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Primeira Edição: Publicado em Cinema nuovo, nº 178, novembre-dicembre, 1965
Fonte: https://medium.com/katharsis/g-luk%C3%A1cs-manipula%C3%A7%C3%A3o-cultural-e-papel-da-cr%C3%ADtica-1965-acbccfbd07c8
Tradução: Bruno Bianchi
HTML: Fernando Araújo.
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Diante da tarefa, certamente lisonjeadora para mim, de escrever uma introdução para o seu novo livro,(1) não posso esconder meu constrangimento e as inibições que me surgem. Elas surgem de uma consciência bem fundamentada da minha incompetência quando se trata de formular juízos concretos em discussões concretas sobre os problemas do cinema.
É verdade que com os problemas do cinema eu já havia me ocupado na juventude. Se, ainda hoje, não posso se não considerar como unilateral e ocasional a escrita que lhe dediquei naquela época,(2) ela ainda testemunha um interesse vital ao nascimento de um novo gênero de arte, e numa época em que ainda havia poucos, mesmo entre os produtores e críticos, que acreditavam que uma nova arte havia nascido. Desde então, tenho continuado a acompanhar a evolução do cinema com grande interesse, embora a falta de tempo e o campo central da minha atividade nunca me permitiram aprofundar concretamente em problemas particulares, o que me parece ser o único modo de adquirir uma competência autêntica e não fictícia. Ultimamente, na primeira parte da minha estética (Die Eigenart des Ästhetischen)(3), tenho tentado tomar uma posição sobre o que me parece ser, em princípio, os problemas mais importantes de uma estética do cinema. Também naquela ocasião tentei não me passar por um especialista em questões particulares, que são, em última análise, aquelas que são frequentemente de excepcional importância na arte, e sem a possibilidade de examinar em detalhes a evolução histórica da nova arte. Devo dizer que eu acreditava — e acredito ainda hoje — que os mais relevantes problemas sociais e estéticos ligados à arte cinematográfica poderiam ser compreendidos como um todo, mesmo por aqueles que, incapazes de fazer de outra forma, os considerariam de um ponto de vista abstrato.
O nascimento, e mesmo a ulterior evolução, do cinema foi e é determinado mais fortemente, mais intensamente, por invenções de natureza meramente técnica do que em qualquer outro gênero de arte mais antigo, com a possível exceção da arquitetura. Isso teve como consequência necessária a literatura sobre o cinema, já há algum tempo bastante vasta, ter sido informada pela análise dessas inovações técnicas e, no melhor dos casos, de seus efeitos psicológicos. E, em comparação, têm sido raras as pesquisas sobre o significado social da nova arte, e muito mais raras as tentativas de compreender a sua essência estética. Essa tendência surgiu não só da já mencionada gênese técnica dos novos meios expressivos do cinema mas também, e talvez sobretudo, da típica maneira de olhar a arte hoje, da absoluta predominância dos problemas técnicos singulares sobre as questões estéticas de base. E, no entanto, em última análise, essa não é uma questão imanente à estética, como também não é questão de Weltanschauung [visão de mundo], enraizando-se, ao invés, e muito mais, na tendência geral do nosso tempo, naquele domínio geral da manipulação, à qual sempre, em medida mais vasta, se está submetendo também o campo da arte. Que esse domínio, no caso do cinema, só possa se manifestar com particular pregnância, é evidente. Se a produção cinematográfica está nas mãos de grandes potências capitalistas, e com uma imediatez e completude muito maiores do que no caso de qualquer outra arte, o cinema, por sua própria natureza e certamente mais do que qualquer outra arte, está destinado exclusivamente a exercer efeitos imediatos de massa.
O problema da manipulação não se limita, entretanto, a questões técnicas; a manipulação também tem a consequência espontânea — talvez mesmo consciente — de desviar a preeminência exclusiva ou pelo menos ampla concedida às questões técnicas do conteúdo humano e social da manipulação. Este processo, a íntima conexão existente entre o primado da técnica e a persuasão de que a manipulação é indiscutível, não deve ser simplificado e trivializado, embora seja fácil ver que o kitsch mais banal pode ser remendado e disfarçado e inextinguivelmente comercializado em doses massivas e massificantes. Também é indiscutível que em ambas as dimensões ocorreu uma convergência destas tendências. Basta pensar no efeito do choque. O choque é hoje um dos instrumentos essenciais da manipulação. Além de seu efeito propagandístico como a irrupção do inesperado, da subversão, da sensação etc., ele pode ser provocado de modo mais fácil e seguro por um novo truque técnico, e ainda é evidente que a semântica tecnicista do juízo crítico se deixa contentar com essa coincidência. Tanto mais que é da essência do choque provocar um abalo nervoso momentâneo, que, tanto em sua origem quanto em suas consequências, de modo algum toca nos fundos mais profundos e ocultos. Dessa forma, quer queiramos ou não, quer saibamos ou não, tal abalo vem em auxílio à ideologia da manipulação: o choque, o seu efeito explosivo, o caráter inusitado de sua manifestação, dá àqueles que o sofrem, e ainda mais àqueles que o provocam, a ilusão de uma atitude não conformista, sem qualquer oposição decisiva, no plano teórico ou no ético, a ser manipulada, sem que se manifeste qualquer inconformismo autêntico.
Tudo isso pode nascer em um plano técnico-artístico em perfeita boa fé. Pode até se dilatar para a Weltanschauung, basta para isso que o estado de manipulação em que o homem se encontra seja concebido como a condition humaine, seja existencialista, seja da psicologia profunda. Uma oposição pode emergir, mesmo em um nível estético, a ponto de negar radicalmente o que existe, pode se realizar como antirromance, antidrama etc., sem com isso subtrair um único homem da manipulação. Mas será que decorre dessa submissão, muitas vezes de boa fé e voluntária, a força imparável da manipulação, assim como sua reflexão subjetiva, a alienação? A meu ver, não.
E creio que não tanto no plano social objetivo quanto no plano humano subjetivo. Certamente, a essa dupla negação deve estar conectada a infeliz consequência do surgimento de uma oposição real. E aqui as coisas se fazem sérias. Não discutiremos as consequências materiais de se encontrar excluído do número daqueles que “contam” aqui (embora esse não seja um assunto socialmente sem relevância), exceto que se encontrar sozinho, consigo mesmo, com suas convicções ideológicas e morais, é, em última instância, uma oportunidade séria para testar o próprio caráter. É um risco que se deve correr se não se deseja aceitar de forma completamente passiva essa esmagadora realidade da manipulação.
A irresistibilidade, todavia, é apenas aparente. Não há dia, não agora, em que a vida não ofereça oportunidade de resistência real; no entanto, é ao mesmo tempo na essência da manipulação da opinião pública que em toda a imprensa e nas publicações literárias, sem falar no cinema, essa oposição se expressa de forma incomparavelmente mais fraca. Essa é uma afirmação que em nosso tempo é difícil de ser fundamentada. Mas pense, por exemplo, no fascismo, que agora pertence às coisas de ontem: quantas obras de arte (incluindo as da publicística) existem que podem ser comparadas, quantitativa e qualitativamente, com as últimas cartas dos antifascistas condenados à morte, com o diário de Fučík etc.? (o cinema italiano, nesse aspecto, tem os melhores resultados). A impressão geral, entretanto, é, para ser honesto, assustadora. E com toda probabilidade, o mesmo juízo sobre nosso presente terá que ser feito em um futuro não muito distante.
Mas voltemos ao cinema e à sua atividade, senhor Aristarco. Se devemos deter a manipulação, intencional ou não, voluntária ou imposta, da cultura e, portanto, do cinema, a tarefa da teoria e da crítica, ao menos, isto é, das esferas que, por natureza, são mais improváveis que a produção como tal de serem industrializadas e comercializadas, é exercer seu dever e resistir. A resistência na primeira fileira não é, entretanto, uma luta diretamente política ou propagandística; a maior parte dos comediantes da manipulação cultural são artistas que acreditam na arte, pessoas de boa-fé, todos sinceramente comprometidos com sua filosofia e sua estética, não raramente muito dotados, às vezes pensadores por direito próprio e críticos. Contra sua falsa Weltanschauung, e a sua falsa estética, contra sua intenção distorcida de arte, é necessário apresentar uma teoria autêntica, convincente e capaz de convencer.
A superação do tecnicismo na teoria e na práxis do cinema, a demonstração de que por trás de toda questão em aparência meramente formal existem graves e enormes problemas da vida humana, que influenciam através da configuração artística a descoberta ou a perda do homem: essa é a tarefa central do crítico cinematográfico que hoje quer merecer esse nome. O conhecimento específico e a fina sensibilidade estética são, entende-se, premissas necessárias; porém, não mais do que premissas, não a coisa em si. O que flui deles — apontar o caminho correto ou, ao contrário, desviar-se dele — tem seu fundamento nessa relação com a vida humana. “Ser radical”, diz Marx, “significa ir à raiz das coisas. Mas, para o homem, a raiz é o homem mesmo”. Chaplin nunca foi um marxista. Ele mostrou, no entanto, das mais diversas formas, até que ponto as novas possibilidades técnicas do cinema podem ser exploradas para fixar, como ele fixou de forma inesquecível, a imagem do homem em perigo, da sua luta para se preservar, do desmascaramento do que essa humanidade se põe e mina. O cinema e a crítica cinematográfica que se movem no plano exteriorizante do tecnicismo devem ser combatidos por uma crítica capaz de interiorização e de aprofundamento estético, a qual, se souber ir até o fim, em espírito de verdade e de exatidão, só pode alcançar o homem, o homem real, que sofre e luta socialmente entre homens e contra outros homens.
Por pouco que me considere competente no campo do cinema, por pouco que esteja ciente de sua produção complessiva — mesmo que eu saiba que não posso verificar seus juízos, muitas vezes devido à ignorância dos modelos a que você se refere –, tirei de seus escritos a firme convicção de que você é um crítico de cinema que tem a intenção de percorrer o caminho correto. É por isso que considerei um dever e uma honra a possibilidade de escrever estas linhas introdutórias ao seu livro. Desejo que esta obra provoque uma controvérsia acalorada e amarga e que consiga esclarecer os problemas do cinema, de modo que, se autêntica no esclarecimento desses problemas, seja capaz de ir mais longe, isto é, capaz de convidar ao esclarecimento dos problemas da humanidade.
Notas de rodapé:
(1) O texto foi originalmente escrito como Introdução ao livro de Guido Aristarco, Il dissolvimento della ragione: discorso sul cinema. Milano: Feltrinelli, 1965. (retornar ao texto)
(2) Lukács se refere ao seu artigo Riflessioni per un’estetica del cinema [Reflexões para uma estética do cinema], escrito em 1913. (retornar ao texto)
(3) Cf. LUKÁCS, G., Estetica, v. 2, pp. 1258–1287. (retornar ao texto)