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Primeira Edição: Política Operária nº 43, Jan-Fev 1994
Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Poucos espectadores lerão tido paciência suficiente para seguir até ao fim o tão publicitado debate sobre Mao e o maoísmo, promovido pela SIC em 22 de Dezembro. Arnaldo Matos e Francisco Louçã (com a participação menor de Pedro Baptista, ex-dirigente da OCMLP, hoje na Plataforma de Esquerda) envolveram-se numa saturante disputa em torno dos méritos e dos crimes do stalinismo, permitindo que fosse omitido aquilo que à esquerda interessava recordar nesta oportunidade a uma vasta audiência: a dimensão gigantesca da revolução que transformou a face da China ao longo de quatro ou cinco décadas, as marcas inapagáveis que deixou no mundo actual e, em particular, o novo fôlego que trouxe à luta antifascista no nosso país. Mas em vez de discussão política viva, tivemos uma chicana de seitas mortas.
Principal responsável por este naufrágio, Louçã deixou se nitidamente arrastar pelo seu cavalo de batalha — a denúncia do monstro Staline. culpado por tudo o que de mau aconteceu à esquerda, na China, na URSS ou no resto do mundo. O líder do PSR parece incapaz de se libertar da ideia fixa trotskista — Staline, o “usurpador” da chefia que caberia ao bom aspirante a ditador, Trotsky... Arnaldo Matos foi o interlocutor adequado a este tipo de confusionismo, ao tomar a defesa do terror stalinista como sinónimo de terror revolucionário. (Dias antes, num outro debate, no Museu da Resistência, Arnaldo teve uma saída reveladora: "Fuzilamentos não me impressionam, desde que não seja o meu”). O prato forte deste “educador" palavroso continua a ser, tal como há 18 anos, um discurso pseudomarxista, destinado a cativar ingénuos com fórmulas de carregar pela boca. Verdadeiramente execrável.
Luís Marques, o moderador, adoptou o procedimento padrão dos amigos da ordem quando entrevistam alguém que está contra o sistema: interromper abruptamente as intervenções, fazer comentários sarcásticos a toda a crítica social e apresentar o esquerdismo como uma doença dos que andam com o passo trocado.
Assim, no meio dum ping-pong caótico de ideias truncadas, a única coisa que o público reteve do programa foram as imagens do filme que antecedeu o debate. Nesse documentário, anunciado como obra isenta e séria da BBC, Mao é apresentado, através da colagem de depoimentos de meia dúzia de reaccionários, como um sucessor dos imperadores da China: um demagogo, um “monstro", um “tirano” e um tarado sexual. Que a acção deste novo "imperador" tivesse unificado a sublevação de centenas de milhões de pobres por toda a vasta China, fazendo saltar a ordem estabelecida e abrindo novas perspectivas à busca do socialismo, é um detalhe que obviamente não interessou aos realizadores do filme.
Balanço: para terem direito a falar sobre o maoísmo, os convidados da SIC tiveram que se sujeitar a receber primeiro um autêntico balde de trampa pela cabeça abaixo. É com este fair play que certos comunicadores da nossa época concebem o direito da esquerda à palavra. Por não estar disposto a sujeitar-me a este vexame, prescindi do privilégio de falar no programa da SIC sobre Mao e o maoísmo.
Inclusão | 10/06/2018 |