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"Em compensação, tenho verificado que os conceitos fundamentais, neste terreno (isto é, "os conceitos físicos fundamentais de trabalho e de sua invariabilidade"), parece serem dificilmente compreensíveis pelas pessoas que não tenham passado pela escola da mecânica matemática (por maior empenho que ponham na tarefa e por maior que seja a sua inteligência), até mesmo possuindo um grau muito elevado de conhecimento das ciências naturais. Não se pode negar, porém, que se trata de abstrações de espécie muito particular. Tanto que sua compreensão só foi alcançada com certa dificuldade até mesmo por um espírito como o de M. Kant, segundo se infere da polêmica que manteve com Leibnitz". É isso o que diz Helmholtz (Conferências Científicas, 11, Prefácio ).
Em vista disso, ousamos penetrar num território muito perigoso, tanto mais que não podemos conduzir o leitor "de acordo com a escola da mecânica matemática". Mas talvez seja possível que, pelo fato de se tratar de conceitos, o pensamento dialético consiga conduzir-nos, pelo menos, tão longe quanto o cálculo matemático.
Galileu descobriu a lei da queda dos corpos, segundo a qual os espaços sucessivos percorridos por um corpo, ao cair, são proporcionais aos quadrados dos tempos de queda. Mas, ao lado desse princípio, estabeleceu um outro que, como veremos, não corresponde inteiramente ao mesmo: o de que a magnitude do movimento de um corpo (isto é, seu impulso ou momento) é determinada por sua massa e por sua velocidade; de forma que, com uma massa constante, ela é proporcional à velocidade. Descartes apoiou-se neste último princípio e, do produto da massa pela velocidade de um corpo em movimento, fez a medida geral de seu movimento.
Huyghens havia já verificado que, num choque elástico, a soma dos produtos das massas pelo quadrado das velocidades é a mesma tanto antes como depois do choque; e que uma lei semelhante rege diversos outros casos de movimento de corpos unidos em um mesmo sistema.
Leibnitz foi o primeiro a advertir que a medida do movimento, estabelecida por Descartes estava em contradição com a lei da queda dos corpos. Por outro lado, não se podia negar que a lei estabelecida por Descartes era correta sob vários aspectos. Em vista disso, Leibnitz dividiu as força do movimento em mortas e vivas. As mortas eram representadas pelas pressões ou tendências dos corpos em repouso; e sua medida é igual ao produto de sua massa pela velocidade com que se moveriam se passassem do estado de repouso ao de movimento. Em contraposição, como medida da força viva (do verdadeiro movimento de um corpo), estabeleceu que seria igual ao produto de sua massa pelo quadrado de sua velocidade. Essa nova medida do movimento foi diretamente deduzida da lei que preside à queda dos corpos:
"Para levantar, a um pé de altura, um corpo que pese quatro libras — concluía Leibnitz — torna-se necessária a mesma força exigida para levantar a quatro pés um outro que pese apenas uma libra. Mas suas trajetórias são proporcionais ao quadrado da velocidade, porquanto um corpo, quando cai da altura de quatro pés, terá alcançado uma velocidade dupla daquele que caiu apenas da de um pé. Por outro lado, ao cair, os corpos adquirem a força necessária para subir à mesma altura da que caíram; de sorte que as forças são proporcionais ao quadrado da velocidade". [Heinrich Suter, 18481922, Gesch. der Mathem. (História da Matemática), II, pág. 367].
Leibnitz assinalou, além disso, que a medida mv do movimento está em contradição com a lei cartesiana da constância da quantidade de movimento, por isso que, se a primeira tem valor real, a força (isto é, a quantidade de movimento); aumenta ou diminui constantemente na Natureza. Chegou mesmo a esboçar um aparelho (1960, Acta Eruditorum) o qual, se a medida mv fosse correta, teria que representar um movimento contínuo, com uma constante aquisição de força, o que seria absurdo. Helmholtz voltou a empregar ultimamente, com frequência, essa mesma argumentação.
Os cartesianos protestaram energicamente, entabulando-se uma polêmica famosa, através de muitos anos, da qual participou também Kant com sua primeira obra [Gedanken von der wahren Schatzung der lebendigen Krafte (Considerações Sobre a Verdadeira Medição das Forças vivas), 1746], sem que o assunto fosse, entretanto, perfeitamente esclarecido. Os atuais matemáticos encaram depressivamente essa polêmica estéril, que se prolongou durante 40 anos, tendo dividido os matemáticos europeus em dois campos inimigos, até que d'Alembert, finalmente, em seu Traité de dynamique (1743) pôs um ponto final, com uma veemente repulsa, a essa inútil disputa de palavras, pois não era outra coisa esse longo debate (Suter, loc. cit., pág. 366).
Parece-nos, entretanto, que uma discussão não pode ser considerada como uma inútil disputa de palavras, quando sustentada por um Leibnitz contra um Descartes e quando empolgou o espírito de um homem como Kant, que dedicou ao assunto a sua primeira obra, aliás um livro volumoso. Na realidade, como admitir-se a possibilidade de ter o movimento duas medidas contraditórias, ora proporcional à velocidade, ora ao quadrado da velocidade? Para Suter, a questão apresenta grande facilidade; diz ele que ambas as partes tinham razão e ambas estavam equivocadas: "a expressão força viva, apesar de se ter mantido até agora, já não prevalece como medida de força, sendo apenas uma expressão adotada para, vez por outra, designar a lei (tão importante no que se refere à mecânica) do produto da massa pela metade do quadrado da velocidade". De maneira que mv continua sendo a medida do movimento; e a força viva é apenas uma outra expressão de 1/2 mv2, fórmula que, segundo se diz, é muito importante para a mecânica, mas que justamente agora já não sabemos o que pode significar.
Lancemos mão, entretanto, do salvador Traité de dynamique e examinemos mais de perto a repulsa de d'Alembert. Consta do prólogo. No texto — é dito ali — a questão já não é levada em consideração devido a "l'inutilité parfaite dont elle est pour a mécanique (sua absoluta inutilidade para a mecânica). Isso é inteiramente exato no que se refere à mecânica puramente calculista, na qual, segundo a citação anterior de Suter, as designações verbais são simples expressões diferentes, nomes em vez de fórmulas algébricas, nomes com os quais nada se representa. No entanto, como pessoas tão importantes se ocuparam do assunto, ele deseja analisá-lo rapidamente no Prólogo. Sob a denominação de força de corpos em movimento, só se pode entender, caso pensemos com clareza, como sendo a propriedade que possuem os mesmos de vencer obstáculos ou de opor-se a eles. De maneira que a força não pode ser medida por mv, nem por mv2, mas sim pelos obstáculos e sua resistência.
Ora, muito bem: haveria três classes de resistências:
"Pois bem, toda gente concorda em que só há equilíbrio entre dois corpos, quando do produtos de suas massas por suas velocidades virtuais, isto é, pelas velocidades com as quais tendem a mover-se, são iguais de uma e de outra parte. Por conseguinte, quando há equilíbrio, o produto da massa pela velocidade ou, o que é a mesma coisa, a quantidade de movimento, pode representar a força. Toda gente concorda também em que, no movimento retardado, o número de obstáculos vencidos corresponde ao quadrado da velocidade; de sorte que um corpo que comprimiu uma mola, por exemplo, com uma certa velocidade, poderá, com uma velocidade dupla, comprimir, seja de uma só vez, seja sucessivamente, não duas mas quatro molas semelhantes à primeira, nove com velocidade tríplice e assim sucessivamente. Daí concluem os partidários das forças vivas (os leibnitzianos) que a força dos corpos que se movem realmente é, em geral, igual ao produto da massa pelo quadrado da velocidade. No fundo, que inconveniente poderia haver no fato de a medida das forças ser diferente no caso de haver equilíbrio e no caso do movimento retardado, uma vez que, se quisermos raciocinar, com idéias claras, não se deve entender pela palavra força apenas o efeito produzido ao vencer um obstáculo ou resistência?" (Prólogo, págs- 19-20 da edição original).
Mas d'Alembert é suficientemente filósofo para compreender que não é possível admitir, com tamanha facilidade, a contradição existente no fato de haver uma dupla medida para uma mesma força. De maneira que, após ter repetido o que, no fundo, já dissera Leibnitz (pois o seu equilíbrio é a mesma coisa que as pressões mortas de Leibnitz), volta-se rapidamente para o lado dos cartesianos e encontra a seguinte saída: o produto mv pode também valer como medida de força, no movimento retardado,
"se, neste último caso, mede-se a força, não pela quantidade absoluta dos obstáculos, mas sim pela soma das resistências oferecidas por esses mesmos obstáculos. Porque não se pode duvidar de que a soma dessas resistências é proporcional à quantidade de movimento (mv), visto como toda gente concorda em que a quantidade de movimento que o corpo perde a cada instante é proporcional ao produto da resistência pela duração infinitamente pequena do instante; e que a soma desses produtos representa, evidentemente, a resistência total".
Essa última maneira de calcular lhe parece a mais natural
"porque um obstáculo não pode ser considerado tal senão quando resiste; e, para falar com exatidão, a soma das resistências representa o obstáculo vencido; por outro lado, ao avaliar dessa maneira a força, obtém-se a vantagem de dispor de um medida comum para o equilíbrio e para o movimento retardado".
Cada qual pode encará-lo como quiser; e depois de acreditar ter assim resolvido a questão, por meio de um fraco intermediário matemático (como o admite Suter), termina com observações desdenhosas sobre a confusão que reinava entre seus predecessores, sustentando a opinião de que, em virtude de suas considerações anteriores, já não era mais possível senão uma discussão metafísica muito fútil ou uma disputa ainda mais indigna, baseada em palavras.
E d'Alembert apresenta uma proposição conciliatória que pode ser reduzida ao seguinte cálculo:
Uma massa 1, com velocidade 1, comprime uma mola, na unidade de tempo; uma massa 1, com velocidade 2, comprime 4 molas mas necessita, para isso, 2 unidades de tempo, isto é, comprime apenas 2 molas, na unidade de tempo;uma massa 1, com velocidade 3, comprime 9 molas, em 2 unidades de tempo, ou sejam apenas 3, na unidade de tempo;De maneira que, se dividimos o efeito realizado pelo tempo requerido, passamos novamente de mv2 , a mv.
Trata-se do mesmo argumento que já havia sido empregado por Catelan contra Leibnitz: é verdade que um corpo, com velocidade 2, sobe (contrariando a gravidade) a uma altura quadrupla a que subiria um outro com a velocidade 1; mas necessita, para isso, de um tempo duplo; em consequência, a quantidade de movimento deve ser dividida pelo tempo, sendo igual a 2 e não a 4. Curiosamente, é este também o modo de ver de Suter, que conseguiu tirar à expressão força viva todo o sentido lógico, deixando-lhe apenas o matemático. É natural que assim seja. Para Suter, o objetivo principal era salvar a fórmula mv, dada a sua importância como medida única do movimento; ele sacrifica logicamente mv2, para depois ressuscitá-la, transfigurada, no céu matemático.
No entanto, uma coisa é verdadeira: a argumentação de Catelan é uma das pontes que unem mv2 e mv; e, por isso, é importante.
Os mecanicistas posteriores a d'Alembert, não aceitaram, de modo algum, a repulsa por ele feita, já que seu retardo era, afinal de contas, favorável a mv como medida de movimento. Atinham-se à forma que ele havia dado à diferenciação estabelecida por Leibnitz entre forças mortas e vivas: para o estado de equilíbrio, ou seja, para a estática, prevalece mv; para o movimento ou seja para a dinâmica, prevalece mv2. Mesmo quando seja correta, de um modo geral, a distinção apresentada sob essa forma, ela não tem mais sentido lógico do que a do sargento: entre dois modos (que não consigo entender) de dizer aquilo que, para mim, é uma mesma coisa; e visto como pretendem que sejam duas coisas diferentes, em serviço usarei sempre um deles; e, fora do serviço, o outro. Aceita-se, em silêncio, essa distinção: a coisa é assim, não podemos modificá-la; e, se nessa dupla medida há uma contradição, que podemos fazer?
Assim dizem, por exemplo, Thomson e Tait (A Treatise on Natural Philosophy, Oxford, 1867, pág. 162):
"A quantidade de movimento ou o impulso de um corpo rígido que se move, sem rotação, é proporcional à sua massa e à sua velocidade, conjuntamente. A uma dupla massa ou a uma dupla velocidade, corresponderia uma dupla quantidade de movimento". E, em seguida: "A vis viva ou energia cinética de um corpo em movimento é, ao mesmo tempo, proporcional à massa e ao quadrado da velocidade".
É dessa forma chocante que são postas, uma ao lado da outra, as duas medidas contraditórias do movimento, sem que haja a mínima tentativa para justificar a contradição ou, pelo menos, dissimulá-la. No livro desses dois escoceses, fica proibido pensar: é permitido apenas calcular. Não constitui, portanto, um milagre o fato de que um deles, pelo menos (Tait), figure entre os mais fervorosos cristãos da crente Escócia.
Nas lições de Kirchhoff, sobre mecânica matemática, as fórmulas mv e mv2, não aparecem sob essa forma.
É possível que Helmholtz nos possa ajudar. Em sua obra Conservação da Força, propõe que a força viva seja expressa pela fórmula 1/2 mv2. Haveremos de voltar a este ponto. Em seguida, enumera rapidamente (Pág. 20 e ss.) os casos em que o princípio da conservação da força viva (ou seja 1/2 mv2) já fôra utilizado e reconhecido. Entre eles, figura sob o número 2:
"A transmissão de movimento pelos corpos sólidos e líquidos incompreensíveis, sempre que não intervenha fricção ou choque de substâncias sem elasticidade. Nosso princípio geral é habitualmente expresso, para esses casos, segundo a regra de que um movimento transmitido e modificado por potências mecânicas, tem sua intensidade de força diminuída na mesma relação em que aumenta sua velocidade. Consideremos, pois, um peso m, levantado com a velocidade c, por uma máquina que produz, por qualquer processo, uma força constante de trabalho; então, por meio de outro dispositivo mecânico, pode ser levantado um outro peso n m, mas com a velocidade apenas de c/n, de modo que, em ambos os casos, a quantidade de força de tensão gerada pela máquina, na unidade de tempo, deve ser representada por m g c, onde g representa a intensidade da gravidade".
Verifica-se, pois, também neste caso, a contradição contida no fato de que uma intensidade de força, que aumenta ou diminui em simples relação com a velocidade, deve servir para demonstrar a conservação de uma intensidade de força que aumenta ou diminui segundo o quadrado da velocidade.
É verdade que mv e 1/2 mv2, são usados para determinar dois processos muito diferentes, mas isso já o sabíamos desde algum tempo, pois mv2não pode ser igual a mv—, a menos que v=1. Trata-se de tornar compreensível a razão pela qual o movimento tem duas medidas, coisa que, na ciência, é tão inadmissível como no comércio.
Por meio de mv se mediria, portanto, "um movimento transmitido e modificado por potências mecânicas". Essa medida prevalece, pois, também para a alavanca e todas as demais formas dela resultantes: rodas, parafusos, etc., ou seja, para toda a maquinaria de transmissão. Ora bem: de uma consideração muito simples e de maneira nenhuma nova, resulta que, qualquer caso, se pode empregar indiferentemente mv ou mv2. Tomemos qualquer dispositivo mecânico em que a dimensão dos braços das alavancas dos dois lados esteja na relação de 4:1; na qual, portanto, o peso de 1 quilo, em um dos lados, equilibre o de 4 quilos, no outro. Por meio de um pequeno acréscimo de força a um dos braços da alavanca, podemos levantar 1 quilo à altura de 20 metros; o mesmo suplemento de força aplicado ao outro braço da alavanca, poderá levantar 4 quilos a 5 metros; e o peso predominante desce no mesmo tempo que o outro necessita para subir. As massas e as velocidades se comportam em sentido inverso: m v, 1 X 20 = m' v', 4 X 5. Deixemos agora cair livremente cada um desses pesos, depois de levantado até o seu primitivo nível; veremos então que o de 1 quilo alcança, depois de percorrer distância de queda de 20 metros (suposta a aceleração da gravidade como sendo de 10 em vez de 9,81), uma velocidade de 20 metros por segundo; e o outro, de 4 quilos, com uma distância de queda igual a 1 metro, alcançará uma velocidade de 10 metros.
m v2 = 1 X 20 X 20 = 400 = m1 v12 = 4 X 10 X 10 = 400
Por outro lado, porém, os tempos de queda são diferentes: os 4 quilos percorrem seus 5 metros em 1 segundo e o quilograma percorre seus 20 metros em 2 segundos. A fricção e a resistência do ar foram inicialmente desprezadas.
Mas, a partir do momento em que esses dois corpos caíram de suas respectivas alturas, seu movimento cessa. Por conseguinte, m v aparece aqui como medida do movimento mecânico simplesmente transmitido e portanto incessante; e m v2 como medida do movimento mecânico desaparecido.
Prossigamos. No choque de corpos perfeitamente elásticos, prevalece a mesma regra: a soma dos m v e a soma dos m v2, antes e depois do choque, não variaram. Ambas as medidas valem a mesma coisa.
Tal não se dá, porém, no choque de corpos inelásticos. A esse respeito, os manuais elementares ensinam (a mecânica superior já não se ocupa quase de semelhantes bagatelas) que a soma dos m v é a mesma antes e depois do choque. Em compensação, verifica-se uma perda de força viva, porque, se testarmos a soma dos m v2 depois do choque e a soma dos mesmos antes do choque, resta em todos os casos um resíduo positivo. A força viva terá sido diminuída dessa quantidade (ou de sua metade, conforme o modo de ver) pela penetração recíproca e pela mudança de forma dos corpos entrechocados. Esta última afirmação é clara e salta à vista. Não acontece o mesmo com respeito à primeira: a de que a soma dos m v continua sendo a mesma antes e depois do choque. A força viva é movimento, apesar de Suter; e se perdermos uma parte de força viva, perde-se movimento. Por conseguinte, ou m v expressa, neste caso inexatamente, a quantidade de movimento; ou então, a afirmação anterior é falsa. Além do mais, toda essa proposição nos vem de um tempo em que não se tinha a menor idéia da transformação do movimento; no qual, portanto, só se admitia o desaparecimento do movimento mecânico, quando não restava outro recurso. Assim é que se procura demonstrar a igualdade dos m v antes e depois do choque, eliminando qualquer perda ou ganho em relação aos mesmos. Mas, se os corpos cedem força viva em virtude da fricção interna correspondente à sua falta de elasticidade, também cedem movimento; e assim, a soma dos m v tem que ser, depois do choque, menor que antes. Não é admissível que se despreze a fricção interna, ao calcular os m v, quando a levamos em consideração, com tanta clareza, ao calcular os mv2.
Mas isso não muda em nada a situação. Mesmo no caso de admitirmos a proposição e calcularmos a velocidade depois da queda (na suposição de que a soma dos m v manteve-se igual), mesmo nesse caso encontraremos aquela diminuição quando somamos os m v2. De sorte que m v e m v2 entram em conflito, devido à diferença de movimento mecânico desaparecido. E o próprio cálculo demonstra que a soma dos m v2 expressa corretamente a quantidade de movimento e que a soma dos m v a expressa incorretamente.
Esses são, aproximadamente, todos os casos em que a fórmula m v é usada em mecânica. Examinemos agora alguns casos em que é usada m v2.
Quando é disparado um projétil de canhão, na sua trajetória absorve uma quantidade de movimento que é proporcional a m v2, tanto no caso de chocar-se com um alvo sólido, como no de atingir o repouso (seja devido à resistência atmosférica, seja devido à gravidade). Quando um trem em marcha se choca contra outro que está parado, a violência com que se verifica o fato e a correspondente destruição resultante, são proporcionais ao seu m v2. Da mesma forma, prevalece m v2 no cálculo de qualquer força mecânica necessária para vencer uma resistência.
Que significa, entretanto, esse cômodo modo de dizer, tão corrente entre os mecanicistas: vencer uma resistência?
Se, levantando um peso, vencemos a resistência da gravidade, é preciso notar que, ao fazê-lo, desaparece uma certa quantidade de movimento, uma quantidade de força mecânica igual à que pode ser gerada novamente pela queda direta ou indireta desse peso desde a altura a que foi levantado até seu nível anterior. Essa quantidade é medida multiplicando-se a metade de sua massa pelo quadrado da velocidade alcançada durante a queda, ou seja: 1/2 m v2. Que teria ocorrido ao levantar-se o peso? O movimento mecânico ou força terá desaparecido como tal. Mas, em verdade, não ficou reduzido a nada: foi transformado em força mecânica de tensão (para empregar a expressão de Helmholtz); em energia potencial, como dizem os mais modernos; em geral, como denomina Clausius. E esta pode ser transformada, a qualquer momento e por qualquer processo mecânico possível, na mesma quantidade de movimento mecânico que foi necessário para gerá-la. A energia potencial é apenas a expressão negativa da força viva e vice-versa.
Uma bala de canhão de 24 libras, com uma velocidade de 400 metros por segundo, choca-se contra a couraça (de um metro de espessura) de um encouraçado; e, em tais circunstâncias, não tem nenhuma ação visível sobre o barco. Terá desaparecido, assim, um movimento mecânico que era igual a 1/2 m v2. Ou seja, considerando que as 24 libras alemãs equivalem a 12 quilos, um movimento igual a: 12 X 400 X 400 X 1/2 = 960.000 quilogrâmetros. Que terá sido feito deles? Uma pequena parte, foi consumida em sacudir a couraça e modificar sua estrutura molecular, outra parte, em arrebentar a bala em inumeráveis fragmentos; mas a maior parte, foi transformada em calor, tendo enriquecido a bala até a incandescência. Quando os prussianos, em 1864, ao passar por Alsen, puseram em ação suas baterias pesadas contra o encouraçado Rolf Krake, viram, a cada impacto, brilhar o projétil incandescente dentro da escuridão; e Withworth, antes disso, havia já demonstrado que os projeteis explosivos não precisam de fulminantes quando usados contra couraças de ferro: o metal incandescente, por si mesmo, inflama a carga explosiva. Considerando o equivalente mecânico da unidade de calor como correspondendo a 424 quilogrâmetros, a já citada quantidade de movimento mecânico corresponde a 2.264 unidades. O calor específico do ferro é igual a 0,1140, isto é, corresponde à mesma quantidade de calor que eleva de 1° C a temperatura da água (medida adotada como unidade de calor). Ela é suficiente para elevar de 1° C a temperatura de 1 quilo de ferro a 8.772 X 2.264 = 19.860°, ou então, 19.860 quilos de ferro à temperatura de 1°. Considerando que essa quantidade de calor é repartida, em partes iguais, entre a couraça e o projétil, deve a mesma ser calculada à razão de 19.860 / 2 X 12 = 828°, donde resulta um ótimo poder de incandescência. Mas, como a parte dianteira do projétil, aquela que sofre diretamente o choque, deve receber uma porção muito maior de aquecimento (provavelmente o dobro da que recebe a parte posterior), a primeira seria aquecida a uma temperatura de 1.104° e a segunda a 552° apenas, o que é suficiente para explicar perfeitamente o efeito luminoso da incandescência, apesar de haver uma forte redução em virtude do trabalho mecânico efetivo realizado pelo choque.
Em consequência da fricção desaparece também o movimento mecânico, que reaparece depois como calor. Por meio da medição mais exata possível de ambos esses processos, conseguiram Joule (James Prescott, 1818-1889), em Manchester e, logo depois, Colding, em Copenhage, determinar experimentalmente, com uma certa aproximação, o equivalente mecânico do calor.
A mesma coisa se verifica ao ser produzida uma corrente elétrica, em uma máquina eletromagnética, por meio de força mecânica (por exemplo, uma máquina a vapor). A quantidade da chamada força eletromotriz(1), gerada em um determinado tempo é proporcional e (caso expressa pela mesma medida) equivalente à quantidade de movimento mecânico consumida nesse mesmo tempo. Podemos compará-la com a que é gerada pela queda de um peso, em virtude da atração da gravidade. A força mecânica que essa queda pode produzir é medida pela força viva que receberia se caísse livremente desde uma certa altura, ou pela força necessária para levantá-lo à altura primitiva. Em ambos os casos, a medida seria 1/2 m v2.
Assim é que, na realidade, verifica-se que o movimento tem uma dupla medida; mas, também, que cada uma dessas medidas é aplicada a uma determinada e delimitada série de fenómenos. Quando um movimento mecânico, já existente, é transmitido de tal maneira que é conservado como movimento mecânico, o mesmo se transmite segundo a relação do produto da massa pela sua velocidade. Mas se o movimento mecânico é transmitido sob uma forma tal que desaparece na qualidade de movimento para reaparecer sob a forma de energia potencial, calor, eletricidade, etc.; numa palavra, se é convertido em outra forma de movimento, então a quantidade dessa nova forma de movimento será proporcional ao produto da massa, originariamente móvel, pelo quadrado de sua velocidade. Em poucas palavras: m v é movimento mecânico, medido em movimento mecânico; 1/2 m v2 é movimento mecânico medido segundo sua capacidade para transformar-se em uma determinada quantidade de outro movimento; e vimos já que ambas essas medidas não entram em contradição apesar de serem diferentes.
Daí resulta que a polêmica entre Leibnitz e os cartesianos não era, de forma alguma, uma simples disputa em torno de palavras; e que a desaprovação de d'Alembert podia ter evitado suas tiradas sobre a falta de clareza de seus predecessores, visto como acabou sendo tão pouco claro quanto eles. Na realidade, enquanto não se conseguiu saber o que era feito do movimento aparentemente aniquilado, era inevitável que se permanecesse na obscuridade. E enquanto matemáticos mecanicistas como Suter se mantivessem tenazmente encerrados entre as quatro paredes de sua ciência especial, permaneceriam na mesma obscuridade que d' Alembert e teriam que alimentar-nos com frases vazias e contraditórias.
Mas como explica a mecânica moderna essa transformação do movimento que lhe é proporcional em quantidade? Diz-se agora que terá realizado um trabalho, isto é, determinada quantidade de trabalho.
Mas o conceito de trabalho, no sentido físico, não fica, com essa afirmação, perfeitamente esclarecido. Quando, como na máquina a vapor (ou térmica), o calor é transformado em movimento mecânico, ou seja, quando um movimento molecular é transformado em movimento de massas; quando o calor decompõe uma combinação química ou quando se transforma em eletricidade, por meio da pilha termoelétrica; quando uma corrente elétrica separa os elementos da água, do ácido diluído, ou inversamente, quando o movimento posto em liberdade (aliás energia), numa pilha, toma a forma de eletricidade e esta, por sua vez, ao fechar seu circuito, se converte em calor — em todos esses processos — a forma de movimento que eles iniciam, ou que é por eles transformada em outra, realiza um trabalho; e num montante correspondente, à sua própria quantidade.
O trabalho é, assim, uma simples mudança de forma do movimento, considerado sob seu aspecto quantitativo.
Mas, como? Quando um peso levantado se mantém em repouso (em cima), sua energia potencial, durante o repouso, será também uma forma de movimento? É de supor. Até mesmo Tait chegou à convicção de que a energia potencial se pode transformar, em seguida, numa forma de movimento real(2) (Nature, XIV, 459). Além disso, Kirchhoff vai muito mais longe quando diz:
"O repouso é um caso particular de movimento" (Math. Mech. pág. 32).
Com isso, demonstra ele que, não somente sabe calcular, como também pensar dialeticamente.
O conceito de trabalho, que antes fora considerado como dificilmente compreensível sem mecânica matemática, nos foi sumariamente apresentando depois de um simples exame das duas medidas do movimento mecânico. Em todo o caso, sabemos agora muito mais a esse respeito do que aquilo que aprendemos através da conferência de Helmholtz (Sobre a Conservação da Força, 1862), na qual nos é proposto exatamente "esclarecer, tanto quanto possível, os conceitos físicos fundamentais sobre o trabalho e sua variabilidade". Tudo o que nela aprendemos a respeito de trabalho é que se trata de algo que se traduz em pés-libra ou em unidades calóricas; e que o número desses pés-libra ou unidades calóricas é invariável para uma determinada quantidade de trabalho. Mais ainda: que, além da força mecânica e do calor, também as forças químicas e elétricas podem realizar trabalho; mas todas essas forças esgotam sua capacidade de trabalho na medida em que produzem trabalho real. E que se deduz daí? Que a soma das quantidades de forças capazes de atuar no conjunto da Natureza permanece eterna e invariavelmente a mesma. O conceito de trabalho não é desenvolvido, nem tampouco definido(I). E é precisamente a invariabilidade quantitativa da soma de trabalho aquilo que o impede de compreender que mudança qualitativa, a mudança de forma, é condição fundamental de todo trabalho físico. Assim é que Holmholtz se pode permitir a seguinte afirmação:
"A fricção e o choque inelástico são processos nos quais é destruído trabalho mecânico, dando em resultado a produção de calor" (Popul. Vortrage, II, pág. 166).
Justamente o contrário. No caso, não é destruído trabalho mecânico, mas sim efetuado trabalho mecânico. Aquilo que aparentemente é destruído é o movimento mecânico. Mas o movimento não pode jamais realizar trabalho, nem que seja um milionésimo de quilogrâmetro, sem ser aparentemente destruído como tal, isto é, sem converter noutra forma de movimento.
Está muito bem: a capacidade de trabalho contida em determinada quantidade de movimento mecânico, significa, conforme já vimos, sua força já viva que era, até bem pouco, medida por m v2. Mas, neste ponto, surgiu uma nova contradição. Ouçamos Helmholtz (Erhaltung der Kraft. pág. 9). Ali diz ele que a quantidade de trabalho pode ser expressa por meio de um peso m, levantado a uma altura h e pela gravidade, simbolizada por g, em virtude do que a quantidade de trabalho será igual a m g h. Para subir verticalmente à altura h, m necessita uma velocidade v = √2 g h, voltando a alcançar essa mesma velocidade ao cair. Assim sendo, m g h = 1/2 m v2. E Helmholtz propõe, então, designar diretamente 1/2 m v2 como quantidade de força viva, tornando-se, assim, idêntica à medida da soma de trabalho. Para o uso feito até agora do conceito de força viva... essa mudança carece de importância, enquanto que nos proporcionará, mais adiante, vantagens consideráveis".
É quase incrível. Helmholtz via, em 1847, com tão pouca clareza a relação recíproca entre força viva e trabalho, que nem sequer notou que convertia a medida por ele antes reconhecida como proporcional à força viva, em medida absoluta; que não se apercebeu de quão importante era o descobrimento que havia feito com seu audaz golpe de mão e recomenda a fórmula 1/2 m v2, apenas por considerações de comodidade relativamente a m v2. E, por comodidade, deixaram também os mecanicistas que se consagrasse essa fórmula, que só gradualmente foi também demonstrada pela matemática. A esse respeito, existe um desenvolvimento algébrico em Naumann (Allgemeine Chemie, pág. 7) e um analítico em Clausius (Mechanische Warmetheorie, 2a ed., I, pág.18), sendo em seguida deduzida e desenvolvida de outra maneira por Kirchhoff (Obra citada, pág. 27).
Uma ótima dedução algébrica de 1/2 m v2; a partir de m v, é feita por Clerk Maxwell (Obra cit. pág. 88). O que não impediu os nossos dois escoceses, Tait e Thomson, de dizerem o seguinte (Obra cit. pág.163):
"A vis viva ou energia cinética de um corpo em movimento é proporcional, ao mesmo tempo, à massa e ao quadrado da velocidade. Se adotarmos as mesmas unidades de massa antes adotadas (ou seja, unidade de massa que se move com unidade de velocidade), há uma particular vantagem em definir a energia cinética como sendo a metade do produto da massa pelo quadrado da velocidade".
No que se refere, portanto, aos dois primeiros mecanicistas da Escócia, não só ficou detido o pensamento, como também a faculdade de calcular. A vantagem particular, a facilidade no manejo da fórmula, resolve tudo mais esplendidamente.
Para nós, os que vimos que a força viva não é outra coisa que a capacidade que possui uma certa quantidade de movimento mecânico de realizar trabalho, para nós outros é evidente que a expressão da medida mecânica da capacidade de trabalho (bem como a do trabalho efetivamente realizado) , têm que ser iguais entre si; por conseguinte, se 1/2 m v2 mede o trabalho, a força viva deve ser igualmente medida pela mesma fórmula. Assim acontece na ciência. A mecânica estabelece o conceito de força viva, a prática dos engenheiros, o de trabalho, sendo este imposto aos teóricos(3). E, à força de calcular, nos acostumamos de tal maneira de pensar, que durante anos não se reconheceu a correlação entre uma e outro, medindo-se uma segundo m v2, ao outro segundo 1/2 m v2, e aceitando-se finalmente esta última fórmula para ambos, não por have-la compreendido, mas pela simplicidade do cálculo(II).
Notas de rodapé:
(1) O termo força eletromotriz usa-se agora num sentido muito mais restrito do que há cinquenta anos. É a quantidade que se mede em volts. A quantidade equivalente à energia mecânica é por certo a energia elétrica medida em quilowats/hora. Esses termos se definiram como medida exatamente depois que a energia elétrica se converteu em mercadoria. (retornar ao texto)
(2) Na teoria geral da relatividade, de Einstein, o espaço tempo é formado por um campo gravitante e, em consequência, a relação entre dois corpos separados por um campo gravitante é do mesmo caráter que teriam se estivessem em movimento relativo — Nesse sentido, pode-se dizer que a energia potencial se transforma em movimento. (N — de Haldane) (retornar ao texto)
(I) Não conseguiremos progredir se consultarmos Clark Maxwell. Eis o que diz ele (Theory of Heart, 4a ed., Londres, 1875), pág. 87): "Realiza-se trabalho sempre que é vencida uma resistência". e na pág. 183: "A energia de um corpo é a sua capacidade para realizar trabalho". Isso é tudo quando ali encontramos a respeito do assunto. (N. de Engels) (retornar ao texto)
(3) O termo vis viva (força viva, medida por m v2) desapareceu completamente da mecânica teórica, tal como pensava Engels ser necessário. Presentemente, a maior parte das pessoas pode pensar em termos de energia, não em virtude de nenhum progresso teórico, mas sim porque se trata de uma mercadoria. Compramo-la hoje sob a forma de B.T U., calorias, quilowats-hora e outras medidas; e, por conseguinte, somos forçados a pensar nela de maneira concreta. (N. de Haldane) (retornar ao texto)
(II) A palavra trabalho e sua correspondente idéia são criação dos engenheiros ingleses. Mas, em inglês, o trabalho prático se denomina work e o trabalho em sentido econômico, labour. Por conseguinte, o trabalho físico se denomina também work, excluída qualquer confusão com o trabalho no sentido econômico. Em alemão (e em espanhol) não se verifica a mesma coisa; em consequência, na recente literatura pseudocientífica, tomou-se possível fazer diversas aplicações peculiares ao trabalho, no sentido físico, às condições económicas do trabalho e vice-versa. Mas nós outros (os alemães) temos também a palavra Werk que, como a palavra inglesa work, se adapta esplendidamente à designação do trabalho físico. Mas, como a economia está demasiado afastada dos nossos investigadores da Natureza, dificilmente se decidirão estes a introduzir essa palavra para substituir Arbeit, que já se tornou corrente; a menos que o façam quando for demasiado tarde. Somente Claudius tentou conservar... conservar a palavra Werk ao lado de sua semelhante Arbeit. (N. de Engels) (retornar ao texto)
Inclusão | 29/07/2018 |