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Pergunta — Decorrido um ano sobre a data histórica do 25 de Abril de 197pode dizer-nos se se encontra satisfeito com a evolução política portuguesa, tanto no plano interno como externo?
Resposta — Penso que, este ano, correspondeu a um grande avanço no processo de desenvolvimento histórico do nosso país. Não obstante todas as dificuldades que surgiram, nós temos vencido essas dificuldades. Neste momento estamos numa situação que obriga a muito trabalho, energia, ponderação, calma e, sobretudo, a uma forte convicção política e ideológica no sentido de fazer o processo progredir. No entanto, tudo o que passou desde o 25 de Abril até agora é nitidamente positivo. Não sei mesmo se haverá muitas pessoas que em 25 de Abril pensassem que, um ano depois, teríamos os bancos nacionalizados, os seguros nacionalizados e em vias de fazer outras nacionalizações em certas bases da produção. Estamos a caminho de modificar as relações de trabalho, as próprias relações da produção, porque, como sabe, o Conselho da Revolução aprovou um documento em que diz que deverá haver um «controlo» dos trabalhadores sobre a produção e a eficiência da produção, subordinada à coordenação de vários organismos a nível central. Penso que esta é uma medida revolucionária.
Pergunta — Quais os factos de que guarda melhor recordação?
Resposta — Os factos de que guardo melhor recordação são os que se ligam ao acordos de descolonização, a subida à Presidência da República do general Costa Gomes, o qual, em meu entender, era o militar que devia ter sido o Presidente da República logo em 25 de Abril, pois se tratava do chefe de maior prestígio que tínhamos. Outro facto notável é o 11 de Março. Nesta data, como em 28 de Setembro, verificámos como é firme e como se tem fortalecido a unidade Povo-Forças Armadas, condição absolutamente indispensável para que esta revolução possa progredir. Outro facto notável, quanto a mim, é a própria dinamização interna que tem demonstrado o Movimento das Forças Armadas, progredindo, extraordinariamente, desde o 25 de Abril, do ponto de vista político e ideológico e em perfeito sincronismo com os processos em curso na vida portuguesa, e conseguindo ainda ser, em muitos casos, o seu impulsionador. Em todas as situações críticas ele tem sido o garante e o motor, aquele que dá os passos decisivos em conjugação com o movimento popular, o que me parece fundamental. Outra coisa que considero fundamental, muito importante no desenvolvimento deste processo, foi o Pacto que os partidos políticos assinaram connosco, facto que caracteriza muito bem o que se passa no nosso país do ponto de vista político. Ele está de acordo com a nossa realidade política, que não pode ser escamoteada, querendo ficar presos a esquemas clássicos, em que não aparece tal realidade: a de termos umas Forças Armadas progressistas que são o motor e o garante da Revolução. Portanto, nós criámos uma plataforma política com os partidos, em que se institucionaliza esse processo original. Eu não sei, com efeito, de outro país em que as coisas se tenham passado desta forma. Outro aspecto a salientar é a transformação política no seio das próprias Forças Armadas. A consciencialização política dos nossos militares não deve ser confundida com partidarismos, pois o Movimento das Forças Armadas tem condições próprias para desenvolver no seu seio as ideias revolucionárias, sendo um movimento de unidade como é. É muito importante que as pessoas também compreendam isto.
Pergunta — Ainda se especula muitas vezes sobre possíveis divisões no seio das Forças Armadas. Quer confirmar ou desmentir esses rumores?
Resposta — É claro que não é só especulação, pois no 11 de Março verificou-se que havia uma cisão nas Forças Armadas. Agora, o que se tem de verificar é que as Forças Armadas estão cada vez mais coesas, à medida que se depuram vão ficando mais unidas, mais firmes na luta pela vitória do processo que têm sobre os seus ombros. Essa é uma condição que as torna cada vez mais coesas e mais conscientes do processo de que são o motor e o garante. Tal não significa que não possa haver vozes discordantes. Estamos atentos a isso, pois essas vozes discordantes podem, por vezes, conduzir a vergonhas, do ponto de vista patriótico. É uma vergonha, com efeito, que os militares se tenham empenhado numa acção como a do 11 de Março. Mas pode crer: nós vencemos a contra-revolução nesse dia e continuaremos a vencê-la. O carácter dominante, o traço dominante das Forças Armadas é a unidade entre os oficiais, os sargentos e os praças. No seio do Movimento das Forças Armadas existem todas as condições para que se desenvolva um movimento revolucionário com características próprias, unitárias, e disso é prova o facto de termos hoje nas nossas assembleias os soldados e os sargentos representados. Isto corresponde a um grande processo revolucionário, mas também ao estreitamento da disciplina nas Forças Armadas. E preciso que o País tenha a consciência disto. Na medida em que as Forças Armadas se tornem mais politizadas e em que essa expressão política for seriamente levada à prática teremos militares mais disciplinados e mais patriotas.
Pergunta — As recentes decisões do Conselho da Revolução...
Resposta — Mas espere, há coisas mais importantes ocorridas neste período. E eu tenho de referir essas coisas. Por exemplo: a dinamização cultural, que eu considero fundamental do ponto de vista revolucionário. A dinamização cultural é uma das alavancas do nosso progresso, da transformação da cultura em Portugal, da transformação dos quadros militares. É necessário, para o progresso desta revolução, que haja uma transformação da própria cultura. A cultura burguesa tem de ser transformada numa cultura verdadeiramente popular e nacional. Ora a dinamização que as Forças Armadas têm levado a cabo contribui para o desenvolvimento dessa cultura. Outro facto que não se pode, de maneira nenhuma, deixar de mencionar é a institucionalização do Conselho da Revolução, que eu considero, do ponto de vista político, o mais notável de todo este período. E também é de assinalar o Governo Provisório de que hoje dispomos, muito diferente dos que existiram anteriormente. O seu «élan» revolucionário, a sua vontade de transformação do País, a sua sintonização com o processo são bastante diferentes em relação aos Governos anteriores.
Pergunta — As recentes decisões do Conselho da Revolução definiram para o nosso pais um futuro socialista. Que forças e perigos pensa que podem opor-se à concretização dessa linha?
Resposta — São principalmente as forças ligadas ao capital monopolista nacional e internacional, que tem levado fortes golpes, mas não está inteiramente destruído. É por isso que a nossa primeira finalidade reside na destruição do poder dos monopólios e dos latifúndios. Por outro lado, há certas camadas e sectores da média burguesia, e mesmo da pequena burguesia, que não compreendem este processo. Há todo o peso de uma cultura centenária e portanto com muita influência no desenrolar deste processo. O problema da consciência social, que de um modo geral, se atrasa em relação ao desenvolvimento dos processos a nível económico, a nível das relações materiais de produção, etc. A consciência social atrasa-se, e este desajustamento faz que as pessoas também possam aderir a movimentos reaccionários. Esses interesses, que estão sendo combatidos e destruídos, não cedem facilmente. Trata-se da vida das pessoas, do seu conforto, da sua posição na sociedade, da «respeitabilidade», dos hábitos que tinham, etc. Nós sabemos que as classes dominantes — e então a classe monopolista portuguesa pouca cultura tinha, era de modo geral uma classe de analfabetos mentais — o que queriam era fazer os seus negócios, desenhar à vontade os seus projectos de exploração do povo português. Essa gente não aceita de boa mente, quer por razões de ordem material quer por razões de ordem espiritual, a perda da posição que ocupava na sociedade portuguesa. Tudo farão para a recuperar. Depois, há, outros sectores, uma pequena burguesia e uma média burguesia que em certa medida não compreendem este processo e, sentindo-se ameaçadas, tendem a abraçar ideias esquerdistas. Sob uma falsa roupagem de progresso, elas no fundo procuram manter-se com a classe que estabeleça o ponto de rotura e, ao mesmo tempo, manter a sua importância relativa como classe. Devo dizer que no nosso processo cabem não só as classes trabalhadoras, como também a pequena burguesia e certos sectores da média burguesia. Não estamos numa fase de destruição da burguesia, nem é esse o nosso objectivo. Pensamos que este processo deve caminhar com a unidade das forças trabalhadoras, quer na cidade quer no campo, e da pequena burguesia e de certos sectores da média burguesia. Claro que há sectores da média burguesia que não são capazes de acompanhar este processo, como não o acompanham os sectores dos quadros, embora eu pense que na generalidade as profissões liberais, quer públicas quer privadas, só têm a ganhar com o desenvolvimento deste processo.
Mais forças haverá que se lhe estão a opor. As forças externas, todas aquelas que consideram um mau exemplo o que se está passando em Portugal, porque se reflecte directamente nas consciências dos habitantes dos outros países, das outras populações, das classes sociais. Para uns, isso é um bom exemplo, para outros é um mau exemplo. Portanto, de acordo com a posição que essas forças ocupam na sociedade, elas sentem-se tentadas a reagir.
Pergunta — As medidas económicas ultimamente adoptadas pelo Conselho da Revolução e pelo Governo Provisório atenuarão, sem dúvida, a médio prazo, as consequências da grave crise que atravessamos. Quer aproveitar a ocasião para falar ao Povo Português sobre as perspectivas e os possíveis sacrifícios que ainda o aguardam?
Resposta — Pois quero, sim, senhor. Eu penso que o nosso povo, as classes trabalhadoras, têm de meditar profundamente no que se está a passar. Devem-se instruir na compreensão do que se está a passar, quer conversando uns com os outros, quer analisando a sua própria prática, quer analisando aquilo que ouvem dizer. Com as nacionalizações, nós estamos a dar um passo muito importante na transformação das relações de produção em Portugal, nas relações de trabalho entre os assalariados e os patrões, nas relações de trabalho entre o assalariado e o próprio Estado, e estamos, sobretudo, a procurar desenvolver as relações de produção de tipo socialista, que hão-de surgir durante este período de transição. É claro que, de momento, dada a situação de crise em que vivemos, assim como os problemas que poderão ser-nos criados ao nível do comércio externo, dada a inflação e a deteriorização da economia fomentada pelo grande capital, pela banca, etc., nós vamos, sem dúvida, passar por grandes dificuldades de ordem económica. Devemos preparar-nos para vencer essas dificuldades. E só as venceremos com um tipo diferente de actuação em relação à produção. Vamos ter que desenvolver uma verdadeira batalha da produção, a fim de aumentar o produto bruto. Sem riqueza não poderemos distribuir mais riqueza aos trabalhadores; temos de ter bem presente a diferença que existe entre o valor nominal do salário e o seu valor real, e ainda as relações que há entre o salário e emprego, por exemplo.
Penso que os trabalhadores devem preparar-se para sofrer privações, os trabalhadores e as outras pessoas, em consumos que não sejam os consumos básicos, os consumos necessários, mínimos necessários para a vida. Penso que terão de desenvolver um esforço no sentido de trabalharem mais, inclusive de virem a aumentar o número de horas de trabalho, de encararem, porventura, um trabalho por turnos, para que possamos utilizar os nossos equipamentos mais intensamente. Temos hoje, antes de mais, uma batalha da produção em todos os campos, e prioritariamente no campo da agricultura. Ora, o aumento da produção só se consegue com o esforço dos trabalhadores e, a outros níveis, dos quadros administrativos, etc. Mas é basicamente um produto do trabalho das classes rurais, dos empregados, dos funcionários públicos. Hoje, porém, esse trabalho tem outro carácter. Quando, anteriormente, se pedia mais trabalho, mais produção, isso significaria mais lucros para meia dúzia de privilegiados. Hoje, esse facto tem outro significado, tanto mais que vamos instituir o «controlo» dos trabalhadores sobre a produção e sobre a eficiência da produção. Os próprios trabalhadores controlarão a aplicação do produto do seu trabalho. E a aplicação do produto do seu trabalho só pode ser feita no sentido do desenvolvimento da economia nacional a fim de aumentar a quantidade de bens que temos à nossa disposição. Temos um vasto mundo à nossa frente de novas relações a criar, de transformação da nossa cultura, temos o empenhamento dos Portugueses no desenvolvimento cultural, enfim, temos de desenvolver e promover as capacidades do povo português, que têm estado reprimidas e que devem agora expandir-se largamente. Estou absolutamente convencido de que a capacidade criadora das massas populares é uma força extraordinária no desenvolvimento económico, cultural e social de um país. O que são todas essas cabeças a pensar, a ter ideias, a discutir problemas e a contribuir por um esforço consciente, por um esforço interessado no desenvolvimento do País, vê-lo-emos dentro em breve. Penso mesmo que o veremos em prazo imediato. O desenvolvimento da produção, a imolação, as atitudes exemplares dos trabalhadores, farão com que nós vençamos estas crises. Temos de ter presente que não houve nenhuma revolução que não pedisse pesados sacrifícios às gerações que a ela assistiram. E nós poderemos, com efeito, diminuir o nosso nível de vida, no que respeita, por exemplo, aos artigos supérfluos, para lançarmos o nosso esforço nos artigos de facto, nos bens de investimento, nos bens de consumo de longa duração, nos bens que interessam ao desenvolvimento material e espiritual do nosso povo.
Pergunta — Tem-se falado ultimamente das vantagens que poderia representar a existência de um novo partido, uma espécie de «MFA civil», segundo as palavras do almirante Rosa Coutinho. Como considera a hipótese?
Resposta — Bom, isso é uma paráfrase. O que se pretende, o que se tem pretendido dizer com isso, é que nós necessitamos de uma verdadeira frente unida da esquerda. Necessitamos que os partidos verdadeiramente democráticos, progressistas, patrióticos, interessados de facto no desenvolvimento da nossa pátria unam os seus esforços, não tenham atitudes divisionistas mútuas, não procurem, inclusive, conduzir a situações que tenham como resultante a divisão das massas populares. O que queremos dizer com isso é que esta revolução, para andar para a frente, necessita de poderosos aliados no movimento popular de massas democráticas. Nesse movimento, pois, cabem todos os partidos que estejam de facto interessados em implantar o socialismo em Portugal. Mas isso tem de ser traduzido em actos práticos, e não é em discursos, é preciso que na prática esses partidos o demonstrem. Não pretendemos mais do que isto: ter de facto uma forte coligação partidária, que apoie o Movimento das Forças Armadas no sentido de fazer progredir a revolução. Por isso, falamos do «MFA civil», que seria como que a unidade dos partidos ao lado do MFA armado. Tudo isto é a unidade Povo-Forças Armadas. O significado é este, e não se lhe deve dar outro, pois não pretendemos criar novos partidos. O que pretendemos é que os partidos que se dizem progressistas, partidos democráticos, partidos que pretendem o socialismo, tenham de facto uma actuação prática nesse sentido, e sem ambiguidades.
Pergunta — Em que medida podem as eleições que hoje se realizam, quaisquer que sejam os seus resultados, auxiliar o Movimento das Forças Armadas no seu papel de motor da construção de uma sociedade socialista?
Resposta — Pensamos que estas eleições vão ser um exercício cívico para o nosso povo. O próprio facto de chegarmos a uma altura destas, com as pessoas a exprimirem dúvidas acerca do partido em que hão-de votar, e até uma certa ansiedade que nós verificamos em muita gente, traduz, quanto a mim, um amadurecimento político. Isso significa, digamos, uma libertação em relação ao caciquismo, que é uma grande preocupação nossa em relação a estas eleições. Pretendemos que as pessoas votem em consciência e que se libertem do caciquismo. Que não vão atrás dos outros que lhes digam para votar neste ou naquele. É preferível entregar um voto em branco do que ir votar sem consciência. O voto sem consciência é a prostituição de um dever patriótico. Eu admito perfeitamente que, dado o nível político e ideológico do nosso povo, certas camadas da população tenham dificuldade em fazer a sua opção, o que não significa que não se interessam pela política. O facto de demonstrarem essa dificuldade corresponde já a um estado de espírito bastante diferente do que se constava no tempo do fascismo, em que nem se preocupavam com isso. Não votavam, simplesmente. Mas o facto de hoje já existir nos sectores menos politizados da população, a noção de que precisam de votar conscientemente significa uma certa politização.
Ora, por outro lado, eu penso que se têm definido bem as funções da Assembleia Constituinte e as funções do Governo Provisório nesta fase do processo democrático. Necessitamos, de facto de uma Assembleia Constituinte que seja progressiva, na medida em que terá de institucionalizar a plataforma das Forças Armadas com os partidos, que garante a continuação e a preservação das conquistas já obtidas. Não se podia conceber agora que fôssemos perder estas conquistas por uma via eleitoralista. Isto significaria uma falta tremenda de politização do nosso povo. Se ele fosse votar por forma a perder pela via eleitoral aquilo que já conquistou, e que por vezes conquistou com tanto custo, pela via revolucionária, era como se estivesse a bater em si próprio. Realizamos as eleições, porque elas demonstrarão que nós cumprimos a nossa palavra, com todos os riscos que elas possam comportar.
É curioso que, primeiramente, a reacção queria as eleições e dizia que nós as devíamos realizar. Agora, porém, parece que se obstina em criar condições e desenvolver acções para que não se realizem essas eleições. É, afinal, o Movimento das Forças Armadas a entidade mais interessada em que haja eleições.
Pergunta — Que opinião tem sobre os dirigentes políticos que assumiram, com as Forças Armadas, ao assinar o pacto que lhes foi proposto, o compromisso de edificar uma sociedade socialista em Portugal? Identificam-se todos eles com os ideais propugnados pelo MFA?
Resposta — Não houve qualquer pressão para os partidos políticos assinarem o pacto. Disse-se-lhes logo de início que quem quisesse assinava, quem quisesse não assinava, que a recusa não seria obstáculo para concorrer às eleições. Portanto, os partidos assinaram o pacto, conscientemente. O pacto, aliás, foi o produto de conversações entre nós e os partidos, em que procurámos alcançar uma plataforma comum de acordo, que fosse assinada com sinceridade e com lealdade. Pela parte do Movimento das Forças Armadas, o pacto foi assinado com sinceridade e lealdade, e não se tratou de uma imposição. Agora, é claro, na prática, os partidos terão de demonstrar se de facto assinaram o pacto com a mesma consciência com que nós o assinámos.
Pergunta — Os acontecimentos de 28 de Setembro e de 11 de Março suscitaram contra o nosso país, em alguns meios internacionais, reacções de temor e desconfiança, quase sempre em nome da liberdade e da democracia, mas partindo, curiosamente, de grupos e países que nunca exprimiram o menor protesto contra o regime fascista. Como classifica e que valor atribui a essas atitudes?
Resposta — Atribuo a isso um valor muito relativo. É claro que as forças da reacção em Portugal sobrevalorizam essas notícias que aparecem lá fora, sobrevalorizam até certas personalidades, muito faladas lá fora na Imprensa estrangeira como defensoras das liberdades em Portugal, etc., como se o primeiro defensor português das liberdades não fosse o Movimento das Forças Armadas. Não haveria hoje liberdade em Portugal se não existissem o Movimento das Forças Armadas e as forças populares, que têm defendido corajosamente as conquistas alcançadas a partir de 25 de Abril. E claro que certos meios políticos portugueses procuram tirar partido dessa literatura que aparece no estrangeiro, mas eu chamo a atenção para uma coisa: é que as pessoas, quando lhes disserem que tal ou tal jornal disse isto ou aquilo, devem fazer um esforço para identificar o jornal que publicou o artigo sobre Portugal ou sobre determinada personalidade portuguesa, e as forças materiais que estão por trás desse jornal: se esse jornal pertence à esquerda ou à direita, se pertence a este monopólio ou àquele, etc. Como sabe, a Imprensa no estrangeiro está fortemente monopolizada, a um nível superior ao que se encontrava entre nós, na mão dos grandes potentados económicos e financeiros. Essa coisa da liberdade de Imprensa é a liberdade permitida pelas condições do sistema capitalista.
Eu penso que há uma diferença considerável entre as liberdades, dentro do sistema português, e a do sistema de outros países, mesmo que sejam considerados países liberais, etc. Penso que não há lá fora maior liberdade de Imprensa do que entre nós.
Pergunta —As experiências passadas demonstram que certas forças externas não recuam perante meios para bloquear um processo como aquele que o MFA decidiu seguir. Em caso de grave boicote económico por parte dessas forças, com que auxílios externos poderíamos mais rapidamente contar?
Resposta — A nossa política externa, a partir do 25 de Abril, é de abertura a todos os povos do mundo, indepedentemente de credos políticos ou religiosos, de sistemas económicos e sociais, etc. Está dentro das nossas previsões, é uma hipótese com que devemos contar, o boicote económico. Aliás, ele já se verifica a nível de empresas estrangeiras em relação com empresas portuguesas. Não digo que se passe ao nível de governos. Se esse boicote vier a verificar-se com uma intensidade muito maior, a ponto de nos causar sérios prejuízos, teremos de nos defender, não podemos ter uma atitude passiva e uma pessimista. Devemos, sobretudo, estar alerta contra um boicote desses e considerar que é muito natural que venha a ocorrer. Primeiramente, temos de nos defender com as nossas forças. Depois, os nossos amigos terão de se definir, se esse boicote for por diante e se as dificuldades económicas se agudizarem. Nessa altura, qualquer português vulgar verá de que lado estão os amigos e os inimigos.
Pergunta — E em caso de uma desesperada tentativa de intervenção armada? Estarão os nossos militares consciencializados para essa eventualidade? Qual o valor que atribui à unidade Povo-MFA em semelhante circunstância?
Resposta — Penso que a intervenção armada poderá dar-se, sobretudo, ao nível de grupos mercenários, da introdução em Portugal, de pequenos grupos ou mesmo de grupos maiores, de tipo mercenário ou fascista, como se tem passado noutros países. O MFA está consciente desses perigos e considera que, para se defender, existe a unidade Povo-Forças Armadas. Como já disse o brigadeiro Otelo de Carvalho, em 11 de Março, se a nossa pátria estiver em perigo, se as conquistas revolucionárias correrem risco, teremos forçosamente de empenhar todo o Povo português, e não só os militares, na defesa das conquistas alcançadas. Não temos dúvida nenhuma de que o Povo português defenderá, de armas na mão as conquistas alcançadas.
Pergunta — Especula-se muito — como se especula a respeito de outras coisas — com o seu estado de saúde, que estaria em vésperas de o fazer abandonar o cargo que ocupa. Enfim, todos os dias surge um boato...
Resposta — Não é só a meu respeito que devem especular; poderão especular também a respeito do Sr. Presidente da, República, dos homens do Conselho da Revolução, dos militares do MFA. Simplesmente, as pessoas fazem-no por dois motivos: ou deliberadamente, para provocar divisões, cisões, inquietações, desconfianças, etc., ou porque não estão dentro do processo revolucionário. Elas não compreendem as forças espirituais que o homem tem dentro de si. Nós estamos, de facto, em pé e aguentamos este ritmo de vida, porque temos forças interiores que são incomparavelmente superiores às forças que existem na mentalidade dos que especulam com as nossas fraquezas e com os nossos esgotamentos. Elas não são capazes de compreender isto porque não vivem este processo. Se o vivessem encontrariam também nelas próprias os mesmos recursos. Não se trata de qualquer coisa de milagroso ou sobrenatural; é a força interior, é a dedicação à causa a que nos devotamos. E a resistência não é só do Primeiro Ministro, é de toda aquela «malta» que não se deita, que vai para o Conselho da Revolução e sai de lá às seis horas da manhã, etc., e depois, no dia seguinte, recomeça a trabalhar. Portanto, isto está sobretudo ligado às fortes convicções ideológicas que animam os homens da Revolução de 25 de Abril. Mas não são só os militares, são também os civis, ao nível dos ministros, enfim, de toda a gente que sinta assim. É vulgar encontrar trabalhadores que têm estas mesmas resistências. Quaisquer pessoas têm estas características dentro de si; o que é preciso é que elas possam expandir-se, possam vir ao de cima. Evidentemente, se elas não têm uma ideologia forte e profunda, amor patriótico, enfim, a noção da sua função na sociedade, não serão capazes de ter estas resistências.
Pergunta — A leitura dos relatórios do 11 de Março e do 28 de Setembro suscita, parece-me, uma interrogação: terão sido essas as últimas tentativas da reacção?...
Resposta — Com certeza que não. Eu chamaria a atenção, em particular, e mais uma vez, para a vigilância popular, e para o facto de esta expressão ter de ser entendida em todo o seu rigor. A vigilância popular é uma tarefa quotidiana, uma tarefa que deve entrar nos nossos hábitos. Porque nós não estamos a viver um acto vulgar da nossa história, mas, sim, acontecimentos que só ocorrem de centenas em centenas de anos. O povo de Lisboa é a «arraia miúda» do Fernão Lopes. É assim que eu vejo o povo de Lisboa e o povo da província, naquele tempo — tal como o Fernão Lopes o descreve —, a tomar conta dos castelos, dos senhores, etc. Essa vigilância popular é toda ela atenção, mas uma atenção que nada tem a ver com espionagem, mas sim à reacção das pessoas, aos seus conceitos, às suas opiniões, até à maneira como contam anedotas, tudo isso traduz uma determinada atitude sobre a Revolução. E portanto, essa atitude, quando não é esclarecida, deve ser imediatamente combatida no sentido do esclarecimento, no sentido de se fortalecerem, precisamente, as bases políticas e ideológicas daqueles que se empenham em construir, de facto uma nova Pátria.
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