Discurso aos Economistas

Evald Vasilievich Ilienkov

24 de Fevereiro de 1965


Fonte: Traduzido para o espanhol por Víctor Antonio Carrión Arias, a partir da versão publicada como anexo do livro A Dialética do Abstrato e do Concreto no Pensamento Científico e Teórico (1997), e publicado como parte do livro La Lógica Económica del Socialismo (2012). Essa tradução tem permissão da editora Edithor e do tradutor Víctor Antonio Carrión Arias. Disponível em russo no Lendo Ilienkov (Читая Ильенкова) [http://caute.ru/ilyenkov/].
Tradução do espanhol: Marcelo José de Souza e Silva(1)
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: Licença Creative Commons licenciado sob uma Licença Creative Commons.


1. Economia Política e Lógica

É inevitável que a economia política, tendo começado a reviver após a hibernação do período do culto à personalidade, tendia a contatos diretos com aquela que também começou a reviver após essa mesma hibernação, a Lógica. Não se pode dizer, é claro, que naquela época não houve mistura alguma entre a economia política e a lógica. Houve na época economistas suficientemente competentes no campo da Lógica, e houve lógicos suficientemente competentes no sentido da economia política.

Porém eles trabalharam, por assim dizer, em duas moradas diferentes, incomunicáveis entre si. Como resultado, a mistura dos produtos de seus esforços isolados só se obteve raramente, não sistematicamente; além disso, e isso é o mais importante, o produto de uns chegava aos outros somente através de vastos componentes “mediadores”; editores, jornalistas, funcionários e outras pessoas que não sabiam nem de economia política, nem de lógica.

Como resultado, as realizações dos economistas chegaram até a lógica com muito atraso, além disso, o que não é menos importante, com não poucas tergiversações de importância. E, é claro, o inverso, aos economistas chegou da lógica somente aquilo que já havia adquirido a solidez de um preconceito dentro da própria filosofia.

Em resumo, entre lógica e economia política existiam demasiados componentes mediadores, uma espécie de filtro, por trás e somente para uma fração do produto adjacente, e, além disso, nem sempre a melhor. Isso frearia tanto o desenvolvimento da lógica filosófica, quanto o da economia política.

Na pessoa de Marx tivemos a mistura do mais elevado da cultura filosófico-lógica com o mais elevado da cultura econômico-política. O Capital é o produto dessa mistura, sua síntese orgânica(2).

A mistura dessas duas qualidades em uma e mesma cabeça nós aguardamos, pelo visto, para quem sabe quando.

Já que essa síntese se pode obter com uma condição, ou a pessoa primeiramente domina a Lógica em toda sua extensão, e, em seguida, a economia política, ou, ao contrário, na ordem inversa, o economista competente deixa de lado por um tempo a economia política e se dedica à Lógica.

Porém, na medida em que o interior da lógica e o interior da economia política estão até o topo de disputas e divergências, e não existe atualmente essa “lógica” na qual seja possível o estudo sem risco, assim como o lógico não dispõem atualmente de uma economia política do socialismo, que possa considerar como a última palavra nesta ciência; é nessa mesma medida que se deve buscar outras vias.

Em O Capital, na verdade é realizada essa síntese da Lógica com a economia política por nós desejada. Parece, portanto, que é suficiente estudar muito bem O Capital como se de uma só vez se estudasse um e outro e, além disso, em sua confluência orgânica, sábia, e não formal.

Porém, na prática resulta que não é assim. Muitos economistas que conhecem perfeitamente – quase de memória – O Capital, devaneiam de imediato quando da simples exposição de O Capital se deve passar ao processo de aplicar seu método, ou seja, a análise de outro sistema de relações sociais entre pessoas, a saber, o socialista.

Aqui, lamentavelmente, resulta que com demasiada frequência o conhecimento formal de O Capital é um; e o entendimento do método nele aplicado, é uma questão muito, muito diferente.

Que essas duas coisas em essência são muito diferentes, não tenho que demonstrar, pois justamente a propósito disso é que precisamente se é traçada a fronteira das divergências entre sua cátedra e a escola de Kronrod-Ostrovitianov(3).

E isso se deve a que extrair a Lógica de O Capital e formulá-la de maneira isolada da armação econômico-político não é uma questão tão simples, como pode parecer à primeira vista.

Para fazer isso é necessário se colocar nesse ponto de vista, que em geral se localiza fora da economia política; e é naquele momento, em geral, que se cessa de ser economista no sentido preciso e rigoroso dessa palavra, dessa profissão, e ao mesmo material, se o olha a partir de outro ângulo.

(Justamente como não é possível girar a Terra com uma alavanca se não temos um ponto de apoio fora desta Terra, esse mesmo ponto de apoio que quis conseguir em certo momento Arquimedes...)(4)

Essa não é uma representação, nem somente uma analogia. Isso é assim na realidade.

Se por acaso conheces maravilhosamente O Capital, se se orienta por completo nele, no movimento de seus conceitos, serás um bom economista.

Porém, nunca, por maiores esforços intelectuais que tenhas chegará a ser capaz de diferenciar nele aqueles movimentos e giros de pensamento do investigador que são leis(5) lógico-universais em si, daqueles movimentos e giros que neste mesmo pensamento estão totalmente determinados pelas particularidades específicas dadas(6), e somente dadas pelo objeto, a saber, o capitalismo.

E é assim justamente porque O Capital é a Lógica em sua forma mais elevada, porém, não em sua forma geral, e sim em um caso particular de sua aplicação. Como se sabe, Marx não o escreveu em forma de Lógica em geral. Esta se manifesta somente ao ir avançando a solução, com sua ajuda, de uma tarefa em particular. Aqui ela é concretizada e corrigida, interpretada através das características especialmente específicas do capitalismo, como objeto particular de investigação.

Mas, então, nós imediatamente nos vemos forçados a postular e resolver problemas, que no sentido estrito não têm qualquer coisa em comum com a economia política como tal. Nos é necessário simplesmente esquecermos por um tempo da mesma.

É necessário por um tempo tornar-se um lógico. É necessário encontrar as soluções dos problemas lógicos puros, que não poderiam ser questionados em qualquer sistema teórico em particular. Nem economia política do socialismo, nem mecânica quântica.

O Capital pode servir aqui somente como caso de comprovação. Se encontramos nele o mesmo movimento do pensamento, que demanda a resolução geral do problema lógico-geral, isso será para nós garantia de que em O Capital compreendemos a lógica invariante e universal no movimento do pensamento, e não unicamente a desse movimento, que se explica totalmente a partir do específico do material em questão, nem pelo método de concretização da norma lógico-universal, que é específica somente para investigar o capital, e não é aplicável em qualquer outra parte(7).

Assim procedeu Marx(8), a propósito.

Antes de começar a minuciosa elaboração lógica da teoria do mais-valor, realizou uma enorme obra crítica em relação à lógica hegeliana. Quer dizer, resolveu um problema que não tinha, em geral, qualquer coisa com a economia-política no sentido estrito da palavra. (Embora tinha como objetivo a economia política como meta final de estudo).

Este problema em si, se formula da seguinte maneira: Como desenvolver a ciência? O que é ciência? Quais são as diferenças universais, quer dizer, formais, que tem o entendimento científico das coisas em relação ao não científico, ao pré-científico e ao pseudocientífico? Dos modos como essas coisas são compreendidas pela arte, religião e espírito prático.

Sem chegar a desenvolver uma argumentação detalhada, em minha opinião, é possível contudo estabelecer como fato fundamental que antes de abordar o trabalho crítico do desenvolvimento teórico na região da economia política, Marx se preocupou da Lógica. E essa Lógica foi desenvolvida pela vida da modificação crítica e materialista da concepção lógica hegeliana. O problema da Lógica de O Capital, de forma geral, foi, dessa maneira, resultado do modo independente e prévio à teoria econômico-política propriamente dita(9).

O Capital é Lógica aplicada, como em qualquer outra teoria. E aqui se aplicou uma teoria lógica do todo determinada, ou seja, a hegeliana transformada de modo crítico e materialista.

(É claro, nos detalhes esta continuou sendo aperfeiçoada ao longo de sua própria aplicação. Porém, de forma geral – isto é fundamental –, foi criada previamente a O Capital).

Porque falo disso por tanto tempo, porque insisto nisso? Devido a uma consideração que é fundamental.

Pela razão de que somente a partir desse ponto de vista é, em geral, possível ler seriamente O Capital, não com os olhos do economista, e sim com os olhos do lógico.

Porque somente a partir desse ponto de vista é possível, na própria estrutura de O Capital, identificar esses esquemas de movimento do pensamento investigador, que podem seguramente ser considerados lógicos – quer dizer, universais – que não vem ditados pelo material específico. Aquelas formas lógicas em si, que não somente podemos, mas sim devemos, “aplicar” à análise de qualquer outro material, seja esta economia política do socialismo, biológica ou mecânica quântica.

Caso contrário, vocês não teriam critério algum para discernir as exigências lógicas que se realizam em O Capital, de sua modificação peculiar no material especial da formação mercantil-capitalista.

Que se confunda umas pelas outras é muito fácil, isso observamos por si mesmos.

Muitos economistas raciocinam assim: certo, Marx em O Capital verdadeiramente foi do “abstrato ao concreto”, da forma pouco desenvolvida, celular das relações até aquelas ramificações diferenciadas, que crescem a partir desta, como de uma e mesma raiz comum a todas. Mas isso, até aqui, é somente a lógica do desenvolvimento das relações capitalistas-mercantis. Como tal, não é aplicável ao socialismo. Aqui, em vez, é necessário proceder de forma totalmente oposta, “do concreto ao abstrato” etc.(10)

Entretanto, estes casos – em particular a fundamentação do método de ascensão do abstrato ao concreto – foram desenvolvidas por Marx antes da criação de O Capital, e totalmente independente deste.

Foram desenvolvidos como resultado da interpretação da concepção hegeliana do pensamento, através dos princípios do materialismo.

Isso não foi resultado da interpretação desta Lógica através da assim chamada “especificidade do capitalismo”.

Por isso nem fundamentar, nem refutar a universalidade(11) destas diretrizes lógicas é competência da teoria econômico-política. Estas são completamente independentes tanto da economia política do capitalismo quanto da economia política do socialismo.

A economia política como tal pode refutá-las tão fácil como, por exemplo, o experimento químico refuta a teoria da seleção natural.

E se qualquer economista se manifesta contra este requerimento, de que, na verdade, a economia política do socialismo seja desenvolvida pelo método de ascensão do abstrato ao concreto, baseando-se em que a formação socialista é diferente da capitalista, isso somente mostra que, em geral, não compreende a Lógica, nem seu objeto, nem sua idoneidade.

O problema é totalmente diferente. Se a economia política do socialismo, até agora, parece que foi ainda diferente em tudo (a partir do ponto de vista da Lógica do desenvolvimento de seus conceitos, naturalmente) a O Capital então isso é tão somente o indicador de que até agora a mesma não teve tempo de se desenvolver no espírito dos princípios universais da lógica dialética marxista(12). Não significa qualquer coisa a mais.

Não é possível considerar esquemas teóricos isolados como caso de comprovação para a Lógica. Se surge uma contradição entre a Lógica e o esquema lógico de certa teoria em particular, então devemos dizer: é tanto pior para este esquema em particular, que não resiste inclusive a verificação formal.

É ainda mais inadmissível refutar a Lógica alegando um ou outro esquema em particular, que além disso seja logicamente-inculto(13), como faz, para citar um exemplo, Ostrovitianov.

Sim, suas ideias sobre o socialismo não desenvolveram o método de ascensão do abstrato ao concreto. A partir do ponto de vista da lógica isso quer dizer que, em geral, são ilógicas, ainda não estão dotadas inclusive do signo formalmente-puro do cientificismo, para não mencionar os signos mais profundos de uma teoria científica.

Naturalmente, não tenho possibilidade de falar em mais detalhes sobre aqueles critérios lógicos nos quais consiste o método de movimento a partir do abstrato ao concreto. Este não é o tema do discurso.

Contudo, em nome da lógica tenho completo direito a sustentar que na conformação do sistema genuíno de conceitos desenvolvidos de forma dialética, cada conceito (cada categoria) deve ser em si a modificação da categoria anterior, por assim dizer, sua mais concreta “hipóstase”(14), encarnação.

Se Marx desenvolve o dinheiro das mercadorias e a ganância assim como a renda do mais-valor, neles se expressa inteiramente, não somente e inclusive não tanto, o específico em geral do desenvolvimento dialético da realidade em geral, dado que estes são conceitos que reproduzem teoricamente esta realidade.(15)

Por isso se a economia política do socialismo, como teoria, ainda não se caracteriza por esta forma de desenvolvimento das categorias; então eu, como Lógico, tenho direito a tirar uma conclusão absolutamente categórica, esta não amadureceu até o nível lógico de O Capital.

É por isso que surgem justamente todas as dificuldades, é por isso que surgem todas as discussões.

A dificuldade é clara. Consiste em que devemos valorizar o único caso particular, sem nada com o que comparar e, contudo, determinar quais recursos só pertencem a este e quais a todos os outros casos, embora estes outros casos não os tenhamos no horizonte.

Quando temos pelo menos dois casos, então facilmente comparamos e encontramos a semelhança(16). Esta semelhança seria o “geral”, e o “desigual” se relacionaria ao particular em cada um dos mesmos.

Porém aqui, simplesmente não temos dois casos. Existe o único, no qual os recursos “gerais” só se deixam ver através de sua refração no particular, e não nos estão dados de forma isolada.

Porque não temos aqui dois casos? Porque não temos ainda a teoria que alcançou o nível superior de maturidade lógica que alcançou O Capital.

A teoria da economia política do socialismo, pelo menos, não é assim; ainda sonhamos com teoria semelhante. Não falarei das teorias das outras áreas; física, biologia etc. para não ofender o orgulho de físicos ou biólogos. A questão de saber se, a partir do ponto de vista da maturidade lógica do pensamento, elas alcançaram ou não o nível dado em O Capital, não seremos nós os juízes. Embora não resolveremos esta tarefa por via de abstrair o “idêntico”, o “geral” entre O Capital e qualquer outro sistema teórico.

Portanto, temos somente um caso de desdobramento lógico da teoria, a um nível que é inquestionavelmente superior; e neste devemos diferenciar os universais, os contornos lógicos do movimento do pensamento, daqueles a que se vê forçado este movimento somente em virtude do caso em particular, aqueles que junto a este caso pereceram.

Como proceder aqui? Como extrair o universal do caso único, sem qualquer coisa para comparar e confrontar?

Há aqui uma única via. Quer dizer, é necessário de início formular os problemas lógico-universais, de modo absolutamente independente de como eles se resolvem em O Capital; formulá-los em seu aspecto completamente geral e somente depois observar como precisamente são resolvidos estes problemas (porém, não de modo particular econômico) em O Capital. Dito de modo mais exato, que solução geral se pressupõe aqui na qualidade de condição para resolver os problemas particulares dados.

E se alguém não gostaria de desenvolver este método, fundamentando-se em que o socialismo, diferente do capitalismo, não se constrói espontaneamente e sim conscientemente, ou em que neste se sucedem as denominadas “reificações” das relações de produção etc., etc.; semelhante argumento é totalmente incompetente.

Pois a lógica de O Capital não se deduz do capitalismo, de sua especificidade, e sim de fundamentos muito mais amplos. Teoricamente da interpretação materialista da dialética; e historicamente da transformação criticamente materialista da lógica hegeliana.

Portanto, quem quiser refutar a universidade dos requerimentos desta Lógica, deve apelar não à especificidade do socialismo ou do capitalismo e sim argumentar no plano da dialética como teoria do conhecimento do marxismo; quer dizer, de uma maneira totalmente independente de como se entende a especificidade da forma capitalista, do processo biológico, ou a mecânica do movimento subatômico. Se deve passar da esfera da economia política à esfera de outra ciência, ou seja, a dialética materialista(17). Porém, essa ciência tem sua história, seus conceitos, seus fatos. (Coisa diferente é a “célula”. Esta, na verdade, é somente uma expressão representativa, não uma categoria lógica).

2. Nossa sociedade está amadurecida para a análise científica e teórica?

Um palestrante manifestou seu parecer de que não. Eu penso que aqui ele não está correto. E mais, penso que neste sentido nossa sociedade está passada(18), no sentido de que está cansada de esperar pela análise teórica e rigorosa das estruturas econômicas já conformadas, as categorias. Sua análise crítico-teórica nos é necessária como o pão, como o ar.

Eu, como palestrante, também penso que o socialismo, que nós temos que investigar a partir do ponto de vista de sua anatomia e fisiologia econômica, é somente a primeira fase do comunismo, neste sentido, por assim dizer, é “comunismo imaturo”. Isso, ao meu ver, é um axioma.

Mas justamente por isso, é impossível, na verdade, considerar o sistema de relações econômicas entre pessoas, chamado por nós “socialista”, como seu próprio tipo particular de “formação”, como a estrutura organizada rígida, ou, com mais precisão, como a estrutura que aspira a ser rígida, porém ainda não amadureceu até semelhante condição.

O que caracteriza – e em seu aspecto mais geral – a fase ou estado atual socialista de desenvolvimento da formação comunista?

Que o novo sistema, em formação, não teve tempo ainda de transformar organicamente toda a quantidade de relações de produção que herdou. [Por isso é que até agora se preservam em nossa economia...

3. Nossa sociedade amadureceu para a investigação científica e teórica?

Um palestrante explicou, embora na qualidade de tese hipotética, que nossa economia não amadureceu até o grau de que em sua investigação fosse possível implementar em pleno andamento o método, a lógica de O Capital.

Creio que neste ponto não está inteiramente correto.

Penso inclusive mais: isto é, nossa economia neste aspecto já está passada. Neste sentido, está cansada de esperar a análise teórica-rigorosa das estruturas econômicas já conformadas, as categorias(19). Creio inclusive que nesta análise estamos atrasados, e que o “imaturo” não é a economia, e sim justamente o contrário, seu retrato teórico.

Consinto totalmente com o palestrante, em que o socialismo em nenhum caso pode ser considerado como uma formação particular, como um organismo em si já consumado em seu seio, análogo ao mercantil-capitalista.

O socialismo é somente a primeira fase do comunismo, e neste sentido é “comunismo imaturo”.

O que caracteriza principalmente, em seu aspecto mais geral, a fase atual, socialismo, de desenvolvimento?

Em que o sistema novo, em formação, ainda não teve tempo de transformar organicamente toda a quantidade de relações de produção que herdou ao nascer(20), na qualidade de soma de premissas, de premissas históricas.

E na medida em que, como bem afirmou o palestrante, o método de Marx obriga a distinguir rigorosamente as premissas históricas do processo de formação do sistema das condições internas de sua evolução e funcionamento, é na mesma medida em que já é necessário praticar aqui essa diferenciação.

O quadro disponível, empírico, de nossa economia, embora ainda não desvelado pela visão teórica, nos apresenta em si um entrelaçamento muito complicado de formas muito diferentes de relações econômicas, que atuam entre si de modo recíproco de maneiras muito confusas.

A questão é que nossa economia, no processo de construir sua estrutura específica, sua articulação(21) interna (a qual devemos expor pela via da análise), também “permitem simultaneamente compreender a organização e as relações de produção de todas as formas de sociedade desaparecidas, com cujos escombros e elementos edificou-se, parte dos quais ainda carrega consigo como resíduos não superados, parte [que] nela se desenvolvem de meros indícios em significações plenas etc.”(22).

Certamente, na “fase socialista” de sua evolução, o comunismo continua preservando (“carrega consigo”) as relações mercantis-monetárias. Além disso, as formas de relações entre pessoas que são próprias e imanentes, aqui aparecem sob a máscara das relações mercantis-monetárias e, inclusive, encontram nessa máscara sua expressão formal, juridicamente legitimada.

Dessa maneira, aqueles contornos genuínos de nossa economia, os quais justamente estamos obrigados a expor pela via da análise, na aparência aparecem com uma forma inadequada, com a forma de valor.

Dessa maneira, as formas da organização comunista do trabalho social, essas mesmas formas de relações entre pessoas, que o palestrante qualificou de “essência” (esse quadro que nos é dado empiricamente), não se chega a lugar algum “adiante”, nem em algum momento do “futuro” mais ou menos distante, e sim que já estão aqui, na forma dinheiro de nossa economia.

Além do mais, é aqui que devem ser expostas pela via da análise, e ser depuradas das formas de expressão inadequadas pelo poder da abstração.

Em todas as formas de sociedade, é uma determinada produção e suas correspondentes relações que estabelecem a posição e a influência das demais produções e suas respectivas relações. É uma iluminação universal em que todas as demais cores estão imersas e que as modifica em sua particularidade. É um éter particular que determina o peso específico de toda existência que nele se manifesta.(23)

Nossa sociedade também possui este “éter”, uma esfera de produção tal, cuja organização interna “define”(24) todas as outras esferas da produção e categorias, a classificação e influência que expressa sua organização.

Desta forma, se inicia a análise teórica de nossa economia, necessariamente a partir da análise da articulação interna, da organização ou estrutura interna, dessa esfera da produção (e somente essa!), que previamente a todas as demais (prévia tanto lógica como historicamente) institui dentro de si a organização comunista do trabalho, e que a sua imagem inicia a transformação de todas as restantes esferas da produção social.

Podem argumentar que em nossa economia não existe ainda uma esfera da produção cuja organização interna seja um quadro “puro” da organização comunista do trabalho. Sem dúvida, não encontraremos uma forma estéril-pura. Se assim fosse, então não seria necessário a análise geral e teórica.

E, contudo, em nossa economia existe tal esfera da produção, cuja organização interna cristaliza já, sem dúvida, em seus contornos mais gerais e fundamentais a forma de relações entre pessoas, que a teoria de Marx denomina de comunista. No sentido mais rigoroso e exato deste conceito.

(Somente assim o “comunismo” pode ser entendido, não como o entendiam os utópicos, não como esse “ideal”, essa realização que relacionavam com algum lugar no futuro esplendoroso mais ou menos distante, e sim como o entendiam Marx e Engels, como o movimento real, a solução de hoje das contradições existentes. O comunismo é o modo determinado de resolução real das contradições, que amadureceram nas entranhas da sociedade mercantil-capitalista burguesa, e não é outra coisa. Veja A Ideologia Alemã(25).

V. I. Lenin sempre partiu justamente de tal entendimento do comunismo ou da organização comunista do trabalho social).

O trabalho está unido na Rússia (note que isso foi dito em 1919!) segundo o princípio comunista porquanto, primeiro, está abolida a propriedade privada dos meios de produção e, segundo, porquanto o poder de Estado proletário organiza à escala nacional a grande produção nas terras estatais e nas empresas estatais, distribui a mão-de-obra entre os diferentes ramos da economia e entre as empresas, distribui entre os trabalhadores grandes quantidades de artigos de consumo pertencentes ao Estado.(26)

Isso, aqui enumerado, é, na verdade, a mais geral, mais abstrata e mais simples forma de organização comunista do trabalho. Sua articulação interna deve ser analisada, expressa em categorias especiais, prescindindo rigorosamente de tudo aqui que não se relacione com o compreendido nas determinações imanentes desta forma simples, geral e abstrata.

E, em primeiro lugar, é necessário abstrair aqui, sem rodeios e rigorosamente, todos aqueles momentos que estão ligados historicamente e de fato com a questão da forma valor.

Esta forma não só não tem qualquer coisa em comum com a organização comunista do trabalho social, mas também representa seu rival e antagonista, embora no quadro empírico ambas se entrelacem de um modo tão íntimo, como o fazem dois lutadores na arena do circo, e embora a forma comunista de organização do trabalho social, inclusive por certo tempo (e até o presente), atua sob as roupagens do valor.(27)

Aqui, na verdade, tal aparência cria, segundo o meu parecer, o fundamento básico para a confusão, para mesclar as formas econômicas reais com o prescrito de maneira jurídico formal.

Em outras palavras, para confundir aquelas leis objetivas, as quais regem – queiramos ou não – nossa economia, com essas categorias que existem em seu corpo em virtude de nossa graça, compreendido nele também nossa própria estupidez.

E, de outro modo, que não seja pelo método de ascensão do abstrato ao concreto, ao que parece, é impossível diferenciar umas das outras.

Pelo caminho contrário só é possível dar uma descrição mais ou menos fiel das categorias empiricamente evidentes, que se formaram historicamente em nosso país, tais como o “imposto de circulação”, “produção bruta”(28), “contrato de prêmios no sistema de remuneração” etc., etc.

Nisso, me parece, o palestrante se permitiu uma imprecisão fundamental. Tenho em consideração o ponto 39 de seu informe:

[...] ainda não amadureceu o comunismo, o que prevalecerá no estudo das relações econômicas contemporâneas nos países socialistas será o movimento do conhecimento a partir do geral ao particular, a partir do complexo ao simples, a partir do fenômeno à essência.

Se incrementará em grande medida o valor e o papel do método de ascensão na medida em que se chega à conclusão da construção do comunismo, e quando a formação comunista amadurecer no fundamental, iniciará na economia política do comunismo a supremacia do método de ascensão do abstrato ao concreto, do simples ao complexo, até então a exposição dos resultados das investigações, nos manuais não começará a partir do simples, e sim a partir da relação principal determinante (p. 18).

(E mais isso: “esta última não coincide com a primeira, como não coincide a contradição do valor de uso e valor (forma concreta definida) com a contradição entre o caráter social da produção e a forma privada de apropriação [...]”).

A distinção aqui formulada entre a “relação mais simples” do sistema e “a relação principal determinante” do mesmo sistema, para mim, não é de todo clara.

Se queremos sucessivamente, passo a passo, reproduzir teoricamente, expressar no movimento de conceitos e categorias a lógica objetiva do devir(29) e construção de nosso sistema econômico, devemos tomar na qualidade de “sua determinação mais simples” justamente a relação “principal determinante” deste sistema.

Ou seja, partir da forma imanente puramente comunista da organização do trabalho social, completamente depurada pelo poder da abstração de todas suas roupagens de valor, para aí mover ao entendimento daqueles fenômenos que se observam na aparência empírica de nossa economia.(30)

Só então teremos um critério preciso para distinguir aquelas formas de nossa economia que estão inseparavelmente vinculadas com a forma social de apropriação, daqueles fenômenos jurídicos, que podem ser isso ou podem ser aquilo.

E é nisso que se faz impossível que a forma social de apropriação, em outras palavras, o trabalho diretamente social, o trabalho comunista socializado, com as formas de sua organização, está em uma situação de irreconciliável antinomia com a forma valor, e, consequentemente, com todas as categorias derivadas da mesma.

Devemos simplesmente prescindir de todas elas.

E isso se deve justamente a que o primeiro passo – ou seja, a socialização da grande indústria – é a liquidação, a negação da forma valor como regulador principal, é a transformação do “valor” (em vista de que este ainda sobrevive) em momento secundário, formal.

Na verdade, o “valor” não é simplesmente a mercadoria “unilateral”, nem o simples “predicado” do produto do trabalho que junta seu “valor de uso”(31).

O valor caracteriza não só e não tanto isso.

A expressão do valor está caracterizada especificamente pelo “giro”, graças ao qual “o concretamente sensorial surge somente como uma forma de manifestação do abstratamente universal, e não, inversamente, o abstratamente universal como uma das propriedades do concreto”(32). A isso se reduz, na verdade, todo o misticismo da “forma mercadoria”, sua característica inalienável.

Por isso aqui o movimento dos valores de uso reais entra em cena como algo derivado do movimento do valor, e é justamente o “valor” e não o “valor de uso” o que nos aparece aqui como sujeito do processo, como “sujeito em processo”(33).

E este “sujeito em processo” na realidade age, como mostra Marx, na forma de capital industrial.

(“Aqueles que acham que atribuir ao valor existência independente é mera abstração esquecem que o movimento do capital industrial é essa abstração como realidade operante (in actu). O valor percorre aqui diversas formas, efetua diversos movimentos em que se mantém e ao mesmo tempo aumenta, acresce”(34)).

A socialização do capital industrial – o primeiro ato da revolução socialista – liquida justamente atribuir ao valor existência independente(35).

O valor novamente é reduzido(36) de “sujeito” de todo o processo econômico a “predicado” abstrato do produto do trabalho, e o produto do trabalho = valor de uso real = novamente torna-se sujeito.

Por isso a propriedade social dos meios e do produto do trabalho pressupõem que a sociedade (representada no início na pessoa dos órgãos estatais) ganha com a possibilidade de olhar o movimento dos valores de uso com os olhos descobertos, e não através dos óculos invertidos da forma valor. Aqui, pela primeira vez, se deixa ver a possibilidade de medir e distribuir as horas de trabalho diretamente, e não com rodeios, não através do “valor”(37).

Por isso, naquelas esferas da produção onde as forças produtivas realmente estão socializadas, o valor se reduz realmente a um momento puramente formal, que só se reflete na linguagem, porém de forma alguma regula o movimento dos valores de uso e a inversão do trabalho, ou a proporção em que se distribuem as horas de trabalho.(38)

No socialismo, contudo, teremos duas medidas do trabalho socialmente necessário. Uma, a principal, que é adequada ao trabalho socializado, são as horas de trabalho, requeridas nas condições dadas para criar a unidade do produto, o valor de uso.(39)

A outra é o “valor”, a via indireta de medição daquelas mesmas magnitudes.

Entre as mesmas, de uma forma contínua, se apresentam divergências, contradições. E estas não podem deixar de surgir, não se devem à incapacidade para o cálculo, e sim à própria forma valor.

Pois o “valor” (com todas as suas modificações, com todas as suas categorias derivadas) é o feto e instrumento da produção de mercadorias, quer dizer, dessa organização da produção, onde os elos separados da divisão do trabalho são independentes uns dos outros.

Onde o trabalho não tem natureza diretamente social, e onde a unidade do organismo econômico somente se realiza em retrospectiva.

Se não se dá essa condição, não existe nem mercadoria em geral, nem existe o fato da transformação do trabalho do trabalho, valor de uso, em mercadoria, em valor.

Em outras palavras, onde o trabalho está diretamente socializado, foi quebrada qualquer necessidade de recorrer aos serviços do famoso valor. Surge a possibilidade de medir o trabalho socialmente necessário sem rodeios nas unidades de tempo deste trabalho.

E é aqui, neste ponto chave e muito importante, prestam um mal serviço, em minha opinião, a nossa teoria e prática, aqueles economistas que conscientemente estragam a teoria marxiana do valor com o cálculo de que esta penetre sem contradições (e, por isso mesmo, sem uma análise) na prática da construção do socialismo em nosso país.

Estes economistas gastam muita energia para demonstrar o indemonstrável, que o valor (o que este é e todas as formas derivadas do mesmo) “é imanente às relações socialistas de produção” e que a “produção socialista em sua totalidade é produção de mercadorias”.

O mais consequente de todos é J. A. Kronrod.

Ele sustenta que a produção de mercadorias em “conjunto com as categorias que a expressam, não é introduzida de fora, nem engendrada por relações sociais ‘imaturas’. É internamente própria ao desenvolvimento, passo a passo das relações socialistas de produção(40).

Se é assim, a estrutura de nosso sistema econômico encontra sua expressão teórica nas categorias, geneticamente vinculadas com o valor, tais como “autogestão financeira”(41), “imposto de circulação”, “salário”, “produção bruta” e similares. O sistema de semelhantes categorias deveria, em um caso assim, expressar a anatomia e fisiologia genuína de nossa economia. Isso é o lógico.

Porém, nesse caso, toda a tarefa do economistas-teórico se reduz simplesmente à regulamentação formal-escolástica do consumado, àquelas formas de calcular valores, que por uma ou outra razão se estabeleceram e legalizaram hoje em dia.

Toma elas nesse mesmo aspecto em que as encontra no empírico, e as corrige em uma ordem formal, em um “sistema”(42).

Como é bem conhecido, Marx demonstrou que na mercadoria, quer dizer, no valor, somente se transforma o produto do trabalho de produtores (privados) independentes uns aos outros. Se não existe essa condição, não existem as mercadorias em si, o produto não se transforma em mercadoria. Por isso, o “trabalho diretamente social”, no sentido dado por Marx, exclui por princípio a própria possibilidade do valor.

Em outras palavras, ali onde o trabalho está realmente socializado, não existe o valor, nem pode existir.

E vice-versa, o valor existe ali onde o trabalho ainda não foi socializado, ali onde o processo de socialização comunista ainda não teve tempo de ser concluído. Por isso a própria existência do valor é para os marxistas o índice preciso da existência na divisão social do trabalho de elos particulares isolados, um índice de que o processo de socialização ainda não teve tempo de converter as formas de divisão do trabalho que lhe deixou a história, ou, com mais exatidão, essas formas de unificação de uns aos outros elos autônomos, privados e independentes e que constituem a economia nacional.

Estes elos ainda não temos tido tempo de socializar à maneira comunista, e é justamente por isso que nos vemos obrigados a unifica-los com a ajuda do valor.

Porém, como J. A. Kronrod declara que o “valor” é a “expressão adequada da natureza diretamente social do trabalho”, se vê constrangido a declarar que sob as condições do socialismo a forma valor carece de todas aquelas contradições insolúveis, que a análise de Marx expor nesta forma.

Enquanto sob as condições do capitalismo o “valor” não se evidencia como instrumento preciso de medição do gasto socialmente necessário de trabalho e leva a todo gênero de contradições, crises etc.

Temos aqui que sob as condições do socialismo o valor vem a ser o mais maravilhoso e preciso índice e instrumento de organização do trabalho.

É justamente por isso que J. A. Kronrod declara que a teoria do valor exposta nos primeiros capítulos de O Capital, foi qualitativamente desmentida “pela prática da construção do socialismo em nosso país”.

Declara textualmente o seguinte:.

Marx, na verdade, errou “ao supor” que somente os produtos de trabalhos privados, mais ou menos independentes uns dos outros, podem, em geral, se transformar em mercadorias, em valor.

Ele considera que “a prática do socialismo dá seu testemunho contra a conclusão dada por Marx”, e que o “valor” demonstrou aqui que é capaz de ser a “expressão adequada” do trabalho diretamente social.(43)

Resulta, ainda, que aqui, no lugar de proceder à análise concreta, que parte das categorias da economia mercantil quando estas se precipitam no processo do devir da formação comunista e que em seus primeiros anos são transformadas nos “órgãos, dos quais esse sistema ainda carece”, J. A. Kronrod começa a retificar (na verdade, a estragar) essas determinações da mercadoria e do valor, que Marx elaborou.

Ele corrige e com um cálculo tal como para que todas estas penetrem sem contradições (ou o que é a mesma coisa, sem análise) na “prática do socialismo”. Resumindo, que toda a “prática do socialismo” se expresse sem contradições por meio de categorias que, por princípio, lhe são alheias, e que expressam a medida da imaturidade da formação comunista e desaparecem junto com os passos verdadeiros em direção à socialização real (e não somente formal) do trabalho.

Por isso os economistas do tipo de Kronrod permanecem terrivelmente cegos aqueles paradoxos que, a cada momento, se manifestam na expressão do valor dos processos reais de contínua socialização de nossa economia nacional.

Tenho em consideração, por exemplo, o seguinte:

- Pânico: um CEN(44) durante uma noite perdeu 3 mil milhões de rublos em renda bruta. O que aconteceu? Muito simples, TRÊS empresas que anteriormente já constituíam um complexo tecnológico único, foram unificadas em uma única “unidade” econômica, passou a considera-las como uma e não como três “empresas”.

Porém, a renda bruta, como se sabe, se mede pela soma da produção bruta das empresas. Embora houvessem 3, se contava duas vezes uma e a mesma soma.

Este é um processo de socialização real da produção que aparece como perda em sua expressão valor.

“Imposto de circulação”. O que é isso? A forma de redistribuição dos rendimentos espontaneamente formados. Em tempos da NPE(45), isso era compreensível. Porém, porque agora?

E isso, o que significa? Que a partir das formas de organização do trabalho socializado, esta forma não se deduz de modo algum, é meramente uma relíquia que chegou até nossos dias, uma forma de redistribuição herdada por tradição, somente necessária naquelas condições, quando junto ao trabalho socializado coexiste ainda uma enorme esfera de empresas privadas, comércios etc. com sua distribuição mercantil, espontânea de rendimentos.

Porém, no presente, o próprio fundamento desapareceu embora a “forma” se mantenha.

Tomemos pelo menos o jornal de ontem...


Notas de rodapé:

(1) Possui graduação em farmácia pela UFPR e é mestre em educação pela UFPR. Participa dos Grupos de Pesquisa: Núcleo de Pesquisa Educação e Marxismo (NUPE-Marx/UFPR), na linha Trabalho, Tecnologia e Educação; e Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva (NESC/UFPR), na linha Estudos Marxistas em Saúde. Contato: marcelojss @ gmail.com (retornar ao texto)

(2) [“Não se pode compreender plenamente O Capital de Marx, e particularmente o seu primeiro capítulo, sem ter estudado e compreendido toda a Lógica de Hegel” (Vladimir Ilitch Lenin. Cadernos Sobre a Dialética de Hegel. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2011, p. 157). – M.S.] (retornar ao texto)

(3) [No início da década de 1960 se perfilaram claramente duas tendências entre os economistas soviéticos: os mercantilistas, cujos principais centros de ação foram o Instituto de Economia da Academia de Ciências da U.R.S.S. (seus representantes mais conhecidos foram Konstantin Vasilievich Ostrovitianov e Jacob Abramovich Kronrod) e a Universidade Estatal de Jarkov (veja a obra de Ovsiy Hrihorovich Liberman) e os antimercantilistas, cujos núcleos principais foram a Faculdade de Economia da Universidade Estatal de Moscou (escola de pensamento de Nikolai Alexandrovich Tzagolov) e a Universidade Econômica Estatal de Odessa (liderada por Anatoli Karpovich Pokritan) – Edithor] (retornar ao texto)

(4) [Arquimedes estabeleceu de forma geral as leis da alavanca, se se tem uma alavanca em cujos extremos atuam pesos iguais, a alavanca se equilibrará colocando o ponto de apoio no meio dela, e um peso pode ser decomposto em duas metades agindo em distancias iguais do ponto médio da alavanca. Segundo uma citação de Pappus de Alexandria, Arquimedes resumiu este princípio na frase “me dê um ponto de apoio e levantarei o mundo” – Edithor] (retornar ao texto)

(5) [No original закономерности: lei, conformidade com a lei, regularidade, normalidade – V.A.] (retornar ao texto)

(6) [No original данного: dado, atual, presente, em questão – V.A.] (retornar ao texto)

(7) [“A concepção de um conceito universal subjacente a todo o sistema de categorias da ciência, aplicado aqui por Marx, não pode ser explicado pela especificidade do assunto da economia política. Ela reflete a lei dialética universal do desvelamento de qualquer concreticidade objetiva – natural, sócio-histórica ou espiritual” (E. V. Ilienkov. A Dialética do Abstrato e do Concreto em O Capital de Karl Marx, capítulo 5, item 1) – M.S.] (retornar ao texto)

(8) [Essa linha também poderia traduzir-se como “Assim, conscientemente, procedeu Marx” ou também “Assim, voluntariamente, procedeu Marx” – V.A.] (retornar ao texto)

(9) [“Poderia também ser apontado que a crítica construtiva de teorias prévias – um momento necessário da elaboração teórica dos problemas científicos de nossos tempos – assume que criticamente assimilado é o material teórico (mental) de melhor qualidade, os verdadeiros melhores modelos da compreensão teórica da realidade que aparece no caso dado como o objeto da atenção e investigação” (E. V. Ilienkov. A Dialética do Abstrato e do Concreto em O Capital de Karl Marx, capítulo 3, item 4). – M.S.] (retornar ao texto)

(10) [“É aí que reside o significado profundamente dialético da proposição de Marx que é exatamente a ascensão do abstrato ao concreto que constitui um traço especificamente inerente no processo teórico e é o único possível e assim o único modo cientificamente correto de desenvolvimento de definições científicas, um modo de transformação de dados da contemplação viva e noção em conceitos” (E. V. Ilienkov. A Dialética do Abstrato e do Concreto em O Capital de Karl Marx, capítulo 3, item 1). – M.S.] (retornar ao texto)

(11) [No original всеобщность: universalidade, generalidade – V.A.] (retornar ao texto)

(12) [No original всеобщих принципов марксистской диалектической логики – V.A.] (retornar ao texto)

(13) [No original логически-неразработанную – V.A.] (retornar ao texto)

(14) [Hipostasiar é tornar algo uma substância, ou fazer de algo, falsamente, uma substância. – M.S.] (retornar ao texto)

(15) [“O desenvolvimento lógico das categorias, na forma pela qual a construção do sistema de ciência é completada, deve coincidir com o desenvolvimento histórico do objeto, da mesma maneira que o reflexo coincide com aquilo que é refletido. A própria sequência das categorias deve reproduzir a sequência histórica real na qual o objeto de investigação e sua estrutura são formados” (E. V. Ilienkov. A Dialética do Abstrato e do Concreto em O Capital de Karl Marx, capítulo 4, item 3). – M.S.] (retornar ao texto)

(16) [No original одинаковое – V.A.] (retornar ao texto)

(17) [No original материалистической диалектики – V.A.] (retornar ao texto)

(18) [No original перезрело: passado, ou seja, “passado do tempo” ou “passado de anos”, no sentido de “maduro demais” – V.A.] (retornar ao texto)

(19) [“[...] os homens, que produzem as relações sociais em conformidade com a sua produtividade material, produzem também as ideias, as categorias, isto é, as expressões abstractas ideais [idéelles] dessas mesmas relações sociais. Assim, as categorias são tão pouco eternas quanto as relações que exprimem” (Karl Marx. Carta a Pável V. Annenkov (em Paris). 1846). “Cada uma dessas categorias reflete uma formação ou fenômeno econômico bastante concreto, e, ao mesmo tempo, cada uma delas reflete uma realidade que é meramente uma implementação unilateral (abstrata) daquele todo do qual é uma parte integral, sendo um momento em desaparecimento no movimento desse todo, sua manifestação abstrata” (E. V. Ilienkov. A Dialética do Abstrato e do Concreto em O Capital de Karl Marx, capítulo 5, item 4). – M.S.] (retornar ao texto)

(20) [No original которая ею унаследована при рождении: essa frase pode ser interpretada também como “que herdou ao ser engendrado” – V.A.] (retornar ao texto)

(21) [No original членения: divisão em partes (elementos) – V.A.] (retornar ao texto)

(22) Karl Marx. Grundrisse - Manuscritos Econômicos de 1857-1858: Esboços da Crítica da Economia Política. São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2011, p. 58. (retornar ao texto)

(23) Karl Marx. Grundrisse - Manuscritos Econômicos de 1857-1858: Esboços da Crítica da Economia Política. São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2011, p. 59. (retornar ao texto)

(24) [No original определяет – V.A.] (retornar ao texto)

(25) [“Chegou-se a tal ponto, portanto, que os indivíduos devem apropriar-se da totalidade existente de forças produtivas, não apenas para chegar à autoatividade, mas simplesmente para assegurar a sua existência” (Karl Marx e Friedrich Engels. A Ideologia Alemã: Crítica da mais recente filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas (1845-1846). São Paulo: Boitempo, 2007, p. x). – M.S.] (retornar ao texto)

(26) Vladimir Ilitch Lenine. A Economia e a Política na Época da Ditadura do Proletariado. In: Obras Escolhidas t. 3. 2.ed. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 2004, p. 203. (retornar ao texto)

(27) [“Teoricamente, não há dúvidas de que entre o capitalismo e o comunismo existe um certo período de transição. Ele não pode deixar de reunir em si os traços ou as propriedades de ambos estes regimes de economia social. Este período de transição não pode deixar de ser um período de luta entre o capitalismo agonizante e o comunismo nascente; ou, por outras palavras, entre o capitalismo vencido, mas não aniquilado, e o comunismo já nascido, mas ainda muito débil” (Vladimir Ilitch Lenine. A Economia e a Política na Época da Ditadura do Proletariado. In: Obras Escolhidas t. 3. 2.ed. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 2004, p. 202). – M.S.] (retornar ao texto)

(28) [Seguindo uma tendência normal no idioma russo de usar contradições ou abreviações, вал, no jargão econômico dos tempos soviéticos era a abreviação de валовая продукция, que significa literalmente: produção global, total ou bruta – V.A.] (retornar ao texto)

(29) [No original становления: “processo de formação” e “devir” – V.A.] (retornar ao texto)

(30) [No Curso de Economia Política, escrito sob a direção de N. Tsagolov em 1973, e que sintetiza os pontos de vista da tendência anti-mercantilista, se afirma: “Por isso para expor o conteúdo particular da planificação, o mais importante é elucidar as diferenças que por princípio existem entre a planificação como forma universal do movimento do modo socialista de produção e a mercadoria como forma universal de movimento do modo capitalista de produção. A forma universal de movimento do modo de produção surge tanto lógica quanto historicamente na qualidade de relação primeira” (Nikolai Aleksandrovich Tsagolov (editor). Curso de Economia Política, t. 2. Moscou, 1973, p. 97). – V.A.] (retornar ao texto)

(31) [Esta última frase também poderia ser traduzida assim: “nem simples ‘predicado’ do produto do trabalho ao serviço de seu ‘valor de uso’” – V.A.] (retornar ao texto)

(32) Karl Marx. O Capital, t. 1. Hamburg, 1867, p. 771 [da edição alemã – M.S.]. (retornar ao texto)

(33) [Na expressão russa diz саморазвивающийся субъект, que literalmente pode ser traduzido como “sujeito se automultiplicando” ou “sujeito se autodesenvolvendo”, esta é uma expressão tomada por Ilienkov da tradução russa de O Capital de Marx. Na versão de Pedro Scaron consta a expressão “em processo” o que em russo se traduz como саморазвивающийся. Na tradução de O Capital realizada por Florial Mazía a mesma passagem consta como “motriz em si mesma” – V.A.] [Na edição de O Capital da editora Boitempo também utiliza-se processo: “Na verdade, porém, o valor se torna, aqui, o sujeito de um processo em que ele, por debaixo de sua constante variação de forma, aparecendo ora como dinheiro, ora como mercadoria, altera sua própria grandeza e, como mais-valor, repele [abstösst] a si mesmo como valor originário, valoriza a si mesmo” (Karl Marx. O Capital: Crítica da Economia Política. Livro I: O Processo de Produção do Capital. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 230). – M.S.] (retornar ao texto)

(34) [Karl Marx. O Capital: Crítica da Economia Política. Livro II: O Processo de Circulação do Capital. 13.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011, p. 120 – M.S.] (retornar ao texto)

(35) [Em russo, essa expressão de Marx foi traduzida como самостоятельное существование стоимости, literalmente “existência independentemente do valor”, contudo, as traduções castelhanas do texto de Marx, em particular a publicada pela editora Siglo XXI, realizada por Pedro Scaron, coloca “autonomização do valor” – V.A.] [Na tradução de Reginaldo Sant’Anna da editora Civilização Brasileira é utilizada a expressão “atribuir ao valor existência independente” – M.S.] (retornar ao texto)

(36) [No original превращается: transformar, metamorfosear, reduzir – V.A.] (retornar ao texto)

(37) [“A troca direta de mercadoria por mercadoria não pode expressar a medida socialmente necessária do custo do trabalho em várias esferas da produção social” (E. V. Ilienkov. A Dialética do Abstrato e do Concreto em O Capital de Karl Marx, capítulo 5, item 4). – M.S.] (retornar ao texto)

(38) [No Curso de Economia Política, citado anteriormente, se faz a seguinte formulação sobre esta problemática: “A organização planificada da economia social estipula um caráter específico ao movimento do modo socialista (comunista) de produção e isso significa que todos os processos econômicos se realizam sob o esboço premeditado do plano social, que cumpre o papel de harmonizar e coordenar a atividade de todos os membros da sociedade, de todos os elos produtivos... Neste sentido, a planificação se constitui na forma universal do modo de produção socialista. E, como tal, age como a síntese da mercadoria na qualidade de forma universal de movimento do modo de produção capitalista” (Nikolai Aleksandrovich Tsagolov (editor). Curso de Economia Política, t. 2. Moscou, 1973, p. 97). – V.A.] (retornar ao texto)

(39) [Sobre essa questão, no Curso de Economia Política, acima mencionado se afirma: “A sociedade, ao fazer uso da lei da planificação, cria um programa de produção em concordância com as necessidades de mudanças e, orientado a esse objetivo, distribui a escala social o tempo de trabalho entre os ramos distintos da produção” (Nikolai Aleksandrovich Tsagolov (editor). Curso de Economia Política, t. 2. Moscou, 1973, p. 105). – V.A.] (retornar ao texto)

(40) J. A. Kronrod (Org.). Закон стоимости и его использование в народном хозяйстве СССР [A Lei do Valor e sua Utilização na Economia da URSS]. Moscou: Editora do Estado de Literatura Política, 1959, p. 142. [O livro citado por Ilienkov é o compêndio de um debate científico importante realizado em 1958. Neste volume se incluem as transcrições das apresentações e intervenções dos mais prestigiosos economistas soviéticos da época. O objeto de discussão, como explica J. A. Kronrod no prefácio, eram “as relações recíprocas entre as MTS (Estações de Máquinas e Tratores) com as fazendas coletivas (colcoses) e a formação dos preços na produção agrícola. – V.A.] (retornar ao texto)

(41) [O termo хозрасчет, como muitos outros em russo, é uma contração de palavras, neste caso, de “cálculo econômico” (жозяйственный расчёт), embora coloquialmente tenha outros matizes na tradução russo-castelhana: autogestão financeira, autofinanciamento, autonomia econômica, independência comercial. No mundo anglo-saxão, às vezes o termo se traduz como “probabilidade de perda e ganho”. – V.A.] (retornar ao texto)

(42) [“Neopositivistas reduzem o problema de definir o conceito ao estabelecimento de significado de um termo em um sistema de termos construído de acordo com regras formais, e a questão da correspondência entre definições do conceito e seu objeto existindo fora e independentemente da consciência, isto é, a partir da definição, é assim eliminado em geral” (E. V. Ilienkov. A Dialética do Abstrato e do Concreto em O Capital de Karl Marx, capítulo 1, item 4). – M.S.] (retornar ao texto)

(43) J. A. Kronrod (Org.). Закон стоимости и его использование в народном хозяйстве СССР [A Lei do Valor e sua Utilização na Economia da URSS]. Moscou: Editora do Estado de Literatura Política, 1959, p. 159. [A passagem aludida por Ilienkov forma parte da segunda seção do volume do livro A Lei do Valor e sua Utilização na Economia da URSS, designado com o ponto: Discursos sobre o problema da produção mercantil e a utilização da lei do valor no socialismo, no qual constam as intervenções de 20 economistas, entre eles J. A. Kronrod, que na página 159, escreve: “Marx acreditava que ‘somente os produtos de trabalhos privados autônomos, reciprocamente independentes, se enfrentam entre si como mercadorias’. A experiência do socialismo atestou que a mercadoria se manifesta como a forma econômica do produto do trabalho, que é adequada não somente aos trabalhos privados independentes. A forma mercadoria corresponde a um novo conteúdo que são os trabalhos unificados ao modo socialista”. Mais adiante, na página 166, escreve: “Nas condições do socialismo a lei do valor expressa os vínculos, próprias das relações sociais de produção socialistas. Esta não age como força fundamental e decisiva que determina a proporção da reprodução socialista ou como reguladora da produção. Tal papel cumpre a lei econômica fundamental do socialismo. A lei do valor serve à indispensável distribuição planificada do trabalho em forma de valor, que se condiciona, em cada momento dado, à base do nível de desenvolvimento alcançado pela sociedade socialista (forças produtivas e relações de produção), ao sistema de relação mútua de suas necessidades sociais, que são controladas pelas leis econômicas específicas do socialismo. É justamente por isso que a lei do valor é utilizada pelo estado como uma de suas ferramentas para alcançar a distribuição ótima do trabalho vivo e morto no processo de reprodução”. – V.A.] (retornar ao texto)

(44) [Conselho de Economia Nacional – V.A.] (retornar ao texto)

(45) [Nova Política Econômica: realizado na União Soviética na década de 1920, substituindo a política do "comunismo de guerra" realizada durante a Guerra Civil. A NPE destinava-se a restaurar a agricultura nacional para a posterior transição para o socialismo. – M.S.] (retornar ao texto)

Inclusão 21/06/2014