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Se considerarmos a obra da Terceira República, fazendo-se a abstração das críticas que ela possa comportar não se poderia desconhecer o grande esforço social que ela realizou esforço de que resultam vantagens consideráveis em proveito da massa operária. Essas vantagens se resumem como se segue: seguros sociais, aposentadoria operária, participação de benefícios em um grande número de indústrias, proteção das cooperativas e da mutualidade sob todas as suas formas. De outra parte, cursos para aprendizagem da mão de obra foram estabelecidos em toda a França. 160 mil trabalhadores já se haviam beneficiado em 1916; essa cifra se elevou para 1.200.000 em 1923.
O Ministério do Trabalho acaba de publicar um resumo sugestivo de reformas realizadas no domínio que lhe é afeto. Aí se assinalam tentativas audaciosas e transformações decisivas na obra social. O papel deste Ministério é de importância capital; ele consiste em assegurar a produção nacional, regularizar o mercado de trabalho, arbitrar as greves, pacificar os conflitos. Graças à sua intervenção a França contava mais de 120 mil operários desempregados em abril de 1911, não havia mais de mil e quinhentos em 1923. Ele criou para isto o trabalho “dito de seguros” e dotaram de subvenções consideráveis as caixas de desemprego criadas pelos sindicatos.
O direito de greve legitima é a arma do trabalhador contra as pretensões exageradas dos capitalistas, dos capitães da indústria. Mas é uma arma de dois gumes que se volta às vezes contra aquele que dela se serve e o fere. Por outro lado, as greves se estendendo, podem paralisar toda a vida econômica de um país e causar privações, sofrimentos, cruéis a todo um povo sem distinção de classes.
É então que a ação do Estado pode ser eficaz não em se impondo como árbitro obrigatório, mas fazendo todos entenderem, pelos seus representantes, as palavras de pacificação e conciliação e procurando com os interessados, em um espírito de equidade, os meios de dar prosseguimento à obra especifica e fecunda do trabalho. Por exemplo, em 1922, viu-se 679 greves, interessando a mais de 40 mil trabalhadores, arbitradas com sucesso.
De outra parte a cooperação sob todas as formas, alcançou um grande desenvolvimento, tornou-se um recurso precioso para melhorar as condições de existência do trabalhador e sua família. O número de cooperativas de consumo se elevava a 4910 em 1920 com dois milhões e quinhentos mil aderentes á um orçamento de 2 bilhões.
Foi assim que, desde há meio século vemos se desenvolver a obra social de uma maneira lenta, é verdade; mas segura e continua; obra de paciência e de um longo fôlego, muito mais eficaz em seus efeitos que as revoluções violentas que levam fatalmente a reações não menos violentas.
Apesar de todas estas melhorias o povo permanece descontente, a classe operária parece desdenhar as realizações graduais, metódicas dos processos sociais, uma espécie de azedume persiste entre um grande número e, entretanto, a situação material do operário, é, em geral, preferível à da pequena burguesia.
Por que o povo permanece desconfiado e às vezes hostil? É que ele foi por muito tempo enganado, subestimado e mesmo traído em seu passado. O povo se tornou incrédulo não apenas a respeito dos dogmas, mas ainda a respeito das promessas eleitorais; entretanto, ele não é cético. O que ele pede antes de tudo é a justiça. E esta aspiração que ele cultiva para a justiça imanente não é um sentimento poderoso e quase religioso? Pode se encontrar no fundo da consciência e está aí no meio de incerteza e contradição o que nos orienta para um estado melhor. Faltam-nos instituições que cultivem a justiça, na família, na cidade, que dela tornem o móvel de todas as ações.
Neste sentido há muito ainda que fizer, pois, não é tudo assegurar ao trabalhador o pão e a moradia. O povo não tem apenas necessidades materiais, ele pede também que se cultivem suas faculdades superiores; na instrução, muito negligenciada por uma política materialista, por sua insuficiência e seus falsos métodos contribuiu muito para criar o mal estar que sofremos. Povo tornado soberano tem necessidade de ser mais conhecido em seus votos e seus julgamentos.
É preciso preocupar-se em dar ao homem uma fé livre e desinteressada, que o sustente em suas provas, uma crença racional que lhe permita reagir contra as causas de infelicidade. É chegada à hora de substituir o dogma envelhecido por um ideal científico e esclarecido em harmonia com a evolução humana. Então o povo mostrará todas as qualidades que subsistem nele e ver-se-á dissipar os preconceitos e a desconfiança que a democracia inspira ainda a certos espíritos inquietos.
Com efeito, o problema intelectual se relaciona estreitamente com o problema moral. Todos os dois nos impõem o dever de combater o alcoolismo e todos os vícios que entravam o desenvolvimento da raça. É preciso ensinar o homem a se respeitar a si mesmo, a salvaguardar sua própria dignidade, pois elevando o nível moral trabalha-se ao mesmo tempo para resolver todos os problemas difíceis da hora presente.
O sentimento de justiça, do qual acabamos de falar, encontra sua sanção em todos os ensinamentos do Espiritismo. A massa enorme de testemunhas de Ultratumba não é a prova de que esta noção é a própria lei do Universo, a regra suprema dos seres e das coisas? Reunida à lei da evolução que aí se prende estreitamente, esta prova proporcionaria às instituições baseadas no progresso da justiça uma força moral incomparável e uma espécie de consagração.
Não esqueçamos que a solução destes problemas sociais não poderia ser completa, satisfatória e definitiva, enquanto um alto pensamento não vier irradiar sobre as inteligências e os corações; enquanto o impulso de solidariedade humana não vier dissipar os mal-entendidos de sentimentos que separam ainda os Partidos e as Classes, facilitar a fusão dos interesses, a união dos esforços na concretização da obra comum. Fora preciso mais de consciência em uns, mais de justiça em outros, consentimento de deveres e responsabilidades que Incumbem a todos na medida dos recursos e do poder de cada um.
Neste grande pensamento, neste nobre ideal, nestes sentimentos elevados, Jean Jaurès se inspirava em seus discursos e em seus atos e daí a forte impressão que ele exercia sobre seus auditores. Depois de sua morte, procuramos entre os socialistas aqueles que se tornaram dignos de substituí-lo, mas guardamos a esperança de vê-los surgir um dia.
Esperando, é uma grande doutrina que vem mostrar a todos os laços de eternidade que nos religam através de uma vida renascente em nossa marcha para uma mesma finalidade grandiosa e remota. Só ela pode nos ajudar a resolver os numerosos problemas que inquietam e apaixonam ainda o espírito humano.
O Socialismo do futuro será o Socialismo espiritualista, pois realizará um ideal baseado no desenvolvimento da mais alta faculdade da alma. Só ele poderá dissipar os prejuízos de castas, de raças, de cores, de religiões e fazer nascer um sentimento profundo de fraternidade única.
Qual será seu programa de ação num período de lutas que tendo se encerrado deverá coroar sua obra de regeneração social?
Cremos que este programa pode se resumir como se segue:
★ ★ ★
Propõem-me, a propósito da economia social, uma série de questões das quais vou me esforçar por responder:
Por que — perguntam-me — o plano das reformas sociais tão legítimo e tão urgente está tão longe de se realizar? Que devemos pensar do conflito permanente entre capital e trabalho, do sindicalismo, da CGT e a lei das oito horas?
Qual é a fórmula mais prática da cooperação operária e dos interesses do Estado?
O Socialismo mesmo em suas reivindicações as mais legítimas, joga contradições robustas diante das quais se vê constrangido a ceder. Se, nos meios parlamentares, no seio da oposição, ele se mostra intransigente, desde que retornou ao poder, vê logo moderar sua ação, suspender seu programa de reformas e contemporizar. Ramsay Mac Donald era na oposição da Câmara dos Comuns, o mais virulento orador trabalhista; feito Primeiro Ministro declarou ele próprio conciliar as novas reformas com as formas antigas da sociedade inglesa. Ordenava àqueles que pretendem reformar em um dia os homens e as instituições e deixou para mais tarde a nacionalização das minas e das estradas de ferro sonhada por seu partido.
“Nosso programa de reformas — disse ele — será obra de gerações sucessivas e mesmo quando estivermos mortos, e esquecidos, a marcha continuará. O ideal de um grande futuro se acenará ainda diante de nosso povo”.
Ramsay MacDonald não acreditava nem na existência de classes opostas, nem na luta entre elas, nem na revolução fatal, nem mesmo na revolução possível (Journal de Geneve, 2 de setembro de 1924).
Em um sentido diferente a República dos Soviéticos, que outrora havia abolido o capital e a propriedade, se apressa hoje em solicitar empréstimos junto de todos aqueles que poderão ir oferecer grandes somas, ela oferece, como garantia aos financeiros, concessões de minas e de florestas.
Na França, os socialistas terão cuidado em não cair nesses excessos, eles sabem que o capital é uma força, é a reserva dos povos e vê-se que os bolcheviques não podem tentar o erguimento de seu país sem fazer anelo aos créditos. Por todos os lados, os portadores de títulos são legiões, e são encontrados até entre os mais humildes trabalhadores.
Assim o Socialismo age pela força mesma das coisas. Ele reconhece que o capital é necessário para a realização dos grandes trabalhos e prosseguimento das atividades e a direção-geral da mão de obra. Seu objetivo essencial será então uma repartição mais equitativa e mais igualitária da riqueza entre os diversos elementos da produção. Quanto aos excessos provenientes de um mau uso da força financeira, pode-se sempre reprimi-los por leis quando ele adquirir o poder.
Enumeramos antes todas as inovações criadas pelo Estado em favor das classes trabalhadoras e a este assunto não nos retornaremos. Acrescentamos apenas que a burguesia não vê sem temor sua ingerência na produção industrial. E que a experiência demonstrou que o Estado é muitas vezes um mal explorador, um produtor oneroso. As exigências dos trabalhadores e dos funcionários que ele emprega, eleva o preço de revenda do produtor a cifras que torna a exportação impossível. Os outros Estados, aqueles que têm à sua guarda um regime de liberdade, como os Estados Unidos, guardaram sua supremacia sobre todos os mercados e suas vantagens serão tais que eles não sonharão jamais em adotar os métodos do Estadismo.
Um Socialismo sábio e avisado deverá refazer da obra geral uma vasta parte da iniciativa privada, fontes de energia e emulação e de concorrência fecunda.
No que concerne às grandes associações patronais e operárias, as Federações de sindicatos devem reconhecer, no mesmo grau, sua justa razão de ser na justa medida em que colocaram o interesse superior do país acima dos interesses de castas ou de incorporação. É preciso admiti-los como legítimo à condição de não sair do seu papel social e abster desse espírito de dominação que tende à opressão de uma classe pela outra e resulta em reações ao contrário.
Não é um instinto natural que leva o homem agrupar suas forças tendo em vista um perigo a ocorrer, de uma dificuldade a ser ultrapassada? A ordem social deve comportar a liberdade de associação mantendo um justo equilíbrio entre seus agrupamentos de força e se opondo às usurpações de uns pelos outros, cada qual velando por seus interesses próprios.
Na ordem econômica, a solução do problema está na associação do capital, motor indispensável de toda empresa, da inteligência diretiva e da mão de obra que ele ocupa. Aí como em todas as coisas, a equidade deve presidir à repartição dos bens. É a finalidade mediata e terrestre do ideal democrático e é porque as massas operárias colocaram nele a esperança e a sua fé.
Sem dúvida, o acordo não é fácil de ser realizado. Os conflitos periódicos que eclodem na vidraria operária de Albi entrem a direção e o conselho de trabalhadores o demonstra. Porém nada se obtém sem trabalho! Devemos assinalar inovações felizes que dão a fórmula mais prática à solução do problema cooperativo: certas indústrias grandes, inglesas e americanas, criaram o que eles chamam a “La'acti'onníat coparínership”, isto é, a participação do operário a uma parte do capital que ele adquire pondo em obra uma parte de sua economia e de seu pagamento completados pela direção na proporção do tempo e de serviço realizado. Outras companhias criam “ações de trabalho” que vêm se juntar aos salários dos trabalhadores especializados, de modo que eles se tornam a si mesmos coproprietários.
A experiência mostra que estes sistemas são preferíveis à simples participação dos benefícios, pois que asseguram uma repartição mais justa nos lucros e nas perdas.
Quanto à lei de oito horas, se sua aplicação parece justificada por certas indústrias, como as minas, a metalurgia, as vidrarias, etc., em outros casos ela produziu verdadeiros abusos. Por exemplo, as companhias de estrada de ferro tiveram de aumentar seu pessoal em proporções que ocasionavam despesas excessivas. Foi-lhes preciso, pois aumentar as tarifas de transportes que se tornaram um embaraço considerável e uma das causas permanentes da carestia da vida.
Ainda deste ponto de vista, a liberdade do trabalho nos parece preferível, sobretudo agora que o operário possui, em seu sindicato, a maneira de lutar com armas iguais com seu patrão. Além disso, a lei das oito horas já sofreu tantas derrogações que não é mais que uma letra morta. Sob este ponto, como sob tantos outros, a necessidade obriga a transações. Para produzir todos estes elementos benfeitores, o socialismo não deve se confinar no realismo de curta vida e desconhecer a importância do fator moral na solução dos problemas que ele quer resolver. O Espiritismo é um poderoso meio de propaganda e de realização de todas as ideias grandes, generosas e humanitárias. Ele oferece ao Socialismo uma base e uma sanção demonstrando que os princípios de solidariedade, de fraternidade e de justiça, que constituem sua própria essência, se encontram nas leis Universais é a regra dos mundos superiores.
Até aqui, o Socialismo não pode vencer os preconceitos que se dirigem contra ele. O Espiritismo vem com sua alta doutrina e sua ciência experimental, trazer-lhe os recursos necessários para triunfar dos obstáculos e aplainar o seu caminho. Já os resultados desse grande movimento elevador do pensamento surgem aos olhos daqueles que sabem medir a marcha e calcular as vastas consequências.
Logo, do próprio seio do partido socialista surgirão homens dotados pela palavra e pela pena e que encontrarão os argumentos decisivos em favor de sua causa. O Estudo do Espiritismo mostra lhes a solidariedade que os liga à Humanidade invisível como duas partes de um mesmo todo, mostrar-lhes-á que as condições de vida no Além que são as consequências de nossos atos, são regidas pelo princípio de soberana justiça e que é necessário que se as conheça para saber estabelecer sobre a Terra, leis, instituições sociais, sábias e harmônicas.
Inclusão | 07/08/2018 |