Carta a Roberto Sisson(1*)

Luiz Carlos Prestes

Setembro de 1935


Fonte: Problemas Atuais da Democracia, Editorial Vitória, 1947, pág: 15-21.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo, maio 2006.
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Prezado companheiro Sisson:

Tenho acompanhado com o mais vivo interesse, a sua intensa atividade na direção da ANL, à qual v. tem dado o melhor da sua energia e inteligência. Tanto na época anterior ao fechamento pelo governo das sedes da ANL, como depois da passagem do nosso movimento para a ilegalidade, a sua atividade, a sua coragem, o seu espírito de iniciativa e a sua inteligência têm estado por completo ao serviço da grande causa da libertação nacional do nosso país. Mas nestes poucos meses de existência da nossa grande organização nacional-libertadora o povo de todo o Brasil teve muitas ocasiões para sentir até onde vai o valor e a coragem de seus chefes. A sua atitude em Petrópolis, tomando a frente das massas e levando-as audaciosa e valentemente à luta contra os assassinos policiais e integralistas é digna dos verdadeiros continuadores da bravura de Siqueira Campos. O seu trabalho posterior, dirigindo a caravana libertadora ao Norte do país, foi outro marco vitorioso na sua carreira de libertador. V. soube explicar aos nossos compatriotas de todo o norte a causa da miséria em que vegetam. V., dirigindo um grupo de libertadores corajosos e inteligentes, soube ganhar definitivamente para as nossas fileiras todo o norte do Brasil. Sem sectarismo nem oportunismo, V. falou com todos que não estão vendidos ao imperialismo e teve a coragem de enfrentar o ódio dos grandes senhores feudais reacionários, dos seus governos de bandidos, e dos seus capangas integralistas. O povo do Norte e do Nordeste pôde sentir, através da atitude desassombrada e corajosa da caravana, que a ANL é um movimento nacional que luta realmente pela independência do Brasil e pelo bem estar de seu povo. Você tem, portanto, grandes qualidades para vencer, agora, na nova etapa que atravessa o nosso movimento libertador, todas as dificuldades, incômodos e dissabores resultantes do cargo trabalhoso e difícil de secretário geral da ANL. Eu, de minha parte, desejo o mais possível auxiliá-lo e, mesmo de longe, contribuir com um pouco da minha experiência no trato dos homens para facilitar o seu trabalho. A nossa tarefa central, na direção do grande movimento libertador, é saber reunir, congregar, unificar todos aqueles que no Brasil queiram dar um passo conosco na luta pela emancipação nacional do nosso povo. A nossa vitória depende essencialmente do nosso sucesso em tal tarefa. Tudo para unificar, nada que possa separar — tal é e precisa ser nosso lema. Única condição — tomar parte na luta pela emancipação nacional, não ser agente nem defensor do explorador estrangeiro. À frente da ANL precisamos ter isto muito claro e, sem nenhum oportunismo, sem concessões ao imperialismo ou ao fascismo, devemos ser inimigos irreconciliáveis do sectarismo, fazendo na prática diária os maiores esforços para ganhar para a ANL todos os que sejam capazes de nos acompanhar, nem que seja por alguns dias somente. Só não é anti-imperialista, hoje, no Brasil, a minoria dos argentários mais reacionários, estreitamente ligados aos capitalistas estrangeiros. Todo o restante, a quase totalidade da população do país é nacionalista. Muitos ainda pensam que com algumas reformas será possível controlar os dominadores; são os nacional-reformistas que não aprenderam nada com os movimentos anteriores, são os Juarez Távora, os Ary Parreira, etc. É necessário compreender que homens como tais ainda exercem influência sobre grandes camadas sociais e que precisam ser ganhos para o movimento libertador, apesar de todas as restrições que possam apresentar. Isto exige de nossa parte uma grande paciência, uma grande habilidade e o dispêndio de grandes energias. Mas precisa ser realizado. Além disto precisamos compreender que num movimento como o nosso, lidamos com homens, como eles são e não como nós desejaríamos que eles fossem. Teremos que trabalhar com oportunistas incuráveis, sempre dispostos a recuar, com sectários e esquerdistas incapazes de compreender o nosso trabalho ao lado de homens que não são «puros», que não são socialistas ou são adversários abertos dos comunistas, etc. A direção da ANL nos obriga a saber trabalhar com todos. Saber afastar tudo que possa separar, dividir, criar incompatibilidades, para fazer ressaltar tudo aquilo que possa unificar, que possa servir para reunir na luta pela emancipação nacional do Brasil. Apesar do muito que já foi feito no sentido de amplificar a nossa frente única anti-imperialista e antifascista, creio, no entanto, que ainda há muito a fazer. É para esse muito que ainda há a fazer que eu tomo a liberdade de lhe chamar a atenção, pedindo-lhe que não poupe sacrifícios para realizá-lo. Quero citar somente dois exemplos que me servirão para concretizar e melhor precisar minha opinião. É incontestável que, apesar de toda a podridão da política nacional, existem na Câmara Federal, e, talvez mesmo, no Senado, algumas figuras que não podemos acusar de agentes imperialistas. Mas nós, isto é, a direção da ANL, ainda não soube até agora ganhar tais elementos para a frente única anti-imperialista ou pelo menos para a frente única anti-integralista. Não se trata de uma adesão formal à ANL, trata-se de arrastar tais elementos praticamente a tomar posição ao nosso lado nas lutas contra o imperialismo e contra o fascismo. Há entre muitos companheiros da ANL grandes ilusões sobre a possibilidade de uma frente única com a oposição parlamentar. Tal coisa, presentemente, não é ainda possível e só poderá ser realidade depois que tal oposição for depurada, na prática, de alguns elementos reacionários que a dirigem. Mas, nas fileiras da oposição há muitos nacionalistas de verdade, muitos homens que marcharão conosco peio menos nas primeiras lutas contra o imperialismo. Por que não nos aproximamos de tais elementos? Por que não os procuramos e não os convidamos a participar em lutas concretas, em organizações como a FPL? Poderia citar muitos exemplos, mas creio que vocês aí poderão melhor julgar quais são os homens capazes de organizar um grupo anti-integralista e anti-imperialista no Parlamento, e que apóie as nossas iniciativas. Lembro, no entanto, o nome de Barros Cassal. Peço-lhe mesmo que o procure em meu nome, assim como ao Domingos Velasco, porque estou certo que ambos não terão dúvidas em vir formar junto com os libertadores, mesmo sem que para tanto rompam formalmente com os seus partidos. Por intermédio desses dois, será possível, estou certo, chegar a outros homens honestos capazes de também lutar pela emancipação nacional do Brasil. Na marinha também o nosso trabalho é relativamente insignificante. Não soubemos ainda ganhar para o movimento libertador a grande maioria dos oficiais de marinha, os quais apesar de todos os pesares, não podemos negar que sejam nacionalistas; o que há na marinha é um grande medo ao Comunismo e o receio que a ANL seja uma simples máscara do Partido Comunista. Precisamos mostrar praticamente a inverdade de tal afirmação, explicando, principalmente aos oficiais de marinha, o que será o governo popular nacional revolucionário. Por outro lado, precisamos nos aproximar dos homens de prestígio na marinha, daqueles que por uma ou outra causa exercem grande influência no meio naval. Um deles é incontestàvelmente o Ary Parreiras, o outro é o almirante Protógenes. Quanto ao primeiro, creio que por intermédio de outro companheiro iniciaremos relações. Falta, porém, chegar ao almirante Protógenes. Será que ele não compreende a minha posição, será ele capaz de lutar contra a ANL em defesa dos imperialistas e de seus serviçais nacionais? Ou será que ele ainda apóia esse governo, porque equivocadamente pensa assim defender os interesses nacionais? De qualquer maneira não haverá mal algum em que você o procure e trate de deslindar francamente com ele, utilizando mesmo esta carta, se julgar necessário, qual a sua posição frente ao nosso movimento libertador. Teria prazer em conhecer a opinião dele, as suas objeções, assim como qual a base mínima em que seria possível chegar a um acordo para a luta anti-imperialista e antifascista. Antes de terminar esta já longa carta desejo dizer-lhe ainda alguma coisa, sobre a necessidade das lutas parciais. É um fato, que se explica pela própria situação objetiva que atravessamos, que no Brasil todo mundo conspira. Conspiram os politiqueiros, conspiram os militares, conspiram os adversários do governo e mesmo os próprios membros do governo. São agrupações secretas desconhecidas do povo, quase sempre conhecidas da polícia, que naturalmente também conspira, e que, todas elas também tramam contra o governo, aspirando os postos de mando, mas com medo pânico do povo, da plebe ignara, como dizem eles, os conspiradores. Naturalmente nós da ANL também devemos e precisamos conspirar. Nós desejamos chegar ao poder, nós sabemos que só quando chegarmos ao poder, instalando o governo nacional revolucionário, o governo da ANL, teremos a democracia e a emancipação do nosso país. E ao poder, nós o sabemos, só poderemos chegar pela luta armada, pela luta insurrecional. A insurreição não é coisa espontânea e precisa ser cuidadosa e atentamente preparada; e preparada em segredo. Mas à diferença dos simples conspiradores, dos golpistas de todos os tempos, nós, os aliancistas, preparamos e marchamos para a insurreição, isto é a luta de massas, a grande luta em que deve e precisa participar todo o povo brasileiro. Nós não temos medo do povo, pelo contrário, sabemos que só com o povo podemos garantir o sucesso da nossa causa, a vitória da ANL, a instalação de um governo popular e nacional realmente democrático e anti-imperialista. Quanto aos golpes, já sabemos o que é que eles produzem e cometeríamos um crime se reduzíssemos a ANL a um centro de conspiradores a tramarem, longe do povo, com medo do povo, a luta pelo poder. Há uma diferença muito grande entre a insurreição e o golpe de Estado, tramado com os políticos de maior ou menor prestígio, com os oficiais e comandantes, quase sempre com dinheiro de um ou outro imperialista interessado no maior predomínio no seio do governo. Infelizmente a grande experiência revolucionária brasileira foi toda ela obtida através dos simples golpes. No preparo de golpes, na técnica da conspiração temos incontestàvelmente grandes especialistas.

Há treze anos que se conspira no Brasil. Mas falta-nos a experiência das verdadeiras lutas insurrecionais, das grandes lutas de massa, das lutas populares conscientemente e cientificamente preparadas. No Brasil, quando uma organização como a ANL, declara francamente que luta pelo poder, o que interessa aos mais ativos é saber quando, em que dia, a que hora será dado o golpe. Isto tudo é muito bom. Tudo isso muito nos ajudará na preparação técnica da insurreição e é uma experiência de grande valor inexistente em muitos outros Países, que precisamos saber muito bem aproveitar e utilizar. Mas para nós o essencial, o indispensável é mobilizar e organizar grandes massas, prepará-las pacientemente, através de lutas parciais, para a grande luta final pelo poder. Sei que grande número de ótimos companheiros negam-se a tomar parte em tais lutas e reclamam corajosamente a luta armada pelo poder. Não adianta nada organizar camponeses e dirigí-los na luta local contra a barbaria feudal; não adianta nada lutar em cada localidade contra a carestia da vida, contra os impostos escorchantes; o povo não quer saber de lutas locais isoladas, nem de lutas parciais, etc. Assim falam grande número de companheiros aliancistas. O seu trabalho precisa ser muito grande para mostrar a tais companheiros como eles estão enganados, como eles ocultam toda a passividade, toda a incapa-cidade de organizar e dirigir lutas populares com as afirmações bombásticas de que estão prontos para a luta armada pelo poder. Tais lutas pelo poder só serão realmente possíveis, só serão realmente lutas de massas, lutas populares, se o povo, nelas participar, e tal participação não vai ser obtida por manifestos, nem por discursos, por mais inflamados que sejam. O povo irá às grandes lutas insurrecionais depois que em diversas lutas parciais tenha aprendido alguma coisa, tenha se convencido de que a polícia está ao lado da reação e do capitalista estrangeiro, tenha ganho confiança nas suas próprias forças pelas pequenas vitórias já alcançadas, tenha verificado na prática que os soldados são seus irmãos e ficaram a seu lado. Somente através das lutas parciais surgirão os grandes chefes populares, os homens que diretamente ligados ao povo, poderão transmitir nossas palavras de ordem e garantir, pelo prestígio com que contam, porque adquirido ao lado desse mesmo povo, nas lutas anteriores, que tais palavras serão obedecidas, serão realizadas. Através de tais lutas serão desmascarados todos os demagogos, os homens que no momento da insurreição poderiam desviar as massas do caminho da luta contra o imperialismo e o fascismo. Naturalmente é muito mais difícil e perigoso, exige um espírito de sacrifício muito maior ligar-se com o povo, organizá-lo, levá-lo a lutas efetivas por suas reivindicações, lutar com ele contra a polícia nas ruas, nas fazendas, do que conspirar e preparar planos mirabolantes de como tomar o poder através de um simples golpe de mão. Lutas, como a de Petrópolis, precisam ser preparadas e levadas a efeito em todo o Brasil. Depois de uns vinte Petrópolis a insurreição será inevitavelmente vitoriosa. Mas não basta criticar a posição falsa dos nossos companheiros golpistas. É indispensável auxiliá-los, para que aprendam a ligar-se com o povo, a organizá-lo, a dirigi-lo em suas lutas. Em cada localidade, em cada bairro, nas cidades, nas fazendas, nos navios, nas escolas, nas fábricas, nos quartéis, em toda a parte onde há uma coletividade popular, precisam os aliancistas chegar. Que deve lá fazer um aliancista consciente? Começar por declarar que é aliancista, que é adversário do governo, que quer fazer a revolução? — Não; evidentemente não. O aliancista deve tratar de sentir quais são as necessidades mais prementes de tal coletividade, quais são os interesses econômicos ou políticos os mais vivos, aqueles pelos quais será possível chegar à unificação de tal coletividade. Organizar com qualquer nome, ou sem nome algum, um Comitê de luta por tais interesses, dirigir tais lutas e principalmente não ter medo de que tais lutas se transformem, e cheguem mesmo, até à luta armada. Muitas vezes os nossos companheiros separam as lutas parciais das lutas armadas. Isto é falso, é completamente falso nas condições atuais do nosso país. Hoje, no Brasil, qualquer luta por mais pacífica que seja se transformará rapidamente em luta armada. Os dirigentes não têm direito de levar o povo a derrotas ou a massacres. Preparando qualquer luta, qualquer demonstração, qualquer passeata ou comício, devem imediatamente propor também a organização de grupos armados, grupos de auto-defesa, capazes de impedir o massacre, capazes de defender a vida dos oradores e dos chefes populares contra a sanha dos policiais e dos integralistas. A luta armada parcial é um grande instrumento para o esclarecimento da consciência popular. Não quer nada disso dizer que devemos nos tomar a iniciativa das lutas armadas, nem fazermos simples ataques armados de pequenos grupos. A nossa luta armada deve ser, antes de tudo, uma luta de massas e sempre uma resposta a ataques da polícia ou dos integralistas. Tais lutas, ao campo, poderão transformar-se em guerrilhas, em lutas permanentes de determinados grupos contra o feudalismo e a reação policial. Através das lutas parciais a ANL ganhará o seu verdadeiro caráter de massas e vencerá a ilegalidade, porque manifestará nas ruas a sua força. Esta é, portanto, a grande tarefa prática atual que precisa ser realizada pelos dirigentes da ANL.

Setembro de 1935


Notas:

(1*) Esta carta, datada de setembro de 1935, foi escrita antes da prisão do autor. Mas por seu espírito e seu conteúdo, muito se assemelha às que foram escritas depois, no cárcere, formando com elas um todo homogêneo e inseparável. Eis porque a incluímos aqui. (retornar ao texto)

Inclusão 13/07/2007