MIA > Biblioteca > Vasco Gonçalves > Novidades
É para mim um grande prazer estar aqui, mas dado que não tive a possibilidade de preparar com o mínimo de cuidado esta vinda cá, é natural que ao pé destes intelectuais todos, saia muita «bota». Tomei, no entanto, uns apontamentos sobre uns assuntos que gostaria de ter discutido se tivesse tido a oportunidade de participar nos debates aqui efectuados. Em primeiro lugar eu queria saudar a Associação dos Escritores Portugueses como uma Associação de resistentes anti-fascistas.
O fascismo nunca contou com os intelectuais portugueses. Terá havido uns transfugas, mas o carácter, nem se diz já o carácter dominante, foi quase um carácter absoluto o de eles nunca contarem com os intelectuais portugueses.
Penso que este Congresso, de facto, é bastante importante, porque terá permitido que trocásseis opiniões, pontos de vista, etc., entre vós, a respeito da missão dos intelectuais e, em particular dos escritores, nesta Revolução. Eu penso que esta missão é muito importante. Antes, eu quereria dizer, também, tomando a palavra aqui do Dr. José Gomes Ferreira, que os escritores também nos ajudaram muito, àqueles que nunca perderam a esperança e a convicção de vir a mudar isto alguma vez em Portugal.
Os Senhores contribuíram, também, embora de uma maneira indirecta, para o amadurecimento das condições que possibilitaram o derrubamento do fascismo em Portugal. Isto não se trata de lisonjear os intelectuais, os escritores, etc., de maneira nenhuma se trata disso, porque nem eu nem o Conselho da Revolução temos esses hábitos, mas não há dúvida nenhuma que os Senhores também contribuiram para o amadurecimento das ideias que fizeram a Revolução Portuguesa.
Isso é rigoroso. Os Senhores contribuiram efectivamente para isso porque não obstante toda a repressão cultural sistemática, todo o embrutecimento sistemático que o fascismo procurou e realizou em Portugal, o que é certo é que o pensamento humano continuou a trabalhar, embora, por vezes, muito mal influenciado, é certo, mas o pensamento humano não para, como sabem, não é? E a prova disso é que, passados 50 anos, se verificam no nosso País condições e certos amadurecimentos que possibilitam passos que muitos de nós, não é verdade?, nós mesmos, não acreditaríamos que fosse possível dar quando fizemos o 25 de Abril. Nós não pensámos, quando fizemos o 25 de Abril que já pudéssemos estar numa fase destas da Revolução. E isto também corresponde, em certa medida, ao amadurecimento que se foi processando nas consciências sob a repressão fascista.
Mas o problema fundamental que hoje se põe aos escritores é de facto o das suas relações com o povo, com o povo concreto.
Eu penso que a nossa Revolução necessita dos Senhores.® indispensável o trabalho dos intelectuais. De resto, as Revoluções fazem-se com os trabalhadores, fazem-se com aqueles que mais directamente estão ligados à produção, mas fazem-se, também, com os intelectuais, fazem-se também com trabalhadores de outro tipo, que devem estar muito ligados ao nosso povo.
Sabeis bem como foi difícil a vossa missão sob o fascismo. Foi preciso ter uma grande têmpera, ser de facto um lutador para não esmorecer e muitos de vós terão esmorecido debaixo de 50 anos de fascismo. Houve sempre momentos de maior esperança e outros de depressão. As próprias condições em que os escritores viviam tê-los-iam levado, muitas vezes, a dar maior ênfase à forma do que ao conteúdo; a dar maior ênfase a questões de carácter secundário e não a questões de carácter fundamental mas, estavam, de facto, limitados por toda essa obstrução, pela repressão, pela censura e essas questões de carácter fundamental não poderiam vir ao de cima; mas, na própria expressão da linguagem, que deverá reflectir-se até mesmo, possivelmente, na maneira como escrevem, essa expressão da linguagem tinha que ser, grande parte das vezes, a maior parte das vezes, sofisticada para poder passar na censura. Uma série de coisas que os Senhores pretendiam dizer e que, ao fim e ao cabo, ficavam só ao alcance de outros que eram já, digamos, os vossos companheiros e que percebiam esses sinais, quase esses hieróglifos que os Senhores nos dirigiam.
Mas por essas contingências todas, não era possível chegar às largas camadas populares, isso também é uma realidade. Mesmo o próprio Movimento Neo-Realista, que entusiasmou tanto os rapazes da minha geração e que tanto ajudou os homens de 20 anos desse tempo, ele não chegou, de facto, onde queria chegar, ele traduziu, aliás, toda a nossa, a nossa não, a vossa, a nossa quer dizer, daquele tempo, a nossa ingenuidade, a generosidade, não é verdade, a nossa falta de experiência, mas, traduziu, também, um grande, foi também um grande «vector», no sentido de uma cultura verdadeiramente nacional, popular e anti-burguesa, mas ele não teve as repercussões que seriam de desejar entre as camadas populares, não teve de maneira nenhuma, teve mais entre os estudantes, entre os jovens intelectuais, entre os quadros, etc.. Ora todas estas condições influenciam hoje, forçosamente, a forma dos nossos escritores, feto é muito importante, a questão da forma e do conteúdo, a questão de chegar ao povo ou trazer o povo até nós, eu penso, pessoalmente, que é um falso problema, esse de supor chegar ao povo ou trazer o povo até nós.
Eu julgo que a missão fundamental hoje dos escritores é tornar letrado o nosso povo, não só o povo que é analfabeto, mas mesmo os outros que precisam de ser letrados, levar o conhecimento ao povo, levar o conhecimento às pessoas; essa é, quanto a mim, a função fundamental dos escritores de hoje, é tornarem de facto, a população, digamos, as camadas mais desfavorecidas da população e as outras que estão interessadas e que poderão estar interessadas nesta Revolução, torná-las conhecedoras, dar-lhes o conhecimento do que exprimem os seus actos quotidianos, quer dizer, contribuir para a consciência social daquelas camadas da população que estão interessadas de facto nesta Revolução. E para isso é preciso que se torne consciente uma série de factores de actuação de que as pessoas muitas vezes, digamos, parte das vezes, não se apercebem, é preciso tornar transparentes os actos. É preciso explicar às pessoas o conteúdo dos seus actos quotidianos. Se nós sabemos que as relações de carácter económico, social, etc., a literatura é, digamos, uma super-estrutura, é um produto, estas relações não são mecânicas, isto é, não se passa, automaticamente a A e acontece B, nada disso. Porque o espírito humano é uma realidade, como é a matéria, como é o corpo humano. Essa interligação que, evidentemente, hoje ainda não está completamente esclarecida, e, enfim, o conhecimento humano não tem limites, não é?, mas as pessoas têm de dar um grande valor à actividade espiritual do homem em períodos revolucionários. Isso é muito importante, é muito mais importante a actividade espiritual do homem em períodos revolucionários do que em períodos estabilizados.
Meus Senhores: voltando às questões e os Senhores podem muito contribuir para isso, porque nas suas obras e nas suas palestras, naquilo que se encontrar, é uma tarefa comum dos Senhores e nossa, quer dizer, do Conselho da Revolução e dos Senhores e, sobretudo, dos Senhores encontrarem as formas adequadas à participação nesta Revolução. É um convite, é um pedido, é uma solicitação que o Conselho da Revolução vos faz; venham para o pé de nós contribuir para a Revolução do Povo Português. É essa a missão que aqui me traz.
Mas voltando a essa questão que é tão premente, levar o conhecimento às pessoas e elas compreenderem fenómenos que são comezinhos, que se repetem e se repetem há anos, nós temos que pensar que o nosso povo teve em cima dele 300 anos de inquisição, mais 50 anos de fascismo, há mitos ancestrais a tirar ao nosso povo — não são religiões a substituir por outras religiões, mas é abrir os horizontes; para isso não serve só a via intelectual, só a via do escritor é, sobretudo, a via do trabalho quotidiano. Mas o trabalho quotidiano esclarecido por quem pode contribuir para esses esclarecimentos. Os Senhores, no meio das pessoas que trabalham, contribuem para o seu esclarecimento, pois a sua actividade tem sido diferente e os Senhores podem fazer o nosso povo galgar anos e anos de atraso cultural. É essa a vossa missão.
As questões da forma e do conteúdo, (voltando àquela questão: vamos ao povo ou vem o povo até nós), isso, eu repito, isso para mim é uma falsa questão.
O conteúdo é o mesmo quer para o iletrado quer para o letrado. Os Senhores têm que contribuir para a transformação do vosso Povo num povo de letrados, num povo de homens que conheçam. O conteúdo é o mesmo, nós não podemos pensar que o conteúdo é este, para umas pessoas que têm uma certa ilustração e é aquele para as pessoas que têm outra ilustração, isso não é correcto. O conteúdo é o mesmo, o que é preciso é descobrir formas adequadas de levar esse conteúdo e as formas adequadas, as formas simples, as formas que sejam facilmente alcançáveis pelo povo, não são fáceis de elaborar. É muito mais difícil para os Senhores elaborar formas simples de comunicação do que formas mais complexas, mais sofisticadas, etc.. A simplicidade não é fácil de alcançar. Eu estou aqui a pensar em Eça de Queiroz; por exemplo: nos «Maias». Um tipo pouco letrado pode ler aquilo e que trabalho dava ao Eça de Queiroz para fazer! A gente até tem aqueles testemunhos que riscava e fazia quase tudo de novo. Quer dizer, o simples não é fácil de conseguir. Mas o levar uma cultura ao povo, que ele entenda, não é abastardar, não é abas- tardar o escritor, não é pedir-lhe que abastarde a forma, de maneira nenhuma, isso é uma das confusões, que existe na cabeça das pessoas, porque nós temos de pensar que provimos de determinados estratos. Fundamentalmente provimos dos estratos da burguesia, porque as culturas correspondem a diversas etapas históricas, isto não é por compartimentos rígidos, evidentemente, que há sobreposição, mas há os traços dominantes, os traços característicos; nós fomos educados duma certa maneira; nós próprios temos de vencer as limitações que temos. Há pessoas que, às vezes, pensam que o criar-se uma forma mais simples e mais facilmente entendida pelo povo pode diminuir o valor intelectual da obra. Eu não penso que assim seja. Eu penso que tem de haver uma forma de acordo com o conteúdo e uma forma que tem de estar de acordo com a própria época em que vivemos. Nós temos que pensar e distinguir, em cada momento, o que é principal e o que é acessório. Qual é a principal missão hoje, do escritor, no nosso País? Parece-me que é tomar letrado o nosso Povo, explicar ao nosso Povo o que tem sido a vida dele, os problemas que tem à frente para vencer, o que é a Revolução, o que é a sua vida quotidiana neste momento da situação revolucionária: para mim é esta a missão principal do escritor e isso não significa que o escritor ao fazer um livro vá agora só falar de problemas económicos e políticos, de maneira nenhuma. Não se deve confundir essa coisa. O homem é um ser que tem uma série de facetas e mesmo no homem mais político e mais económico ele tem também outros problemas, problemas da sua vida familiar, da educação dos seus filhos, tem problemas de ordem sexual, tem problemas de ordem espiritual; nós também ternos lirismo em nós próprios, mesmo aqueles que parecem os mais pragmáticos. Tudo isto deve aparecer nas obras.
As relações entre os homens e as mulheres: é indubitável que os homens hoje, por mais que se julguem avançados, na verdade sofrem dessas heranças do passado, dessas centenas de anos que pesam sobre a nossa cultura. As mulheres não estão completamente libertadas, as mulheres quotidianas sofrem a pressão dos homens por mais democratas que eles sejam. Tudo isto deve aparecer nos livros. Portanto, é vasta a matéria que podeis tratar. Más o que não significa é que essa matéria não tenha assuntos principais e assuntos secundários.
Nós na nossa vida temos de aprender isso mesmo, é o que fazemos quotidianamente. Nós damos prioridade a umas certas acções e damos prioridade inferior a outras. Qualquer homem na sua vida quotidiana, até mesmo sem se aperceber disso, muitas vezes, ele até não se apercebe, só ao fim de um par de anos é que se apercebe disso.
Eu posso citar, por exemplo, o meu caso. Só ao fim de um determinado número de anos me apercebi de diversas coisas fundamentais; uma delas era saber distinguir o principal do secundário, o essencial do acessório, saber das prioridades. Nós vamos fazendo isso, mas os Senhores sabem que a consciência de um modo geral está sempre atrasada em relação aos processos em que nos inserimos, até ao processo da nossa vida quotidiana.
Há um outro problema que eu sei que vos preocupa muito, que é o problema do dirigismo na cultura. O que eu acabo aqui de dizer o que é que aponta? Aponta, digamos, uns traços dominantes, umas tais ideias principais, acções principais, mas isto não é dirigismo nem nós somos dirigistas, nós os do Conselho da Revolução já provámos à saciedade que não desejamos implantar uma ditadura em Portugal.
Aqueles que falam em dirigismo, há para aí muita gente que fala em dirigismo, mas é preciso ter atenção a isto, nós vivemos em período revolucionário, nós não enterrámos, ainda, o capitalismo, nem o enterraremos tão cedo, temos-lhe dado grandes machadadas. Leva um certo tempo a nossa via de transição para o socialismo. Há muita gente interessada em recuperar o processo democrático, o processo revolucionário. Então, ao nível das estruturas intelectuais aparece o dirigismo como o papão.
O dirigismo e as questões sobre o dirigismo e os papões do dirigismo são os meios de vos dividir e vós não podeis também deixar dividir-vos. Vós não vos deveis deixar dividir, assim como não se pode, a todos os níveis, dos sindicatos ao nível de outras associações, do trabalho no campo, dos pequenos e dos médios agricultores, dos pequenos empresários; não vos deixeis dividir por falsas questões. Aqui, cá está a tal questão fundamental, saber distinguir o principal do acessório.
O que é fundamental é que estejais unidos no principal. Todos nós somos diferentes uns dos outros. Agora podemos estar de acordo sobre as acções principais a desenvolver, pois nós não pretendemos estabelecer o dirigismo em Portugal. De maneira nenhuma. Nós sabemos muito bem que a verdadeira cultura vem da diversidade, mas não vem do eclectismo, isso é outra coisa.
Não podemos, quanto a mim, confundir a diversidade, o que é próprio das maneiras diferentes de encarar as coisas, com eclectismo.
Nós pensamos, mesmo, que o dirigismo depende, em grande parte dos Senhores. São os Senhores que têm de fazer a cultura. Não é o Conselho da Revolução que vai fazer a cultura, nós não temos lá intelectuais. São os Senhores que têm de fazer a cultura.
Essa cultura tem de ser elaborada com o povo. Mas não com ar paternalista. Tem de se mergulhar nas raízes de vida popular. Eu cito aqui em toda a humildade, o que nós militares, temos aprendido nas campanhas de dinamização popular. Os militares têm-se democratizado nesses contactos, têm sofrido uma profunda evolução.
Alguns oficiais que vêm de campanhas de dinamização dizem que «levaram uma lavagem ao cérebro».
Tem-se falado da Revolução Cultural e nós, precisamos de uma revolução cultural. Mas revolução cultural não é meter ideias à força na cabeça das pessoas, atenção. A experiência deste século tem demonstrado que isto não é possível. Temos de estar atentos à experiência de outros países, neste campo. Não podemos meter as ideias à força. Isto está condenado ao malogro. Isto significa também uma grande firmeza, uma grande consciência dos objectivos a atingir, paciência, segurança e perseverança. Um trabalho aturado e não desistir, nem nunca pensar esta coisa, que era profundamente cruel e que, por vezes, se dizia no tempo do fascismo: «cada povo tem o que merece». Isto não é correcto. Cada povo não tem o que merece. Os Senhores sabem muito bem que o que cada povo tem é produto das correlações de força, é produto dos processos de desenvolvimento, é produto de uma série de factores. Mas, não se pode dizer «estes tipos têm o que merecem». E nós temos de estar preparados para, quando nos chegarmos a essas massas de população, termos muita incompreensão da parte delas. Podem, até, virar-nos as costas. Nós precisamos de encontrar as formas exactas de falar para as pessoas. Eu posso citar o caso de uma porteira, que eu conheço, que nunca tinha visto «ballet», na vida dela, e que foi ver o «Romeu e Julieta» de Béjart, e ficou maravilhada com o que tinha visto. Porque aquilo era uma forma acessível àquelas camadas da população. Porque é que a gente não há-de ir às Casas do Povo e aos Sindicatos e a essa gente toda?
Eu, de facto, gostei imenso de ouvir dizer que querem colaborar com a dinamização cultural das Forças Armadas, era isso que eu estava para vir aqui pedir. Era que fossem para a nossa dinamização cultural.
Julgo que não deverá haver dúvidas a esse respeito e, sobretudo, peço muita atenção a essas questões sobre dirigismo, não vos deixeis dividir por* questões secundárias, nem por questões de forma; são as questões de conteúdo que são as fundamentais e nós não pretendemos estabelecer um dirigismo na cultura. Sabemos que isso seria errado, mas é evidente que nós temos de apontar a nossa cultura no sentido do futuro. Os caminhos do futuro são vastos para o povo português, são amplos para irem pessoas exercer aí a sua liberdade criadora.
Também há outro termo que às vezes assusta certas pessoas ao ouvirem falar de cultura popular; julgam logo que é a cultura do «faduncho» ou do folclore de 3.a categoria ; não é nada disso. Quando se fala em cultura popular, aquilo que nos caracteriza é de facto o interesse pelas classes mais desfavorecidas da população; mesmo este povo, para nós, tem um conteúdo que excede as classes trabalhadoras; são os intelectuais, são os quadros, é a pequena burguesia, são os pequenos empresários a construir um futuro socialista para o nosso País.
O que é preciso é que de facto a cultura tenha um conteúdo honesto, um conteúdo sério e uma forma adequada. Isto é fundamental. Uma forma que as pessoas compreendam. Porque é que as coisas mais difíceis hão-de ser mais bem feitas que as coisas mais fáceis? Eu não percebo porquê. Eu julgo mesmo que a simplicidade é aquilo que é mais difícil na construção de tudo. Na engenharia, por exemplo, e em qualquer outra especialidade, ser capaz de traduzir em ideias simples, fenómenos complicados, nisso é que consiste o saber.
A cultura tem, de facto, um grande papel nas transformações sociais. E penso que há uma interacção evidentemente, entre o trabalho e, digamos, a cultura. A cultura não deve andar a reboque. Se nós formos lúcidos, devemos procurar andar à frente. Também não podemos andar demasiado à frente, para que o povo não nos volte as costas.
O papel dos intelectuais é um papel de pioneiro, é um papel de vanguarda. A revolução portuguesa não se pode fazer sem a vossa colaboração. Não tenho qualquer dúvida sobre isso.
Há um outro ponto para que eu gostaria também de pedir a vossa atenção, que é para a História da nossa Pátria.
Ela foi sempre mal ensinada, ela era até, sistematicamente rejeitada por nós, quando no-la ensinavam no liceu. É preciso ensinar ao nosso Povo a sua própria História, de uma maneira que ele entenda e compreenda o estado a que chegou e o que se está a passar neste momento. É claro, que é mais importante ensinar-lhe a História mais próxima de nós que a História mais antiga. Eu acredito que seja, que é para ele compreender mais facilmente o que se está passando; mas é necessário ensinar ao nosso Povo toda a História, porque é que nós nos tornámos um País independente, o que significam aquelas lutas de 1385. Por que em 1580 fomos dominados pelos espanhóis e em 1385 não fomos. O que significou a nossa independência depois de 1640. O que significou a expulsão dos judeus em Portugal. O que foi a inquisição, o que ela significou. Que forças trazia quando foi institucionalizada em Portugal. O que foi a revolução de 1820, porque é que o Povo, por diversas vezes, viu frustradas as suas grandes esperanças em 1820, em 1836 e em 1910.
Precisamente para que nós cada vez mais consolidemos a nossa revolução e para que esta esperança da revolução de 1974 não seja, de maneira nenhuma, frustrada. Esse é que é o nosso dever histórico, sacrifiquemo-nos todos, para que essa esperança de uma Revolução para o nosso Povo, uma verdadeira Revolução para ele, como foi a Revolução de 1385, não seja frustrada. Isso é um dever patriótico de todos nós, dos Senhores, e de todos nós.
Eu tenho aqui escrito: o Povo e a Poesia. Eu acho que isto é muito importante também numa Revolução, a poesia, não é que as Revoluções se façam com poesia, como certos idealistas de 1968, em França, julgariam que ela se poderia fazer. Mas a poesia é muito necessária. Todos nós temos um fundo de lirismo na nossa alma, no nosso espírito. Quer dizer, o povo é capaz de entender esse lirismo. Eu faria daqui uma exortação aos poetas para que levem a sua poesia a esse Povo. Que bebam, quer dizer, que mergulhem as suas raízes nele e que, depois, lha dêem e lha levem; porque o Povo também tem essa sensibilidade poética. Simplesmente ele, muitas vezes, não sabe exprimir-se; pode estar a trabalhar e canta e cria. Os senhores sabem que há os Cancioneiros e tudo isto. Nós temos de trazer ao nível da consciência aquilo que não estará ainda, porventura, ao nível da consciência das massas da população. É essa também uma das grandes missões dos escritores. Trazer ao nível da consciência aquilo que não é consciente. Porque os homens são cada vez mais livres na medida em que mais se conhecerem, mais conscientes forem. A liberdade está intimamente ligada ao conhecimento. Eu escrevi, a propósito de um artigo do dr. Gomes Ferreira no «Diário de Notícias» dizendo que os trabalhadores são os poetas de hoje. Acho que isto é muito correcto, Mas isso não deve pôr os outros poetas de parte. Com certeza não queria pô-los de parte. Porque ele é um dos maiores poetas portugueses, se não o maior poeta português.
Cada um é poeta à sua maneira, todos nós fomos poetas, até todos nós já fizemos versos, com certeza, na nossa vida. Não há nenhum que não tenha feito uma quadra, mas cada um é poeta à sua maneira, na maneira de encarar a vida, na atitude para com o nosso semelhante, na atitude para com a situação que se vive, isso também traduz a poesia que possa ir no nosso ser. Nessa medida os poetas também são factos muito importantes nesta Revolução.
Finalmente, há muito que desejava contactar convosco. Havia amigos meus que diziam que os escritores tinham sido autênticos camaradas nossos, porque foram resistentes e que nunca se curvaram, como disse aqui o dr. José Gomes Ferreira.
Certos escritores que andavam magoados e aborrecidos ou que julgavam que estavam a ser marginalizados por nós ou que não estavam a colaborar na nossa Revolução, mas isso, da nossa parte, não houve qualquer menosprezo nesse sentido.
O que nós exortamos é que os escritores se unam a nós, que os escritores descubram formas de participação. São os Senhores que têm de puxar pela vossa cabeça para nos ajudar. São camaradas do Movimento das Forças Armadas, são camaradas do nosso Povo. É a isto que vos exorto, mas isto não ficaria só assim em palavras. É preciso que, em conjugação connosco, com a 5.a Divisão, com o Governo, descubram as formas de participação. Proponham as formas de participação, nós estamos abertos a tudo isto. Nós pensamos que esta Revolução tem de ser construída pelas mãos de todo o Povo— os Senhores fazem parte do Povo. Ele também tem de ser construído pelas vossas próprias mãos. Sois vós com o vosso trabalho criador puxando pela vossa imaginação, pela vossa cabeça que devereis descobrir com a vossa experiência e com as vossas aptidões, devereis descobrir as formas de participação e de caminharem connosco para um futuro radioso para o nosso Portugal, para a nossa Pátria.
Viva a nossa Pátria!
Início da páginaAbriu o arquivo | 05/05/2014 |