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Esta teoria de um caminho não-capitalista do desenvolvimento da pequena agricultura para o socialismo, na U. R. S. S., determina a politica da união da indústria estatal com a pequena agricultura e a politica de sustentar esta pequena agricultura, a qual se trata pouco à pouco de incluir, prudentemente, pela cooperação, no caminho do socialismo.
O autor da Novidade Econômica, E. A. Freobrajenski, opõe ao plano da cooperação de Lenine sua teoria da “acumulação socialista primitiva”, da qual nos limitaremos a estudar as partes que dizem respeito do problema do desenvolvimento não capitalista da pequena agricultura para o socialismo na U. R. S. S.(1)
E. A. Preobrajenski escreve:
“Chamamos acumulação socialista à adição, nos meios de produção em atividade, do produto suplementar que se cria na economia socialista e serve para a reprodução ampliada, em vez de ser objeto de uma repartição complementar entre os agentes da produção socialista e do Estado socialista. Chamamos, pelo contrário, acumulação socialista primitiva, à acumulação, nas mãos do Estado, de riquezas materiais provenientes principalmente de fontes colocadas fora do conjunto da economia estatal”.
Qual é, conforme Preobrajenski, a diferença entre a acumulação primitiva capitalista e a acumulação socialista primitiva?
“Em primeiro lugar é que a acumulação socialista não se realiza unicamente por conta do produto suplementar da pequena agricultura, mas ainda por conta da mais-valia das formas capitalistas da economia. Em segundo lugar, é que a economia estatal do proletariado, historicamente nasce em detrimento dos monopólios e dispõe, por consequência, de meios de dirigir a totalidade da economia e de métodos econômicos de repartição da renda nacional, que não eram accessíveis ao capitalismo, mesmo no inicio de seu desenvolvimento”.
De que maneira Preobrajenski imaginou as relações entre a economia:'estatal e a economia privada, que na U. R. S. S. é, na imensa maioria dos casos, a dos pequenos cultivadores?
Depois de ter enumerado as diversas formas que. toma a pilhagem das colônias e da pequena produção pelo capital comercial, ele escreve:
“Quanto à pilhagem das colônias, o Estado socialista, aplicando uma política de igualdade das nacionalidades e de adesão voluntária das nacionalidades dos grupos nacionais, repele em principio todos os métodos de violência do capital neste domínio. Esta fonte de acumulação primitiva está para ele, desde o principio, e para sempre, fechada. É bem diferente, entretanto, com a exploração, em proveito do socialismo, de todas as formas econômicas anteriores ao socialismo. As formas econômicas pré-socialistas devem ser impostas inevitavelmente no período da acumulação primitiva do socialismo, e esta imposição deve inevitavelmente adquirir uma importância nitidamente decisiva nos países atrasados, como a União Soviética”.(2)
“O sistema socialista e o sistema da produção privada de mercadorias, incluídos num só sistema econômico nacional, não podem co-existir em perfeito equilíbrio, porque um deve devorar o outro. Haverá degradação ou desenvolvimento, mas não será possível ficar parado”,
Formulada como segue a “lei” da acumulação socialista, decorre daí:
“Quanto mais um país, ao passar à organização socialista da produção, for atrasado economicamente (pequeno-burguês, camponês) menor será a herança que o proletariado receberá no momento da revolução, em qualidade de fundos de acumulação socialista, e quanto mais a acumulação socialista deverá apoiar-se na exploração das formas pré-socialistas da economia, menor também será a importância da acumulação derivada de sua própria base de produção, ou, em outros termos, menos ela se nutrirá do produto suplementar dos trabalhadores da indústria socialista. Ao contrário, quanto mais um país for economicamente e industrialmente desenvolvido quando vencer a revolução social, mais será a herança material que o proletariado receberá então da burguesia, depois da nacionalização, sob a forma de uma indústria grandemente desenvolvida e de uma agricultura capitalista organizada, e menor será a importância das formas pré-capitalistas de produção, e mais o proletariado deverá procurar diminuir a não equivalência da troca dos produtos da indústria pelos das colônias, isto é, da exploração destas; — e mais o centro de gravidade da acumulação socialista se apoiará na sua base socialista de produção, ou, em outras palavras, no produto suplementar da indústria e agricultura socialistas”.
Preobrajenski não concebe as relações entre a economia de Estado e a economia mercantil privada, isto é, do campesinato, a não ser sob a forma de uma luta em que um deve devorar o outro: serei morto se não matar. Não existe, portanto, na sua teoria um lugar para a cooperação concebida como o caminho do desenvolvimento da pequena agricultura para o socialismo.
“Mas, diz ele, é inevitável um sistema tinteiro de relações diretas entre a pequena produção e a economia estatal. A natureza destas relações será determinada pelos seguintes fatores:
“A pequena produção divide-se em três partes. Uma parte ficará durante muito tempo pequena produção, uma outra se organizará na cooperação de tipo capitalista, a terceira, contornando este processo, se organizará numa nova cooperação, constituindo um tipo particular de transição da pequena produção para o socialismo, não pelo capitalismo, mas pela simples absorção da pequena produção pela economia estatal.
“Esta nova forma de cooperação, sob a ditadura do proletariado, esta forma em que as comunas camponesas e as turmas de trabalhadores — os artels -— são um dos elementos componentes, deve ainda aí desenvolver-se. Nós não podemos fazer uma análise teórica do que ainda não existe, do que ainda está para nascer”.
A política da superindustrialização do pais, em detrimento dos camponeses explorados pelos altos preços dos produtos da indústria, política obstinadamente preconizada no curso dos últimos anos por E. Preobrajenski, seria a consequência lógica destas premissas.
Percebe-se claramente que esta teoria nada ter de comum com os pontos de vista de Engels e Lenine sobre a marcha do desenvolvimento da pequena agricultura para o socialismo, no regime da ditadura do proletariado.
Consideremos, para começar, os próprios termos da “acumulação socialista primitiva”, Preobrajenski usa aí esta frase por analogia com a acumulação capitalista primitiva. Mas, como se caracteriza esta última?
“A acumulação socialista primitiva é o próprio processo histórico que destaca os produtores dos meios de produção. Ela é primitiva porque constitue a pré-história do capital e do modo de produção correspondente ao capital”. A acumulação primitiva do capital caracteriza-se pela expropriação do pequeno produtor. O capitalismo nasce, com efeito, baseado na pequena produção. A pequena produção é o principal obstáculo da grande produção capitalista, que só pode nascer sobre suas ruínas.
O socialismo, pelo contrário, nasce sobre a base do capitalismo de monopólios. Ele não pressupõe de nenhum modo a expropriação do pequeno produtor, a a quem permite, pelo contrário, evitar a exploração que atingiria, mais cedo ou mais tarde, no regime capitalista. A situação da pequena produção, na aurora do socratismo, difere, pois, profundamente, de sua situação na época da acumulação primitiva do capital.
Se for permitido comparar, nestas condições, a acumulação primitiva do capital à acumulação socialista, será mais por seus contrastes do que por sua analogia. Estas duas formas de acumulação assemelham-se como o preto e o branco, o frio e o calor.
Notemos que a distinção apresentada entre a exploração colonial e a da pequena produção é falsa em princípio. O problema colonial não é senão o problema das relações com o pequeno produtor rural.
“Já foi há muito reconhecido que o problema colonial está destinado a desempenhar um grande papel no processo da revolução mundial. As contradições entre o capital das metrópoles grandemente desenvolvidas e as colônias atrasadas, num certo ponto de vista, estão entre as principais contradições do capitalismo.
Na escala da economia mundial elas se reduzem, se nos permitem recorrer a uma metáfora, às contradições da cidade — dos centros da indústria moderna — e do campo (isto é, da periferia destes centros)”.
Sendo admitido pelo camarada Preobrajenski a necessidade de espoliar os camponeses em nome da acumulação socialista, pergunta-se: por que os camponeses das antigas colônias deveriam evitar a sorte reservada aos camponeses das antigas metrópoles? Desde que a acumulação “primitiva” do socialismo se baseia principalmente na “absorção” da pequena produção, toda política se reduz, falando brutalmente, em “esfolar” o camponês. Esta ideia, desenvolvida até suas últimas consequências lógicas, conduz-nos à necessidade de nos apropriarmos de todo o produto suplementar do camponês; PREOBRAJENSKI recomenda, para conseguir isso de modo insensível e indolor, não recorrer nunca a uma pressão fiscal progressiva, mas ao aumento dos preços e dos lucros dos monopólios.
A atitude adotada em principio por ENGELS e LENINE sugere evidentemente conclusões bem diversas. É necessário seguir uma política de preços baixos para que os camponeses se deem conta da diferença entre a ditadura burguesa e a ditadura proletária, para que o camponês possa acumular, para que sua empresa individual se desenvolva em vez de declinar, para que a pequena produção possa realmente evitar o caminho do desenvolvimento capitalista, para que o camponês tenha segundo as palavras de ENGELS, “uma existência mais suportável”. Deduzir-se-á dai que o camponês não deve fazer nenhum sacrifício para a edificação socialista? Não. O camponês faz e deverá fazer grandes sacrifícios materiais para a edificação socialista. Ele paga impostos e preços bastante elevados, embora em vias de diminuição, pelos produtos da indústria.
Mas a política fiscal e a dos preços devem permitir à economia camponesa desenvolver-se e assegurar assim o mercado necessário ao desenvolvimento da indústria socialista.
Qual é, pois, em principio, a diferença entre a acumulação socialista e a acumulação capitalista, já que as duas subentendem a apropriação de uma parte do produto suplementar do pequeno produtor?
Na acumulação capitalista, “a passagem dos valores das mãos de uma classe às mãos de uma outra amplia sem cessar o antagonismo das classes, reproduzindo constantemente as relações entre o senhor capitalista e o seu escravo assalariado. Isto existe em toda sociedade baseada na exploração. Repitamos, em todas.
“Mas, que significa a passagem dos valores dos pequenos produtores para a indústria proletarizada? Significa uma tendência diametralmente oposta a primeira, uma tendência à supressão dos contrastes entre a cidade e o campo, entre o proletariado e os camponeses entre a economia socialista e a economia pequeno-burguesa; e isto porque nós não caminhamos para uma estabilidade das relações de classe a classe mas, sim, para o desaparecimento das classes. E, quanto mais rápida for a acumulação na esfera econômica do socialismo e na periferia desta esfera, mais depressa desaparecerão as contradições”.(3)
Deve-se dizer outro tanto da cooperação. Vimos que ela constitue um dos pontos fundamentais do piano formado por Lenine, da transformação de pequena agricultura em grande agricultura socialista. Se separarmos à cooperação do edifício concebido por LENINE, só ficaria o apoio da pequena produção motivado por motivos políticos, e a luta contra o capitalismo na agricultura, sem indicações sobre a perspectiva de seu desenvolvimento. Mostramos já porque a pequena produção não pode ser o ideal do proletariado. Frizámos também que não se pode, constrangendo, impeli-la para o paraíso socialista. A necessidade de uma longa reeducação do camponês impõe-se desde logo. Trata-se de tomar como ponto de partida seus interesses de pequeno proprietário afim de fazê-lo entrar, pouco a pouco, por meio do mercado, pela troca, pela cooperação de compra e venda, nas associações de trabalho. Que diz Preobrajenski a este respeito? Ele só menciona as comunas e os artels, que têm justamente, como fez notar N. Bukharine, uma importância secundária, porque o pequeno proprietário, que considera com desconfiança todas as formas coletivas da produção e põe acima de tudo a sua propriedade privada, não pude entrar imediatamente nas associações de produção. Falar assim é abandonar resolutamente a tática prudente recomendada por Engels e Lenine em relação aos camponeses.
Mas, falando dos artels e das explorações coletivas, Preobrajenski procura não dizer nada de preciso sobre suas perspectivas de desenvolvimento, porque não se pode, diz ele, “analisar o que ainda não existe”.
Preobrajenski mostra-se consequente quando, partindo de sua teoria da acumulação socialista primitiva, recusa considerar a cooperação como o caminho do desenvolvimento da agricultura para o socialismo.
Se fosse necessário colocar-se em seu ponto de vista e reconhecer que “a economia socialista estatal deve necessariamente devorar, no período da transição, a pequena produção, do mesmo modo que o capital comercial a devorou na época da acumulação primitiva do capital”, o próprio termo de acumulação socialista primitiva apareceria muito justo, resumindo muito bem o conteúdo desta teoria.
Mas, se nos colocarmos sob o ponto de vista da união entre a indústria socialista e a pequena agricultura, entre o proletariado e o campesinato que ele dirige, se reconhecermos a possibilidade e a necessidade de transformar, sob a ditadura do proletariado, a pequena agricultura em grande agricultura socialista, a analogia com a acumulação primitiva do capital deverá ser resoluta e categoricamente repelida, e esta teoria deverá ser reconhecida como errônea.
É necessário, entretanto, fixar em termos precisos as particularidades da reprodução das relações de produção que observamos no período de transição do capitalismo para o socialismo que atravessa a U. R. S. S. Muitas particularidades, que a sociedade capitalista desenvolvida não conhecerá, existem atualmente: o jogo espontâneo das forças do mercado, a existência da pequena produção, a troca sem equivalente perfeito, a necessidade imposta ao Estado de se apropriar de uma parte importante do produto suplementar do trabalho do pequeno produtor, etc.
Parece-nos que o termo geralmente admitido de acumulação socialista exprime suficientemente o caráter transitório de nossa economia. A sociedade socialista desenvolvida não conhecerá a troca de mercadorias; e não será, pois, permitido falar de acumulação socialista, sendo mais justo dizer economia natural, isto é, falar de reprodução socialista ampliada (produto suplementar, cálculo de energia dispendida expressa em horas de trabalho, etc.) Enquanto não estivermos lá, ser-nos-á permitido falar de acumulação socialista.
Notas de rodapé
(1) Criticamos várias vezes a teoria de Preobrajenski nos capítulos que tratam do valor e da acumulação socialista, sem nomear, entretanto, o autor da Novidade Econômica. (retornar ao texto)
(2) E. PREOBRAJENSKI: A lei fundamental da acumulação socialista, no n.º 8 do Vestnik (Monitor) da Academia Comunista, 1924. Temos obrigação de reconhecer que PREOBRAJENSKI atenua, nas edições mais recentes, a brutalidade de certas fórmulas suas. Por ex.: ele suprime o termo “exploração” e o substitue por “desconto”. Mas ele próprio considera estas modificações de importância secundária: é que o conteúdo das expressões empregadas não variou. Nós preferimos, naturalmente, nos servir das primeiras fórmulas do camarada PREOBRAJENSKI, pois elas expressam seus pontos de vista do modo mais forte. (retornar ao texto)
(3) N. BUKHARINE: Alguns problemas de Economia Política, 1925. (retornar ao texto)
Nota do responsável pelo HTML
No livro digitalizado, este capítulo está italicizado quase em sua totalidade.
Inclusão | 15/06/2023 |