Conceitos Fundamentais de O Capital
Manual de Economia Política

I. Lapidus e K. V. Ostrovitianov


Livro décimo: A economia no período de transição
Capítulo XXVIII - O problema da reprodução na economia soviética
155. As crises na U. R. S. S.


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O modo capitalista de- produção torna as crises inevitáveis e necessárias. Sua causa principal reside na anarquia da produção, que conduz a desproporções no desenvolvimento dos diversos ramos da economia capitalista e a uma restrição relativa do consumo (do mercado). A superprodução é o seu resultado. Passam-se estes fenômenos na U. R. S. S.? Nós já mostramos muitas vezes que a organização sob um plano racional conjuga-se na U. R. S. S., com o jogo das forças espontâneas, pois que a economia de Estado é baseada na organização planificada, enquanto a agricultura em que participam milhões de pequenos cultivadores, repousa no jogo espontâneo das forças do mercado. Também vimos que o desenvolvimento da economia soviética tende a fortalecer a economia estatal e a fazer prevalecer a organização racional baseada num plano de conjunto. A anarquia da produção não está, pois, ainda eliminada na U. R. S. S., mas ela é aí infinitamente menor que no regime capitalista e deve declinar de ano a ano, sob a influência da ação reforçada do Estado sobre a pequena agricultura camponesa.

O mercado de que a indústria estatal tem necessidade cria-se na U. R. S. S. pelo crescimento do consumo das cidades e dos campos. O mercado urbano cria-se pela procura de compra dos operários, dos empregados e dos não-trabalhadores.

Tende o mercado urbano a restringir-se na U. R. S. S.? Isto aconteceria se a política de salários do Estado soviético fosse semelhante a dos capitalistas, que não procuram, desenvolvendo a indústria, outros fins além da obtenção do máximo de lucro. Mas a finalidade da produção, na U. R. S. S., é satisfazer as necessidades dos operários e camponeses. É isso que governa a política do aumento dos salários paralelo ao aumento do rendimento do trabalho, da diminuição dos preços e do melhoramento da qualidade de produção. O aumento dos salários e a diminuição dos preços têm por efeito o aumento da procura de compra dos trabalhadores e a ampliação do mercado para a indústria estatal.

O mercado rural, de que tem necessidade nossa indústria, foi criado pela procura de compra de meios de produção e de meios de consumo necessários aos camponeses. A este respeito a indústria e a agricultura dependem estreitamente uma da outra. A indústria estatal fornece à agricultura instrumentos de produção e artigos de consumo individual. A agricultura fornece principalmente, à indústria estatal, as matérias primas e artigos de consumo. A agricultura, cujo desenvolvimento é mais lento, não está geralmente em condições de empregar toda sua mão-de-obra adicional disponível e fornece à indústria a força de trabalho.

Também não se pode figurar nem a acumulação socialista sem uma acumulação correspondente na agricultura, nem o desenvolvimento da agricultura sem o melhoramento da técnica agrícola e do maquinário que só pode ser fornecida pela indústria.

O equilíbrio e o êxito de nossa edificação socialista estão, pois, rigorosamente condicionados pelas justas relações entre estes dois domínios fundamentais de nossa economia.

Como pode ser assegurado este equilíbrio? Por uma política de preços e de lucros. Esta política deve, de um lado, garantir a possibilidade da acumula;ão socialista, o desenvolvimento da indústria socialista, e, por outro lado, assegurar à indústria em vias de desenvolvimento um mercado rural em vias de ampliação.

A ampliação do mercado rural só é possível quando há progresso da economia camponesa, aumento de suas forças produtivas, melhoria da situação material dos camponeses. Somente nessas condições, a procura de meios de produção e de consumo — isto é, dos produtos da indústria — aumentará nos campos. Estes resultados só podem ser atingidos por uma política de baixa nos preços aplicada sistematicamente.

Em resumo, é o aumento dos rendimentos dos Operários e camponeses que assegura, na U. R. S. S., um mercado para a indústria estatal em vias de desenvolvimento.

Que conclusões gerais podemos tirar do que precede? Tendo, na U. R. S. S. a organização racional, baseada num plano de conjunto, uma influência crescente, e não aspirando o Estado soviético ao máximo de lucro aumentando os rendimentos dos trabalhadores soviéticos, operários e camponeses, as crises, no sentido capitalista da palavra, não são nem necessárias nem inevitáveis.

Mas, tendo ainda o jogo espontâneo das forças do mercado um lugar na economia da U. R. S. S., esta última não pode ser considerada como inteiramente prevenida contra os abalos que podem lembrar as crises capitalistas e cuja causa pode estar na desproporção do desenvolvimento de seus diversos ramos.

Um exemplo frizante de um abalo deste gênero, muito análogo a uma crise capitalista, é o que se passou em 1923.

Mais do que a indústria capitalista, a nossa indústria estatal pode ditar no mercado os preços de monopólio e, abusando desta possibilidade, explorar os consumidores. Nossos trustes e nossos sindicatos tentaram entrar, em 1923, neste caminho. Resultou disso uma diferença entre os preços dos produtos da indústria e os da agricultura (que chamamos de “tesouras”), sendo os primeiros muito baixos e os segundos muito elevados. Disso resultou uma crise de superprodução relativa no seio de uma miséria absoluta. Mas ainda aqui o sistema soviético se revelou diferente do sistema capitalista. A crise foi rapidamente liquidada graças a um esforço baseado num plano de conjunto, que provocou uma baixa rápida dos preços dos produtos da indústria e o aumento da exportação do trigo. A baixa dos preços aumentou imediatamente nos campos a procura; as massas de mercadorias, que se acumulavam nos armazéns do Estado, escoaram-se rapidamente e a circulação do capital na indústria se acelerou. A agricultura foi estimulada pela baixa dos preços dos produtos da indústria e pelo aumento dos preços dos produtos agrícolas. No regime capitalista, a inexistência de uma organização baseada num plano de conjunto, não teria permitido uma aniquilação tão rápida da crise.

Tínhamos, em 1923, em consequência de uma má política de preços, uma especie de crise de superprodução.

Tivemos, em 1923, que vencer diversas dificuldades econômicas causadas pela agravação da escassez das mercadorias.

Estas dificuldades foram o resultado de um erro de cálculo dos serviços encarregados de estabelecer o plano da produção. Havia-se exagerado a importância da colheita de 1925. Tínhamos um plano de desenvolvimento exagerado de nossa indústria. Contávamos pôr em estoque cereais no valor de 780 milhões de rublos; não se pode por em estoque mais de 600 milhões. O plano de edificação industrial teve de ser reduzido de 931 milhões para 746 milhões de rublos, os planos de exportação e importação tiveram de ser revistos, o tehervonetz, cuja capacidade de compra é, como se sabe, muito dependente de nossa balança comercial, ficou abalado. Mas as dificuldades econômicas de 1925 diferem sensivelmente das crises capitalistas que têm como causa geral a superprodução. Nossas dificuldades econômicas de 1925 tinham, pelo contrário, como causa a falta de mercadorias, sua escassez no mercado.

A procura de compra não estava em atraso com a produção, mas, pelo contrário, a indústria foi quem não pôde corresponder à procura de compra. A superprodução demonstra, senão uma baixa absoluta, pelo menos uma baixa relativa dos rendimentos dos operários e camponeses. A escassez de mercadorias demonstra o crescimento desses rendimentos. Todas estas dificuldades existirão cada vez menos na economia da U. R. S. S., à medida que se desenvolver a organização racional da produção baseada num plano de conjunto.

É isso que dita a necessidade de criar, tanto quanto possível, reservas econômicas suscetíveis de prevenir o país contra todas as contingências do mercado interior e exterior. A resolução do XIV Congresso do Partido Comunista da U. R. S .S. recomenda que se preste atenção às tendências do desenvolvimento da agricultura.

A crise de 1923 e as dificuldades de 1925 tiveram causas temporárias. Mas a economia soviética está tomada por dificuldades mais duráveis, que não têm talvez um caráter tão agudo, mas que não deixam por isso de desempenhar um grande papel. Estas dificuldades resultam da desproporção do desenvolvimento das forças produtoras na indústria estatal e na agricultura, desproporção herdada do antigo regime.

Mas, aproveitando-se os ensinamentos da crise de 1923, não devemos, acelerando a acumulação socialista, perder de vista a agricultura. Nossa política de preços deve assegurar simultaneamente o crescimento mais ou menos normal da indústria e da agricultura. Os que propõem remediar a escassez das mercadorias por uma política de preços fortes em superlucro de monopólio, cometem o erro mais grosseiro. Os preços fortes e o lucro dos monopólios só poderiam ser nocivos à acumulação socialista, diminuindo a procura de compra dos camponeses, restringindo, portanto, o mercado indispensável à nossa indústria estatal.

A alta dos preços dos produtos da indústria equivaleria, além disso, a uma diminuição do salário real; seriam necessários recursos adicionais para aumentá-lo, o que diminuiria o fundo da acumulação socialista. Teríamos tirado com uma mão o que lhe teríamos dado com a outra. Não falaremos aqui de outras consequências que poderia ter esta política (instabilidade do tehervonetz, por exemplo)

Resta-nos, sobre as crises na U. R. S. S., dizer algumas palavras a propósito da influência exercida em nossa economia por suas relações com o mercado mundial. Alguns pensam que, quanto mais a nossa economia soviética particular participar do sistema da economia mundial, mais ela será dependente das conjunturas do mercado mundial, em outros termos, das crises do capitalismo.

Não podemos admitir este ponto de vista.

O crescimento de nossa dependência em relação à economia capitalista, diz a este respeito BUKHARINE, é também o crescimento de nossa independência. Se exportarmos mais trigo e se importarmos mais máquinas, nossa dependência, à primeira vista, não faz mais do que crescer. Mas nossa independência cresce também, pois importamos máquinas que produzem meios de produção, e, se nós nos servimos delas para aparelhar nossa metalurgia e nossa indústria de metais, se nós melhorarmos, fortalecermos e desenvolvermos sistematicamente nossa indústria pesada, estabeleceremos, assim, nossa independência em relação ao mundo capitalista.(1)


Nota de rodapé

(1) N. BUKHARINE: Discurso na XV Conferência da Organização Comunista de Moscou. (retornar ao texto)

 

Inclusão 15/06/2023