MIA > Biblioteca > Frantz Fanon > Novidades
A 3 de Janeiro de 1958, as “Antilhas Britânicas” desapareceram, para darem lugar a uma “Federação das Índias Ocidentais”, destinada a transformar-se como o Ghana, por exemplo — num domínio no seio da Commonwealth.
Uma colónia acaba, pois, de obter a sua autonomia interna, com a promessa de independência, no arquipélago das Antilhas.
Que significado tem este acontecimento para os povos de uma das regiões do Globo mais longamente marcada pelo colonialismo?
O arquipélago das Caraíbas, como também se chama às Antilhas (do nome dos seus primeiros habitantes, os índios Caraíbas, completamente desaparecidos, primeiras vítimas da exploração branca nesta região), é constituído por uma poeira de ilhas, umas grandes, outras minúsculas, que se dispõem entre a América do Norte e a América do Sul; comandam, assim, a passagem para o canal do Panamá, nó essencial de comunicações para a América.
Toda a sua história foi marcada pela sua situação num clima tropical e pela riqueza do seu solo, que as torna particularmente propícias à produção da cana-de-açúcar.
Quando os Europeus descobriram a América, o açúcar de beterraba não era ainda conhecido: a possessão destas terras de açúcar tornava-se uma fonte de riqueza e cada potência quis ter a ”sua” Antilha. Espanhóis, Ingleses, Franceses, Holandeses, organizaram, nos seus respectivos domínios, a produção e a exploração do açúcar de cana, em proveito exclusivo da “metrópole”.
Punha-se um problema, o da mão-de-obra; os índios Caraíbas não resistiram ao trabalho extremamente duro exigido nas plantações. E em breve o “tráfico de negros” foi o meio utilizado para os substituir: carregamentos inteiros de escravos “importados” da África em condições horríveis foram despejados nas Antilhas.
Durante séculos, a mão-de-obra negra foi assim açambarcada, vendida, comprada, arrebanhada e obrigada a trabalhar como verdadeiro gado, trabalho de que os Estados europeus beneficiavam por intermédio dos grandes proprietários, dos plantadores brancos, dos comerciantes, dos importadores dos portos da Europa.
E, perante o poderio extraordinário dos plantadores brancos, a abolição da escravatura no século XIX revelou-se incapaz de provocar a melhoria real da situação dos trabalhadores negros. Estes tiveram de permanecer operários agrícolas nas plantações, e ainda hoje as suas miseráveis barracas rodeiam a casa luxuosa do plantador.
“A abolição da escravatura deixou o recém-liberto tão dependente e à mercê do açúcar rei como o fora enquanto escravo.” (Eric Williams.)
A “realeza do açúcar”, forma antilhana do colonialismo, fez destas ilhas, outrora florescentes, uma das regiões “subdesenvolvidas” do Mundo.
Cultura exclusiva de um produto destinado à exportação, em vez de culturas alimentares; ausência de industrialização; vida cara porque tudo tem de ser importado da “metrópole”, situada a 7000 km, ou, no melhor dos casos, da América); concentração das terras nas mãos de alguns grandes proprietários todos-poderosos em relação aos seus operários e às administrações; miséria dos camponeses sem terra, reduzidos ao desemprego, cada vez mais numerosos devido a um crescimento demográfico muito forte; tentativas de emigração para o estrangeiro (porto-riquenhos para os EUA, jamaicanos para Inglaterra) ou reagrupamento nos bairros-de-lata dos subúrbios; analfabetismo, subalimentação, saúde deficiente.
Miséria de todos os colonizados, terrivelmente agravada por um racismo odioso, talvez a mais cruel sequela da escravatura, que opôs entre si brancos, negros e também mulatos. Miséria contra a qual a luta é especialmente difícil, dados os particularismos criados por quatro séculos de colonização.
Porque estas ilhas, que têm, de um modo geral, o mesmo clima, a mesma população, os mesmos problemas económicos e sociais, foram modeladas por senhores diferentes: os Jamaicanos falam inglês, ou um patoá à base do inglês, leem livros ingleses, consomem produtos ingleses, vão (quando podem) para as universidades ou para as fábricas inglesas e lutam contra o poder inglês.
Os Porto-Riquenhos, na maioria de origem branca, estão muito ligados à língua da sua antiga metrópole, a Espanha, mesmo quando emigram para a América do Norte.
Os antilhanos da Martinica e de Guadalupe, “Departamento do Ultramar”, suportam desde há séculos a política de assimilação cara à França, tendente a despojá-los sistematicamente da sua personalidade, a ponto de alguns deles serem funcionários da França nas suas outras colónias.
Se Aimé Césaire pode falar “numa espécie de gueto insular” entre as diferentes ilhas, quer dizer que a solidariedade antilhana, inscrita nos fatos e sentida pelos antilhanos mais conscientes, está longe ainda de se traduzir na vida quotidiana e mesmo na luta de emancipação: cada uma das ilhas tem, em primeiro lugar, de adaptar o seu esforço contra o inimigo particular e vencer.
Em todas as Antilhas, o movimento de libertação econômica e política do século XIX está inserido num renascimento cultural de múltiplas formas: tomada de consciência da história antilhana, reabilitação das tradições populares, redescoberta dos cultos africanos como forma de resistência à opressão ocidental e cristã (ao “cristianismo forçado”), aceitação do passado de escravatura, orgulho de pertencer à raça negra.
Este renascimento manifesta-se atualmente, com muito vigor, no plano intelectual, em Haiti, nas Antilhas francesas e nas Antilhas britânicas, onde, precisamente, uma linguagem comum, o crioulo (mistura de francês, inglês, espanhol e dialetos africanos), constitui um laço e um melhor meio de expressão da consciência antilhana.
Quanto às reivindicações, são tanto mais enérgicas quanto mais a opressão colonial e a opressão racial agravam a opressão social na maioria das ilhas.
Na Jamaica: Os trabalhadores da indústria açucareira organizam-se a partir de 1920, tendo como líder Bustamante. Em 1938, uma revolta é reprimida pelo exército. Nessa época aparece um partido político, o People’s National Party (PNP), impulsionado por um advogado, Norman Manley. O PNP é o partido político de união nacional mais poderoso; enquanto Bustamante, demagogo, se torna ditatorial no seu sindicato (de que é “presidente vitalício”!) cria-se uma nova central ligada ao PNP.
Em 1934, o partido de Manley é maioritário no pais e na Assembleia: uma depuração, no seio do partido, decapita a ala esquerda, que tinha alguns marxistas e sobretudo sindicalistas.
Desde então, Norman Manley, chefe do Governo da Jamaica, evolui para o reformismo; suscita uma terceira central sindical e visa transformações económicas superficiais com a ajuda, no exterior, dos EUA e, no interior, dos plantadores “nacionais”. Mas o PNP mantém-se sólido e majoritário. Manley é um dos homens políticos das Caraíbas que “pensa em antilhano”. Para ele, uma nação antilhana acaba de nascer, a federação inglesa não é mais do que uma etape. O estatuto de domínio será a segunda etape, que permite pensar numa confederação trilingue de todas as Antilhas. Manley mantém-se majoritário na Jamaica porque exprime a consciência nacional antilhana: faz grandes progressos na consciência popular a ideia de uma nação antilhana.
Na Trindade: A presença de jazigos de petróleo deu origem a uma industrialização única nas Antilhas.
Em 1919, primeiras greves de estivadores e início de um grande movimento de reivindicação política, animado por um colono branco: o “capitão” Cipriani, que virá a ser prefeito de Port of Spain, a capital.
Em Fevereiro de 1935, novos incidentes. Em 1937: uma marcha da fome sobre Port of Spain transforma-se numa verdadeira sublevação, esmagada pelo exército inglês. Mas organiza-se um sindicato sob o impulso de um líder ativo: Butler, e hoje a Oil Workers Trade Union (Sindicato dos Trabalhadores do Petróleo) desempenha um papel muito importante na organização económica da ilha.
A partir de 1955, Eric Williams organizou, segundo o modelo do PNP da Jamaica, um People’s National Mouvement (PNM), que, em Setembro de 1956, obteve a maioria absoluta nas eleições; apesar disso, Eric Williams foi expulso, o PNM não está no Poder; a sua primeira reivindicação é a autonomia interna com sufrágio universal.
Na Barbados; O exemplo do levantamento de 1937 na Trindade foi contagioso: Clement Payne organiza os primeiros sindicatos. Em 1945, novos incidentes, incêndio de uma colheita de cana-de-açúcar. Dois movimentos existem desde a guerra, um sindicato muito poderoso dos “trabalhadores das plantações de açúcar” e um partido político socializante, atualmente no poder graças à abolição do sistema de duas câmaras desde 1950 (a primeira câmara era reservada aos brancos). O sufrágio universal levou à presidência Grantley H. Adams, advogado e líder sindical, mas a autonomia relativa da iiha é refreada pelos poderes políticos que o governador inglês conserva e pela dominação económica exercida pelos plantadores brancos.
Hoje, a Jamaica, a Trindade, a Barbados e as outras pequenas ilhas, cada uma com o seu estatuto, estão federadas. A Inglaterra, sob a pressão das forças de emancipação locais e receando uma contaminação marxista vinda da Guiana inglesa (onde o doutor Jagan é presidente desde 1957), reconheceu a existência de uma nação antilhana. Está aberta a via para a independência e a confederação continua a ser a perspectiva quer do trabalhista moderadíssimo Manley, quer do jovem Eric Williams.
A 25 de Março próximo, as eleições por sufrágio universal para o Parlamento Federal traduzirão a nova realidade.
Haiti: Haiti resulta da separação da antiga colônia francesa de S. Domingos em duas partes: a República Dominicana a leste, onde vivem os brancos, e o Haiti, a oeste, com a gente de cor.
As Antilhas Francesas “Departamentos do Ultramar”: A evolução política acelerada da Martinica e de Guadalupe data de 1944.
Confiaram na “França da Libertação” para lutar contra o poder político-económico da “plantocracia açucareira”. A população que votava socialista ou comunista tinha como primeira reivindicação a igualdade social; os líderes fizeram, pois, o jogo da “departamentalização”.
Os plantadores continuam poderosos, os operários continuam mal pagos, a legislação social e os abonos de família são muito menos vantajosos do que em França; a vida é muito cara, devido à união aduaneira que obriga a importar tudo de França; o país não está industrializado, nem a juventude completamente escolarizada. Por outro lado, a falsificação eleitoral, por outro, a ineficácia de seis deputados antilhanos, perdidos na Assembleia Nacional Francesa, tornam ilusórios os direitos políticos ligados, em princípio, ao título de cidadão francês.
“Tornamo-nos departamentos franceses e no entanto continuamos mergulhados numa miséria horrível. Portanto, a aparência jurídica nada quer dizer”, concluem A. Césaire e com ele as “Antilhas Francesas”.
As Antilhas Holandesas: Ilhas de importância menor onde, segundo as palavras da rainha Guilhermina em 1954, “o colonialismo desapareceu”. Na verdade, numa população muito diversa de 180.000 habitantes, o colonialismo “abrandou”, mas não desapareceu, as ilhas gozam de “autonomia”, o seu parlamento é eleito por sufrágio universal, mas continuam propriedade da Coroa, e o “governador do Reino” nomeia magistrados e administradores.
É esta, de um modo esquemático, a evolução política das Antilhas a caminho da independência.
Uma consciência nacional antilhana nasceu: aqui e ali, velhos quadros estalam, mas uma revolução completa e generalizada não parece possível nem necessária de imediato.
Nesta situação, os líderes políticos julgam mais prudente que cada povo comece por obter a sua independência no quadro em que se encontra, para que a federação de todas as
Antilhas não seja uma construção rápida, artificial e frágil, mas uma confederação de Estados adultos, decididos a ajudarem-se e a defenderem mutuamente a sua liberdade.
Estados independentes | Habitantes |
Cuba | 6.000.000 |
Haiti | 3.500.000 |
República Dominicana | 2.300.000 |
Colónias ou “possessões” | Habitantes |
Antilhas Francesas (Martinica e Guadalupe sobretudo) | 600.000 |
Antilhas Holandesas (Curaçau) | 1.800.000 |
Porto Rico (EUA) | 2.500.000 |
Antilhas Inglesas | 3.000.000 |
Jamaica | 1.700.000 |
Trindade | 800.000 |
Barbados | 300.000 |
Ilhas do Vento e Ilhas de Sotavento | 200.000 |
Aqui nos têm
Eis-nos
Os Negros
Os Niggers
Os sujos Negros
Já não aceitamos
É simples
Acabou-se
Estar em África
Na América
Os vossos Negros
Os vossos Niggers
Os vossos sujos... Negros
Já não aceitamos
Isso espanta-vos
Dizer: Sim siô
Ao engraxar as vossas botas
Sim siô padre
Aos missionários brancos
Sim patrão
Ao apanhar para vós
A cana-de-açúcar
O café
O algodão
O amendoim
Na África
Na América
Como bons negros
Como pobres negros
Que éramos
Que nunca mais seremos...
Notas de rodapé:
(1) El Moudjahid, n.° 16, de 15 de Janeiro de 1958. (retornar ao texto)
Inclusão | 05/07/2018 |