História do Mundo
Volume II - O Período Moderno

A. Z. Manfred


Capítulo II - O Absolutismo na Rússia


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Alterações na Economia Russa do Século XVII
O Desenvolvimento do Comércio Interno

Embora a Rússia do século XVII ainda fosse um Estado feudal, tinham começado a dar-se certas mudanças na sua economia. Novas terras estavam a ser cultivadas: as estepes do sul da região do Don foram, a pouco e pouco colonizadas, camponeses Russos estavam a fazer incursões nas estepes do Basquíria, enquanto camponeses do norte cultivavam terras na Sibéria para além dos Urais. À medida que o fardo da escravidão aumentava nas províncias centrais, aumentava também o êxodo dos camponeses para as terras fronteiriças do país.

As cidades e as regiões industriais estavam também a desenvolver-se. Desenvolviam-se ainda as minas do sal no norte, havendo por vezes milhares de trabalhadores assalariados a trabalhar nelas. O número de artesãos aumentou rapidamente e o comércio prosperava. Os artesãos começaram a produzir mercadorias mais para o mercado do que por encomenda, como faziam antes.

Característica extremamente importante do desenvolvimento económico da Rússia neste período foi o aparecimento de empresas industriais relativamente grandes em relação às manufacturas. Estas, mais do que meras oficinas, eram empresas grandes onde muitos operários utilizavam máquinas movidas à mão e o trabalho era racionalmente dividido. Isto significava que o trabalho era mais rápido e mais rentável.

A primeira manufactura da Rússia foi a fundição de canhões de Moscovo, estabelecida nos finais do século XV. Abriram-se fábricas de fundição de ferro e cobre. A primeira oficina de ferro foi construída perto de Tula e Kaluga. Estas manufacturas eram poucas, é certo, mas testemunham apesar disso as novas tendências do desenvolvimento industrial do país.

Contudo, de modo geral, a economia do país ainda era uma economia natural: os produtos mais importantes eram produzidos mais nas propriedades individuais do que adquiridas no mercado. No entanto, um novo processo se estava a desenvolver: cada vez eram mais as pessoas que compravam e vendiam. Os camponeses costumavam vender os seus produtos para fazerem dinheiro suficiente para sementes e instrumentos, e para poderem pagar os impostos aos seus senhores. Entretanto os artesãos, cujas fileiras aumentavam sempre, iam aos mercados vender as suas mercadorias e comprar produtos agrícolas. Os trabalhadores assalariados também frequentavam os mercados para comprar alimentos, vestuário e calçado com o dinheiro que tinham ganhado.

No século XVII o comércio começou a desenvolver-se à medida que gradualmente se ia tornando num empreendimento mais vantajoso. Os proprietários vendiam os seus excedentes, obtidos através da cobrança de impostos em géneros, nos mercados locais. Logo que as estradas ficavam transitáveis no princípio do inverno, os trenós saíam das casas dos proprietários, carregados de cereais, linho, toucinho e peles em direcção aos mercados das cidades. Era nas cidades que o comércio estava concentrado. Moscovo, Arckangel, Nizhny Novgorod e Vologda eram todos grandes centros comerciais. Caviar, sal e peixe salgado de Astrakhan, tela e linhos de Novgorod, Yaroslavl e Kostroma, couro e toucinho de Kazan, artigos de madeira e manteiga de Vologda e peles de Sibéria eram vendidos nas cidades, por todo o país, e nalguns casos eram também exportados. Os cereais vendiam-se em toda a parte. Em Novgorod em dias de grandes mercados por vezes chegavam-se a vender 1000 carroças de cereais num só dia. As ligações comerciais ajudavam a consolidar o país como um todo económico. Pouco a pouco foi-se formando um mercado nacional.

O comércio externo também avançou muito nesta época. Para a Inglaterra, a Suécia e a Holanda, a Rússia era a porta de entrada para todo o Oriente, para a Pérsia e para as riquezas da Índia. O principal porto de exportação era Arkangel. A rota comercial entre a Escandinávia e o Oriente era ao longo do Dvina do Norte e de outros rios até Volodga, depois por terra até ao Volga e pelo Volga abaixo até Astrakhan. Do Oriente vinham a seda, os tecidos raros, as especiarias, as tintas, as cerâmicas de luxo, jóias e tapeçarias. A Rússia também exportava muitas coisas, tais como peles, couro, cera, mel, potassa e resina, e importava tecidos, jóias, espingardas, canhões, pistolas, vinho e açúcar. A grande maioria dos artigos que circulavam no mercado russo ainda eram aqueles que eram produzidos nas propriedades individuais, que os proprietários obtinham dos camponeses ou sob a forma de impostos em géneros (obrok) ou como resultado da prestação de trabalho dos camponeses nas suas terras (barshchina).

Para tirarem cada vez mais vantagens do trabalho dos camponeses, os proprietários intensificaram a opressão sobre os servos. Estavam certos do apoio que o Czar lhe dava, e o Czar fez publicar decretos que ligavam os camponeses à terra e ao serviço dos seus senhores. Um novo código de leis ou Ulozhenie promulgado pelo czar Aleixo em 1649, apunha o último selo nesta escravidão, proibindo os camponeses, de uma vez para sempre, de deixarem as propriedades dos seus senhores. Os capatazes das propriedades que pertenciam aos boiardos e os dvoryane (os gentis-homens) vigiavam cuidadosamente quer pelo pagamento de todos os débitos quer pelo trabalho dos camponeses. Os delitos e a negligência eram castigados com a vara, o chicote, o bastão e a prisão nas celas dos senhoriais, ou a morte pela fome.

O Aparecimento de uma Monarquia Absoluta

Depois de esmagar a guerra dos camponeses no início do século XVII os dvoryane estabeleceram uma monarquia absoluta — estrutura social feudal que ajudava a assegurar uma política favorável ao seu interesse. A dinastia Romanov eleita para o trono em 1613, continuou a dominar a Rússia até à Revolução de Fevereiro de 1917.

Uma vez expulsos os usurpadores polacos de Moscovo em 1613, reuniram-se em Moscovo boiardos de todas as cidades da Rússia com representantes do clero, proprietários e comerciantes, para elegerem um novo Czar e foi convocada a Zemsky Sobor (assembleia da terra). Excusado é dizer, é claro, que os camponeses não tomavam parte neste processo. Mikhail Romanov foi eleito czar, porque este protegido dos boiardos, foi considerado naquela conjuntura como um candidato bom pelos dvoryane, os comerciantes e os cossacos.

Os dvoryane esperavam aumentar a sua influência nas questões de estado, pondo no trono um jovem de dezasseis anos sem experiência e não muito inteligente.

O pai de Mikhail, o patriarca Filaret era ao tempo prisioneiro dos Polacos. (Durante o reinado de Fiodor Ivanoyvich, filho de Ivan o Terrível, a Rússia começou a ter os seus patriarcas independentes).

Em breve Filaret ia voltar a Moscovo e começar a reinar juntamente com o seu filho Mikhail e foi ele que desempenhou o principal papel as questões de Estado.

Entretanto continuavam a processar-se revoltas camponesas em várias partes do país. Mikhail e Filaret infligiram cruel castigo aos instigadores dos últimos arrancos isolados da revolta camponesa.

O estado russo, agora reconstituído, enfrentou condições extremamente desfavoráveis quando quis restaurar a sua integridade territorial. Naquela altura a Suécia controlava ainda as terras que tinha tomado durante o Tempo das Perturbações nas províncias de Novgorod, enquanto a Polónia reinava sobre Smolensk e a parte ocidental do Estado Russo.

A guerra contra a Suécia restituiu Novgorod ao Estado Russo em 1617, mas a costa sul do golfo da Finlândia continuou nas mãos dos Suecos, assim como as cidades russas de Yam, Koporye, Ivangorod e Orechek, privando Moscovo de uma saída para o mar.

A União da Rússia e da Ucrânia

Os invasores polacos acabaram por ser expulsos de quase todos os territórios que tinham ocupado. Embora Smolensk continuasse em seu poder, o Estado russo quase retomou as suas antigas proporções. Um acontecimento de grande importância foi a unificação da Rússia e da Ucrânia, que se deu em meados do século XVI. A Ucrânia e a Bielo-Rússia tinham feito parte do Estado Russo primitivo, e Kiev, a actual capital da Ucrânia, era uma das mais antigas cidades do Estado russo.

No século XIII, uma grande parte da Ucrânia foi invadida pelos Tártaros e os seus habitantes tiveram de suportar o pesado jugo dos Khans tártaros. O resto da Ucrânia e toda a Bielo-Rússia tinham sido tomados pelos cavaleiros lituanos. Mais tarde, a Lituânia ia formar uma aliança com a Polónia e estabelecer um estado Polaco-Lituano. A Ucrânia e a Bielo-Rússia tornaram-se províncias súbditas e os camponeses Polacos, Bielo-Russos e Lituanos eram todos eles oprimidos pelos nobres Polacos e Lituanos.

Nas aldeias da Ucrânia havia muitos camponeses a quem tinham cortado as orelhas e os narizes, ou a quem tinham gravado a forca na testa. Os nobres Polacos podiam, por lei, submeter os seus camponeses a tais atrocidades e mesmo condená-los à morte.

A opressão dos Polacos sobre outras nacionalidades sob o seu domínio também era extremamente dura. Os nobres Polacos católicos troçavam da língua, dos costumes e das práticas religiosas dos camponeses Ucranianos e Bielo-Russos, que eram ortodoxos. A repressão e perseguição religiosa eram grandes, e houve tentativas para obrigar os habitantes a adoptar o catolicismo.

No século XVI e na primeira metade do século XVII houve em vários locais revoltas contra os proprietários e funcionários administrativos polacos. Um papel importante na luta contra os nobres polacos na Ucrânia foi desempenhado pelos cossacos Zaporozhye, oriundos da região em volta das correntes do Dnieper. A comunidade Cossaca era constituída por camponeses ucranianos e bielo-russos que fugiam à opressão dos boiardos, dos dvoryane, do czar e dos funcionários do Estado.

Por volta de 1640-50 rebentou por toda a Ucrânia e Bielo-Rússia uma revolta popular em larga escala. Os camponeses tiveram o apoio dos cossacos Zaporozhye e dos habitantes mais pobres das cidades.

O exército camponês foi chefiado por Bogdan Khmelnitsky, e a guerra começou a sério na primavera de 1648. Os camponeses começaram a ajustar contas com os nobres polacos e com os proprietários ucranianos locais. Bandos de camponeses vieram juntar-se a Khmelnitsky de longes terras e em breve a revolta se espalhou por toda a Ucrânia e Bielo-Rússia.

O povo russo apoiou a luta dos ucranianos e dos bielo russos contra os seus suseranos polacos. Destacamentos de cossacos do Don, de camponeses russos e de pessoas das cidades tomaram parte na luta. O governo russo desde há muito que ajudava os ucranianos revoltosos mandando-lhes víveres e armas.

Khmelnitsky voltou-se para o czar Russo Aleixo pedindo-lhe que fizesse da Ucrânia uma parte do Estado Russo. À questão foi submetida a uma longa e detalhada deliberação em Moscovo. Os Russos sabiam que isto significaria que a Rússia teria de lutar contra a Polónia em solo ucraniano; contudo, o enorme significado da união foi tido em conta e Moscovo concordou finalmente. O boiardo Vassily Buturlin foi mandado para a Ucrânia como enviado do czar, e reuniu-se um conselho geral ou Rada na cidade de Pereyaslav para ultimar os preparativos para a união.

Um grande número de grupos interessados reuniu-se para a ocasião menos os Cossacos e os seus starchina (Cossacos - chefes Cossacos que assumiam o comando supremo em tempo de guerra), e representantes de muitas cidades e aldeias da Ucrânia. As deliberações eram conduzidas numa atmosfera de grande entusiasmo e foram abertas com um inflamado discurso feito por Bogdan Khmelnitsky, no qual ele chamou a atenção para os sofrimentos do povo Ucraniano, para a sua dura luta acompanhada de tanto derramamento de sangue e para o facto de que a Ucrânia não se podia defender sozinha mas devia unir-se voluntariamente à Rússia. A assembleia reunida afirmou unanimemente que apoiava a sua proposta. Assim o Rada de Pereyaslav de 1654 decretou que a Ucrânia e a Rússia se unissem e se tornassem um só estado para sempre.

Tal foi o resultado da luta do povo pela unificação da Ucrânia e da Rússia. Este acontecimento ia ser da maior importância para ambos os povos na história posterior do Estado Russo.

O povo ucraniano foi assim liberto da opressão política e religiosa a que os nobres polacos o tinham submetido. As leis arbitrárias dos proprietários polacos já não tinham valor. Apesar de a crueldade que lhe era inerente, o sistema Russo de servidão, ao contrário da ordem polaca, não permitia que os proprietários condenassem camponeses à morte. Assim a opressão dos servos da Ucrânia foi um pouco aligeirada depois de expulsos os proprietários polacos.

A unificação com a Rússia também promoveu o progresso global da Ucrânia e criou laços económicos, políticos e culturais. Era agora mais fácil para os dois povos oporem-se aos seus opressores comuns na hierarquia social na pátria, e aos seus poderosos inimigos do exterior. Imediatamente a seguir à união da Rússia e da Ucrânia rebentou entre a Rússia e a Polónia uma guerra que ia durar treze anos. Pelo tratado Andruszow de 1667 o Estado Russo reconquistou os territórios tomados pela Polónia no início do Século XVII na Rússia do Sudoeste e serviu de bastião à Ucrânia a leste do Dnieper e Kiev (na sua margem ocidental). A Ucrânia a oeste do Dnieper continuou nas mãos dos Polacos.

Stepan Razin

No século XVII assistimos a várias revoltas populares em larga escala, a mais importante das quais foi o movimento chefiado pelo cossaco do Don, Stepan Razin. A revolta começou na região do Don, onde camponeses fugitivos da servidão e da pobreza desde há muito se tinham vindo a estabelecer. Nesta região havia cossacos prósperos, mas na sua grande maioria os habitantes eram pobres sem quaisquer bens. Os Cossacos pobres eram chefiados por Stepan Razin, experimentado soldado que tinha visto muito mundo, que atravessara a pé grandes extensões da Rússia e testemunhara os sofrimentos dos servos, o seu ódio amargo e as suas queixas contra os proprietários e os voyevods czaristas.

A revolta começou com uma expedição através do Volga em 1667. Razin e os seus homens armaram emboscadas a barcos mercantis e czaristas, apoderando-se dos seus carregamentos, livraram-se dos funcionários czaristas e convenceram a maioria dos membros das tripulações dos navios a juntar-se ao seu bando. A pólvora e as armas pilhadas aos navios haviam de lhes ser extremamente úteis.

Depois de passarem o inverno nas margens do rio Ural, então chamado Yaik, durante as inundações da primavera, Razin e os seus homens dirigiram-se ao Cáspio onde capturaram comboios de navios persas que transportavam preciosas cargas. Depois de se apoderarem de grandes quantidades de seda, artigos de valor e luxuosos produtos orientais, Razin e os seus homens voltaram a Astrakhan junto do Volga. Entretanto as notícias da aventura persa, de Razin tinham-se espalhado por terras distantes.

Um visitante estrangeiro que se encontrou com Razin fez dele a seguinte descrição:

«Tem um belo rosto, um porte nobre e uma expressão de orgulho. É alto e tem a face mareada pelo tempo. Consegue inspirar aos seus homens um medo mesclado de respeito e admiração. Quaisquer que elas sejam, as suas ordens são obedecidas à letra sem excepção.»

Em 1669 Razin e os seus homens voltaram ao Don e começaram a preparar-se para um novo saque. Primeiro, tomaram a estrada que levava pela estepe a Moscovo, e estabeleceram postos fortificados nas estradas principais. Onde quer que iam, o campesinato local pegava em armas, juntava-se em volta dos chefes locais e depois passava-se para o lado de Razin. E assim o seu exército se tornava cada vez mais forte.

Em Maio de 1670 a revolta adquiriu um carácter mais político. Os homens de Razin já não procuravam apenas saquear e tornaram-se uma séria ameaça para os proprietários de terras e os voyevodas czaristas.

As forças de Razin tomaram a cidade de Tsaritsyn (hoje Volgogrado) e depois Astrakhan. Em todas as cidades que se renderam a Razin os governadores czaristas ou voyevodas foram mortos ou expulsos e os seus arquivos, onde eram conservados os documentos que continham os direitos dos proprietários sobre os camponeses, foram queimados.

Razin e os seus homens foram então Volga acima e tomaram Saratov e Samara (hoje Kuibychev). Camponeses das aldeias vizinhas juntaram-se em massa ao exército de Razin e ergueram-se contra os senhores. A eles se juntaram os camponeses que viviam nas terras da coroa nos mosteiros e os povos do Volga — os Mordvinianos, os Tchuvach e os Mari — que tinham sido submetidos a uma cruel opressão pelas autoridades czaristas. Em breve a revolta se tinha espalhado por toda a região de Nizhny Novgorod e até Penza e Ilinbov. Os camponeses devastaram as propriedades dos boiardos e dos dvoryane, e mataram os seus senhores. Por toda a terra os homens de Razin mandaram proclamações exortando o povo a pegar em armas. Distinguiram-se então novos chefes camponeses importantes tais como Ataman Nechai e o camponês Chirok. Entre os chefes camponeses havia mesmo uma mulher chamada Alyona, que chefiou um bando de sete mil camponeses e era muito destemida na batalha. Os voyevodas andavam aterrorizados com ela e pensavam que era uma bruxa.

Os camponeses revoltosos viram que o seu objectivo principal era vingar-se dos seus senhores locais e sentiram que destruindo as suas casas estavam a abolir para sempre a servidão. Na realidade, é claro, o principal inimigo dos camponeses era o sistema de servidão como um todo, com o supremo proprietário, o czar, à cabeça. Os camponeses não compreenderam que o seu principal inimigo era a autocracia e tinham ainda a ilusão de que um czar hostil que defendia os proprietários podia ser substituído por um bom czar que compreendesse as necessidades dos camponeses.

Mas isto não era possível, o czar seria sempre o defensor dos interesses dos proprietários.

Continuou a haver revoltas camponesas cm várias partes do país mas à campanha faltou um plano geral de acção revolucionária e faltava também organização. Os camponeses não tinham experiência de guerra e estavam mal armados. Levavam consigo foices, clavas e machados que não podiam competir com os canhões do czar.

O governo czarista mandou um enorme exército contra Razin, chefiado por comandantes experimentados. Apesar de corajosa resistência, a revolta camponesa foi esmagada. Algumas das mais cruéis represálias foram infligidas na cidade de Arzamas, que ficou literalmente cheia de forcas, em cada uma das quais estavam suspensos quarenta ou cinquenta corpos. Onze mil homens foram enforcados em três meses.

O chefe da revolta ia também ter um triste destino. De início Razin escondeu-se nas terras dos Cossacos do Don, mas alguns dos mais ricos entregaram-no às autoridades czaristas. Foi trazido para Moscovo e submetido a uma tortura cruel. Em Junho de 1671 Razin foi esquartejado vivo na Praça Vermelha.

Embora as revoltas camponesas desse período não conseguissem abolir a servidão, serviram para minar a força do sistema e abreviar a sua existência.

A Formação do Império Russo

No século XVII, a Rússia era um país atrasado em comparação com os países progressistas da Europa Ocidental. O desenvolvimento da Rússia tinha sofrido duros reveses em resultado da invasão tártara. O cruel jugo tártaro tinha durado mais de duzentos anos. Uma vez expulsos os invasores, as cidades e aldeias tinham de ser reconstruídas, e os ofícios locais ressuscitados. A divisão do país numa grande quantidade de pequenos principados era um problema que a Rússia enfrentava, como tinha acontecido noutros estados feudais. Contudo, a unificação da Rússia era uma tarefa particularmente difícil por causa da enorme extensão do seu território, que era igual à de muitos estados europeus todos juntos. À Rússia faltavam portos de mar adequados e uma indústria desenvolvida. Além disso, não tinha um exército e uma frota bem organizada, e era assim presa de frequentes «razias» e ataques de invasores estrangeiros, que minavam ainda mais a sua economia.

Era particularmente importante que a Rússia combatesse este atraso numa altura em que os países da Europa Ocidental estavam a progredir com tanta rapidez. De contrário eles teriam submetido o país e atrasado ainda mais o seu desenvolvimento.

Nessa época, ainda não havia condições para o aparecimento do capitalismo na Rússia — o país era ainda um estado feudal centralizado, a sua economia baseava-se na agricultura dos servos da gleba. Contudo, foram dados importantes passos em frente e foram feitas alterações significativas na administração e economia.

Foi uma tarefa de primeira importância reestruturar o velho aparelho de estado, promover o progresso cultural e a expansão industrial. A Rússia precisava de saídas para o mar para estabelecer rotas comerciais convenientes com a Europa Ocidental e promover firmes laços culturais. Assim a Rússia teve de formar um exército e uma frota regulares para se defender dos seus poderosos vizinhos. Estas medidas seriam tomadas no reinado de Pedro, o Grande (1682- 1725).

Durante o reinado de Pedro, sem, contudo, superar completamente o seu atraso, a Rússia fez progressos significativos, graças aos esforços do povo russo e doutros povos do império. O novo czar, homem prendado e de recursos, e os seus conselheiros iam desempenhar um papel importante neste processo.

O Estado Russo de há muito precisava de uma linha costeira. O Mar Branco, gelado, não era navegável durante seis ou sete meses no ano e de qualquer modo ficava muito longe de todas as principais rotas marítimas. As costas do Báltico estavam então nas mãos dos Suecos, e a Turquia dominava o mar Negro. Sob o governo de Pedro, a Rússia iniciou uma longa e difícil luta pelo domínio do Báltico.

Parte das terras das margens do Báltico, tais como as costas do golfo da Finlândia, tinham sido dominadas no passado pelos príncipes de Novgorod. Cinco séculos antes de Pedro subir ao trono, pilotos de Novgorod tinham vindo ao golfo encontrar-se com navios mercantes Alemães na ilha de Kotlin (hoje Kronstadt) para depois os levar pelo Neva, através do Lago Ládoga e para Novgorod pelo Volkhov. Tinha sido neste ponto da costa que o príncipe Alexandre Nevsky defendera as terras de Novgorod numa renhida batalha contra os Suecos nas margens do Neva no século XII.

Cromwell dissolvendo o que restava do Longo Parlamento

Pedro o Grande concluiu uma aliança com os Polacos e os Dinamarqueses contra a Suécia e estalou a guerra com esta última no outono de 1700. A guerra do Norte, como foi chamada, ia durar vinte e um anos. Na primeira fase, os Suecos, que estavam mais bem preparados para as hostilidades, levaram a melhor. As forcas russas enfrentaram os Suecos perto da fortaleza de Narva em Novembro de 1700, quando estava a chegar o inverno. Os Suecos que estavam mais bem calçados e armados saíram vitoriosos deste primeiro encontro.

A derrota de Narva foi uma lição importante tanto para o exército Russo como para Pedro o Grande. Começou então um trabalho intensivo para equipar um novo e mais eficiente exército, e reuniram-se e treinaram-se novas tropas. Quando se verificou que havia falta de metal para as armas, Pedro ordenou que os sinos das igrejas fossem fundidos para canhões. Desta maneira conseguiram-se trezentos canhões novos, e no outono de 1702 Pedro pôde tomar a poderosa fortaleza sueca situada no ponto em que o Neva sai do Lago Ladoga, onde fora outrora a antiga cidade de Orechek do principado de Novgorod. A esta fortaleza, que lhe deu o acesso ao mar pelo Neva, Pedro deu o nome alemão de Schliesselburg (Cidade-Chave).

Estes êxitos militares significavam que a Rússia controlava as costas do golfo da Finlândia. Os alicerces da Fortaleza de Pedro e Paulo foram lançados na Ilha de Zayachy perto da margem norte do Neva. Perto desta fortaleza, construída segundo um plano traçado por Pedro, iria ele fundar em 1703 a sua nova capital nas margens pantanosas do Neva. Viria a ser chamada a cidade de Pedro, isto é, Petersburgo ou S. Petersburgo, e foi depois chamada Leninegrado tomando o nome do fundador do Estado Soviético.

A construção da nova capital requeria o trabalho de milhares de servos. Apesar de o frio intenso e das condições desumanas, a nova capital ergueu-se pouco a pouco. Muitos dos trabalhadores tinham de trabalhar com água até ao joelho e eram obrigados a travar uma dura batalha com os elementos à medida que assentavam os alicerces no movediço solo pantanoso. Esta cidade, que custou a vida de muitos servos e trabalhadores, seria muito importante para o futuro da Rússia. O país tinha agora uma capital marítima e um grande porto comercial, uma «janela para a Europa».

Em 1707 o teatro das operações foi transferido para a Ucrânia e em Junho de 1709 os Russos venceram a batalha decisiva de Poltava. A Guerra do Norte arrastou-se até 1721. Pela paz de Nystad, a Rússia recebeu a Letónia e a Estónia e também toda a costa do golfo da Finlândia em volta de S. Petersburgo e parte da Carélia. Isto significava que a Rússia tinha ficado com mais dois vantajosos portos bálticos, Riga e Revel (hoje Talinn) e se tinha tornado uma potência báltica atingindo assim um dos seus mais desejados objectivos.

Para marcar a conclusão da Paz de Nystad, Pedro ordenou faustosas comemorações na sua nova capital e nesse mesmo ano ia também assumir o título de Imperador de Todas as Rússias. O Estado Russo ia passar a ser conhecido por Império Russo, o que revela o seu aparecimento como grande potência. «Depois de não termos existido, começamos a existir e juntamo-nos agora à comunidade dos povos políticos» declaram os conselheiros de Pedro na ocasião.

Reformas do Estado Introduzidas Durante o Reinado de Pedro

Durante o reinado de Pedro foram feitas muitas reformas sociais e políticas. Foram postas em prática à custa de duras lutas com os boiardos reaccionários e a hierarquia da igreja, e iam desempenhar um papel importante para o progresso do país.

Antes do reinado de Pedro não havia exército permanente na Rússia. Convocavam-se tropas em caso de guerra. Pedro estabeleceu um exército permanente e organizou o seu treino adequado. Também foi reorganizado o sistema de alistamento. Os homens eram recrutados tanto entre os camponeses como entre a população urbana.

Recrutava-se um soldado por cada vinte casas camponesas, quando havia alistamentos. Todos os membros da nobreza eram obrigados a servir no exército. Foi também decretado um uniforme, os membros da guarda de Pedro usavam túnicas curtas verde-escuras, confortáveis chapéus em tricórnio na cabeça e estavam armados com baionetas.

Pedro tinha começado a construir a sua frota antes de estalar a guerra do Norte enquanto fazia planos para uma expedição ao mar de Azov. No princípio da Guerra do Norte, quando a Rússia já controlava parte da costa báltica, foi construída uma nova frota báltica. O primeiro esquadrão de navios russos foi lançado ao mar em 1703, era composto de seis fragatas (navios de guerra com três mastros). No final do reinado de Pedro, da frota báltica faziam parte 48 grandes navios de guerra, 800 galeras e pequenos barcos, e 28 000 marinheiros.

Pedro tinha decidido que a Rússia seria tão independente quanto possível das potências estrangeiras e começaria a produzir tudo o que precisasse na pátria, confiando nas suas próprias capacidades.

Foram construídas novas e grandes siderurgias perto de Olonets, Tula e nos Urais. Nas fábricas de armas de Tula produziam-se milhares de espingardas e pistolas por ano. Construíram-se manufacturas para a produção de lona e corda para obviar às necessidades da Frota.

Para assegurar a mão-de-obra necessária, Pedro ordenou que milhares de camponeses fossem enviados como trabalhadores servos para estas manufacturas. Aldeias inteiras eram adstritas às várias empresas que por vezes ficavam a entre 450 e 600 kms de distância e as condições de trabalho eram extremamente duras. Havia falta de trabalhadores especializados e, por isso, Pedro convidou trabalhadores de fundição e artesãos especializados das indústrias têxtil e de papel, a virem ensinar as suas técnicas aos trabalhadores russos. Era agora imperioso que a indústria têxtil começasse a produzir bons tecidos. Foi neste período que foram, pela primeira vez, trazidos para a Rússia belos exemplares de carneiros da Silésia e que foram estabelecidas manufacturas de tecidos.

Antes do reinado de Pedro havia na corte de Moscovo, uma Duma de boiardos, grande assembleia que sob ordens do czar discutia várias questões do estado. No século XVII, este corpo já se tornara nitidamente obsoleto, tendo quase desaparecido, porque os boiardos de Moscovo achavam cada vez mais difícil resolver as complicadas questões de Estado. Em 1711, Pedro substituiu a Duma de boiardos por um Senado de 9 membros, escolhidos pelo próprio czar e encarregados dos mais importantes assuntos de Estado.

Os órgãos administrativos centrais que tinham existido na Rússia chamavam-se prikazy (ou departamentos) e eram aproximadamente cinquenta. Reuniam-se intermitentemente quando era necessário. Estavam mal organizados e obstruíam frequentemente o trabalho uns dos outros. Pedro aboliu os dois e substituiu-os por um sistema incomparavelmente mais dinâmico de colégios ministeriais.

Em Moscovo, Pedro fundou uma Escola de Navegação onde pela primeira vez na Rússia se ensinaram matemáticas. Foi mais tarde transferida para São Petersburgo e transformada em Academia Naval. Abriram-se escolas especiais de aritmética nas províncias, assim como escolas para ensinar a ler e a escrever, para o estudo de matemática, de engenharia, das técnicas de navegação, contabilidade e medicina. Todas estas escolas eram de carácter claramente prático.

Pedro também deu instruções para que fosse fundada a Academia das Ciências (1724), o que foi feito depois da sua morte. O primeiro jornal russo foi impresso no reinado de Pedro, e durante ele foi também aberto o primeiro teatro.

As reformas introduzidas por Pedro o Grande tiveram grande oposição da parte dos boiardos que eram firmes defensores do modo de vida tradicional. Um dos métodos que Pedro usou contra eles foi a europeização obrigatória dos hábitos quotidianos. Ordenou que os seus cortesãos deixassem de usar longos trajes russos e adoptassem os fatos curtos europeus e cortassem as barbas. Durante uma recepção na aldeia de Preobrajaenskoye perto de Moscovo, o próprio Pedro começou a cortar as barbas aos boiardos e os longos saios dos seus trajes tradicionais. Organizaram-se reuniões obrigatórias da nobreza nas residências dos vários grandes senhores de Moscovo. Este impulso de europeização, contudo, só ia afectar a camada superior e deixaria poucos traços na sociedade como um todo.

O calendário europeu também foi adoptado. Anteriormente, o calendário russo ia até ao ano da Criação, mas em 1700 Pedro adoptou o calendário usado em todo o resto da Europa.

Embora Pedro não conseguisse romper totalmente com o passado, deram-se importantes passos em frente naquilo que continuou ainda a ser uma sociedade feudal com servos. A Rússia tinha-se tornado um Império como um baluarte na costa do Báltico, e uma potência naval com que se tinha de contar. Tinha agora um poderoso exército e uma poderosa frota, a indústria é o comércio haviam-se expandido consideravelmente. O aparelho de estado tinha começado a funcionar com muito mais eficiência e haviam-se feito progressos importantes na esfera da educação. Os países da Europa Ocidental começavam agora a notar os progressos deste poderoso Império Russo e a tentar estabelecer com ela laços mais íntimos.

Estes sucessos foram alcançados à custa de tremendos esforços do povo e, frequentemente, acarretaram a perda de muitas vidas. Dezenas de milhar de pessoas morreram durante a Guerra do Norte, nas muralhas da fortaleza de Narva e no Campo Poltava. Foram treinados nas artes militares, trabalharam sob grande pressão a construir navios para a nova frota em Voronej e no Neva, e morreram às centenas e aos milhares em resultado da fome da doença, da humidade e das más condições de trabalho ao construírem a nova capital de Pedro. Foi o povo que tornou possível a Pedro abrir dúzias de novas fábricas, foi ele que fundiu o metal e extraiu o minério à luz de tochas de madeira. O Império de Pedro foi construído com o dinheiro que lhes foi extraído sob a forma de impostos elevadíssimos e por uma dura exploração das massas oprimidas. A consolidação do Império Russo aproveitou sobretudo aos dvoryane e aos empresários modernos.

As Primeiras Sementes de Desintegração na Economia Serva Russa

A economia feudal da Rússia começava agora a atrasar cada vez mais o progresso do país, como tinha acontecido noutros países europeus. Novas relações económicas e de tipo capitalista começaram a tomar forma pouco a pouco dentro dos velhos quadros.

Iam aparecer, primeiro, na esfera da indústria. Manufacturas cada vez maiores começaram a surgir, semi particulares, pertencentes aos dvoryane quer ao estado. A mão-de-obra vinha, sobretudo, do trabalho forçado do camponês. Os mercadores e camponeses prósperos começaram também a fundar empresas e a empregar trabalhadores voluntários. Assim, na esfera da indústria, apareceram novos padrões, capitalistas, enquanto perduravam os velhos padrões baseados no trabalho servo obrigatório. Este foi um dos primeiros sinais do enfraquecimento da economia servil.

Em meados do século XVIII, a Rússia tinha um total de umas 650 empresas industirias onde trabalhava mais de 80 000 operários. No final do século XVIII estavam a trabalhar 109 altos fornos que produziam cerca de 160 000 toneladas de ferro fundido por ano. Durante um certo período, a produção da indústria metalúrgica da Rússia chegou a exceder a da Inglaterra.

Ao mesmo tempo ocorreu um forte crescimento das cidades. Nas cidades estavam concentrados os ofícios e a indústria e elas próprias começaram a precisar de uma produção cada vez maior à medida que aumentava a sua população. No final do século XVIII, Moscovo tinha uma população que se aproximava dos 200 000 habitantes fixos.

Os proprietários feudais começaram a comerciar cada vez mais em produtos agrícolas, o que lhes trouxe um grande rendimento, submetendo os seus servos a uma opressão cada vez maior para tirar deles a maior quantidade possível de produtos agrícolas. Gradualmente a economia natural foi substituída por um mercado nacional com a abolição das barreiras alfandegárias internas. Este novo fenómeno também era incompatível com o sistema de servidão e até certo ponto serviu para o minar.

Em 1762 o governo imperial fez sair um decreto libertando os dvoryane dos serviços oficiais obrigatórios. Grande número de dvoryane voltou às suas propriedades e, com a presença dos senhores, a vida dos camponeses tornou-se ainda mais difícil e os castigos por insubordinação ainda mais severos.

A paciência dos camponeses estava a ser posta à prova de uma maneira insuportável. Estavam ansiosos por conseguir uma vida nova, sem os senhores, por cultivar independentemente e terem as suas próprias parcelas de terra. Começaram a exigir a emancipação. No final do século XVIII e quando o sistema da servidão já começava a desintegrar-se, estas aspirações iam alargar-se a sectores cada vez mais vastos do campesinato e serviriam para os incitar à revolta.

Desde há muito que havia agitação nos Urais e no vale do Volga. Qualquer chispa acenderia a fogueira da revolta.

A Guerra dos Camponeses Chefiada por Yemelyan Pugachov

Perto do rio Yaik, nos Urais, a situação era particularmente tensa, no local, onde, cem anos antes, Razin tinha feito nome com as suas corajosas razias. Entre os camponeses e os cossacos da região, começou a espalhar-se o estranho boato de que Pedro III, que havia sido morto por ordem de sua mulher Catarina II (1762- 1796), estava ainda vivo e escondia-se algures nos Urais ou perto do Volga. Em breve apareceria e declararia guerra à imperatriz Catarina, a opressora dos camponeses.

O homem que disse ser Pedro III era Yemelyan Pugachov, um cossaco pobre da aldeia de Zimoveiskaya junto do rio Don. Havia desertado do exército do czar, percorrera grande parte do país e vira o sofrimento do seu povo.

A revolta de Pugachov começou em 1773. Os camponeses e os cossacos, descontentes com as condições de servidão, começaram a apoiá-lo. Nas suas proclamações e apelos ao povo, Pugachov prometia libertar todos os camponeses dos seus senhores, dar-lhes a liberdade para o resto dos seus dias, distribuir terras, e pôr as florestas e os rios à sua disposição. Exortava-os a levantarem-se contra os dvoryane e todos os que estavam ao serviço do Czar. Ordenou que fossem capturados, mortos e enforcados os dvoryane que provocassem a ruína dos camponeses.

Dentro de pouco tempo, o exército de Pugachov tomaria algumas fortalezas czaristas e poria cerco à cidade principal dos Urais. Orenburgo. Tomaram ainda Samara e Krasnoufimsk e cercaram Tchelyabinsk. Mas tendo fracassado na tomada de Orenburgo. Pugachov retirou para a Bachkiria.

Servos revoltosos juntaram-se a Pugachov; os povos dos Urais e do vale do Volga que estavam submetidos a uma opressão particularmente dura também aderiram à revolta com excepção dos Bachkirs, os Tártaros, os Kalmucos, os Kazakhs, os Chuvach, os Mari, os Mordvinianos e outros. Os manifestos de Pugachov eram feitos não só em russo mas em tártaro, na língua dos Bachkirs e noutras línguas. Alguns chefes destes povos revoltosos desempenhariam um papel de relevo na rebelião, como por exemplo o jovem chefe dos Bashkirs, Salavat Yulayev que também era poeta e escrevia canções para o exército rebelde.

Os trabalhadores servos eram uma parte importante do exército de Pugachov. Nessa altura já havia um grande número de fábricas nos Urais, sobretudo oficinas de ferro e cobre, onde se fabricavam canhões e respectivos projécteis. Os homens que os faziam revelaram-se competentes quando foi preciso usá-los. No cerco de Orenburgo os homens de Pugachov revelaram-se tão bons atiradores, que os generais czaristas admiraram-se. «Nunca teríamos esperado uma coisa destas dos mujiques.»

Depois de se refugiar na Bachkiria. Pugachov ia preparar-se para enfrentar o exército czarista com uma força maior e mais ameaçadora. Atravessou o rio Kama e tomou as fábricas de Ijevsk e Votkinsk, abrindo assim caminho para Kazan. O próprio Pugachov chefiou o cerco a Kazan e, como notável artilheiro que era, conseguiu tomar a cidade. As riquezas dos dvoryane foram divididas pelos homens do exército revoltoso. Mas o êxito de Pugachov seria efémero, porque esta revolta camponesa, como as anteriores, era absolutamente espontânea, não tinha uma organização adequada, e estava por isso condenada a falhar.

Depois de abandonar Kazan, Pugachov retirou-se para Sul. A batalha decisiva da guerra travou-se em Sarepta e, embora o exército rebelde oferecesse uma corajosa resistência, não pôde competir com o exército czarista. Mais tarde alguns cossacos ricos entregaram Pugachov aos generais czaristas que o mandaram, acorrentado numa gaiola, para Moscovo, onde foi executado na Praça Bolotnaya, em 1775. As únicas pessoas a quem foi permitido assistir à execução foram representantes dos dvoryane.

Assim acabou a revolta camponesa chefiado por Pugachov. Embora fosse cruelmente suprimida, foi de grande importância, pois mostrou aos camponeses russos que estava a crescer entre as massas uma poderosa oposição ao opressivo sistema de servidão. As revoltas camponesas serviram para minar cada vez mais o sistema, tornando mais próxima a data da sua abolição final.

A Política Externa Russa Durante a Segunda Metade do Século XVIII

Na segunda metade do século XVIII, a Rússia era ainda um império no qual a direcção das questões de Estado estava exclusivamente nas mãos dos dvoryane. Os interesses dessa classe e o número crescente de mercadores exigiam uma maior expansão territorial. O sistema de servos começava a desintegrar-se, e os dvoryane estavam a tentar impedi-lo de todas as maneiras, tudo fazendo para preservar a velha ordem. Esperavam utilizar a aquisição de novas terras para este fim. A costa do mar Negro tinha atractivos especiais.

Em 1768 as tropas do Khan da Crimeia — vassalo do sultão turco — invadiram a parte sul da Rússia e começou a guerra Russo-Turca. Os Russos obtiveram grandes vitórias, comandados por Rumyantsev e Suvorov. Em 1774 a guerra acabou e fez-se o tratado de Kuohuk—Kainarii.

Alguns dos termos do tratado eram vantajosos para a Rússia e como consequência este país adquiriu uma firme posição na costa norte do mar Negro e outra na costa oriental. Em 1783, o khanato da Crimeia, cuja independência era agora pouco mais do que nominal, renunciou às suas exigências de poder e a Crimeia passou a fazer parte da Rússia. Assim a Rússia adquiriu uma saída para o mar Negro e fortaleceu o seu poder na região.

Em 1654, quando se tinha feito a união da Ucrânia com a Rússia, a Ucrânia a oeste do Dnieper e a Bielo-Rússia tinham continuado a fazer parte da Polónia. A economia polaca era nesta altura muito fraca e o campesinato estava a ser submetido a uma opressão particularmente selvagem. A exploração feudal estava além disso a obstruir o desenvolvimento urbano. Daqui que a Polónia não pudesse competir com os seus poderosos vizinhos. No final do século XVIII, a Polónia foi dividida pela Rússia, pela Áustria e pela Prússia e deixou de existir como estado independente. Foi uma tragédia para o povo polaco. Nesta divisão, a parte ocidental da Ucrânia e da Bielo-Rússia foram atribuídas à Rússia.

O Iluminismo na Rússia do Século XVIII
Lemonosov

O século XVIII foi uma grande época na cultura russa. Uma das figuras mais notáveis foi Mikhail Lemonosov (1711-1765) que vinha de uma simples família camponesa.

Lemonosov revelaria um génio multifacetado: era um talentoso físico e químico, astrónomo, geólogo, geógrafo, linguista, historiador, poeta, pintor e engenheiro.

Organizou o primeiro laboratório químico da Rússia e descobriu a lei da conservação de matéria. Na obra científica de Lemonosov a teoria estava sempre intimamente ligada à prática. Lutou pela exploração dos recursos minerais e pela pesquisa de novos depósitos.

Lemonosov fez muitas descobertas em muitos e variados campos da ciência. As suas obras sobre astronomia prepararam o caminho para a descoberta de que Vénus tem uma atmosfera. Inventou um aparelho parecido com o moderno helicóptero. Lemonosov escreveu ainda alguns livros extremamente importantes, tais como o primeiro livro russo sobre metalurgia e a primeira gramática russa.

Lemonosov fez muito pela educação na Rússia e desempenhou um papel importante na fundação da primeira universidade Russa, que foi aberta em Moscovo em 1755. Também foram abertas duas escolas especiais ligadas à universidade — uma para os dvoryane e a outra para os filhos das outras classes livres, como a classe dos comerciantes. Os servos, contudo, não eram admitidos nem nas escolas nem na universidade. Lemonosov defendia direitos iguais de admissão para todas as classes sociais, mas o governo czarista impediu que estas liberdades fossem instituídas.

A Universidade de Moscovo tinha três faculdades: filosofia, direito e medicina. Ao contrário de outras universidades, não tinha faculdade de teologia. Em breve se tornaria num importante centro de ciência e cultura russa.

O Primeiro Incitamento à Revolução e Oposição à Servidão

No final do século XVIII o Império Russo parecia estar no auge do seu poderio e em rápido progresso. Este império feudal estendia-se do mar Branco e do mar Báltico no norte até ao mar Negro a sul. Agora tinha um serviço de funcionários civis bem organizado e um exército e uma frota que tinham conquistado fama em batalhas recentes. A Imperatriz Catarina II, que havia reinado mais de trinta anos, conservou-se fiel ao seu sangue nobre e defendeu com firmeza os interesses da classe proprietária das terras: a exploração dos servos e os privilégios da nobreza radicalizaram-se mais do que nunca, durante o seu reinado.

Pouco tempo depois de esmagar a Revolta de Pugachov, a Imperatriz publicou a «Carta de Agradecimento à Nobreza» (1785) que serviu para apoiar e sistematizar os direitos da nobreza. Neste documento, Catarina II estabelecia que os membros da nobreza eram uma classe à parte que tinha o privilégio de possuir camponeses equivalentes a igual quantidade de bens móveis. Só podiam ser chamados a prestar contas na corte dos nobres. Os dvoryane sentiam-se como czares nas suas propriedades, e tratavam os camponeses como queriam, comprando-os e vendendo-os, oferecendo-os ou apostando-os.

Contudo, esta manifestação de poder e brilho da Rússia feudal, havia de ser minada por dentro pelo curso posterior da história. A servidão ia impedir o desenvolvimento industrial, o estabelecimento de novas fábricas e a introdução de maquinaria. Obstruiria também o caminho à introdução do trabalho assalariado, e do desenvolvimento cultural. Não se dava aos servos acesso à educação e mesmo engenhosas invenções que apareceram perderam-se na obscuridade.

Já tinha havido revoluções burguesas em Inglaterra e em França e o capitalismo estava a desenvolver-se rapidamente, ao mesmo tempo que crescia o trabalho assalariado e aparecia uma nova classe, o proletariado. O absolutismo já tinha sido eliminado nestes países avançados, enquanto na Rússia a autocracia estava ainda profundamente estabelecida e toda a legislação era dirigida no sentido de promover os interesses da nobreza que possuía escravos.

No entanto, havia um vasto e cada vez maior potencial a ser explorado neste país, que se estava a desenvolver rapidamente apesar do travão imposto pela existência de servos. Havia uma consciência crescente da necessidade de abolir a servidão e a autocracia, entre os melhores e mais progressistas filhos da Rússia.

Em 1790 foi entregue à Imperatriz um exemplar de uma nova publicação com o modesto título de Viagem de Petersburgo a Moscovo. O nome do autor não vinha impresso na capa. Ao ler as suas páginas, Catarina encontrou-se perante um protesto revolucionário. O autor desta obra fez, para os seus compatriotas, uma descrição forte e veemente dos males e das injustiças da servidão. Referia-se aos proprietários como «bestas glutonas, sanguessugas insaciáveis». Descrevia um proprietário que tinha enriquecido à custa do suor e sangue dos seus camponeses nos seguintes termos: «Bárbaro! Não és digno de usar o nome de cidadão. As tuas riquezas são o fruto do roubo. Chamai-lhe ladrão, destruí os seus instrumentos agrícolas, queimai os seus campos de debulha e os seus celeiros e espalhai cinzas sobre os lugares onde ele executou tantas torturas.»

O autor exigia a completa abolição da servidão e a libertação dos camponeses; reconhecia o direito dos camponeses a revoltarem-se contra os seus senhores. O livro também era dirigido contra a autocracia e as opiniões do seu autor eram claramente republicanas: proclamava que o poder devia estar nas mãos do povo e considerava o czar «um vilão mais cruel do que ninguém». Em resumo, este autor anónimo exigia a abolição da autocracia.

Ao ler a obra, a Imperatriz declarou que era em si própria uma revolta, e que o autor era mesmo mais perigoso do que Pugachov. Ordenou que o homem que foi apanhado a vender o livro fosse preso, e este, submetido a tortura, revelou o nome do seu autor, Alexandre Raditchev. Tinha nascido em 1749, numa família nobre e tinha sido mandado estudar ao estrangeiro. De volta à Rússia, havia trabalhado como director assistente da alfândega de S. Petersburgo.

Catarina mandou prender Raditchev que foi julgado e condenado à morte. No entanto, a Imperatriz teve relutância em executar esta sentença. Mantinha íntimo contacto com vários filósofos europeus e passava por imperatriz iluminada. Que diriam dela na Europa? Finalmente, em vez de mandar executar Raditchev, Catarina exilou-o para a Sibéria Oriental por dez anos, prendendo-o na remota fortaleza de Ilim.

Raditchev passou seis duros anos no exílio. Entretanto em S. Petersburgo os seus amigos ocuparam-se do seu caso e conseguiram libertá-lo antes de cumprida a sentença. Depois do seu regressada S. Petersburgo, Raditchev começou a trabalhar numa comissão de preparação de novas leis. No entanto, preparou um projecto de lei tão radical que os seus patronos conseguiram quase imediatamente mandá-lo para o exílio na Sibéria pela segunda vez. Já doente e vencido, Raditchev não aguentou mais e, em Setembro de 1802 suicidou-se com veneno.

Alexandre Raditchev foi o primeiro indivíduo na Rússia a falar contra a autocracia e a servidão. Não limitou a sua crítica a aspectos isolados do sistema, o que era prática comum entre outros progressistas da época, mas exigiu a abolição do sistema em bloco, através de uma revolta à escala nacional.


Inclusão 22/07/2016