Resposta ao Jornal Jugoslavo «Politiko»

Vasco Gonçalves

Outubro de 1974


Fonte: Vasco Gonçalves - Discursos, Conferências de Imprensa, Entrevistas. Organização e Edição Augusto Paulo da Gama.
Transcrição: João Filipe Freitas
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Fernando A. S. Araújo.

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1. — Em relação à crise que teve o seu epílogo em 28 de Setembro pode-se dizer que se tratou, depois da tentativa tímida de 10 de Junho, do primeiro ataque em forma dos reaccionários desalojados do poder em 25 de Abril.

Nós, através dos nossos Serviços de Informação Militar e da colaboração dos partidos da coligação e dos movimentos democráticos, sabíamos das reuniões e movimentações dos reaccionários. Sabíamos também das armas que estavam a entrar clandestinamente no nosso país.

Tínhamos elementos concretos reveladores das intenções dos fascistas.

Sabíamos também que a minoria reaccionária iria aproveitar a concentração de populares em Lisboa na altura da realização de uma manifestação, por eles promovida e fomentada à boa maneira fascista, pagando transportes e dizendo às pessoas que vinham a Lisboa assistir a um jogo de futebol, para promoverem uma série de actos terroristas que visavam, entre outros objectivos, a eliminação de alguns elementos importantes do MFA e a consequente tomada do poder.

Como sabíamos de tudo isto tomámos as nossas medidas e de colaboração com as massas populares esmagámos esta primeira tentativa em forma da reacção, de sair à rua.

Esta foi a primeira batalha. Estamos certos que outras se seguirão. Mas estamos atentos e temos a certeza que a unidade entre o MFA e o Povo Português será suficiente para infligir novas derrotas à reacção. O Povo Português já demonstrou que só a democracia lhe interessa.

O Movimento das Forças Armadas defenderá essa vontade.

2. — As causas do nascimento do Movimento das Forças Armadas são múltiplas e complexas como deve calcular.

Como causas gerais poderão ser apontados os 48 anos de fascismo com a degradação da situação em todos os sectores da sociedade portuguesa; degradação que nas Forças Armadas se consubstanciava numa grande falta de prestígio, no carreirismo e falta de união entre os oficiais.

Como causas próximas podemos centrá-las nos 13 anos de guerra sem solução; na total incapacidade que os políticos revelavam para resolver este problema; na consciência que se foi radicando em largos sectores das Forças Armadas que o problema não poderia ser resolvido por via constitucional.

Como factor detonador pode-se apontar uma série de leis que tratavam de questões de ordem profissional, altamente lesivas dos interesses dos oficiais do quadro permanente.

As metas do Movimento das Forças Armadas encontram-se no Programa apresentado à Nação a 25 de Abril e podem-se sintetizar em três tópicos: democratizar, descolonizar, desenvolver.

3. — A sua observação é correcta. Na verdade, consideramos a democratização e descolonização duas faces de uma mesma política. Como sabe, um país, um povo não se pode considerar livre (democrático) enquanto oprimir outros povos. Ora 500 anos de colonialismo eram a principal causa que nos mantinha afastados do convívio das nações livres, amantes da paz e do progresso. Ao fazermos o 25 de Abril e ao iniciarmos o processo de descolonização estamos a acelerar a democratização de todos os sectores da vida portuguesa.

Além disso o 25 de Abril veio fazer Portugal reencontrar aquilo que podemos chamar o seu destino histórico: «dar novos mundos ao mundo». Agora já sem preocupações expansionistas e afastando todo e qualquer esqui cio de neo-colonialismo. Queremos que Angola, Guiné e Moçambique constituam países livres e verdadeiramente independentes. Estamos confiantes que o serão e temos a certeza que no futuro os laços de Portugal com esses novos países serão ampliados e reforçados.

4. — Já o tenho afirmado algumas vezes mas penso que não será de mais repetir que o processo de descolonização será diferente em cada um dos territórios.

Quanto a Angola o problema é de particular complexidade.

Há três movimentos emancipalistas e um deles ainda não conseguiu ultrapassar totalmente os seus problemas internos.

Há uma composição social e política também original.

Sendo assim a descolonização de Angola será mais demorada.

Pensamos concretamente abrir negociações com os três movimentos emancipalistas de modo a acordarmos um cessar-fogo e a constituição de um governo de coligação que conduzirá Angola à independência.

Podem, no entanto, o mundo e a população de Angola ficar tranquilos. Em breve serão dados passos firmes no sentido da sua total independência. Também em relação a Angola não transigiremos frente a tentativas quer racistas quer neocolonialistas.

5. — A direcção da política externa de Portugal, como aliás a definição dos outros princípios políticos, sociais e económicos por que nos regemos, encontra-se definida no Programa do Movimento das Forças Armadas que no respeitante a esta matéria afirma: «O Governo Provisório orientar-se-á em matéria de política externa pelos princípios da independência e da igualdade entre os Estados, da não ingerência nos assuntos internos dos outros países e na defesa da paz, alargando e diversificando relações internacionais com base na amizade e cooperação».

Penso que nada mais seja necessário acrescentar a não ser que nestes 5 meses grandes passos têm sido dados neste campo: alargámos as nossas relações para os países da Europa de Leste e a descolonização abre-nos muito boas perspectivas, em alguns casos já concretizadas com o reatamento de relações diplomáticas, no futuro das nossas relações com países da África e Ásia.

6. — O meu governo está interessado no mais curto prazo de tempo possível institucionalizar o regime democrático. Em garantir o exercício das várias liberdades democráticas. Já saíram leis a garantir o direito à greve, a liberdade de manifestação; em breve sairão leis sobre os partidos políticos, as associações sindicais e patronais e uma lei a garantir a liberdade de imprensa; em breve será também criado um serviço de informação que tem como principal finalidade a defesa da democracia dos ataques da reacção.

As principais dificuldades são as decorrentes da herança que recebemos.

A direita reaccionária conserva ainda postos importantes e não se quer resignar ao seu papel de vencida pelo 25 de Abril.

Podemos garantir porém que quer a Junta de Salvação Nacional quer o Governo Provisório estão atentos e não permitirão, mesmo que para tal tenham que empregar a força, que alguém modifique o rumo de democratização traçado pelo Movimento das Forças Armadas.

O Povo Português legitimou, através de grandes manifestações de apoio ao MFA, o processo iniciado em 25 de Abril. Nós não permitiremos, seja a quem for, a paralisação desse processo.

7. — Não é novidade para ninguém, nem sequer constitui originalidade histórica, a situação de ruína a que os fascistas conduzem as nações onde se conseguem implantar.

Assim viemos encontrar o país na cauda dos países da Europa e debatendo-se com sérios problemas de carácter económico e social.

De imediato as dificuldades centram-se na resolução do problema da inflação e do desemprego. Já foram tomadas algumas medidas, como o fim das várias taxas proteccionistas, uma melhor selectividade no que se refere à nossa política de crédito, a definição de uma política de construção social, já se fez uma primeira aproximação à reforma fiscal e proximamente serão tomadas medidas no que concerne ao campo da política agrícola; já foi instituído um salário mínimo nacional que beneficiou cerca de 55% da população portuguesa.

Temos consciência que estas são apenas as primeiras medidas; outras serão programadas ou já estão em curso. Muito há a fazer e será feito como vem expresso no Programa do MFA no sentido de favorecer o Povo Português e «em especial as camadas mais desfavorecidas».

8. — Não gostaria, num momento em que Portugal se abre ao inundo, dar ênfase a esta ou àquela categoria de países no processo de democratização das relações internacionais.

Penso que todos, dentro dos princípios do respeito mútuo, da não ingerência nos assuntos internos de cada país, tem um papel importante a desempenhar no desanuviamento das relações internacionais.

Isto tem também validade para os países não alinhados.

9. — A minha admiração pelo povo da Jugoslávia vem dos tempos da 2.ª Guerra Mundial, da altura em que de uma forma heróica lutou contra o avanço do nazi-fascismo. Em particular lembro-me da acção dos guerrilheiros comandados por Tito e da sua luta abnegada.

Penso aliás que esta admiração é recíproca; assim sendo, confio no futuro das relações de Portugal com a Jugoslávia quer no campo económico, quer social, quer cultural.

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Abriu o arquivo 05/05/2014