MIA > Biblioteca > José Chasin > Novidades
Primeira Edição: Excerto do livro O Integralismo de Plínio Salgado — Forma de Regressividade no capitalismo Híper-tardio. São Paulo, Ad Hominem/UNA, 1999, (2ª edição).
Fonte: ....
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
O problema das formas atípicas ou, melhor dizendo, particulares de formação do modo de produção capitalista interessa-nos, no âmbito desse trabalho, especialmente por duas razões: a primeira liga-se à questão do fascismo, a segunda à questão do integralismo.
Figure, apenas como preambulação de ordem geral, uma pequena passagem de Marx, extraída de sua Crítica ao Programa de Gotha:
“A ‘sociedade atual’ é a sociedade capitalista que existe em todos os países civilizados, mais ou menos expurgada de elementos medievais, mais ou menos modificada pela evolução histórica particular de cada país, mais ou menos desenvolvida. O ‘estado atual’, pelo contrário, muda com a fronteira. É diferente no Império prussiano-alemão e na Suíça, na Inglaterra e nos Estados Unidos. O ‘estado atual’ é pois uma ficção. No entanto, os diversos estados dos diversos países civilizados, não obstante a múltipla diversidade das suas formas, têm todos em comum o fato de que assentam no terreno da sociedade burguesa moderna, mais ou menos desenvolvida do ponto de vista capitalista. É o que faz com que certos caracteres essenciais lhes sejam comuns. Neste sentido, pode falar-se do ‘estado atual’ tomado como expressão genérica, por contraste com o futuro em que a sociedade burguesa, que no presente lhe serve de raiz, terá deixado de existir” (os grifos são nossos)(1).
Basta isto para que fique ressaltado, o que aliás é explícito, que a “sociedade é a raiz do estado”. Numa outra passagem, poucas linhas acima, o mesmo já havia sido afirmado expressamente, exigindo Marx que se tratasse “a sociedade presente (e isto é válido para qualquer sociedade futura) como o fundamento do estado presente (ou futuro, para a sociedade futura)”, e isto para condenar cabalmente o tratamento que considera “o Estado como uma realidade independente, que possui os seus próprios ‘fundamentos intelectuais, morais e livres’”(2). De modo que estamos, aqui, completamente afastados de uma concepção em que a determinação em última instância do estado pelo econômico seja uma forma de pensar a relação como uma sorte de distanciamento e afrouxamento da determinação econômica. Ao contrário, última instância significa determinação essencial, raiz para além da qual nada há a buscar, terminação precisamente porque ela é a radicalidade das coisas e sua gênese. Que medeie aí uma rica gama de mediações e a determinação fundamental não seja entendida mecanicamente também é uma clara evidência. Tanto que há uma anatomia universalmente válida para a sociedade civil, enquanto que para o estado atual não resta mais do que uma expressão genérica, súmula apenas de certos caracteres essenciais,estes devidos também, sem escape, diretamente ao fato de que as diversas formas de estado assentam todas no terreno da sociedade burguesa. E, para anotar que as diferenciações possíveis sobre a mesma anatomia são dadas como enormes, basta reproduzir o contraste estabelecido por Marx entre a “república democrática” que implica o “reconhecimento do que se chama a soberania do povo” e que já vigora na Suíça, nos Estados Unidos etc., e que “não existe de modo algum no interior das fronteiras do Império alemão”, e o estado prussiano “que não passa de um despotismo militar, com uma armadura burocrática e blindagem policial, adornado de formas parlamentares, com misturas de elementos feudais e de influências burguesas”(3). Mas, grife-se com toda força, não se trata de qualquer combinatória de ordem aleatória.
Tais determinações ficam ainda mais adensadas quando atentamos para que, no fragmento da Crítica inicialmente citado, há algo mais, um outro aspecto que nos interessa muito de perto: a sociedade pode se apresentar mais ou menos desenvolvida do ponto de vista capitalista, mais ou menos expurgada de elementos pré-capitalistas, mais ou menos modificada pelo processo histórico particular de cada país. De maneira que há modos e estágios de ser, no ser e no ir sendo capitalismo, que não desmentem a anatomia, mas que a realizam através de concreções específicas.
Tudo considerado, não se está em face do conceito de modo de produção como diante de um quadro sinótico, rígido na sua unidirecionalidade achatada de uma só dimensão, mas diante de uma totalidade anatomicamente ordenada e em processo, apta e obrigada a colher o particular concreto.
Posto isto, retomemos a noção de via prussiana.
Via prussiana, ou caminho prussiano para o capitalismo, como a denominou Lenin, aponta para um processo particular de constituição do modo de produção capitalista. No dizer de Carlos Nelson Coutinho, trata-se de um itinerário para o progresso social sempre no quadro de uma conciliação com o atraso:
“Ao invés das velhas forças e relações sociais serem extirpadas através de amplos movimentos populares de massa, como é característico da ‘via francesa’ ou da ‘via russa’, a alteração social se faz mediante conciliações entre o novo e o velho, ou seja, tendo-se em conta o plano imediatamente político, mediante um reformismo ‘pelo alto’ que exclui inteiramente a participação popular”(4).
Se a denominação é devida a Lenin, a observação da particularidade do atraso alemão, sabe-se, é algo bem mais antigo. As menções que fizemos da Crítica do Programa de Gotha (1875) a contêm, e basta lembrar da Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (1843) para constatar a antiguidade e a permanência da postura. Lê-se expressamente neste último texto:
“Porém a Alemanha não escalou simultaneamente com os povos modernos as fases intermediárias da emancipação política. Não chegou, sequer, praticamente, às fases que teoricamente superou”(5).
E ainda mais:
“Todavia, se a Alemanha só tem acompanhado com a atividade abstrata o desenvolvimento dos povos modernos, sem chegar a tomar parte ativa nas lutas reais deste desenvolvimento, não é menos certo que, de outra parte, tem compartilhado dos sofrimentos deste desenvolvimento, sem participar de seus gozos, nem de sua parcial satisfação. À atividade abstrata, de um lado, corresponde, de outro, o sofrimento abstrato. E, assim, a Alemanha se encontrará, um bom dia, ao nível da decadência europeia antes de haver chegado jamais ao nível da emancipação europeia. /…/ Consideremos, primeiramente, os governos alemães, e os veremos impulsionados pelas condições da época, pela situação da Alemanha, pela perspectiva da cultura alemã e, finalmente, por seu próprio instinto certeiro, a combinar os defeitos civilizados do mundo dos estados modernos, cujas vantagens não possuímos, com os defeitos bárbaros do antigo regime,dos quais nos podemos jactar à saciedade, de tal modo que a Alemanha, se não por bom senso, pelo menos por falta de senso, tem que participar cada vez mais daquelas formações estatais que ficam para além de seu status quo. /…/ Assim como no panteão romano se reuniam os deuses de todas as nações, no sacro império romano-germânico se reúnem os pecados de todas as formas de estado”(6).
E logo no prefácio à primeira edição de O Capital, que temos, cerca de um quarto de século depois, se não a plena confirmação das mesmas determinações?
“É muito pior que a da Inglaterra a situação nos lugares da Alemanha onde se implantou a produção capitalista, por exemplo, nas fábricas propriamente ditas, e isto por faltar o contrapeso das leis fabris. Nos demais setores, a Alemanha, como o resto da parte ocidental do continente europeu, é atormentada não apenas pelo desenvolvimento da produção capitalista, mas também pela carência desse desenvolvimento. Além dos males modernos, oprime a nós alemães uma série de males herdados, originários de modos de produção arcaicos, caducos, com seu séquito de relações políticas e sociais contrárias ao espírito do tempo. Somos atormentados pelos vivos e, também, pelos mortos. Le mort saisit le vif.”(7)
Trata-se, enfim, da “miséria alemã”, que Lukács, numa de suas muitas retomadas da questão, menciona do seguinte modo:
“Engels comparou uma vez a evolução francesa e a alemã desde os princípios da liquidação do feudalismo até a constituição da unidade nacional da democracia burguesa. E chega à conclusão de que em cada época e para cada problema histórico os franceses encontraram uma solução progressista e os alemães uma solução reacionária”(8).
E outras coisas mais diz Engels relativas ao caso, por exemplo, em As Guerras Camponesas na Alemanha, das quais vale a pena mencionar especialmente uma, pelo seu caráter de síntese:
“A burguesia alemã tem a infelicidade — o que está bem de acordo com o procedimento favorito dos alemães — de chegar sempre tarde demais. Sua prosperidade coincide com um período em que a burguesia dos outros países da Europa Ocidental está politicamente em declínio”(9).
É sempre, portanto, o caráter retardatário e conciliador do processo alemão que é ressaltado. Vale neste sentido aduzir mais um colorido fragmento de Engels:
“o estranho destino da Prússia quis que ela atingisse, em fins deste século XIX, sob a forma agradável do bonapartismo, sua revolução burguesa, começada em 1808-1813 e que deu outro passo adiante em 1848. E se tudo for bem, se o mundo permanecer sereno e tranquilo, quando todos nós já formos muito velhos, poderemos talvez ver, em 1900, o governo da Prússia suprimir todas as instituições feudais e a própria Prússia atingir enfim o ponto em que se encontrava a França em 1792”.
E, logo a seguir, abandonando a ironia, detalha o
“convênio tácito que se encontra à base de todos os debates do Reichstag, e da Dieta prussiana: de um lado o governo, a passos de tartaruga, reforma as leis no sentido do interesse burguês; afasta os obstáculos ao desenvolvimento industrial, criados pelo feudalismo e o particularismo dos pequenos estados; estabelece a unidade da moeda, dos pesos e medidas; introduz a liberdade profissional e de circulação, pondo à completa e ilimitada disposição do capital a mão de obra da Alemanha; favorece o comércio e a especulação; por outro lado a burguesia abandona ao governo todo o poder político efetivo; vota os impostos e os empréstimos; cede-lhe soldados e ajuda-o a dar às novas reformas tal aparência legal que o velho poder policial mantém toda sua força ante os indivíduos recalcitrantes; a burguesia compra sua emancipação social gradual ao preço de uma renúncia imediata de seu próprio poder político. Mas — prossegue Engels — por mais lamentáveis que sejam as manifestações da nossa burguesia no domínio político, é inegável que sob a relação industrial e comercial nada mais faz senão cumprir com seu dever. /…/ O que se produziu nesse sentido depois de 1869,na região industrial renano-westfaliana, é verdadeiramente inédito para a Alemanha e faz lembrar o surto dos distritos fabris ingleses ao começo do século. O mesmo acontece no Saxe e na Alta Silésia, em Berlim e Hanôver e nas cidades marítimas. Afinal temos um comércio mundial, uma indústria verdadeiramente grande, uma burguesia verdadeiramente moderna” (os grifos são nossos)(10).
Evidentemente que com um retardo de aproximadamente um século com relação aos casos clássicos,e sob condições político-sociais totalmente diversas: “A supressão do feudalismo, se queremos ser positivos, significa a instauração do regime burguês. À medida que caem os privilégios aristocráticos, a legislação se torna burguesa. E aqui nos encontramos no próprio âmago das relações da burguesia com o governo. Vemos que o governo foi constrangido a introduzir essas reformas lentas e medíocres. Mas, à burguesia ele apresentou cada uma dessas pequenas concessões como um sacrifício feito aos burgueses, como uma concessão arrancada à coroa, e a muito custo, concessão em troca da qual os burgueses deviam, por sua vez, ceder um pouco ao governo”(11). Em poucas e precisas palavras de Lukács:
“A natureza real da Alemanha é a do compromisso surgido com a forma bismarkiana do estado alemão graças à necessidade do desenvolvimento econômico”(12).
Mencionemos ainda, nesta rápida pincelada da questão, através de textos clássicos, que Lenin, ao tratar do problema da transformação da propriedade agrária, no processo de transição do feudalismo russo para o capitalismo, aponta duas formas possíveis para este desenvolvimento:
“Os restos do feudalismo podem desaparecer tanto mediante a transformação das terras dos latifundiários, como mediante a destruição dos latifúndios, dos grandes proprietários, quer dizer, por meio da reforma e por meio da revolução. O desenvolvimento burguês pode verificar-se tendo à frente as grandes fazendas latifundiárias, que paulatinamente se tornam cada vez mais burguesas, que paulatinamente substituem os métodos feudais de exploração por métodos burgueses, e pode verificar-se também tendo à frente as pequenas fazendas camponesas, que por via revolucionária extirpam do organismo social a ‘excrescência’ dos latifúndios feudais e se desenvolvem depois livremente pelo caminho das granjas capitalistas. Estes dois caminhos de desenvolvimento burguês, objetivamente possíveis, nós os denominaríamos caminho do tipo prussiano e caminho do tipo norte-americano. No primeiro caso, a fazenda feudal do latifundiário se transforma lentamente em uma fazenda burguesa, junker, condenando os camponeses a decênios inteiros da mais dolorosa expropriação e do mais doloroso jugo e destacando a uma pequena minoria de Grossbauer (grandes camponeses). No segundo caso, não existem fazendas de latifundiários ou são expulsas pela revolução, que confisca e fragmenta as propriedades feudais. Neste caso predomina o camponês, que passa a ser agente exclusivo da agricultura e vai evoluindo até converter-se no granjeiro capitalista. No primeiro caso, o conteúdo fundamental da evolução é a transformação do feudalismo em sistema usurário e em exploração capitalista sobre as terras dos latifundiários-feudais-junkers. No segundo caso, o fundo básico é a transformação do camponês patriarcal em granjeiro burguês”(13).
Mais adiante, Lenin explicita outras consequências socioeconômicas de um e de outro caso, evidenciando-se as mesmas características que os textos anteriores nos revelaram:
“A primeira implica a manutenção máxima da sujeição e da servidão (transformada ao modo burguês), o desenvolvimento menos rápido das forças produtivas e um desenvolvimento retardado do capitalismo; implica calamidades e sofrimentos, exploração e opressão incomparavelmente maiores das grandes massas de camponeses e, por conseguinte, do proletariado. A segunda entranha o mais rápido desenvolvimento das forças produtivas e as melhores condições de existência das massas camponesas (as melhores possíveis sob a produção mercantil)” (o grifo é nosso)(14).
Sinteticamente, a via prussiana do desenvolvimento capitalista aponta para uma modalidade particular desse processo, que se põe de forma retardada e retardatária, tendo por eixo a conciliação entre o novo emergente e o modo de existência social em fase de perecimento. Inexistindo, portanto, a ruptura superadora que de forma difundida abrange, interessa e modifica todas as demais categorias sociais subalternas. Implica um desenvolvimento mais lento das forças produtivas, expressamente tolhe e refreia a industrialização, que só paulatinamente vai extraindo do seio da conciliação as condições de sua existência e progressão. Nesta transformação “pelo alto” o universo político e social contrasta com os casos clássicos, negando-se de igual modo ao progresso, gestando, assim, formas híbridas de dominação, onde se “reúnem os pecados de todas as formas de estado”.
Marx, Engels e Lenin tiveram possibilidade de acompanhar, por quase um século, o caso alemão no seu evolver marcado pelo caminho prussiano. Mas apenas Lukács pôde assistir, já instrumentado na mesma perspectiva conceitual daqueles, ao inteiro desdobramento do processo alemão já no período das guerras imperialistas. E é inegável que tenha sido o filósofo húngaro, desde os anos 20, o investigador que mais continuada, profunda e sistematicamente tenha se ocupado, neste século, da particularidade do caminho prussiano, especialmente de suas determinações no terreno do pensamento e da literatura. E não é exagero dizer que não poucas de suas brilhantes determinações são produto deste esforço, exercitado por décadas a partir especialmente das precisas considerações de Marx, às quais Lukács deu desdobramento, e às quais agregou o produto de suas próprias análises concretas, mantendo, assim, no nível devido o estudo da séria questão da determinação social do pensamento.
No Brasil, só em anos muito recentes o problema da via prussiana mal que aflorou, e alguns raríssimos pesquisadores voltaram sua atenção para ela, em busca de referencial para efeito da análise do caso brasileiro. Neste diapasão, Carlos Nelson Coutinho, assumindo explicitamente a trilha teórico-metodológica lukacsiana, tem-se destacado como pioneiro fértil e bem-sucedido, com especial dedicação no campo da análise literária(15).
Dizíamos nós, páginas atrás, ao aludir à particularidade da formação do modo de produção capitalista no Brasil, que a chamávamos — provisoriamente — de via prussiana.
De fato, com isso indicávamos, desde logo, que entendíamos o caso brasileiro,sob certos aspectos importantes, conceitualmente determinável de forma próxima ou assemelhável àquela pela qual o fora o caso alemão, mas de maneira alguma de forma idêntica. Outra, aliás, não tem sido, no essencial, a maneira de pensar dos que, como C. N. Coutinho, estão convencidos da real efetividade de tomar o caminho prussiano como fonte apropriada de sugestões, como referencial exemplar e, mais do que tudo, como um caminho histórico concreto que produziu certas especificidades que, em contraste, por exemplo, com os casos francês e norte-americano, muito se aproximam de algumas das que foram geradas no caso brasileiro. Em outros termos, o caminho prussiano não é tomado como modelo, como contorno formal aplicável a ocorrências empíricas.
É precisamente enquanto modo particular de se constituir e ser capitalismo que o caminho prussiano tem para nós importância teórica básica. Enquanto tal, aos diversos níveis de concreção em que é apreensível, permite, como qualquer objeto, destilar certos caracteres mais ou menos gerais que importa considerar para orientar a apreensão do caso brasileiro.
Assim, de início, importa-nos como particular contrastante aos casos clássicos;clássicos, acima de tudo, porque mais coerentes, mais congruentes ou consentâneos, no plano da sua própria totalidade, enquanto totalidade capitalista, na qual as diversas partes fundamentais embricam entre si e em relação ao todo de forma mais amplamente orgânica, de maneira que o real se mostra como racional,na máxima racionalidade historicamente possível. Particular contrastante do qual se avizinha o caso brasileiro, também diverso dos casos clássicos.
Nessa linha de raciocínio, a conexão que se está indicando situa-se no plano de certas determinações gerais, de algumas abstrações operadas em relação ao concreto da particularidade do caminho prussiano. Assim, irrecusavelmente, tanto no Brasil quanto na Alemanha a grande propriedade rural é presença decisiva; de igual modo, o reformismo pelo “alto” caracterizou os processos de modernização de ambos, impondo-se, desde logo, uma solução conciliadora no plano político imediato, que exclui as rupturas superadoras, nas quais as classes subordinadas influiriam, fazendo valer seu peso específico, o que abriria a possibilidade de alterações mais harmônicas entre as distintas partes do social. Também nos dois casos o desenvolvimento das forças produtivas é mais lento, e a implantação e a progressão da indústria, isto é, do “verdadeiro capitalismo”, do modo de produção especificamente capitalista, é retardatária, tardia, sofrendo obstaculizações e refreamentos decorrentes da resistência de forças contrárias e adversas. Em síntese, num e noutro casos, verifica-se, para usar novamente uma fórmula muito feliz, nesta sumaríssima indicação do problema, que o novo paga alto tributo ao velho.
Todavia, se tais características, abstratamente tomadas, são comuns a ambos os casos, e delas se pode dizer, na linha da lógica de Marx, que enquanto generalidades são generalidades razoáveis, na medida em que efetivamente sublinham e precisam traços comuns, há, no entanto, que atentar, prosseguindo na mesma diretriz, que
“Esse caráter geral, contudo, ou este elemento comum, que se destaca através de comparação, é ele próprio um conjunto complexo, um conjunto de determinações diferentes e divergentes”(16).
O que significa, portanto, em termos rápidos, para o caso específico de que tratamos, que o caminho prussiano, na totalidade concreta do processo real alemão, põe-se de modo distinto daquele em que se põe na totalidade concreta do processo real brasileiro. O que nos faz lembrar que
“se o concreto é tomado como síntese de várias determinações, esta síntese (Zusammenhang), que sumariza, põe junto, se faz por uma lógica que não se reduz à mera justaposição dos predicados”, e recordar, uma vez mais, que o decisivo não é tanto o que um nome possa designar, “mas como o objeto nomeado se objetiva, se individualiza, enquanto entidade social”(17).
De sorte que estamos diante de singularidades distintas acolhíveis, do ponto de vista de certos aspectos abstratamente tomados, sob um mesmo particular, que antes os separa dos casos clássicos,do que os identifica entre si. Todavia, se isto é pouco, não é nada desprezível, quando mais não fosse porque obriga a pensar no como se objetivam os predicados de e em cada uma das singularidades.
Desse modo, se aos dois casos convém o predicado abstrato de que neles a grande propriedade rural é presença decisiva, somente principiamos verdadeiramente a concreção ao atentar como ela se objetiva em cada uma das entidades sociais, isto é, no momento em que se determina que, no caso alemão, se está indicando uma grande propriedade rural proveniente da característica propriedade feudal posta no quadro europeu, enquanto no Brasil se aponta para um latifúndio procedente de outra gênese histórica, posto, desde suas formas originárias, no universo da economia mercantil pela empresa colonial.
Do mesmo modo quanto à expansão das forças produtivas. Em ambos os casos o desenvolvimento é lento e retardatário em relação aos casos clássicos. Mas enquanto a industrialização alemã é das últimas décadas do século XIX, e atinge, no processo, a partir de certo momento, grande velocidade e expressão, a ponto de a Alemanha alcançar a configuração imperialista, no Brasil a industrialização principia a se realizar efetivamente muito mais tarde, já num momento avançado da época das guerras imperialistas, e sem nunca, com isto, romper sua condição de país subordinado aos polos hegemônicos da economia internacional. De sorte que o “verdadeiro capitalismo” alemão é tardio, enquanto o brasileiro é híper-tardio.
A exemplificação da diferenciação poderia prosseguir, contudo é, aqui, desnecessária. Fácil é a percepção das distinções, nas expressões concretas que assumem em cada caso, cada uma das características abstratas que arrolamos como comuns aos dois. Observação que nos conduz, portanto, à constatação não mais apenas de uma única forma particular de constituição não-clássica do capitalismo, mas a mais de uma. No caso concreto, cremos que se está perfeitamente autorizado a identificar duas, de tal sorte que temos, acolhíveis sob o universal das formas não-clássicas de constituição do capitalismo, a forma particular do caminho prussiano, e um outro particular,próprio aos países ou, pelo menos, a alguns países (questão a ser concretamente verificada) de extração colonial. De maneira que ficam distinguidos, neste universal das formas não-clássicas, das formas que, no seu caminho lento e irregular para o progresso social, pagam alto tributo ao atraso, dois particulares que, conciliando ambos com o historicamente velho, conciliam, no entanto, com um velho que não é nem se põe como o mesmo.
Conclusivamente: de um lado, pois, firmemente estabelecido, temos o caminho prussiano; a seu lado, sem que confiramos demasiada importância aos nomes, fique, sem pretensões, a sugestão designativa de via ou caminho colonial. Expressão conveniente que tem, nos parece, a propriedade de combinar a dimensão histórico-genética com a legalidade dialética(18).
Dissemos, páginas atrás, ao início deste segmento, que as formas particulares de constituição do modo de produção capitalista interessavam-nos, na esfera deste estudo, especialmente pelas questões do fascismo e do integralismo. De fato, pois a Alemanha (e não só ela), enquanto resultante do caminho prussiano, e o Brasil, enquanto produto também do “caminho prussiano” (com aspas) ou, se nos for permitido, da via colonial, é que vivem as décadas dramáticas das guerras imperialistas, época do surgimento e vigência tanto do fascismo como do integralismo.
Toda reflexão, aqui, precisamente porque o problema é devidamente considerar as formas particulares de objetivação do capitalismo, tem necessariamente que levar em decisiva linha de conta que
“o capital industrial é a forma fundamental do regime capitalista, sob a qual este impera sobre a sociedade burguesa”(19).
Isto é, entender que os caminhos particulares são caminhos diversos para o “verdadeiro capitalismo”, e que este é posto pela forma do capital industrial.
“Consideradas em função dela, todas as demais formas aparecem como formas simplesmente derivadas ou secundárias — formas derivadas, como a do capital usurário, e ademais secundárias, posto que correspondem a um capital invertido em uma função específica que cai dentro de seu processo de circulação -; por isso, à medida que vai evoluindo, o capital industrial tem de principiar por impor-se àquelas duas formas (comercial e usurária) e convertê-las em formas derivadas, submetidas a ele. O capital industrial se encontra com estas outras formas tradicionais no momento em que nasce e se instaura; são condições prévias a ele, não condições que ele mesmo implante como formas de seu próprio processo de vida. /…/ Quando a produção capitalista se desenvolve plenamente e passa a ser o regime fundamental de produção, o capital usurário se submete ao capital industrial e o capital comercial se converte em uma modalidade deste, em uma forma derivada do processo de circulação. Para tanto, ambos têm de se render e sujeitar previamente ao capital industrial.”(20)
Razão pela qual Marx, na Crítica do Programa de Gotha, lembrando o Manifesto de 48, afirma:
“A burguesia é considerada aqui como uma classe revolucionária — enquanto agente da grande indústria — em relação aos feudais e às classes médias decididos a manter todas as suas posições sociais, que são produtos de modos de produção caducos”(21). Também não é por outro motivo que H. Lefebvre assegura que “A Industrialização caracteriza a sociedade moderna”. Ainda mais: “sem possibilidade de contestação, o processo de industrialização é, há um século e meio, o motor das transformações na sociedade”. Consequentemente temos nada mais nada menos de que “A industrialização fornece o ponto de partida da reflexão sobre nossa época”(22).
Ora, como vimos, as formas particulares não-clássicas de objetivação do capitalismo revelam-se, em ponto essencial, precisamente em relação ao processo de industrialização. De maneira que, em suma, e de resto para efeito dos nossos propósitos analíticos, há que atentar para o modo pelo qual se pôs a industrialização nos casos que nos tangem de imediato.
Façamo-lo, então; contudo de maneira muito sumária, pois outro não poderia ser o tratamento, aqui, neste nosso anexo esquemático de uma questão tão complexa.
Basta certa indicação de P. Singer, muito feliz em sua expressão sintética, para demarcar suficientemente o quadro de industrialização retardatária que desejamos fortemente acentuar; para tanto, simplesmente transcrevemos, chamando especial atenção para as épocas assinaladas:
“entre 1868 e 1870, dá-se a unificação da Itália e da Alemanha, o que cria condições propícias à rápida industrialização destes países; em 1867 se dá a Revolução Meiji, que tem as mesmas consequências para o Japão”(23).
Considerando que são precisamente as últimas décadas do século XIX que marcam a arrancada imperialista, e que a Revolução Industrial na Inglaterra é do último quartel do século XVIII, está bem grifado o capitalismo tardio de tais países.
De fato,
“Em 1860, a Alemanha era um país ainda pouco desenvolvido industrialmente, e de ampla base agrária. Em 1868 a metade de sua população continuava sendo agrícola e só uma terça parte dela tinha ocupação artesanal ou industrial. A produção agrícola representava 60% da produção de mercadorias e os artesãos trabalhavam para o mercado local, fornecendo a maior parte da produção não agrícola (suas vendas ascendiam a 82% da cifra das vendas realizadas sobre produtos acabados ou semiacabados). A dispersão territorial da produção industrial /…/ continuava subsistindo, e tão-somente algumas regiões (Saxônia e a província renana) tinham um caráter nitidamente industrial. Em 1860 ainda existia o sistema corporativo em algumas regiões, e na indústria predominava a manufatura sobre a fábrica que dispusesse de um motor. A maior parte das fábricas empregavam de 30 a 100 operários, em face dos 100 a 500 empregados na Grã-Bretanha da mesma época. /…/ Em 1860, a Alemanha, do ponto de vista do valor de sua produção industrial, ocupava o quarto lugar mundial, depois da Grã-Bretanha, França e Estados Unidos”(24).
E é desta situação de atraso que arranca o momento histórico subsequente, caracterizado por forte expansão industrial e monopolização econômica, tendo por condicionante a sua tardia unificação nacional, que se dá com a criação do Império alemão imediatamente depois da guerra de 1870:
“De 1860 a 1913 a expansão da indústria alemã aparece notavelmente; enquanto que de 1800 a 1860 o índice /…/ da produção industrial — incluindo o artesanato — praticamente quintuplicou /…/, de 1860 a 1913 ela mais do que setuplicou. O valor da produção industrial (sem incluir o artesanato) passou de, aproximadamente, quatro milhões de marcos em 1860 a quarenta milhões em 1913. Por isso, nesta data, a Alemanha ocupou o segundo lugar mundial entre os países industrializados, atrás dos Estados Unidos, enquanto que a Grã-Bretanha passava para o terceiro lugar e a França (desde 1880) ao quarto. A progressão industrial da Alemanha, favorecida pela anexação das regiões ricas em jazidas de minério de ferro da Lorena, foi, principalmente, apreciável no que concerne à produção siderúrgica, cujo índice passou de 4 a 100 entre 1860 e 1913, enquanto que a indústria da hulha viu aumentar seu índice de 12 a 100 e a indústria têxtil de 16 a 100. Enquanto o índice geral da produção industrial havia se multiplicado por sete, o da Grã-Bretanha se multiplicou por menos de três e o da França por quatro; unicamente os Estados Unidos experimentaram uma progressão mais rápida — o coeficiente foi de doze — a ponto da produção industrial alemã, que representava 90% da americana em 1860, somente representava em vésperas da Primeira Guerra Mundial 40% da produção americana. Esta expansão industrial se viu acompanhada de uma rápida concentração econômica: a produção industrial cresceu três vezes mais rapidamente que o número de empresas. /…/ No campo do comércio mundial, a Alemanha luta cada vez mais vitoriosamente contra a competição britânica; de 1880 a 1913 as exportações inglesas de bens de consumo se multiplicam por 2,9, enquanto as exportações alemãs por 6; para as exportações de bens de produção, os coeficientes são, respectivamente, de 3 e de 21. /…/ Em resumo, em 1913 a economia alemã, na sequência de um período de rápido crescimento, encontrava-se, do ponto de vista industrial, em segundo lugar das grandes potências e, do ponto de vista das exportações de capital, em terceiro lugar”(25).
Em proporções distintas, mesmo porque o caso alemão é, em todos os níveis e planos, a singularidade polar, “clássica”, da particularidade a que estamos remetendo, o caso italiano também é revelador, conquanto seja tomado nas suas efetivas dimensões; delas Lukács assinalou, já falando de sua resultante fascista:
“Temos também, é certo, o caso Mussolini, com suas fontes filosóficas tomadas de James, Pareto, Sorel e Bergson; porém, nem sequer neste caso descobrimos uma repercussão internacional tão extensa nem tão profunda como a que corresponde ao período de preparação da Alemanha fascista, e mais ainda ao período de Hitler”; e ainda numa reafirmação do mesmo tipo, fala do fascismo italiano como “de um fascismo, certamente, que, apesar de seus horrores, não chegou a alcançar nunca a significação universal daquela calamidade que o hitlerismo foi para o mundo inteiro”(26).
De qualquer modo, e ressalvadas todas as diferenças — particularmente a da “desigualdade fundamental entre o desenvolvimento industrial e a lentidão do estabelecimento do capitalismo nos campos. Desigualdade presente também na Alemanha, porém que na Itália revestiu o caráter de um verdadeiro fosso, concretado ademais no problema de Mezzogiorno”(27) —
“Na Itália, o processo de industrialização foi particularmente tardio, não se iniciando de maneira decisiva até as proximidades de 1880. O feudalismo assinalado pelo predomínio do setor agrícola deu provas, no contexto da dispersão territorial e política da Itália perpetuada pelas ocupações estrangeiras sucessivas, de uma persistência notável. Contudo, em vésperas da Primeira Guerra Mundial, a Itália havia entrado já no estágio imperialista, se bem que de maneira muito particular”(28).
Com distinções e diferenças que nem de leve ousamos tocar, registre-se também que
“O capitalismo japonês não começou a se emancipar até que a Primeira Guerra Mundial acelerou o ritmo do desenvolvimento industrial. Entre 1913 e 1920, a produção de aço acabado saltou de 255 a 533 milhares de toneladas. A capacidade de energia elétrica também aumentou em mais do dobro durante o mesmo período, passando de 504 a 1.214 milhares de quilowatts. Mesmo depois deste auge, no entanto, a indústria capitalista japonesa não avançou até o ponto alcançado na Alemanha, Inglaterra ou Estados Unidos”(29). De qualquer forma, porém, “À medida que a indústria foi se desenvolvendo, dotou o Japão dos meios para uma política exterior ativa, e as consequências de tal combinação se fizeram mais visíveis e perigosas. /…/ Não foi o espírito guerreiro enquanto tal que impulsionou o Japão durante o século XX pela senda das conquistas exteriores e a repressão interior. /…/ Repressão dentro do país e agressão contra países estrangeiros foram, pois, em termos muito gerais, os máximos efeitos do desmoronamento do sistema agrário e o desenvolvimento da indústria”(30).
Seja como for, nos três casos estamos diante de objetivações capitalistas tardias — e que não são acompanhadas pelo progresso social que marca os casos clássicos, mas que atingem o estágio imperialista no alvorecer do século XX ou muito pouco depois.
Assim, se
“As forças revolucionárias da sociedade japonesa não eram o bastante poderosas para remover por si sós os obstáculos à modernização”, mas “podiam proporcionar e proporcionaram uma base limitada de apoio para medidas modernizadoras quando os governantes resolveram tomá-las a fim de assegurar seu próprio poder, criando um Estado forte”, e a “era Meiji (l868-1912) se caracterizou pela associação de elementos feudais e capitalistas na empresa de criar um poderoso estado moderno”(31); e se o estado prussiano marca o quadro alemão, o que demarca o perfil italiano é a “Revolução conservadora segundo uns, revolução de uma burguesia ‘que não soube, nem quis completar sua vitória’, segundo Engels, revolução passiva, segundo Gramsci. Revolução passiva, cuja própria denominação indica o parentesco com a revolução pelo alto de Bismarck — parentesco assinalado por Gramsci — /…/”(32).
E é assim que elas comparecem e se põem, em suas debilidades, como elos da cadeia imperialista. Elos débeis,e de debilidades distintas em grau e natureza, mas elos da cadeia imperialista. Ou, no dizer de Poulantzas:
“Vejamos, agora, o caso italiano, que é bastante distinto do caso alemão. Todavia, pode-se descobrir uma similitude característica se se tem em conta — e somente assim — o lugar da Itália na cadeia imperialista. A similitude reside precisamente na debilidade do elo italiano na cadeia. Esta debilidade não se deve às mesmas razões que a do elo alemão: ainda que apareçam semelhanças relativas em caracteres ‘isolados’ de ambos os casos, estes caracteres não podem, enquanto tais, fundamentar o parentesco das duas formações. São seus efeitos, distribuidores de lugares na cadeia, que assumem importância. Dito de outro modo, é a cadeia imperialista ela própria que determina a homologia dos efeitos — fragilidade dos elos — devidos em cada caso a razões diferentes”(33).
De maneira que há de atentar que, se a Alemanha, por volta do princípio do século, na sequência de uma rápida expansão, se encontrava num ponto elevado da acumulação capitalista,
“No entanto, esta evolução não carecia de pontos débeis: 1°) Do ponto de vista das matérias-primas, as bases da indústria alemã eram insuficientes. Em 1913 só dispunha de quantidades suficientes de carvão, zinco e potássio; carecia de petróleo, cobre, estanho, níquel, enxofre etc.; inclusive era deficitária em mineral de ferro. 2°) Do ponto de vista dos mercados, subsequente ao período de expansão, a Alemanha, que dispunha de um aparato de produção capaz de trabalhar a fundo para o mercado mundial, chocava-se frente às posições adquiridas pelas outras grandes potências; este era o pesado tributo de sua industrialização tardia, consequência esta, por sua vez, dos obstáculos com que se deparou a constituição de sua unidade econômica e de sua unidade nacional. Com efeito, em 1876, enquanto que a França e a Inglaterra já gozavam de suas imensas possessões, o campo colonial alemão era quase inexistente, e a extensão que seguidamente alcançou no transcurso dos anos seguintes não teve nenhuma importância para o desenvolvimento econômico da Alemanha, nem como fonte de matéria-prima, nem como saída para suas mercadorias. Enquanto que em 1913 a Inglaterra dirigia 40% de suas exportações para suas possessões, a Alemanha só encaminhava a suas colônias mais evoluídas menos de 0,5% das suas, isto é, menos de 50 milhões de marcos. De outra parte, enquanto nos mercados restantes a Alemanha ocupava um lugar honroso junto da Grã-Bretanha, via-se eliminada das possessões britânicas, onde suas exportações se elevavam a 410 milhões de marcos, frente aos 4.800 milhões das exportações inglesas. O problema das saídas se colocava, pois, em termos agudos para a economia alemã, tanto do ponto de vista da exportação de mercadorias como do ponto de vista das exportações de capitais; as colônias alemães não haviam podido absorver mais que 1,5% dos capitais alemães exportados. A necessidade em que se encontrava a Alemanha até 1913 de garantir o controle de um determinado número de mercados para seus produtos — com o risco, em caso contrário, de ver estalar as contradições entre o desenvolvimento de suas forças produtivas e as possibilidades de dar-lhes uma saída — constitui, sem discussão possível, uma das fontes do primeiro conflito mundial”(34).
Adite-se, complementarmente, atentando exclusivamente para a linha básica da asserção, que
“Também no plano da política exterior o jovem Reich se considerava uma ‘nação tardia’. Conservadores e liberais coincidiam na convicção de que a Alemanha devia neutralizar o mais rapidamente possível a vantagem das grandes potências. Ambos consideravam uma reivindicação natural conseguir a hegemonia na Europa central e participar na distribuição e penetração colonial e político-econômica do mundo. /…/ Hitler recebeu esta herança depois que a República de Weimar não pôde resistir ao confronto com um revisionismo radical que, no final de contas, queria anular os resultados da guerra. Hitler tentou solucionar violentamente esta problemática dando um forte giro do expansionismo político-colonial ao continental imperialismo”(35).
Desnecessário parece-nos, aqui, prosseguir acentuando tais pontos com novos exemplos de outros casos. Para efeito de nossas necessidades, a linha interpretativa, cremos está indicada.
O eixo fundamental sobre o qual se põem os elementos essenciais da questão, tomando o caso alemão como exemplo especial, é, pois, que:
“Na sequência do estabelecimento reacionário da unidade alemã, esse atraso se apresentou ideologicamente sublimado e estilizado, como se precisamente aquela Alemanha estivesse chamada a superar as contradições da democracia moderna em uma ‘unidade superior’. Não é casual que o antidemocratismo se tenha constituído pela primeira vez como concepção de mundo naquela Alemanha atrasada, nem que no período imperialista a Alemanha tenha ocupado o primeiro lugar na função de produzir ideologias reacionárias. Porém o decisivo é que logo a grande velocidade de desenvolvimento do capitalismo tardio na Alemanha fez do Reich um estado imperialista de primeira ordem. Um estado imperialista, contudo, cujas possessões coloniais e cujas esferas de interesses mostravam-se desproporcionadamente pequenas, comparadas com sua força e com as pretensões de seu capitalismo. Este é o fundamento último de que a Alemanha tenha tentado por duas vezes forçar uma nova divisão do mundo mediante guerras totais”(36).
A deficiência mais frequente que se verifica, nos tratamentos analíticos que geralmente têm sido dispensados ao problema do fascismo, é precisamente o descaso comprometedor com as formas particulares de objetivação do capitalismo. Consequentemente, a concreção particular é desprezada, tomando lugar a universalização abstrata, que propende a crescer, sempre ideologicamente.
De nossa parte, no que ficou para trás, procuramos configurar, num volteio mais ou menos longo, ainda que esquemático, o contorno precisamente de um processo particular. E é ele exatamente que nos permite compreender o fascismo enquanto totalidade. Não apenas, portanto, no raquitismo de uma abstração politológica, ou numa também abstrata lei geral economicista.
Neste diapasão, é realmente verdadeira a conexão orgânica entre grande indústria, capital financeiro e fascismo. Mas não é verdadeira em geral, mas na particularidade do capitalismo tardio, quando casos, que assim se objetivaram, emergem, na fase imperialista, na condição de elos débeis da cadeia imperialista.
Ou, nos termos de H. Lefebvre, que, por distinta preocupação e outro roteiro, aponta para a mesma direção, além de desmistificar, de passagem, a fetichização da determinante nacionalista:
“Uma assombrosa mistura de nacionalismo e de democracia caracteriza a práxis e a vida francesa durante o período que consideramos. Ademais, não é evidentemente por azar que o fascismo não pôde triunfar sobre a democracia nas nações economicamente asseguradas, quer dizer, imperialistas e colonialistas com êxito: França, Inglaterra. O fascismo era nacionalista, e o nacionalismo ia ao fascismo contra a democracia. Porém, a democracia (burguesa) e a nação (burguesa) proporcionavam meios políticos e ideológicos melhores que o fascismo para a dominação colonial. O fascismo provia meios, a rigor, para a conquista de um Império colonial de um mundo já ocupado. É assim que o fetichismo da nação, tão poderoso na França, não pôde desembocar em um fascismo” (37).
Tudo considerado, compreendemos, então, o real significado da afirmação lukacsiana de que
“Uma consequência da desigualdade do desenvolvimento é que a humanização cada vez maior da vida produz, do outro lado, formas cada vez mais desenvolvidas de desumanidade. Nunca pude admitir que o horror gerado, por exemplo, pelo fascismo tenha sido apenas uma espécie de recaída na Idade da Pedra ou qualquer coisa do gênero. O fascismo é a atrocidade, a desumanidade, de uma forma de capitalismo altamente desenvolvido. Um fenômeno humano como Eichmann nunca existiu no tempo dos canibais, no qual, acredito, não teria podido surgir um homem em condições de fazer do aniquilamento em massa dos homens uma operação tranquilamente burocrática. Trata-se de um produto da época imperialista,como nunca existiu antes; nem mesmo a Inquisição produziu figuras semelhantes: somente fanáticos e políticos” (os grifos são nossos)(38).
Dito de outro modo, estamos diante do “encaminhamento das sobrevivências da ‘miséria alemã’ na direção de um imperialismo especialmente reacionário”(39), isto porque
“Ao converter-se a Alemanha em uma grande potência capitalista, a divisão colonial do mundo chegava já ao seu fim, o que fazia que a Alemanha imperialista, se queria chegar a adquirir um império colonial afinado com seu poderio econômico, só pudesse fazê-lo por meio da agressão, arrebatando a outros suas colônias. Isto fez nascer na Alemanha um imperialismo especialmente ‘voraz’, agressivo, ávido de botim, que pressionava de um modo veemente e implacável na direção de uma nova divisão das colônias e das esferas de influência”(40).
De modo que, em síntese, a ideologia fascista se põe e mostra como uma ideologia de mobilização nacional para a guerra imperialista, na particularidade, nunca é demais repetir, do capitalismo tardio, quando emerge como elo débil da cadeia imperialista.
Assim, estritamente determinado pela análise concreta, escapa tanto das singularizações empiristas, como das universalizações vazias. Recuperando o conceito de fascismo a universalidade que lhe é possível, isto é, a generalidade própria a um particular, pois, determinado como foi, abrange todos os casos de objetivação tardia do capitalismo que tenham emergido, de fato, como elos débeis da cadeia imperialista e nos quais o fascismo tenha se manifestado. Isto é, desde a polaridade alemã, passando pelo abrandado caso italiano, até, digamos, assim, numa conjectura legítima, os casos ainda mais débeis, ao limite dos quais possam se encontrar aqueles tão extraordinariamente fracos a ponto de o fascismo neles não ter sequer alçado à hegemonia, sem contudo, por isto, ter deixado de ser fascista, ainda que seus cantos guerreiros não tenham passado de paródias bufarinhas. Extremo do qual o próprio caso italiano, segundo alguns, e sob certos aspectos, não esteve muito longe. De qualquer forma não se tratará nunca de um número elevado de casos, como reduzidas numericamente também são obviamente as vagas na confraria imperialista.
Precisamente esse caráter bélico do fascismo, em consequência dinâmico em suas propostas e manifestações, tem sido um dos aspectos que mais têm desnorteado de modo lamentável certos investigadores, a ponto de chegarem ao extremo de perpetrar a rombuda diferenciação entre um fascismo revolucionário e um fascismo conservador. Separam, dando nomes errados, exatamente ao que perfaz a unidade do fascismo real: a substantividade de um movimento de expansão, determinado pelas necessidades econômicas da acumulação capitalista que atingiu a fase imperialista, e a substantividade de um movimento de regressão, no que tange ao desenvolvimento da trama das relações sociais, políticas e ideológicas. Para usar uma expressão muito incompleta, mas até certo ponto feliz pelo seu caráter sintético, ainda que demasiado formal:
“o fascismo, no fundo, é uma combinação de expansão econômica e repressão”(41).
Já disse Lukács, em alguma parte, que é falso e condenável identificar o novo pelas exterioridades reluzentes. De fato, isto pode conduzir aos maiores desatinos. Confundir o rebrilhar das baionetas nas guerras imperialistas com a luminosidade dos partos da história o que será? Mesmo o controvertido W. Reich, apesar de sua leitura naturalizante e psicologizante dos eventos históricos, soube observar com correção que o nacional-socialismo se revelou “como um nacionalismo imperialista da grande burguesia, /…/ que prepara a guerra por todos os meios”(42).
A desatenção a este ponto, no mínimo, condena a análise ao fracasso. De forma que não há qualquer revolucionarismo no fascismo. De igual modo não se trata de uma repressão qualquer. A regressividade fascista é algo mais determinável: “tem de eliminar da herança burguesa todos os elementos progressivos”(43); e isto também não é um traço universal da resposta burguesa ao mundo, mesmo considerados todos os passos para trás desde meados do século passado. No fascismo, repressão é concomitantemente violenta agressão imperialista, em que o terror é a forma “nova”, aprofundada e desenvolvida da repressão intrínseca ao modo de objetivação do capitalismo pela via prussiana, isto porque, aí, “o progresso social e a evolução nacional não se apoiam e pressionam mutuamente, como na França, mas se encontram em contraposição”(44). Mesmo porque,
“Já se travam no ocidente as primeiras grandes batalhas de classe do proletariado ascendente quando em 1848 aparecem pela primeira vez em forma concreta para a Alemanha os problemas da revolução burguesa. Sem dúvida que, excetuando a Itália, somente na Alemanha se colocam esses problemas (os da entrada tardia no caminho da transformação burguesa da sociedade) de tal modo que a questão central da revolução burguesa resulta ser a da unidade nacional que ainda tem que ser criada”(45).
E o caso brasileiro?
Efetivamente, como diz com muito sabor J. H. Rodrigues, “O processo histórico brasileiro é sempre não contemporâneo”(46).
Dito no espírito da problemática das formas particulares de objetivação do capitalismo que nos informa, e das quais estivemos falando há pouco:
“No Brasil, bem como na generalidade dos países coloniais ou dependentes, a evolução do capitalismo não foi antecedida por uma época de ilusões humanistas e de tentativas — mesmo utópicas — de realizar na prática o ‘cidadão’ e a comunidade democrática. Os movimentos neste sentido, ocorridos no século passado e no início deste século, foram sempre agitações superficiais, sem nenhum caráter verdadeiramente nacional e popular. Aqui, a burguesia se ligou às antigas classes dominantes, operou no interior da economia retrógrada e fragmentada. Quando as transformações políticas se tornavam necessárias, elas eram feitas ‘pelo alto’, através de conciliações e concessões mútuas, sem que o povo participasse das decisões e impusesse organicamente a sua vontade coletiva. Em suma, o capitalismo brasileiro, ao invés de promover uma transformação social revolucionária — o que implicaria, pelo menos momentaneamente, a criação de um ‘grande mundo’ democrático — contribuiu, em muitos casos, para acentuar o isolamento e a solidão, a restrição dos homens ao pequeno mundo de uma mesquinha vida privada”(47).
Uma vez que o Brasil, tal como a Itália e a Alemanha(48), jamais conheceu a revolução democrática burguesa, a questão é saber em que estágio de desenvolvimento ele se achava, por volta das décadas dos anos 20 e 30, quando aqueles outros dois países, de constituição capitalista tardia, já se encontravam, na sequência de uma rápida industrialização, na condição de elos débeis da cadeia imperialista. Indagando de forma sintética: a esse tempo em que ponto estava a objetivação do “verdadeiro capitalismo” no Brasil?
Já fizemos algumas indicações a respeito, quando tratamos da via prussiana, e buscamos distinguir, com a ajuda desta, o particular próprio aos casos a que pertence o brasileiro, sugerindo, então, para ele, o designativo de via colonial.
Na Introdução de 1933 a Serafim Ponte Grande, a mordacidade de Oswald de Andrade entreabre para um breve e incisivo retrato do grau de desenvolvimento da indústria brasileira atingido à época: “O movimento modernista, culminado no sarampão antropofágico, parecia indicar um fenômeno avançado. São Paulo possuía um poderoso parque industrial. Quem sabe se a alta do café não ia colocar a literatura nova-rica da semicolônia ao lado dos custosos surrealismos imperialistas? Eis porém que o parque industrial de São Paulo era um parque de transformação. Com matéria-prima importada. Às vezes originário do próprio solo nosso. Macunaíma”(49).
Quem será, nesta rapsódia, “o herói sem nenhum caráter”?
Diante das palavras de Oswald, para acentuar diferenças, e não para desqualificar ou minimizar as dores do penalizado processo da industrialização brasileira, não resistimos à tentação de dizer que, se a história se repete — uma vez como drama, outra como comédia —, a industrialização tardia da via prussiana é o drama, enquanto a industrialização hiper-tardia da via colonial é a penosa comédia.
Sem mais ironias ou cifrados retóricos, diga-se, de uma vez, que por mais distintas que se mostrem as interpretações sobre pontos inúmeros, por mais diferentes que sejam as bases fundantes de que partam, por mais diversas que sejam as ilações teóricas e práticas que extraiam, os autores, no entanto, convergem, quando se trata de indicar, no geral, o significado essencial do processo histórico nacional das primeiras décadas do século; para usar uma indicação de Celso Furtado, dir-se-ia que no curso desses anos o quadro brasileiro faz transparecer a necessidade de uma alternativa para a ordem agroexportadora, que evolve em longo andamento de notórias vicissitudes, conduzida pela extensa crise do café(50). Em outras palavras:
“Observando nossa evolução desde princípios do século atual, verifica-se que é então que se situa a última culminância daquele sistema. Saía-se de uma fase de expansão ininterrupta e o futuro ainda parecia brilhante. Entretanto, verificou-se um estacionamento, e logo em seguida o declínio que depois de 1930 se torna precipitado. Isto evidencia que a base oferecida pelo nosso antigo sistema, voltado precipuamente para o exterior, se torna progressivamente mais estreita e incapaz por isso de sustentar a vida do país”(51). E “Fica evidente, enunciados todos os teoremas, que tanto o auge quanto a inviabilidade da economia agroexportadora brasileira típica da República Velha e suas sequelas que marcaram todo o bloqueio do avanço do capitalismo no país, não podem ser explicados sem um acurado exame das relações internacionais que a emolduraram. A intermediação comercial e financeira externa, que tanto se enfatizou /…/, não é um caso nessa trama de relações: ela é a relação.Seu epicentro é a Inglaterra, na fase típica de exportações de capitais; seu nome é imperialismo”(52).
É precisamente num panorama dessa ordem que principia a brotar a industrialização brasileira. Abstraindo secundárias erupções anteriores, é apenas no bojo contraditório do auge e concomitante desequilíbrio do sistema agroexportador que a industrialização brasileira, de fato, tem início. E assim mesmo como uma das possibilidades, na diferenciação de atividades buscada como alternativa em face da crise do café.
“E assim, /…/ centralizando-se a economia brasileira na produção de um pequeno número de gêneros exportáveis, com desprezo de tudo mais, desabrocha em oposição uma evolução em sentido contrário, para tirar daqueles gêneros a exclusividade de que gozavam. O interessante é que será justamente em São Paulo, onde aquela restrição de atividades alcançará talvez sua expressão extrema com a monocultura do café levada ao máximo de exagero, que se encontrarão as primeiras iniciativas no sentido de diversificar a produção. A administração pública terá aí um papel considerável, criando e multiplicando campos de experimentação, nos quais será cultivada e selecionada toda sorte de produtos agrícolas, e postos zootécnicos. Tais iniciativas permanecerão longamente sem grandes resultados; mas terão no futuro, efeitos econômicos consideráveis. Mas é sobretudo num outro setor que esta diferenciação de atividades sairá logo de seu estado potencial, assumindo rapidamente importância e determinando consequências de vulto: na indústria manufatureira. E neste caso /…/ o progresso das atividades estará direta e imediatamente ligado às circunstâncias derivadas do desequilíbrio crônico das finanças externas do país. É, assim, do íntimo das contradições inerentes ao sistema econômico do país que brotam as forças que com o tempo o vão transformando”(53).
Para devidamente avaliar a estreiteza e desfavorabilidade das condições sob as quais principia a emergir o “capitalismo verdadeiro” no Brasil, basta considerar, o que é essencial, que
“Concretamente as condições /…/ levam à reiteração da chamada ‘vocação agrícola’ do país, especializando-o ainda mais na produção de mercadorias de realização externa.O aprofundamento dessa especialização fez com que o financiamento da realização do valor da economia agroexportadora fosse, também, e não por acaso, externo. Este ponto, fundamental para a compreensão do processo, forma uma espécie de círculo vicioso: a realização do valor da economia agroexportadora sustentava-se no financiamento externo e este, por sua vez, exigia a reiteração da forma de produção do valor da economia agroexportadora. Simultaneamente, o mecanismo de financiamento externo bloqueava a produção do valor de mercadorias de realização interna. Na exacerbação desse processo, os requerimentos do financiamento externo acabavam por consumir todo o valor da economia agroexportadora, com o que negavam a própria forma de produção; em última análise, o valor gerado pela economia agroexportadora acabou por destinar-se substancialmente a pagar os custos da intermediação comercial e financeira externa,operando-se uma redistribuição da mais-valia entre lucros internos e lucros e juros externos completamente desfavorável aos primeiros; em outros termos, uma parcela substancial do produto não podia ser reposta senão através dos mesmos mecanismos de financiamento externo”(54).
Consequentemente,
“enquanto se inviabilizava em si mesma, a economia agroexportadora bloqueava o avanço da divisão social do trabalho no rumo do capitalismo industrial, na medida em que reiterava os mecanismos da intermediação comercial e financeira externa, que nada tinham que ver com a realização interna do valor da produção de mercadorias dos setores não-exportadores. O financiamento da acumulação de capital nos setores não-exportadores não passava pela intermediação comercial e financeira externa típica da economia agroexportadora, que consumia a maior parte do excedente social produzido não apenas pelas atividades de exportação, mas pela totalidade do sistema econômico. /…/ Apoiando-se as receitas federais principalmente nos impostos sobre a importação e secundariamente sobre o consumo, verifica-se que, longe de ter havido transferência de recursos ou de renda do setor exportador para os demais setores, houve o contrário, o que reafirma o fato de que a intermediação comercial e financeira externa própria da economia agroexportadora representou uma restrição ao avanço da divisão social interna do trabalho ao próprio tempo em que se negava”(55).
É, pois, sob tais circunstâncias, profundamente retardadoras e retardatárias, configurantes do capitalismo híper-tardio brasileiro, que se põe a industrialização, à época que nos ocupa, de tal forma que
“A Revolução de 1930 marca o fim de um ciclo e o início de outro na economia brasileira: o fim da hegemonia agrário-exportadora e o início da predominância da estrutura produtiva de base urbano-industrial. Ainda que essa predominância não se concretize em termos da participação industrial na renda interna senão em 1956, quando pela primeira vez a renda do setor industrial superará a da agricultura”(56).
É o que fundamentalmente nos competia estabelecer, no âmbito das necessidades do nosso trabalho: a presença concreta, sim, porém incipiente e ultra-retardatária dos primeiros momentos significativos da objetivação do “verdadeiro capitalismo” no Brasil, exatamente nos anos em que o ideário pliniano foi elaborado. Anos que para os países que efetivamente conheceram o fascismo são, já de algum tempo, de plena atividade imperialista, e até mesmo uma guerra dessa natureza já se conta em sua história. Tal a disparidade do estágio de desenvolvimento do capitalismo brasileiro, em face daqueles países, que quaisquer igualizações ou identificações,além de impossíveis, são verdadeiramente uma brutalidade teórica. Tamanhas as diferenças de grau e de forma de objetivação do capitalismo que, parodiando Engels quando compara a Alemanha à França, em plena vigência da via prussiana, diríamos que, mesmo se tudo corresse bem para o Brasil, e a estabilidade dominasse o panorama universal, ainda assim, quando todos já estivéssemos bem velhos, lá por volta do ano 2000, o Brasil ainda não teria atingido o estágio da Alemanha em 1913, na qualidade desta de emergente elo débil da cadeia imperialista. A absurdidade de equiparar politologicamente, de algum modo e até mesmo com algumas cautelas, o Brasil, a Alemanha e a Itália das primeiras décadas do século salta à vista quando se considera que, em última análise, o que se está equiparando são elos débeis da cadeia imperialista, portanto fenômenos do capitalismo altamente avançado, entidades da fase superior do capitalismo, com uma formação que integra precisamente as áreas da disputa imperialista, faz parte justamente do território colonial que os elos débeis forçam por ver redistribuído. E que, no caso brasileiro, mal principia a objetivar os débeis passos iniciais do estrito modo de produção capitalista. E o atraso de tal objetivação, se no caso alemão, e também no italiano, se marca não só em comparação com os casos clássicos, mas também pelo fato de a industrialização destes países ter principiado posteriormente às primeiras lutas do proletariado, no caso brasileiro se grifa obviamente em relação aos casos clássicos, também em relação às objetivações do capitalismo tardio,e ainda pela consideração de que a crítica teórica e prática do proletariado, quando o Brasil inicia sua caminhada estritamente capitalista, já está inclusive consubstanciada pela detenção do poder em um dado país.
Ademais, quando dizemos primeiros passos não estamos afirmando que antes deles nada houvera(57). Ocorre que a partir do período em causa é que se verifica o movimento industrializador que não mais será interrompido, como surtos e iniciativas anteriores o foram nessa história de vários começos (o que é mais um traço da via colonial)que é a história do processo de industrialização do país, e que o livro de Nícia Vilela Luz, sob muitos aspectos, preciosamente traz à claridade(58). São, portanto, os primeiros passos do processo que concretamente objetivou a indústria no Brasil. E, enquanto tais, põem materialmente um quadro de “capitalismo verdadeiro” nascente,na marca, obviamente, do que estamos chamando de capitalismo híper-tardio.
É, pois, na particularidade de uma formação imperialisticamente subsumida, e que principia hiper-tardiamente a consecução da forma industrial de produção, que aparece e se põe a proposta ruralista do integralismo pliniano. É precisamente, portanto, uma erupção ideológica diretamente atada ao processo que faz transitar o país da economia agroexportadora para a forma urbano-industrial.
Há que notar, com a devida ênfase, que a proposta, de retorno à terra, de Salgado não é uma reflexão a partir da perspectiva agroexportadora, já em fase, digamos, remetendo mais uma vez a Francisco de Oliveira, autofágica, que se nega e bloqueia a indústria. A reação ruralista pliniana, em face do incipiente “verdadeiro capitalismo” brasileiro, não tem a ótica daquela, não possuindo, decorrentemente, suas possíveis pretensões restauradoras. A antimodernização pliniana é mais extremada, manifestando-se, na crítica romântica ao capitalismo, e na reação diante do que toma como a derrocada mundial deste (o primeiro conflito mundial, as crises de superprodução e desemprego, a instauração do estado soviético), como um salto para trás em busca de formas pré-capitalistas de entificação social. Donde, numa expressão formal, ao contrário do fascismo que, no fundo, é uma combinação de expansão econômica com regressão social, política e ideológica, o integralismo pliniano articula visceralmente duas regressividades: a deste último plano, e a regressividade econômica.
De maneira que, diante do capitalismo internacional em crise, e em face da industrialização brasileira (que se levada adiante só poderia conduzir à mesma ruína capitalista em que o mundo desenvolvido já se encontra, e cuja última fase é o comunismo), aproveitando a lição das nações antigas e cansadas, Salgado, na evasão de um mundo desconfortável e inquietante — raiz de seu utopismo reacionário e do desespero pequeno-burguês — retoma a “vocação agrária” brasileira, agora pelo nível mais baixo dos pequenos proprietários. Para tanto, impõe-se a frenagem da expansão das forças produtivas. Convicto de que é parcela do cobiçado botim do imperialismo, e convencido também de que, em face dele, não dispõe, nem mesmo em percentagem mínima, dos recursos para uma defesa material efetiva, lança à arena de luta o combate espiritual ao imperialismo. O anticosmopolitismo, o nacionalismo defensivo o expressam perfeitamente: é a dimensão de seu anti-imperialismo regressivo.
Conclusivamente, na indefinição aberta pelos eventos de 30, e antes pela autofagia do sistema agroexportador, na ambiguidade das possibilidades do real, solicitável e solicitado, à época, em busca de uma direção para o evolver brasileiro, Salgado oferece a sua diretriz: a regressão, a contenção, no mínimo, do desenvolvimento do “verdadeiro capitalismo”, já que “Não existem as situações estancadas; todas têm que se desenvolver, para frente ou para trás”(59). E como a via colonial não predispõe, como se pode estimar com facilidade, para as batalhas pelo progresso, não é de estranhar que um número tão significativo de brasileiros, embalados por tantas razões pela “vocação agrária”, tenham acompanhado, pelo menos durante algum tempo e com reduzida consciência, o chefe integralista. Mesmo porque, por mais estranho que possa parecer, e estas coisas têm sido, quando o são, com raras exceções, muito precariamente estudadas, há que registrar, em plena segunda década do século, portanto nas fronteiras do período que nos interessa mais de perto, um forte movimento de franca oposição à industrialização e à urbanização do país. Recolhamos, simplesmente, as valiosas indicações de N. V. Luz:
“Além dessa reação liberal, que exemplificamos com Murtinho (Joaquim Murtinho, Ministro da Fazenda por todo o quadriênio Campos Sales; foi o grande divulgador do conceito de indústria artificial pela guerra tenaz que lhe moveu), uma outra corrente de protesto levantava-se contra o artificialismo do nosso desenvolvimento industrial. Protecionista, ela reclamava, entretanto, preferência para a produção agrícola, alegando o descuido da República pela terra, pelo campo, cujos habitantes constituíam, entretanto, o cerne da nacionalidade brasileira. Américo Werneck, um dos mais típicos representantes dessa corrente, revoltava-se contra esse esquecimento do homem do campo que, a seu ver, era o fator de nossa grandeza e o esteio de nossa soberania. /…/ Ora, essa população rural estava sendo sacrificada pelo alto custo da nossa produção industrial. E, como Murtinho e outros adversários das indústrias denominadas artificiais, Werneck atribuía-lhes, em grande parte, a responsabilidade pela carestia da vida no Brasil. /…/ Esse ruralismo que se evidencia no pensamento de Américo Werneck [Secretário da Agricultura e Obras Públicas do Estado de Minas, de 1898 a 1901; dedicou-se também às letras] e esse protesto contra a predominância do elemento urbano na política republicana traduzir-se-ão, na segunda década do século XX, num movimento mais radical de franca oposição à industrialização e à urbanização do país. A reação ruralista tinha, evidentemente, suas raízes nas tendências fisiocratas de certa corrente do pensamento econômico brasileiro. A predominância das atividades rurais, no Brasil, não deixou de favorecer a eclosão de uma mentalidade que encontrava nas doutrinas fisiocratas uma justificativa para uma economia de base essencialmente agrícola. Não se limitavam, porém, aos princípios econômicos, os ideais desse grupo ruralista. Transcendendo a ordem econômica, penetravam nos domínios da moral, preconizando uma filosofia anti-industrialista, antiurbana, ressaltando as vantagens e a superioridade da vida do campo. /…/ Na segunda década do século XX, os excessos do protecionismo industrial, a elevação cada vez maior do custo de vida que muitos atribuíam à política protecionista, os primeiros sinais de agitação social, o contraste entre o campo e a cidade, enfim, uma série de circunstâncias decorrentes da nossa evolução econômica e social levaram certos espíritos a preconizar uma volta ao campo, em nome desse mesmo nacionalismo que outros invocavam ao pleitear uma política de industrialização. /…/ Alberto Torres, o grande líder do movimento ruralista que visava à reintegração da nossa civilização em bases mais sadias — as da vida rural que considerava a expressão máxima da nacionalidade brasileira, /…/ invectivava a ação invasora desse capital (estrangeiro) e a leviana negligência do governo em facilitá-la”(60).
Salgado, portanto, não criava no vácuo. Vinha na esteira de uma espessa tradição. Tradição na qual, naturalmente, há que distinguir diversas perspectivas sociais, e suas diferentes objetivações ideológicas. Mas, inegavelmente, e não há dificuldade em o compreender, no geral: o ruralismo é, no Brasil, todo um caldo de cultura.
O que para trás ficou estampado leva-nos à constatação de que as contradições vivas,que geram a existência social brasileira da época de que nos ocupamos, distam ponderavelmente daquelas que fazem o tom da época no plano internacional. É palpável que, nesta esfera, a contraposição predominante é a configurada entre fascismo e antifascismo. Mas, considerando que os dinamismos preponderantes dos períodos não condicionam (não o fazendo também nem mesmo a realidade essencial de toda uma época) “de maneira imediata e total todos os fenômenos e mesmo todos os períodos dessa época”(61), compreendemos que o dinamismo preponderante da oposição entre fascismo e antifascismo, que “durante um longo período de desenvolvimento determinou a estrutura histórica da sociedade humana”(62), só tenha podido determinar, na particularidade brasileira, mediado pela via colonial, e na medida das resultantes desta. De tal forma, então, que a realidade mostrou, na sua condição própria, se comportava ou não, imediatamente, esta ou aquela questão, este ou aquele pensamento; não mimetizou ou deixou simplesmente de mimetizar, mas revelou ou não, em razão do grau de desenvolvimento em que se encontrava, e da forma pela qual aí chegara, se já objetivava ou não, e em que grau e forma, o que era o decisivo imediato para os centros hegemônicos internacionais. E tudo isto sem deixar de gerar para si, particularmente, o que era obrigada, só para si, a gerar. E, nesta produção, as ideias que se puseram não tinham como aparecer como deslocadas de seu espaço devido; com aparências semelhantes a outras, mais ou menos desenvolvidas, ou melhor conhecidas, podendo, no entanto, ser concretamente outra coisa,e, enquanto tais, ocupando perfeitamente o lugar que lhes competia. Mesmo porque a questão não é buscar o lugar certo das ideias, mas a ideia “certa”, própria dos lugares, na medida em que as ideias não são pedras subsumidas à lei da gravidade, sem que sejam, contudo, passíveis de fuga aos critérios universais do verdadeiro.
Isto posto, e retomados os cernes de que o fascismo é uma ideologia de mobilização nacional para a guerra imperialista, que se põe nas formações de capitalismo tardio, quando estas emergem na condição de elos débeis da cadeia imperialista, e o integralismo uma manifestação de regressividade nas formações de capitalismo híper-tardio, uma proposta de frenagem do desenvolvimento das forças produtivas, com um apelo ruralista, no preciso momento em que estas principiam a objetivar o “capitalismo verdadeiro”; ou ainda, numa palavra, se o fascismo é um fenômeno de expansão,da fase superior do capitalismo, e o integralismo se põe como fenômeno do capitalismo imaturo ou nascente, a traduzir uma proposta de regressão,em país de extração colonial que emerge como formação hiper-tardia do “capitalismo verdadeiro”, o que pode significar a tendência a estudá-los equiparadamente a partir de certas similitudes pinçadas apenas e exclusivamente na estreita faixa do estritamente político, senão que toda a ciência politológica de tal análise, tal como toda a sabedoria dos economistas modernos,de que fala Marx, na Introdução Geral à Crítica da Economia Política,reside no esquecimento das diferenças essenciais. Mesmo porque “Hegel nunca chamou de dialética a subsunção de uma massa de ‘casos’ a um princípio geral”(63).
As inelidíveis diferenças essenciais de objetivação do “capitalismo verdadeiro”, nas particularidades indicadas, mostram-se, então, palpavelmente como concretos geradores de diversas necessidades, incluídas, aí, as necessidades ideológicas. De tal sorte que o fato ideológico fascista se põe como uma totalidade distinta da totalidade do fato ideológico integralista.
E, na medida em que a consciência do agente não é critério de verdade, pois “não se julga o que um indivíduo é a partir do julgamento que ele faz de si mesmo”(64), e tampouco a análise de ideologias “julga das intenções, mas dos fatos, da expressão objetivada dos pensamentos”(65), a análise dos textos de Salgado apontava, a cada passo, na oportunidade em que elas próprias se punham, constituindo o todo e por ele sendo informadas, as especificidades e, portanto, as diferenças e suas densidades. Assim, pode-se apreender — e a análise comparativa entre os discursos fascista e integralista, que está fora dos propósitos do presente trabalho, poderá explorar a fundo e sistematicamente, numa aproximação que necessariamente passa pela análise imanente, nos moldes da realizada para o discurso de Salgado, pelo menos dos discursos fascistas de suas figuras mais características — objetivações ideológicas marcadamente diversas que vale, aqui, num ou noutro ponto, e à guisa de conclusão, repetir e acentuar.
Considere-se, então, o ponto nodal: a diversidade entre os fundantes das objetivações ideológicas em causa. Enquanto, no integralismo, o suposto último é uma concepção espiritualista do universo e do homem, concretada essencialmente em termos do catolicismo tradicional, no caso “clássico” do fascismo temos uma expressão do darwinismo social, levado às últimas consequências, consubstanciando literalmente o dogma central da teoria da raça. No caso italiano, que nunca teve a exemplaridade mundial do fascismo alemão, o mito é constituído principalmente em torno da concepção do império, tendo como canal condutor, no dizer de Lukács, “Sorel, através do qual se converteu em veículo da ideologia fascista o pragmatismo e a intuição bergsoniana”(66). Teríamos o “indiferentismo” bergsoniano transfigurado em Sorel em “atividade patética” e servindo, no seu “vazio de conteúdo”, como veículo do ecletismo mussoliniano. Recobrindo toda essa colcha de retalhos,um vago apelo à espiritualidade, de incursões panteístas. Desde os primeiros tempos de agressão ao catolicismo até a época de suas manobras com a Igreja, Mussolini nunca se deu ao trabalho de esclarecer, de fato, de que deus falava, algumas vezes. Como indaga um pesquisador:
“Porém, qual é o Deus de Mussolini? Trata-se de um ser pessoal ou de um ser impessoal no sentido panteísta? Trata-se de um ser conhecido pelo homem, de sorte que é possível estabelecer relações entre Deus e o homem, ou Deus é o desconhecido, um nome que o homem dá ao que está situado para além do conhecido?”(67) E diga-se também que não escapa ao fascismo italiano, se bem que de forma mais atenuada, a preocupação racial, nele se dando “a afirmação de um nacionalismo de fundo étnico e racial”(68).
Além do mais, com a conquista da Abissínia cessaram as vacilações do fascismo italiano:
“Enquanto, até agora, o mundo liberal sempre contrapôs como ‘argumento’, à doutrina racial nacionalista a ‘posição humanitária’ do fascismo italiano em assuntos raciais, esse mesmo fascismo italiano começa agora, com relação à recém-adquirida África do leste (Abissínia), a empreender uma política racista, que está em oposição às teorias assimilatórias dos teóricos fascistas, e ainda à ideia do Novo Império Romano, formulado por ocasião de sua fundação: ‘Sua ideia (do Império Romano) está acima de qualquer realidade de dependência do sangue ou da origem territorial’. Nem por isto, Mussolini não hesitou nenhum momento em 9 de janeiro de 1937 em baixar o decreto decisivo, proibindo, sob as mais severas penas, o concubinato entre italianos e negros. A imprensa se empenhou em colocar essa confissão básica do fascismo a favor de uma política racial, severa e consciente, não como algo de especial e surpreendente, mas, como escreve o ‘Giornale d’Itália’ como ‘continuação natural, sim, como síntese da política populacional de Mussolini’. ‘Os italianos devem’, escreve o jornal, ‘manter a sua raça pura e criativa no seu tipo original’. /…/ A pureza da raça é tão preciosa como a de um metal ou de uma pedra preciosa”(69).
Efetivamente a questão racial é, no fascismo, uma questão central, e é altamente ilustrativo que o autor, do qual extraímos a citação acima estampada, ao longo de todo seu livro, que versa sobre o integralismo, constituindo-se no único estudo acadêmico deste realizado da perspectiva fascista que conhecemos, conduz toda sua crítica ao integralismo brasileiro tendo por eixo a debilidade da “Teoria Assimilatória” que este esposa, em lugar de adotar, como seria correto, uma definida posição racial, almejando, o tempo todo, que o integralismo evolua em “direção a uma modificação de sua posição na questão racial e étnica no Brasil”(70), ao mesmo tempo que demonstra preocupação com o catolicismo de Salgado: “Existem muitos integralistas que falam de uma posição ultra-religiosa — católica — de seu chefe, e temem vários perigos para o movimento”(71). Sua insistência sobre a questão racial traduz-se, por exemplo, em denúncias de que
“o integralismo brasileiro adota a teoria assimilatória, antibiológica do nativismo lusitano /…/. Destruindo, porém, os diversos grupos étnicos — e isto ocorre se se sacrificam as características particulares, que eles possuem por vontade divina, a favor da ideia vaga de uma raça mista do futuro — destrói-se simultaneamente também os valores inerentes a esses grupos. Sim, pode até ser dito que o integralismo concorda neste ponto com as ideias materialístico-estáticas do comunismo, que também não reconhece os limites por vontade divina dos povos, na sua originalidade disposta pelo destino. A teoria de Meltingpot (assimilatória) do integralismo está, portanto, diametralmente em oposição à sua própria ideia dinâmica de base, isto é, àquela qualidade pela qual o integralismo brasileiro supera o seu homônimo português”(72).
As formulações do tipo se repetem: nelas, é visível, a tese pliniana da “raça harmoniosa do futuro” é inteiramente impugnada, tanto quanto a própria posição geral do integralismo em face da sua recusa em adotar a teoria racial como fundamento ideológico:
“É impossível formar no Brasil qualquer movimento vivo político ou cultural ou de outra natureza sem que se adote uma perfeita atitude frente ao problema racial. Oficialmente o integralismo afirma não conhecer o problema racial. Mas, na verdade, ele adotou a atitude racial do nativismo lusitano que muito se assemelha à sua. Ambos afirmam que o problema racial no Brasil só poderá ser solucionado de acordo com a realidade brasileira, em harmonia com a brasilidade, mas não com o que os cientistas europeus constataram em seus laboratórios. Mas se em outros pontos já constatamos a fragilidade e a interpretação subjetiva do conceito de brasilidade, com maior razão ocorre isto no problema racial”(73).
Ostensivamente, e até mesmo de forma acusada por adeptos do fascismo, as bases fundantes do integralismo e do fascismo são distintas e perfeitamente discerníveis, repercutindo isto no conjunto dos dois ideários, e de forma decisiva. Diríamos melhor que necessidades de objetivação social diferentes, em condições diversas, levaram a reflexões de natureza distintas determinando ideologias que de modo nenhum podem ser confundidas.
De fato, entre ter, como suposto último, uma concepção social que se identifica com o catolicismo tradicional ou o racismo biológico vai uma grande distância. De imediato repercute sobre a espessura do irracionalismo em jogo. Enquanto no integralismo ele é, digamos assim, barrado ou reduzido pelos dogmas da revelação, próprios da doutrina da Igreja, o irracionalismo fascista não conhece barragem. Evidentemente que os dogmas da revelação não constituem uma negação da irracionalidade, ao contrário, mas há que observar que eles ainda impõem um certo regramento, um conjunto de princípios obrigados a certa organização, e que determinam contornos à reflexão, onde a logicidade só ao limite último cede lugar à fé. O racismo fascista desconhece qualquer destes lineamentos, posto arbitrariamente, arbitrariamente procede. É mais amplamente irracionalista que o irracionalismo próprio do integralismo. Aquele inventa sua lógica, este, no limite, adota os valores de uma lógica que o transcende, e à qual, numa porção de seu tecido conceitual, se subordina. Era a isto, a esta porção menos irracionalista do discurso pliniano, que nos referíamos, nas primeiras páginas deste capítulo, quando dizíamos que o discurso de Salgado, estruturalmente retórico por natureza, possuía como residual algo não-retórico, indicando, desde logo, que isto assumia grande importância para a determinação da natureza do ideário pliniano. Nada semelhante a isto se encontra no discurso fascista. E é provavelmente por isto que o discurso fascista aparece sempre como descosido,como distante de perfazer os contornos de uma doutrina. Seu ecletismo absoluto o casa com seu irracionalismo extremo. Em contraste, o integralismo, no seu desalinhavamento, alinhava; um perfil, apenas tracejado, se põe para o foco visual. O elemento residual não-retórico propicia o cimento necessário. E Salgado, nós o vimos, é muito cioso do caráter mais doutrinário de sua proposta. Mussolini, por sua vez, pedira a certa altura um pensamento para a sua ação, enquanto Hitler “não suportava, nem mesmo acima de si próprio, a autoridade de uma ideia”(74). Afluentemente dirá um acólito, depreciando os clássicos da filosofia alemã: “Hitler não é menos do que a ideia, mas é mais do que ela, pois é real”(75).
Mas isto não deriva de que um seja um pouco mais, o outro um pouco menos, débil teoricamente. Mas o maior ou menor nível teórico espelha, no plano do tecido doutrinário, as exigências das necessidades concretas das entidades sociais em que estão inseridas. E é muito interessante observar que seja precisamente o integralismo, dentro de seu primarismo, que apresenta algo menos inferior que o fascismo. O que aponta para certa observação lukacsiana, segundo a qual as condições de inferioridade de uma realidade concreta não condicionam mecânica e obrigatoriamente a inferioridade em todos os seus aspectos.
Mas o que vale, acima de tudo, muito bem observar é que o irremediavelmente descosido discurso fascista, arrimado sobre um irracionalismo extremado, sem folga ou resíduo, que objetiva, em face do integralismo, um padrão teórico ainda mais baixo do que deste, não poderia ser outra coisa, pois é uma ideologia que radicalmente não propõe, simplesmente mobiliza e mobiliza simplesmente para o saque. Convencendo, persuadindo ou aterrorizando. Na consecução da acumulação capitalista dispõe-se a esfacelar literalmente o homem e o mundo. Uma doutrina esfacelada o representa com toda propriedade.
Em contrapartida, o integralismo, diante de um mundo em radical crise e transformação (o colapso do liberalismo, o primeiro conflito mundial, o surgimento do primeiro estado socialista), inserido num segmento territorial de extração colonial, lê catastroficamente o evolver do mundo e, na sua fragilidade colonial, propõe um retrocesso. Donde o caráter radical da antimodernização pliniana, que sendo proposta, no contexto da via colonial, mostra bem a espessura de sua regressão. Mas Salgado salta para trás, recusa a acumulação do “verdadeiro capitalismo” em nome precisamente da preservação da integridade humana, identificando a totalidade real, porém limitada, do camponês e do artesão como a totalidade humana possível. É uma proposta regressiva, mas uma proposta. É a pequena propriedade contra o grande capital. Só uma formação do capitalismo híper-tardio poderia ainda dar margem, em plena época das guerras imperialistas, a que reflexões desse calibre de puerilidade reacionária se dessem. Só a uma formação visceralmente impregnada pelo ruralismo poderia ainda sensibilizar a ideia de que o “vício é a base do progresso social”, diante do qual um imaginário e idealizado camponês salta para trás.
De modo que o “burguesismo — mal do século” não é uma farsa retórica, mas a forma da crítica romântica no capitalismo híper-tardio. E uma moral da resignação, da pobreza edificante, se põe como a “revolução espiritualista” e, enquanto tal, é a defesa de uma totalidade inferior. Mas a defesa de uma totalidade, não o esfacelamento de toda e qualquer totalidade. O fascismo esfacela para expandir; o integralismo retrocede com medo do esfacelamento.
Ontológica e teleologicamente, fascismo e integralismo se põem como objetivações distintas.
Notas de rodapé:
(1) K. Marx, Crítica do Programa de Gotha, Porto, Portucalense Editora, 1971, pp. 29-30. (retornar ao texto)
(2) K. Marx, Crítica do Programa de Gotha, Porto, Portucalense Editora, 1971, pp. 29-30. (retornar ao texto)
(3) Ib., pp. 30-31. (retornar ao texto)
(4) C. N. COUTINHO, Realismo & Anti-Realismo na Literatura Brasileira, Paz e Terra, Rio de Janeiro, p. 1924. (retornar ao texto)
(5) K. MARX, “En Torno a la Crítica de la Filosofia del Derecho de Hegel”, in La Sagrada Família, Grijalbo, México, 1960, pp. 11 11-2. (retornar ao texto)
(6) K. MARX, “En Torno a la Crítica de la Filosofia del Derecho de Hegel”, in La Sagrada Família, Grijalbo, México, 1960, pp. 11 11-2. (retornar ao texto)
(7) K. MARX, O Capital, Civ. Brasileira, Rio de Janeiro, 1968, p. 5. (retornar ao texto)
(8) G. LUKÁCS, Goethe y su Época, Grijalbo, Barcelona, 1968, p. 54. (retornar ao texto)
(9) F. ENGELS, As Guerras Camponesas na Alemanha, Grijalbo, São Paulo, 1977, p. 11. (retornar ao texto)
(10) Ib., pp. 17-18 e 17. (retornar ao texto)
(11) Ib., pp. 17-18 e 17. (retornar ao texto)
(12) G. LUKÁCS, Conversando com Lukács, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1969, p. 49. (retornar ao texto)
(13) V. I. LÊNIN, “El Programa Agrario de la Social-Democracia”, in Obras Completas, Cartago, B. Aires, 1960, Tomo XIII, pp. 241-242 e 246. (retornar ao texto)
(14) V. I. LÊNIN, “El Programa Agrario de la Social-Democracia”, in Obras Completas, Cartago, B. Aires, 1960, Tomo XIII, pp. 241-242 e 246. (retornar ao texto)
(15) Obrigatório é também registrar que Luiz Werneck Vianna procurou, em seu recente Liberalismo e Sindicato no Brasil (Ed. Paz e Terra, 1976), valer-se também do conceito de caminho prussiano. Tendo o sindicalismo por objeto de análise, W. Vianna inegavelmente produziu uma importante contribuição para a compreensão do problema no Brasil, contribuição que em muito contrasta, em sua condição de superioridade, com a bibliografia anteriormente produzida a respeito. E isto, apesar de seu emprego prussiano do conceito de via prussiana, isto é, conciliado, de uma parte, a todo um quadro de ressonâncias althusserianas, que rende curiosas tramas analíticas, e de outra com uma desnecessária e taticista somatória de conceitos dissonantes e residuais, que em nada auxiliam na sustentação das muitas e vigorosas teses apresentadas ao longo da obra. (retornar ao texto)
(16) K. MARX, Introdução à Crítica da Economia Política, Abril Cultural, São Paulo, 1974, p. 110. (retornar ao texto)
(17) J. A. GIANNOTTI, “Notas Sobre a Categoria ‘Modo de Produção’”, in Estudos Cebrap n° 17, São Paulo, 1976, p. 163. (retornar ao texto)
(18) Não subentendemos qualquer relação de afinidade entre via ou caminho colonial e expressões semelhantes. Ao contrário, pensamo-la exclusivamente enquanto particularidade, portanto como mediação necessária e objetiva entre a universalidade do capitalismo e determinadas singularidades; longe, consequentemente, da “criação” de novos universais, tal como se dá quando a colonial se antepõe modo de produção. (retornar ao texto)
(19) K. MARX, História Crítica de la Teoría de la Plusvalía, Fondo de Cultura Económica, México, 1945, vol. III, p. 389. (retornar ao texto)
(20) K. MARX, História Crítica de la Teoría de la Plusvalía, Fondo de Cultura Económica, México, 1945, vol. III, p. 389. (retornar ao texto)
(21) K. MARX, Crítica do Programa de Gotha, op. cit., p. 23. (retornar ao texto)
(22) Henri LEFEBVRE, O Direito à Cidade, Ed. Documentos, São Paulo, 1969, pp. 9-10. (retornar ao texto)
(23) Paul SINGER, “O Brasil no Contexto do Capitalismo Internacional 1889-1930”, in História Geral da Civilização Brasileira — O Brasil Republicano 1, Difel, São Paulo, 1957, p. 347. (retornar ao texto)
(24) Charles BETTELHEIM, La Economia Alemana Bajo el Nazismo, Editorial Fundamentos, Madrid, 1972, pp. 17-18. (retornar ao texto)
(25) Ib., pp. 18 a 20. (retornar ao texto)
(26) G. LUKÁCS, El Asalto a la Razón, Fondo de Cultura Económica, México, 1959, pp. 14 e 27. (retornar ao texto)
(27) Nicos POULANTZAS, Fascismo y Dictadura, Siglo XXI, México, 1971, pp. 25 e 23. (retornar ao texto)
(28) Nicos POULANTZAS, Fascismo y Dictadura, Siglo XXI, México, 1971, pp. 25 e 23. (retornar ao texto)
(29) Barrington MOORE, Los Orígenes Sociales de la Dictadura y de la Democracia, Ed. Península, Barcelona, 1973, p. 236. (retornar ao texto)
(30) Barrington MOORE, Los Orígenes Sociales de la Dictadura y de la Democracia, Ed. Península, Barcelona, 1973, p. 236. (retornar ao texto)
(31) Barrington MOORE, Los Orígenes Sociales de la Dictadura y de la Democracia, Ed. Península, Barcelona, 1973, p. 236. (retornar ao texto)
(32) Nicos POULANTZAS, Fascismo y Dictadura, op. cit., p. 27. (retornar ao texto)
(33) Ib., p. 23. (retornar ao texto)
(34) C. BETTELHEIM, La Economia Alemana Bajo el nazismo, op. cit., pp. 20-21. (retornar ao texto)
(35) Karl Dietrich BRACHER, La Dictadura Alemana, Alianza Editorial, Madrid, 1973, vol. 1, pp. 33-34. (retornar ao texto)
(36) G. LUKÁCS, Goethe y su Época, op. cit., pp. 57-58. (retornar ao texto)
(37) Henri LEFEBVRE, Au-Delá du Structuralisme, Antropos, Paris, 1971, p. 230. (retornar ao texto)
(38) G. LUKÁCS, Conversando com Lukács, op. cit., p. 136. (retornar ao texto)
(39) G. LUKÁCS, El Asalto a la Razón, op. cit., pp. 58 e 54. (retornar ao texto)
(40) G. LUKÁCS, El Asalto a la Razón, op. cit., pp. 58 e 54. (retornar ao texto)
(41) Francisco de OLIVEIRA, “A Economia Brasileira: Crítica à Razão Dualista”, in Estudos Cebrap 2, 1972, p. 71. (retornar ao texto)
(42) Wilhelm REICH, Psicologia de Massa do fascismo, Publicações Escorpião, Porto, 1974, p. 42. (retornar ao texto)
(43) G. LUKÁCS, Aportaciones a la História de la Estética, Grijalbo, México, 1966, p. 345. (retornar ao texto)
(44) G. LUKÁCS, Goethe y su Época, op. cit., p. 56. (retornar ao texto)
(45) G. LUKÁCS, Goethe y su Época, op. cit., p. 55. (retornar ao texto)
(46) José Honório RODRIGUES, Conciliação e Reforma no Brasil, Civ. Brasileira, Rio de Janeiro, 1965, p. 70. (retornar ao texto)
(47) Carlos Nelson COUTINHO, Literatura e Humanismo, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1967, p. 142. (retornar ao texto)
(48) “/…/ l’Italie et l’Allemagne n’ayant pas connu de révolution bourgeoise, l’idéologie bourgeoise libérale est fragile et faiblement enracinée.” Max GALLO, “L’Idéologie Fasciste”, in Les ldéologies dans le Monde Actuel, DDB, Paris, 1971, p. 145. (retornar ao texto)
(49) O. de ANDRADE, Obras Completas, vol. 2, pp. 132-133. (retornar ao texto)
(50) Celso FURTADO, Desenvolvimento e Subdesenvolvimento, Ed. Fundo de Cultura, Rio de Janeiro, 1961, Cap. 6. (retornar ao texto)
(51) Caio PRADO JÚNIOR, História Econômica do Brasil, Brasiliense, São Paulo, 1970, p. 296. (retornar ao texto)
(52) Francisco de OLIVEIRA, “A Emergência do Modo de Produção de Mercadorias: Uma Interpretação Teórica da Economia da República Velha no Brasil”, in O Brasil Republicano 1, Difel, São Paulo, 1975, p. 412. (retornar ao texto)
(53) Caio PRADO JÚNIOR, História Econômica do Brasil, op. cit., p. 216. (retornar ao texto)
(54) Francisco de OLIVEIRA, A Emergência do Modo de Produção de Mercadorias, op. cit., pp. 408 e 4l0. (retornar ao texto)
(55) Francisco de OLIVEIRA, A Emergência do Modo de Produção de Mercadorias, op. cit., pp. 408 e 4l0. (retornar ao texto)
(56) F. de OLIVEIRA, A Economia Brasileira: Crítica à Razão Dualista, op. cit., p. 9. (retornar ao texto)
(57) “Quando se realizou no Brasil o Censo de 1920, verificou-se que de todos os capitais investidos no País em atividades industriais, quase que uma quarta parte (exatamente, 24,2%) o foram de 1915 a 1919, o que comprova o impacto da Primeira Guerra Mundial no processo de industrialização. Entretanto, porcentagem ainda maior, mais do que a quarta parte (precisamente, 26,2%) o tinham sido no período de 1880 a 1894, quando antes, desde a Colônia, só haviam sido aplicados 6,4%, e depois, de 1895 a 1904, verificara-se uma crise industrial.” Cf. Maurício Vinhas de QUEIRÓS, “O Surto Industrial de 1880-1905”, in Debate & Crítica, n° 6, julho de 1975, p. 95. (retornar ao texto)
(58) Nícia Vilela LUZ, A Luta pela Industrialização no Brasil, Difel, São Paulo, 1961. (retornar ao texto)
(59) G. LUKÁCS, El Asalto a la Razón, op. cit., p. 54. (retornar ao texto)
(60) Nícia V. LUZ, A Luta Pela Industrialização no Brasil, op. cit., pp. 78 a 91. (retornar ao texto)
(61) G. LUKÁCS, Realismo Crítico Hoje, Coordenada Editora de Brasília, Brasília, 1969, pp. 27 e 27. (retornar ao texto)
(62) G. LUKÁCS, Realismo Crítico Hoje, Coordenada Editora de Brasília, Brasília, 1969, pp. 27 e 27. (retornar ao texto)
(63) K. MARX, “Carta a Engels (9 de dezembro de 1861)”, in Correspondencia, Cartago, B. Aires, 1972, p. 116. (retornar ao texto)
(64) K. MARX, Prefácio — para a Crítica da Economia Política, Abril Cultural, São Paulo, 1974, p. 136. (retornar ao texto)
(65) G. LUKÁCS, El Asalto a la Razón, op. cit., pp. 4 e 27. (retornar ao texto)
(66) G. LUKÁCS, El Asalto a la Razón, op. cit., pp. 4 e 27. (retornar ao texto)
(67) G. R. de YURRE, Totalitarismo y Egolatria, op. cit., p. 268. (retornar ao texto)
(68) J. MEDEIROS, “Introdução ao Estudo do Pensamento Político Autoritário Brasileiro”, in Rev. de Ciências Política da FGV, vol. 18, setembro de 1975, p. 84. (retornar ao texto)
(69) Karl Heinrich HUNSCHE, Der Brasilianische Integralismus, Verlag von W. Kohlhammer, Stuttgard, 1938, pp. 150, 152 e 146. (retornar ao texto)
(70) Karl Heinrich HUNSCHE, Der Brasilianische Integralismus, Verlag von W. Kohlhammer, Stuttgard, 1938, pp. 150, 152 e 146. (retornar ao texto)
(71) Karl Heinrich HUNSCHE, Der Brasilianische Integralismus, Verlag von W. Kohlhammer, Stuttgard, 1938, pp. 150, 152 e 146. (retornar ao texto)
(72) Ib., pp. 143 e 81. (retornar ao texto)
(73) Ib., pp. 143 e 81. (retornar ao texto)
(74) Joachim FEST, Hitler, Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1976, p. 6. (retornar ao texto)
(75) BAEMLER, Mannerbund und Wissenschaft, apud G. LUKÁCS, El Asalto a la Razón, p. 437. (retornar ao texto)
Inclusão | 09/09/2018 |