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Poderão objetar que essas idéias foram proclamadas por Marx na época em que ele ainda não era comunista e, seguramente, nem "marxista". É verdade que esse ultimo artigo foi escrito por Marx quando ele já tinha abandonado o ponto de vista da burguesia democrata para adotar o do proletariado.
Exponhamos suas idéias, tais como elas têm evoluído, desde a época onde, no seu artigo "Critica da filosofia hegeliana", ele resumiu pela primeira vez a missão histórica do proletariado: abolição da divisão da sociedade em classes; libertação absoluta da humanidade de todas as cadeias que lhe são impostas pela propriedade privada; implantação do regime comunista.
Tudo baseado nos princípios do comunismo cientifico, Marx foi todavia forçado a criticar a doutrina dos representantes desse comunismo que ele chama "grosseiro, inculto e até reacionário". Na sua luta contra a propriedade privada, esses comunistas não aboliam a propriedade privada, mas transformavam-na antes em uma propriedade privada comum. Seu comunismo apresentava uma generalização da propriedade privada. No Manifesto Comunista nós não vemos senão o resultado desta critica. Entretanto, tive a sorte de encontrar um manuscrito de Marx onde ele critica esse comunismo "grosseiro" e "cru" nas suas relações não somente com a propriedade privada em geral, mas também com o casamento. Excuso-me de aprofundar numa longa citação(1):
"Considerando a propriedade privada, na sua geração, o comunismo é na sua forma primitiva a generalização e a abolição da propriedade privada. Em relação a essa abolição, há dois aspectos: de um lado, ele sobrestima o papel e a dominação da propriedade material de um ponto de vista tal que ele quer destruir tudo o que não pode trazer a fortuna e a propriedade privada de todo o mundo; ele quer suprimir pela violência as capacidades particulares, etc. A posse física imediata surge aos seus olhos como o principio único da vida: a forma de atividade do trabalhador não é abolido desse estado, mas estende-se a todos os homens.
A instituição da propriedade privada continua sendo a relação da coletividade no mundo das coisas; e esse movimento que tende opor à propriedade privada a propriedade privada tornada comum, se exprime de uma forma completamente animal, quando opõe ao casamento (que é, evidentemente uma forma de propriedade privada exclusiva) a comunidade das mulheres: quando, por conseguinte, a mulher torna-se uma propriedade coletiva e abjeta. Pode-se dizer que essa idéia da comunidade das mulheres revela o segredo dessa forma de comunismo ainda grosseiro e desprovido de espírito. Do mesmo modo que a mulher abandona o casamento pelo reino da prostituição geral, assim também o mundo inteiro da riqueza, isto é, da essência objetivada do homem, passa do estado de casamento exclusivo com a propriedade privada à prostituição geral com a coletividade. A prostituição não é senão uma expressão particular da prostituição geral do operário, e como a prostituição se estende não somente ao prostituido, mas também ao prostituinte (cuja abjeção torna-se ainda maior), o capitalista também está incluído nessa categoria, etc. Esse comunismo que nega em toda parte a personalidade humana, não é senão uma expressão consequente da propriedade privada da qual ela própria é essa negação.
A mulher considerada como presa e como objeto que serve para satisfazer a concupiscência coletiva exprime a degradação infinita do homem quando só existe para si, pois o mistério entre a relação do homem com o seu semelhante encontra a sua expressão não equivoca, decisiva, franca, nas relações do homem e da mulher e na maneira de encetar essas relações genéricas naturais e diretas.
A relação direta, natural, necessária dos seres humanos é a relação entre o homem e a mulher. Nessa relação genérica natural, a relação entre o ser humano e a natureza representa diretamente a relação do homem com o homem, do mesmo modo que a relação entre os homens representa diretamente a relação do homem com a natureza, atributo natural do homem. Por conseguinte, essa relação manifesta de uma maneira sensível, exteriorizada, a maneira pela qual a essência humana tornou-se natureza para o homem e como a natureza tornou-se a essência humana do homem. Eis porque, baseando-se sobre essa relação, pode-se julgar o grau geral do desenvolvimento do homem. O caráter desta relação nos mostra até que medida o homem tornou-se um ser genérico, até que medida ele tornou-se homem, e até que ponto ele o o compreende. A relação entre o homem e a mulher é a mais natural entre seres humanos. Por conseguinte, vê-se até que ponto o comportamento natural do homem tornou-se humano, e até que ponto a essência humana tornou-se para ele a essência natural, até que ponto sua natureza humana tornou-se natureza para ele. Essa relação lembra também a que ponto a necessidade do homem tornou-se uma necessidade humana, isto é, até que ponto um outro ser humano tornou-se para ele uma necessidade, como homem. Lembra que na sua existência individual é ao mesmo tempo um ser social. Assim, a primeira forma positiva da abolição da propriedade privada, o comunismo grosseiro, não é senão uma forma onde se manifesta a abjeção da propriedade privada que quer afirmar-se ela própria como maneira de ser social positivo".
Numerosos são os comunistas que ainda hoje não compreendem que os seus discursos quase radicais sobre a poligamia não representam senão um eco daquele "comunismo grosseiro" que adotava automaticamente a sociedade do futuro, as concepções criadas pela sociedade fundada sobre a propriedade privada.
"A propriedade privada tornou-nos tão
"estúpidos e tão acanhados que um objeto só é nosso quando o possuímos, quer dizer, quando ele existe para nós como capital, quando nós o temos como posse imediata, quando o comemos, bebemos, vestimos, vivemos nele, etc., numa palavra, quando o consumimos...
Eis a razão porque o lugar de todos os sentimentos físicos e morais foi ocupado pela simples alienação de todos esses sentidos, para o sentido da posse. A essência humana deveria cair nessa pobreza absoluta para poder fazer surgir dela a sua riqueza interior!" (Marx).
Segundo a teoria que proclama o homem um ser superior para o homem, que demonstra a necessidade da abolição de todas as condições sociais que humilham o homem e transformam-no em objeto de humilhação, de exploração e de satisfação das necessidades de outrem; segundo essa teoria, toda tentativa de colocar num mesmo plano uma necessidade tão natural como a da alimentação e como a do instinto sexual, demonstra somente um nível cultural extremamente baixo. O objeto que satisfaz a primeira dessas necessidades não passa de uma coisa; o que satisfaz a segunda é um ser humano, um ser que age, e que pode sofrer, um ser social.
No curso da historia humana, da transformação da besta em homem, nas necessidades tornaram-se cada vez mais humanas.
"Não somente os cinco sentidos ordinários, mas também os sentidos morais, os sentidos práticos (a vontade, o amor) numa palavra, o sentido humano, a humanidade dos órgãos dos sentidos não nasce senão graças à existência do seu objeto, gradas à natureza humanizada. A formação dos cinco sentidos é um produto da historia universal. Os sentidos cativos da grosseria necessidade pratica não tem senão uma significação limitada. Para um homem esfomeado a forma humana da alimentação não existe, ele não tem senão sua existência abstrata como alimentação; ela teria tido o mesmo fato sob a forma mais grosseira, e é impossível de se dizer em que esta maneira de satisfazer a necessidade se distingue da do animal". (Marx).
Do mesmo modo, no curso da historia universal, o instinto sexual toma uma série de metamorfoses, segundo a maneira animal de satisfazê-lo até "o maior progresso moral" atingido pela humanidade, segundo Engels: até o amor sexual individual de hoje.
Notas de rodapé:
(1) O novo manuscrito de Marx foi publicado no terceiro livro dos arquivos de Marx e Engels. Ele foi traduzido do russo e anotado por Albert Mesnil no n.° 4 da Revista Marxista. (retornar ao texto)
Inclusão | 04/09/2011 |