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Pertencendo, na URSS, a maioria das empresas ao Estado, isto é, à classe operária em seu conjunto, os operários que trabalham nestas empresas estatais não podem ser chamados de assalariados no antigo sentido da palavra, no sentido capitalista. Quando falamos de locação de mão de obra, supomos que um possuidor de meios de produção aluga a força de trabalho de um não-possuidor. Pode-se opor, na empresa soviética estatal, em termos análogos, o operário ao Estado que representa a organização da classe operária em seu conjunto? A solução de continuidade entre a mão de obra e as máquinas, que observamos na sociedade capitalista, é evidentemente desnecessária aqui, porque as máquinas pertencem ao Estado, isto é, à classe operária. Não se pode falar de transformação da força de trabalho em mercadoria, no sentido que falávamos ao nos referir ao capitalismo.
Se assim é, o salário do operário que trabalha nas empresas soviéticas estatais deve ter um conteúdo social completamente diverso.
É verdade que sua forma exterior lembra por numerosos traços o salário capitalista: também na URSS o operário é pago em dinheiro pelo tempo de trabalho ou pelo produto elaborado; parece, também, que ele não recebe o produto integral de seu trabalho e sim apenas uma parte deste produto.
A semelhança limita-se a esta forma exterior.
Já sabemos que, ao contrário do regime capitalista, a parte não paga do trabalho do operário não é (na sua maior parte)(1) posta à disposição de uma outra classe, mas empregada pelo Estado soviético para desenvolver a indústria, ciar escolas, sustentar os cultivadores, satisfazer às necessidades da construção socialista, ou, cm outras palavras, para satisfazer as necessidades do conjunto da classe operária (tratando não somente dos interesses momentâneos, como também das perspectivas de desenvolvimento nos anos ulteriores). Assim, a parte “não paga" do trabalho satisfaz às necessidades da classe operária em seu conjunto e volta, no fim de contas, a esta classe.
Que vem a ser, então, nestas condições, o salário do operário soviético? Não é senão a parte do produto do seu trabalho recebida em dinheiro para a satisfação de suas necessidades individuais — menos o produto suplementar consagrado às necessidades sociais do conjunto da classe operária.
Compreende-se que, se nós tivéssemos um regime socialista desenvolvido, que não conhecesse nem dinheiro nem mercado, a necessidade de um salário, forma particular da repartição dos produtos do trabalho, não se faria sentir; todo trabalhador receberia (talvez com a apresentação de um certificado de trabalho) nos depósitos sociais, os produtos que necessitasse.
Isto é impossível na época de transição devido à existência do mercado. A classe operária só pode, habitualmente, obter os produtos que necessita pela compra em troca de dinheiro. Explica-se assim o fato de que a parte dos produtos do trabalho recebida pelo operário, afim de satisfazer suas necessidades individuais, tome a forma de "salário”, apesar das profundas diferenças qualitativas que existem entre este “salário” e aquilo que chamamos de salário, no regime capitalista.
★★★
Concebe-se que as leis que determinam a grandeza do salário na sociedade capitalista não se possam aplicar integralmente ao salário específico que observamos na URSS.
No regime capitalista, o nível do salário é condicionado pelo valor: quando muito, o capitalista dá ao operário a soma necessária para assegurar o funcionamento ininterrupto da força de trabalho e da criação da mais-valia. O objetivo essencial do capitalista é obter, o mais possível, a mais-valia, também não cuida, quando existe um exército de reserva de trabalho de satisfazer o mínimo das necessidades do operário.
Na URSS é completamente diverso: a classe operária, construindo a sociedade socialista, não se pode limitar a assegurar a reprodução de sua força de trabalho; vemos também no Estado soviético tendências a uma alta contínua dos salários, para satisfazer às necessidades crescentes da classe operária e garantir seu desenvolvimento e sua cultura.
Se designarmos por 100 o salário médio real dos operários da URSS ocupados nas empresas do Estado em Outubro de 1922, será preciso designá-lo em Janeiro de 1923 por 150, em Janeiro de 1924, por 210, em Janeiro de 1925 por 240.(2)
Se designarmos por 100 o salário de 1913, obtêm-se os seguintes números:(3)
1º trim. | 4º trim. | |||
INDÚSTRIA | 1922-23 | 1923-24 | 1924-25 | 1924-25 |
Metalúrgica | 39,6 | 51,7 | 54,5 | 83,1 |
Textil | 56,4 | 86,3 | 96,0 | 123,1 |
Química | 66,6 | 82,0 | 99,4 | 122,9 |
Alimentação | 89,8 | 114,7 | - | 157,6 |
Minas | 57,5 | 46,5 | 55,8 | 72,9 |
Em Fevereiro de 1926, em toda a indústria estatal, o salário real atingia a 103% do de antes da guerra.
Este crescimento do salário não resultava da luta da classe operária contra outras classes de interesses opostos, pela partilha do valor criado pelo trabalho. Na indústria estatal não existe classe oposta à classe operaria. Este crescimento do salário é obtido, portanto, pela regulamentação consciente dos salários pelas organizações operárias, governamentais e sindicais, que se inspiram, antes de mais nada, nas necessidades da edificação socialista.
Esta regulamentação, numa medida apreciável, é limitada pela influência de fatores espontâneos sobre o salário e pela existência do mercado. Mais adiante veremos que estas influências não poderão ser suprimidas enquanto existir um mercado.
Recordemos os fatores que, na sociedade capitalista, influenciam a grandeza do salário. Lembremo-nos, antes do mais, da importância, na sociedade capitalista, do sexo do operário, de seu grau de cultura, de sua instrução profissional.
Levam-se em conta estes fatores na URSS?
No que se refere à diferença de salários decorrente da diferença de sexo, nada disto existe entre nós: ao operário e operária, igual salário para igual trabalho.
No que se refere ao trabalho infantil, esta questão nem se apresenta, já que o Código do Trabalho proíbe admitir jovens menores de 16 anos. Os aprendizes de menos de 18 anos não recebem um salário inferior ao do operário senão quando sua instrução profissional é igualmente inferior, pois, quando tem uma instrução profissional igual, são mais bem pagos que os operários adultos, já que recebem por seis horas dc trabalho o mesmo que os demais por oito.
A dependência do salário cm relação à instrução profissional existe na URSS, ainda que a diferença entre a retribuição dos operários diversamente qualificados (e principalmente entre o salário dos operários, dos chefes de oficina, dos técnicos, dos engenheiros e da administração) não seja tão grande quanto nos países capitalistas.
Como se explica que na URSS existam estas diferenças de retribuição do trabalho?
Não se pode naturalmente abolir de um só golpe, na economia soviética, a herança da velha sociedade, na qual o número de operários qualificados e cultos era relativamente restrito. Ora, a economia soviética não pode passar sem operários qualificados. Tanto mais se desenvolve nossa economia, mais se faz sentir a falta de mão de obra qualificada (superabundando a mão de obra não qualificada). Nestas condições, é evidente que deve ser consagrada a maior atenção aos operários qualificados e que é conveniente assegurar a criação de uma nova mão de obra qualificada. Não se pode chegar a isto senão pagando melhor aos operários qualificados.
Depois da diferença de retribuição determinada pela instrução profissional, indiquemos as diferenças territoriais de salário.
O território da URSS está dividido em cinco setores: o salário é mais elevado no primeiro setor. (Moscou, Leningrado) e é mais baixo no quinto setor (na Sibéria especialmente).
Esta diferença explica-se desde logo pela diferença dos preços dos artigos consumidos pelos operários. Com esta política, o poder dos Soviets esforça-se por assegurar aos operários um salário real de um certo nível.(4)
Detenhamo-nos um instante na relação de dependência entre os salários e os diversos graus de cultura dos operários. Que papel desempenha este fator na URSS? O salário mais elevado do operário qualificado explica-se, até certo ponto, pelo seu desenvolvimento e por suas necessidades culturais mais elevadas também; sob este aspecto, as diferenças de cultura podem, também entre nós, exercer certa influência na grandeza do salário.(5)
A diferença de cultura dos operários de diversas nacionalidades, que desempenha no regime capitalista papel importante, não tem significação entre nós: todos os operários, quaisquer que sejam suas nacionalidades, recebem, para trabalho igual, igual salário.
Sabe-se, por exemplo, que nos poços de petróleo de Baku os capitalistas pagavam salários diferentes aos operários russos e turcomanos. Não se precisa dizer que nada disso se passa atualmente.
O Estado consegue, assim, por uma ação consciente, elevar o nível cultural dos operários dos povos atrasados.
O crescimento dos salários independentemente do número de sem trabalho,(6) — fato este que está em plena contradição com o que vimos acontecer no regime capitalista — atesta, também, entre nós, a agonia das leis que regem o salário capitalista.
Em pouco mais de um ano, a partir do princípio de 1923 até meados de 1924, o salário dos operários na URSS aumentou, em media, de 50 % (passando de 16,85 rublos orçamentários a 24,04). O país atravessava, entretanto, uma crise. Em consequência da concentração da produção, das diminuições do pessoal e de outros motivos, o número dos sem-trabalho passou do dobro, no mesmo lapso de tempo, subindo nas 70 cidades provinciais de 361 mil a 825 mil.
É verdade, aliás, que o chômage exerce certa influência indireta nos salários: o Estado soviético e os sindicatos, concedendo subsídios aos desempregados, diminuem, por isto mesmo, as reservas materiais que são as fontes do salário; em certos casos, os sindicatos e o Estado diminuem o trabalho (e, em proporção, os salários) dos operários ocupados, afim de oferecer parte deste trabalho aos desempregados. Mas, de qualquer maneira, a influência espontânea da lei da oferta e da procura de força de trabalho, tal como a conhecemos na sociedade capitalista, aqui não se manifesta.
Tudo o que precede se refere ao salário na indústria estatal. Na indústria privada da URSS, a força de trabalho é vendida como aos países capitalistas; estamos, portanto, na presença de um salário caracterizado ao mesmo tempo por sua forma e por seu conteúdo .Mas a grandeza do salário e as condições de sua regulamentação espontânea não são igualmente as mesmas que nos países capitalistas. A existência de empresas do Estado ao lado das empresas privadas tem uma importância inestimável: o capitalista não pode impôr um salário muito baixo aos operários, não somente porque se encontra sob a pressão de poderosas organizações sindicais soviéticas, mas também porque os operários o deixariam e iriam contratar-se nas empresas estatais.(7)
De agora em diante, não teremos em vista senão a indústria estatal, pois o crescimento desta indústria é precisamente a base do desenvolvimento do socialismo no nosso pais. Consequentemente, voltaremos a este ponto.
Notas de rodapé:
(1) Parte do produto suplementar dos operários da indústria estatal pode cair, por vias do comércio privado, no bolso dos capitalistas. (retornar ao texto)
(2) F. DZERJINSKI: — A Indústria da URSS, seus êxitos e objetivos. Moscou, 1925. (retornar ao texto)
(3) F. DZERJINSKI: — Relatório ao Conselho Central Pan-russo dos Sindicatos, Fevereiro de 1926. Há a acrescentar que, se levarmos em conta os seguros sociais, etc., o salário é realmente mais elevado ainda. (retornar ao texto)
(4) O nível real dos salários deponde do preço dos artigos necessários à existência dos operários. Como estos preços dependem, antes do tudo, do estado da economia rural, camponesa, a influência elementar, espontânea do mercado sobre os salários parece manifestar-se aqui como força. Mas a regulamentação consciente anula era certa medida e esforça-se por manter o salário real num determinado nível. (retornar ao texto)
(5) A diferença dos salários nos setores da URSS explica-se também, em certa medida, pelas velhas tradições e pelos diferentes níveis de cultura dos operários das diversas regiões. Esta circunstância é, entretanto, de importância secundária. (retornar ao texto)
(6) O número de desempregados, que vinha reduzindo-se progressivamente com a reorganização da indústria, com o começo da realização do Plano Quinquenal, ficou quase extinto; em 1930; a URSS anunciou ao mundo que o flagelo, que ataca as classes trabalhadoras no mundo capitalista, estava definitivamente banido para sempre dos ponteiros da URSS. (retornar ao texto)
(7) Acrescentemos que pode ser ao contrário, se a indústria estatal não se acha em condições de dar trabalho a todos os que pedem. (retornar ao texto)
Inclusão | 04/09/2018 |