que atravessamos é constituído pelo abismo intransponível que se cavou entre: o governo e as massas populares, abismo que não existia nos primeiros meses da revolução e que se cavou em seguida à revolta de Kornílov.
Após a vitória sobre o tzarismo, desde os primeiros dias da revolução, o poder caíra nas mãos da burguesia imperialista. No poder não estavam os operários e os soldados, mas um punhado de imperialistas cadetes. Como pôde acontecer isso e em que precisamente se apoiava então o domínio desse punhado de burgueses? O fato é que os operários, e principalmente os soldados, confiavam na burguesia, esperando obter, em aliança com ela, o pão e a terra, a paz e a liberdade. A atitude “inconscientemente confiante” das massas para com a burguesia: eis qual era então a base sobre que repousava o domínio da burguesia. A coalizão com a burguesia não era senão a expressão dessa confiança e desse domínio.
Mas seis meses de revolução não transcorreram em vão. Ao invés do pão teve-se a fome, ao invés do aumento do salário o desemprego, ao invés da terra promessas vazias, ao invés da liberdade a luta contra os soviets, ao invés da paz a guerra até a exaustão da Rússia e a traição dos kornilovistas em Tárnopol e nas imediações de Riga: eis o que deu às massas a coalizão com a burguesia. A revolta de Kornílov não fez senão somar a experiência de seis meses de coalizão, revelando a traição dos cadetes e o caráter pernicioso de conciliação com eles.
Tudo isso, compreende-se, não aconteceu em vão. A atitude “inconscientemente confiante” das massas para burguesia desapareceu. À coalizão com os cadetes segui-se o rompimento com eles. A confiança na burguesia cedeu o lugar ao ódio para com ela. O domínio da burguesia perdeu o seu sólido apoio.
Na verdade, através das malícias conciliatórias dos defensistas, através das fraudes e das falsificações, com o apoio de Buchanan e dos kornilovistas cadetes, e entre a desconfiança aberta dos operários e dos soldados, os conciliadores compuseram todavia o “novo” governo da velha ditadura burguesa, nele fazendo entrar mediante o engano a coalizão frustrada e superada.
Mas, em primeiro lugar, essa é uma coalizão anêmica porque, concluída no Palácio de Inverno, no país não encontra senão resistência e desdém.
Em segundo lugar, esse governo não é sólido, porque lhe falta uma base constituída pela confiança e pela simpatia das massas, as quais para com ele nutrem somente ódio.
Daí o abismo intransponível que se cavou entre o governo e o país.
E se todavia esse governo permanece no poder, se, pondo em prática a vontade da minoria, prepara-se para dominar uma maioria manifestamente hostil, é evidente que ele poderá contar com uma só coisa: com o emprego da violência contra as massas. Esse governo não tem e não pode ter nenhum outro ponto de apoio.
Por isso não é por acaso que o primeiro passo do governo de Kerenski—Konoválov tenha sido a destruição do Soviet de Tachkent.
Não é tampouco por acaso que esse governo já se tenha aprestado para esmagar o movimento operário na bacia do Donetz, enviando para ali um misterioso “ditador”.
Não é tampouco por acaso que na sua sessão de ontem o governo tenha declarado guerra às “agitações; camponesas, decidindo
“formar comitês locais do governo provisório, cuja tarefa imediata seria a luta contra a anarquia e a eliminação das desordens” (“Bírjovka”).
Nada disso acontece por acaso.
O governo da ditadura burguesa, privado da confiança das massas e contudo desejoso de manter-se no poder, não pode viver sem “anarquia” e sem “desordens”: lutando contra estas procura justificar sua existência. O governo desvaira e vê que os bolcheviques “organizaram a insurreição”, ou que os camponeses “saquearam” os latifundiários, ou que os ferroviários “impuseram uma greve funesta” privando a frente de pão... Tudo isso lhes “é necessário” para sublevar os camponeses contra os operários, a frente contra a retaguarda e, criando assim a necessidade de uma intervenção armada sua, para consolidar temporariamente sua posição instável.
Pois é preciso enfim compreender que o governo, privado da confiança do país e cercado pelo ódio das massas, não pode ser outra coisa senão o governo da provocação da “guerra civil”.
Não é por acaso que o Riétch, órgão oficioso do governo provisório, previne este último no sentido de não “dar aos bolcheviques a possibilidade de escolherem momento para desencadear a guerra civil”, desaconselhando-o a “suportar e a aguardar que estes (os bolcheviques) aproveitem o momento propício para uma ação geral” (Riétch de quarta-feira).
Sim, estão eles sedentos do sangue do povo...
Mas suas esperanças são vãs e ridículos seus esforços.
O proletariado revolucionário marcha consciente organizado para a vitória. Os camponeses e os soldados estreitam-se unânimes e seguros em torno dele: cada vez mais alto ressoa a palavra de ordem: todo o poder aos soviets!
Resistirá ao ataque... a coalizão formal do Palácio de Inverno?
Quereis que os bolcheviques organizem ações fracionadas e intempestivas?
Esperai então, senhores kornilovistas.