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Ao tentar estabelecer o valor de mercadorias comparando o tempo de trabalho gasto pelos homens que exercem diferentes profissões, e reduzindo este tempo de trabalho ao tempo socialmente necessário, deparamos com uma dificuldade: teremos direito a igualar a hora de trabalho do operário não especializado à do torneiro ou do escritor?
Se assim fosse, o número de torneiros iria diminuindo e todas prefeririam o trabalho não especializado. Não é difícil perceber porquê. O operário qualificado deve dedicar muito tempo à aprendizagem do ofício de torneiro.
O aprendiz não é o único a gastar o seu tempo, o mestre que o ensina gasta tempo também. Valeria a pena gastar tanto trabalho para depois ser remunerado como operário não especializado, que não dedicou qualquer energia, qualquer recurso, a uma aprendizagem prévia?
É evidente que se trabalhos tão diferentes fossem estimados pelo mesmo valor, o equilíbrio social romper-se-ia. Só um número pequeno de trabalhadores estaria interessado em aprender o ofício de torneiro. O número de torneiros diminuiria, o desenvolvimento do trabalho em metais pararia, o que acarretava a suspensão do desenvolvimento da indústria metalúrgica. Além disso, as outras indústrias ressentir-se-iam também, pois os alfaiates não poderiam comprar mais máquinas de coser, os camponeses não teriam arados, debulhadoras, etc.
Portanto, o equilíbrio só poderia ser restabelecido se o valor do produto do trabalho não qualificado se estabelecesse abaixo do valor do produto do trabalho qualificado.
Daqui em diante é fácil compreender como se comparam estas duas formas de trabalho: trabalho simples e trabalho complexo. Tomemos como unidade uma hora de trabalho simples, isto é, que não exige preparação. Suponhamos, ao avaliar o trabalho do torneiro, que trabalhou como operário qualificado dos vinte aos quarenta e cinco anos, ou seja, durante vinte e cinco anos. Suponhamos que tenha tido um período de quatro anos de aprendizagem: durante estes quatro anos um velho operário dedicou um quarto do seu tempo à formação e instrução do aprendiz.
No total foram dedicados à aprendizagem cinco anos, quatro do aluno e um do mestre. Logo, vinte e cinco anos de trabalho do torneiro exigem cinco anos de preparação, e a cada ano de labor corresponde um quinto de um ano de aprendizagem. Compreende-se que o trabalho do torneiro criará um valor um quinto mais elevado que o valor do produto do trabalho de um operário não qualificado: a uma hora do seu trabalho complexo corresponde uma hora e doze minutos de trabalho simples(1).
Pois bem, se consideramos o trabalho mais qualificado, que exige uma preparação especial — o dos engenheiros, por exemplo —, a comparação com o trabalho simples será ainda mais complicada: haverá que ter em conta a necessidade de incluir na avaliação do trabalho do engenheiro não só o trabalho empregado para a sua instrução, mas também o trabalho dedicado aos estudantes que não puderam terminar os seus estudos.
Se assim não fosse, o equilíbrio social romper-se-ia de novo: como é impossível prever, no momento de admissão às escolas superiores, quais os estudantes que vão terminar os estudos e chegar a ser bons engenheiros, «os alunos dedicar-se-ão a uma profissão na qual apenas a terça parte deles alcançará a meta, só se o aumento de valor dos produtos da profissão de que se trata compensa as perdas de trabalho inevitáveis, em certa medida»(2).
Seria um erro deduzir daqui que as obras de um pintor célebre se pagam caro porque o seu valor compreende o trabalho de muitos pintores que não chegaram a nada.
Também aconteceu que cada uma destas obras é única no seu estilo e não pode ser repetida. Ora bem, o valor duma mercadoria (produzida hoje ou há um ano, não importa) determina-se pelo trabalho necessário para a criar, ou mais exactamente, para a criar de novo nas condições actuais. O preço das mercadorias que não podem voltar a ser criadas, e cuja produção não se pode regular pela troca, não depende imediatamente do valor.
Portanto, o trabalho do engenheiro é ainda mais complexo que o do torneiro; mas pode, de qualquer modo, ser expresso em unidades de trabalho simples, tal como o trabalho do torneiro.
Esta redução do trabalho complexo ao trabalho simples não se faz antecipadamente nas oficinas das empresas ou noutra parte qualquer. Isto aconteceria num regime socialista, mas na sociedade capitalista, e em geral na economia baseada na troca, a redução de trabalho complexo a trabalho simples só se produz espontaneamente através da troca, por meio do valor.
É ao acaso e com rupturas constantes de equilíbrio que o valor do produto do trabalho qualificado se estabelece nestas sociedades, e só assim se efectua a redução do trabalho complexo em trabalho simples.
Notas de rodapé:
(1) Recordemos que, por agora, estamos a tratar duma economia mercantil simples, na qual o operário sem qualificação e o torneiro oferecem no mercado, eles próprios, o produto do seu trabalho. O valor do produto do trabalho do operário não especializado e do torneiro não deve confundir-se com o salário que estas duas classes de trabalhadores recebem num regime capitalista quando vendem, não o produto do seu trabalho, mas sim a sua força de trabalho. Já indicámos, e voltaremos a ele mais adiante, que o trabalho do operário é uma coisa e o valor da sua força de trabalho (e o seu preço, o salário) é outra. O salário do torneiro determina-se pela quantidade de produtos necessários à manutenção da sua força de trabalho, pelo número de torneiros sem trabalho, pela procura de mão-de-obra, etc. O mesmo acontece com o salário do operário sem qualificação. As relações entre um e outro podem ser muito diferentes das relações entre os valores dos produtos do seu trabalho. (retornar ao texto)
(2) ROUBINE, Ensaio sobre a teoria de Marx; LIOUBIMOV, Curso de Economia Política (em russo). (retornar ao texto)
Inclusão | 26/06/2018 |