MIA > Arquivos Temáticos > Imprensa Proletária > Revista Problemas nº 18 > Prestes > Novidades
O Camarada Luiz Carlos Prestes concedeu à imprensa nacional e estrangeira uma importante entrevista sobre a posição dos trabalhadores e do povo brasileiros na luta intransigente pela preservação da paz mundial e no caso de uma guerra imperialista contra a União Soviética e as democracias populares. Pelo grande valor que representam estas palavras do camarada Prestes, publicamos aqui o texto integral de sua entrevista, que constitui sem dúvida uma poderosa contribuição em nossa luta pela paz e contra os provocadores de guerra.
PERGUNTA: Qual o verdadeiro significado da viagem do general Mark Clark ao Brasil?
RESPOSTA: Quando se trata da defesa da pátria e da vida de nosso povo, ninguém tem o direito de ser ingênuo.
A viagem do general Mark Clark, neste momento de intensa preparação guerreira pelo governo de Truman, quando o ministro Canrobert e o ditador Dutra já preparam as malas para ir receber ordens diretas do patrão estrangeiro, não pode deixar de ter objetivos idênticos — o general ianque, membro destacado da camarilha militar e guerreira que hoje governa os Estados Unidos vem, de fato, assumir o comando de nossas forças armadas e tomar as medidas práticas impostas pela guerra que o capitalismo mundial prepara febrilmente e pretende deflagrar contra a URSS e os povos do mundo inteiro.
Mas se o general ianque supõe que, por haver comandado a FEB na guerra contra o nazismo, poderá agora facilmente dar ordens aos nossos oficiais e soldados para que se prestem de carne de canhão em aventuras imperialistas, está muito equivocado. Os ex-combatentes da FEB, em sua última Convenção Nacional, já se manifestaram de modo enérgico contra a guerra, e o nosso povo, que também não quer a guerra, saberá apoiar os soldados, marinheiros e aviadores brasileiros que se neguem a aceitar as ordens do general ianque que a tanto se aventure. Depois de Berle, Powley, Abbink, Rockfeller e tantos outros magnatas, já começam a chegar os generais — precisamos agir com mais energia e fechar logo nossas portas a todos esses exploradores e aventureiros, fardados ou não, e expulsá-los sem demora de nosso solo.
PERGUNTA: Que acha da posição do governo Dutra diante dos planos guerreiros dos imperialistas americanos?
RESPOSTA: O governo Dutra tem constituído a maior humilhação até hoje imposto ao nosso povo. É um governo submisso aos trustes e monopólios ianques e disso não faz segredo. Pois não se acha na "órbita do colosso americano", como diz o chanceler udenista do ditador? Esse governo de lacaios e negociatas, incapaz de resolver qualquer problema nacional, vê na guerra imperialista a saída para suas aperturas e não vacila por isso em entregar tudo, inclusive o sangue de nosso povo, aos trustes e monopólios norte-americanos, na esperança de que as armas do imperialismo garantam por mais algum tempo esta "civilização cristã" que aqui temes, do conforto e luxo para uma minoria e de miséria e fome crescentes para a maioria esmagadora da nação. A pretexto de guerra contra o comunismo e a União Soviética, o governo Dutra entrega as riquezas do país aos monopólios ianques, submete todo o aparelho estatal ao controle dos "técnicos" norte-americanos, coloca nossas forças armadas sob o comando dos generais ianques e leva, assim, o país a uma aventura guerreira cujo fim é fácil de prever. O sr. Dutra se esquece do exemplo de Mussolini, cujo governo, no entanto, quando arrastou a Itália para a guerra, era bem mais sólido que o do atual ditador brasileiro. E o nosso povo não é de forma alguma inferior ao valoroso povo italiano.
PERGUNTA: Há perigo iminente de guerra?
RESPOSTA: Sim. O perigo de guerra é cada dia maior e, agora, já é mesmo iminente, pois o imperialismo ultima seus planos agressivos e, diante da crise geral do capitalismo que se aprofunda, da agravação da crise no mundo colonial — basta olhar para a China — da crise cíclica já em início nos Estados Unidos, do reforçamento continuado da URSS e do campo democrático, o desencadeamento de uma nova guerra é o objetivo do imperialismo em desespero. Terminados os preparativos, criadas bases militares no mundo inteiro, submetidos os governos dos países capitalistas por meio da "união ocidental", do "acordo do Rio de Janeiro", da "carta de Bogotá", do "pacto do Atlântico Norte", etc., que visam antes de tudo a agressão à União Soviética e às democracias populares, a guerra poderá ser desencadeada a qualquer momento.
Todos nós, aliás, precisamos adquirir a consciência desse perigo que nos ameaça e é nosso dever despertar nosso povo para que lute contra a guerra e não se deixe levar, como gado de corte, para o matadouro da mais infame das carnificinas guerreiras.
PERGUNTA: Acha a guerra inevitável?
RESPOSTA: Não. A guerra não é inevitável porque muito mais fortes do que o imperialismo são as forças da democracia e do socialismo no mundo inteiro. A guerra contra o nazismo ainda está muito viva na memória dos povos que mais diretamente sofreram suas terríveis consequências — esses povos não querem nem ouvir falar em nova guerra. Além disto, à frente das forças que lutam pela paz no mundo inteiro está a grande e poderosa União Soviética, cuja política de paz é forte estímulo para todos os que lutam contra a guerra. Não, a guerra não é inevitável, mas isso se soubermos lutar contra ela, se compreendermos o perigo iminente que nos ameaça e que todos os sacrifícios que fizermos agora para impedir seu desencadeamento nos pouparão do desgraça maior de uma nova guerra que, nas condições atuais do mundo, não poderá deixar de vir acompanhada de um terror policial e fascista pior que o implantado pelas bestas feras do nazismo nos países que dominaram. Não tenhamos dúvidas — às feras de Truman serão piores que as de Hitler.
PERGUNTA: Como lutar de maneira eficaz contra a guerra e pela paz?
RESPOSTA: Não tenho dúvida de que a maioria esmagadora da nação é contra a guerra, é contra esse governo Dutra de traição nacional, e não se conforma com a miséria e a fome crescente e a humilhação a que nos submete o jugo imperialista. Mas essa maioria esmagadora só poderá fazer sentir sua força, se se souber unir e organizar, a fim de lutar e vencer. O fundamental agora é unir a todos que queiram lutar pela paz, é despertar, mobilizar e organizar a todos os homens dignos, velhos e jovens, operários e intelectuais, estudantes, camponeses, políticos democratas, que não queiram se prestar ao miserável papel de escravos do imperialismo; a todas as mulheres que não estejam dispostas ao sacrifício de seus filhos, pais, noivos e maridos, na infâmia de uma carnificina imperialista; a todos os patriotas enfim que desejam a independência da pátria e não a colonização ainda maior que trará uma nova guerra.
Nessa luta contra a guerra devemos nos unir todos, independentemente de diferenças políticas, religiosas ou filosóficas. A luta pela paz é superior a quaisquer diferenças e pode e deve unir a todos os patriotas que não estejam dispostos a aceitar de braços cruzados a infâmia e a desgraça de uma nova hecatombe. Nós, comunistas, chamamos todos os patriotas para a ação em defesa da paz. Estaremos com quem quer que seja, desde que lute efetivamente contra a guerra. Devemos saber ligar a luta pela paz, que é o fundamental nos dias de hoje, à luta por todas as reivindicações de nosso povo, à luta contra a carestia e por maiores salários, a luta contra a lei de segurança, à luta enfim pela independência nacional contra o jugo imperialista.
Especificamente, a luta pela paz significa o desmascaramento sistemático dos provocadores de guerra, a resistência prática a todos os preparativos de guerra, e a luta pela derrubada desse governo Dutra que, a serviço do imperialismo ianque, trata de amarrar nosso povo às aventuras guerreiras dos trustes e monopólios e do governo de Washington.
PERGUNTA: Qual o dever dos patriotas brasileiros no caso do desencadeamento da guerra de agressão imperialista?
RESPOSTA: Minha resposta a esta pergunta já foi dada em plena Assembléia Constituinte, em março de 1946. Arrastar nosso povo a uma guerra imperialista é um crime, crime contra a Constituição que isso proíbe, mas fundamentalmente um crime contra a independência da pátria e a vida de nosso povo. Nenhum patriota poderá concordar com semelhante aventura, nem muito menos dela participar. Onde nos levará uma tal guerra, senão a colonização total do país e à escravização completa de nosso povo ao patrão imperialista? Só não compreende isso quem não quer compreender ou os miseráveis que já não possuem nenhuma parcela de sentimento nacional e esperam poder vir a ser os capatazes de nosso povo, a serviço do imperialismo ianque.
Não seremos capazes de impedir, de sustar a ação nefasta dessa minoria de traidores? Sim. Depende apenas da ação enérgica e decidida dos patriotas, do esforço enfim de todas as pessoas amantes da paz e da liberdade. De qualquer maneira, no entanto, se formos arrastados à guerra, como evidentemente deseja esse governo que aí temos, aos patriotas nada mais resta senão defender a liberdade e a própria vida, fazer como fizeram os guerrilheiros e os homens da Resistência de toda a Europa. À frente de nosso povo, nós, comunistas, haveremos de lutar para transformar a guerra imperialista em guerra de libertação nacional — que disto não tenham nenhuma dúvida os senhores das classes dominantes e os politiqueiros traidores que apóiam a atual política externa anti-nacional de Dutra—Raul Fernandes.
PERGUNTA: Que papel cabe à América Latina na luta pela paz e contra a guerra ou no caso de uma guerra contra a União Soviética?
RESPOSTA: A América Latina constitui hoje a retaguarda do imperialismo ianque, sua reserva de víveres e de matérias primas, inclusive de inúmeros produtos indispensáveis para a guerra. Além disto, sua população que já é superior a 120 milhões de habitantes não deixa de constituir uma boa reserva de carne de canhão a ser jogada, caso necessário, nas aventuras guerreiras do imperialismo. E é tal a importância que os monopólios ianques e o governo de Washington dão ao nosso Continente que para dominá-lo firmemente não vacilam em arrancar a máscara democrática e ir implantando em cada um de nossos países as ditaduras policiais-militares que garantam a "ordem" e cumpram sem vacilações as instruções do Departamento de Estado norte-americano. Quando os governantes latino-americanos não descem rapidamente à subserviência de Dutra ou Gonzalez Videla, os governos militares resolvem logo a situação, como acabamos de ver na Venezuela, no Peru, no Paraguai e Costa Rica. Daí a importância da luta pela paz em nosso Continente. Se soubermos despertar nossos povos, mobilizá-los para a luta contra a guerra, se formos capazes de organizar as grandes forças democráticas que existem em toda a América Latina, de unificá-las em torno dos homens de prestígio popular que, como o general Lázaro Cardenas, sempre lutaram pela paz e a democracia, poderemos nós, latino-americanos, vibrar um golpe decisivo na estratégia dos imperialistas ianques, evitar o desencadeamento, de uma nova carnificina.
Precisamos fazer ouvir a legítima voz de nossos povos que dirão, como disseram Thorez na França e Togliatti na Itália, que nós, latino-americanos, queremos a paz e jamais lutaremos contra a gloriosa União Soviética. Se governos traidores pretenderem nos arrastar a uma guerra, haveremos de lutar por transformá-la em guerra pela libertação de nossas pátrias contra o jugo imperialista, pela revolução agrária e pela substituição dos governos de traição nacional, governos de latifundiários e grandes capitalistas agentes do imperialismo, por governos democráticos, populares e progressistas. Este o único caminho que se abre para rodos os patriotas e homens honestos da América Latina.
Inclusão | 14/06/2011 |