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Rio, 20-VI-44.
Prezado amigo:
Meus agradecimentos pelo seu bilhete de 11, recebido a 16, o qual me trouxe mais um pouco de luz sobre as divergências que separam nos dias de hoje os velhos combatentes de 1935(1). Há muito, desejo efetivamente entrar em contacto com o «autor de um discurso pronunciado no último comício da L.D.N.» (chamemos I.R.) ou com o grupo de que faz parte, o qual, segundo me parece, é, afinal, o que defende uma linha política mais próxima daquela que expus nos meus Comentários. Mas, mesmo que escrevesse a I. R., não me seria dado opinar sobre o seu discurso que, infelizmente, ainda desconheço. Não pude deixar por isso de achar graça no seu alarme — indício, ao que me pareceu, de que o Amigo já alimenta dúvidas a respeito do bom funcionamento de minhas faculdades mentais. . . Mas passemos ao referido discurso, segundo a versão de suas notas críticas. Confesso-lhe que na controvérsia prefiro a posição de I.R. à sua. É possível que o orador tenha sido infeliz em suas formulações e que no calor do debate se tenha excedido no emprego de algumas palavras pouco diplomáticas, especialmente para um meio há tanto tempo privado desses salutares choques de opiniões. Mas, no fundo, sua linha política (a dele, I.R.) me parece justa. Seu discurso vai nos tirar do marasmo, do pântano oportunista de que estávamos custando tanto a sair, e acelerar, portanto, o processo de união nacional em torno do governo. Vejamos os principais pontos:
1. Atacar as «forças democráticas que não se solidarizaram com o governo», em tese, ao menos, é para mim uma atitude justa. Essas pretensas «forças democráticas», se não apóiam o governo em guerra contra o nazismo, ficam de fato do lado do nazismo, querem a substituição de Vargas por um aventureiro qualquer. Pode haver algo de mais prejudicial ao nosso povo?
2. Sim, concordo: a união nacional deve ser consolidada ou, melhor, alcançada em torno do governo, não só para que o Brasil participe de maneira mais efetiva da luta contra o nazismo e ajude a ganhar a guerra, como também «para continuarmos a enfrentar o problema político de após-guerra». Esta formulação me parece justa e sua pergunta a respeito da continuidade ou não do Estado Novo só pode decorrer de um mal entendido a respeito do que seja unidade nacional em torno do governo.
A unidade nacional não é um fim, mas um meio — o instrumento que devemos forjar e aperfeiçoar na luta contra o nazismo. É claro que agora, durante a guerra, essa unidade deve e pode ser alcançada em torno do governo. É no seu processo que conseguiremos a pacificação da família brasileira pela anistia, assim como as liberdades civis e a prática da democracia no país. Mas isto exige de nossa parte uma grande capacidade de organização — organizar as massas para que apóiem o governo contra os golpistas e quinta-colunistas e para que lutem simultaneamente pela democracia e melhores condições de vida, tudo subordinado naturalmente à guerra contra o nazismo. Se bem que em torno do governo, a unidade nacional é um processo de democratização do país, o único justo no momento histórico que atravessamos. Evidentemente, é impossível prever a que nível já teremos chegado nesse longo e difícil processo de unificação, quando terminar a guerra. Mas, qualquer que seja ele, terminada a guerra, a luta pela unidade nacional deve continuar para que se alcance a completa democratização do país, e se enfrente de maneira pacífica e ordeira a resolução dos problemas nacionais mais importantes e urgentes. Se o governo se opuser então à democratização do país, o instrumento se voltara contra ele, com tanto maior vigor quanto mais elevado tenha sido o nível de unidade nacional alcançado durante a guerra.
É difícil imaginar um Estado Novo que resista à derrota do nazismo. E é por compreenderem ou sentirem isso que os sociocratas do jornal salazarista se puseram a gritar, numa tentativa desesperada de impedir a unidade em torno do governo. Essa gritaria não é sinal de força, mas indício de fraqueza, raiva e despeito. A mesma significação tem a do Ministro Dutra ao Cônego Olímpio de Melo, muito te utilizado como gato morto contra a unidade nacional. Nada de melhor poderíamos desejar. Essa carta deveria ser profusamente distribuída, com o simples título: Contra a unidade nacional em torno do governo. O Ministro Dutra em vez de lutar contra Hitler quer «destruir» os comunistas porque estes apóiam o governo.
3. Quanto a se dizer (I.R.) comunista, não vejo em que possa isso prejudicar os interesses dos aliancistas. O movimento de 1935 não foi realmente um movimento comunista, nem comunista era a A.N.L., mas, como sabe o Amigo e todo o Brasil, dele participaram comunistas e eu sou um deles. Se ainda me for dado falar em público, jamais deixarei de reafirmar a minha qualidade de marxista e de membro do Partido, caso ainda exista.(2) Quanto à campanha anticomunista do jornal Brasil-Portugal, começou em maio, muito antes do referido discurso, e nada melhor para desmascará-la do que vir um comunista em praça pública afirmar que é comunista e que apóia aberta, franca e decididamente o governo. Não lhe parece?
4. A polêmica com o embaixador Videla talvez pudesse ser desenvolvida com mais habilidade, mas combater essa idéia esdrúxula de neo-fascismo é, sem dúvida, uma necessidade já que ela só serve para desviar as massas da luta contra o nazismo. O que há na América do Sul são governos ditatoriais que nós, antifascistas, apoiamos ou combatemos, conforme a posição ou a política externa dos ditadores, a favor ou contra as Nações Unidas. Vargas está do lado de cá — nós o apoiamos; Farrell está do lado de lá — nós o combatemos; combatemos para que mude, e se mudar, nós (e os anti-fascistas argentinos) o apoiaremos. A política interna e todas as outras questões nós as subordinamos ao interesse máximo da luta contra o nazismo. Convém ainda notar a diferença entre a situação política do Chile e a nossa: no Chile se defende a democracia, nós lutamos ainda por ela; lá, lutar contra o neo-fascismo significa defender o governo que rompeu com o Eixo, aqui, significa atacar o Estado Novo, o governo que está em guerra com o nazismo.
5. Essa história de «guerra ideológica» é uma questão de palavras. Os nossos jornalistas empregam a expressão para acentuar que a guerra é contra o nazismo, mas assim procedendo erram, porque a quinta-coluna emprega a mesma expressão para popularizar a palavra de ordem hitleriana de que nesta guerra vencerá a Alemanha ou a Rússia, o nazismo ou bolchevismo uma ideologia ou outra. Convém por isso mostrar ao povo que a guerra não é ideológica, já que do lado de cá colaboram amistosamente a U.R.S.S., socialista, com os Estados Unidos e a Inglaterra, capitalistas. E já foi decidido em Teerã que essa colaboração persistirá no após-guerra.
6. Quanto ao discurso de Churchill sobre a Espanha, foram os nossos jornalistas de um sectarismo incrível. O erro de Churchill não é o de não intervir na Espanha para pôr abaixo o «Caudilho» e implantar a democracia na península. Isto Churchill, de acordo com a Carta do Atlântico e as decisões de Teerã, não tem o direito de fazer, como a U.R.S.S. igualmente não fará na Romênia nem em parte alguma; mas romper diplomaticamente com Franco e até fazer-lhe a guerra por ajudando a Hitler, isso, sim, é a política que o povo reclama do seu dirigente e que ele não quer fazer. Isto ser muito bem explicado ao povo para desmascarar os quinta-colunistas que vivem a falar em intervenção ideológica da U.R.S.S. (implantação do comunismo) nos países do oriente europeu. Fazemos esta guerra para que os povos sejam realmente livres e independentes. Liquidado o nazismo, não haverá nenhuma outra grande nação imperialista (altamente industrializada) para sustentar contra a vontade dos povos qualquer ditador. Nenhum neo-fascismo será, portanto, possível. Haverá ditaduras naqueles países em que os povos, atrasados e desorganizados, não souberem ou não quiserem viver livremente. As rãs não reclamavam um rei?...
E, ao terminar, quero lembrar-lhe que entre nós, antifascistas, não pode nem deve haver nenhum Chefe inatingível e cujas opiniões pessoais devam ser cegamente obedecidas.
Na falta de Partidos organizados, cada um deve seguir os ditames de sua consciência e não julgar que seja um mal a existência de opiniões diferentes e até antagônicas. Nisto, devemos ver um bom sinal de vida e independência — democracia, enfim. Enquanto continuarmos dispersos e impossibilitados de realizar o debate público de nossas idéias, creio difícil um acordo geral. Mas da discussão surgirá pouco a pouco a linha justa — o essencial é que cada um defenda suas idéias, sem temer a crítica nem deixar de fazer a mais honesta auto-crítica. E não nos esqueçamos de que o grande inimigo, o inimigo único, desta hora, é o nazismo.
Divulgue o mais possível entre os nossos amigos este bilhete.
Abraça-o afetuosamente
Luiz Carlos Prestes
Notas:
(1) Essas divergências resultavam sobretudo da incompreensão, que diversos camaradas manifestavam, dentro e fora das prisões, acerca do papel histórico do Partido Comunista como partido independente da classe operária. (retornar ao texto)
(2) Depois das prisões de 1940, quando a direção do Partido foi liquidada pela reação e ainda em conseqüência das provocações policiais que minavam o grupo central do Partido, este foi levado a um quase completo esfacelamento, situação essa que perdurou até fins da 1941. (retornar ao texto)
Inclusão | 05/08/2008 |