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Há pouco mais de um ano, ao ser anunciada a intercepção do avião onde tinham tomado lugar os representantes da FLN à conferência maghrebina de Tunis, podiam ver-se nas ruas de Argel ou de Paris franceses que se abraçavam de alegria e de entusiasmo.
A 8 de Fevereiro de 1958, na véspera da vinda a Túnis de Sua Majestade Mohammed V, convidado pelo Presidente Bourguiba, a fim de fazer o ponto da questão argelina, uma frota aérea composta de 25 aviões lançou sobre a aldeia de Sakiet Sidi Youssef uma avalancha de bombas, de foguetes, de balas de metralhadora, matando perto de 100 civis, ferindo mais de 200 e destruindo a quase totalidade da aldeia.
As diferentes incursões das forças francesas no território tunisino, nas quais dezenas de tunisinos encontraram a morte, tinham provocado a indignação do povo.
A cada uma dessas incursões os Tunisinos e as Tunisinas tomavam maior consciência do caráter precário da sua independência. Esta precariedade tinha a sua raiz, primeiro, no conflito franco-argelino; a seguir, na implantação das forças militares francesas no território nacional. Todas as vezes que o Presidente Bourguiba pedia ao Governo Francês a abertura das negociações com vista à evacuação das suas tropas, os responsáveis franceses provocavam incidentes, criavam tensão e diferiam a discussão geral sobre a partida do exército francês.
Com Sakiet Sidi Youssef, o povo tunisino convenceu-se de que não só os Franceses pretendem “puni~lo” pela sua solidariedade com o povo argelino, mas esperam ainda tomar como pretexto essa solidariedade para reconquistar a Tunísia, provando assim, de uma vez para sempre, que o Maghreb é uno e que deve ser dominado pelo imperialismo francês.
Foi por isso que os Tunisinos e as Tunisinas não precisaram de exibir a sua cólera ou de gritar a sua determinação. Durante quatro dias, com uma calma impressionante, o povo, encarando o seu destino, depois de ter previsto todos os perigos que ameaçam um povo que entende continuar livre, decidiu que Sakiet Sidi Youssef seria o último gesto do colonialismo francês na Tunísia. O que quer dizer que durante estes quatro dias de reflexão os Tunisinos e as Tunisinas, colocados mais uma vez perante uma opção fundamental, reafirmaram o juramento feito há alguns anos, de extirpar deste país os últimos vestígios do colonialismo francês. O que quer dizer também que o povo tunisino, seguindo o Presidente Bourguiba, decretou o estado de emergência. A palavra de ordem, o principio vital hoje para o povo tunisino é a evacuação total do território nacional pelos ocupantes colonialistas franceses.
Não se refletiu suficientemente na coincidência rigorosa das duas expressões mais usadas depois de 8 de Fevereiro: “evacuação”, “armas”. O povo tunisino não ignora que os Franceses não vào abandonar as suas casernas “gentilmente”. Os Tunisinos sabem que mais uma vez será preciso empurrar os soldados franceses para o mar.
Disse-se que as barreiras na estrada eram leves, que eram frágeis, simbólicas. Ironizou-se sobre a presença de espingardas de caça, de jovens néo-destouriens desarmados; os jornalistas franceses acreditados em Tunis não se cansam de demonstrar o caráter ineficaz e em suma ilusório das medidas tomadas pelo povo tunisino. Ora, há um raciocínio que se encontra ferido de nulidade nos países coloniais. É o raciocínio das coronhas ou dos tanques. Há já bastante tempo que o argumento da autoridade morreu em todos os países coloniais.
O povo tunisino tomou o compromisso perante o seu país e a sua bandeira de não abandonar a rua, de não descansar antes que o último soldado tenha sido evacuado do território nacional. É preciso que todos os franceses o saibam. Já não é possível que tropas estrangeiras, inimigas, que põem em perigo o regime interno e os fundamentos da nação, se mantenham no país, contra a vontade popular.
Em França, muitas pessoas se abraçaram. Os jornais franceses que têm tiragens de mais de 1 milhão de exemplares disseram que os tunisinos só tinham o que mereciam, que tanto pior para Bourguiba e que, pensando melhor, isto não era senão um começo. É preciso reconhecer que, nos meios oficiais, as primeiras reações exprimiram um certo incómodo. Pineau deu uma famosa entrevista de versão dupla, enquanto Gaillard ficava de súbito engripado.
Mas esta hesitação devia dar rapidamente lugar à mais extraordinária ostentação de agressividade e de belicismo desde há muito tempo. Perante o parlamento, Gaillard lançou a responsabilidade sobre Bourguiba e Pineau não hesitou em ameaçar a Tunísia com a esquadra francesa de Toulon se as tropas continuassem a ser incomodadas nos seus movimentos.
Em Argel, os Franceses convidam o governo a prosseguir as suas ações de represália e em todo o caso pensam que a aviação francesa não poderá continuar a tolerar os insultos à sua bandeira.
Decerto, houve pessoas em França que lamentaram Sakiet Sidi Youssef, mas esses lamentos são circunstanciais. É um erro, puderam dizer, ou uma falta. Alguns insistiram na ino- portunidade do fato. Outros, que era preciso prestar atenção à Cruz Vermelha, etc. Há finalmente os outros lamentos, os que são sinceros, mas de uma sinceridade infelizmente ineficaz.
De qualquer maneira, o que o povo tunisino reclama não são lamentos. O que os Tunisinos e as Tunisinas reclamam não são indemnizações pelas vitimas de Sakiet Sidi Youssef; homens, mulheres e crianças caíram sob os golpes do colonialismo para que o Maghreb unificado viva na independência e na liberdade.
A decisão do Governo Tunisino de levar o crime de Sakiet ao Conselho de Segurança exprime exemplarmente a profundidade da vontade tunisina.
Visto estar provado agora aos olhos da opinião internacional que o exército francês, que não se ilustra senão pela rapina ou pelos massacres de civis, entende servir de meio de pressão sobre o Governo Tunisino ameaçando constantemente a independência nacional, cabe ao Conselho de Segurança dizer se aceitará que um exército estrangeiro ocupe um país contra a vontade deste.
A opinião mundial, na sua grande maioria, não hesitou em condenar a agressão francesa. Os Americanos, escravos da sua loucura maniqueísta, tremem há oito dias de medo que a Tunísia “soçobre no nasserismo”. E vemos os jornalistas americanos inquirir à direita e à esquerda sobre os riscos dessa reviravolta.
É preciso que os Americanos saibam que, se querem lutar contra o comunismo, devem, em certos setores, adotar atitudes comunistas. Para os povos coloniais escravizados pelas nações ocidentais, os países comunistas são os únicos que em qualquer ocasião tomam a sua defesa. Os países coloniais não têm de se preocupar com saber se esta atitude é ditada pelo interesse da estratégia comunista; verificam sobretudo que este comportamento geral vai no sentido dos seus próprios interesses.
Os povos coloniais não são especialmente comunistas, mas são irredutívelmente anticolonialistas.
Não escolherão os Estados Unidos por terem medo do comunismo, mas porque a sua atitude nos grandes problemas que perturbam o mundo contemporâneo, na ocorrência os problemas de descolonização, será conforme a um espírito de solidariedade, de equidade e de justiça autêntica.
O povo argelino, por muito que isso desagrade a certos doentes do coração ou do espírito, não rejubila por Sakiet Sidi Youssef ter sido bombardeada. Não procuramos explorar este acontecimento. Opomo-nos radicalmente à política do pior. Foi com emoção e com dor que tomamos conhecimento da matança horrorosa de Sakiet Sidi Youssef.
Nenhuma morte de homem é indispensável ao triunfo da liberdade. Acontece que é preciso aceitar o risco da morte para que nasça a liberdade, mas não é com o coração alegre que se assiste a tantos massacres e a tantas ignomínias. Se bem que o povo argelino tenha a experiência quotidiana dos B-26 franceses, ficou abalado com a tragédia de Sakiet Sidi Youssef.
O Comité de Coordenação e de Execução da FLN ofereceu ao povo tunisino pôr a seu lado todas as tropas disponíveis para o ajudar a expulsar da Tunísia o ocupante francês.
Mantemos esta oferta e dizemos ao povo tunisino que estamos juntos no melhor e no pior e que o sangue do Maghreb é suficientemente generoso e que se oferece em grandes ondas para que da Argélia a Sfax não haja mais soldados franceses que ameacem, torturem e massacrem.
Notas de rodapé:
(1) El Moudjahid, n.° 18, de 15 de Fevereiro de 1958. (retornar ao texto)
Inclusão | 09/07/2018 |