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As duas grandes guerras mundiais, sobretudo o flagelo do nazismo, o facto de vivermos no lado ocidental da Europa, onde se procura esconder a luta heróica das classes trabalhadoras contra as classes possidentes dominantes, tem feito com que, injustamente, se identifique o nazismo, o militarismo, o imperialismo belicista com a Alemanha, não se dando conta do papel dos trabalhadores alemães na luta pelo socialismo e contra o fascismo. Esquecendo-se até o seu terrível necrológico, a crueldade com que foram dizimados nos campos de concentração que se espalharam por todo o território após a subida de Hitler ao poder.
Por isso, um certo espanto com que, hoje, na RDA vamos tomando conhecimento ou relembrando essas lutas, quando visitamos as cidades dos seus quinze distritos.
Quando pensamos em Potsdam lembramo-nos, é evidente, em primeiro lugar dos acordos aliados sobre a Alemanha, quando muito recordamos Sanssouci e Frederico II. Somos talvez levados para lá da ideia dos grandes palácios, dos parques paradisíacos, da cidade de beleza excepcional, a pensar que Potsdam encarnava o cerne do militarismo e a sua estreita ligação com os fautores de duas grandes guerras mundiais. Mas dificilmente aliaremos a Potsdam a outra face da Alemanha — a luta da classe trabalhadora e dos seus dirigentes contra esse mesmo prussianismo, essa opressão e exploração. No entanto, a cidade foi teatro de grandes lutas da classe operária e foi, por encargo dos seus camaradas dali, que Karl Liebknecht foi o único deputado ao Reichstag, a votar em 1914 contra os créditos de guerra. E que, na continuação dessa luta contra o fascismo, dezenas e dezenas de cidadãos de Potsdam foram assassinados. Walter Klaush, Herbert Ritter, Hermann Elflein, Albert Klink, Heinrich Luther, Hermann Maass, dirigentes da classe operária, morreram às mãos da Gestapo.
A hora da libertação: a 30 de Abril de 1945 as tropas soviéticas entraram em Berlim. A bandeira soviética içada no edifício do Reichstag é o testemunho da vitória sobre o fascismo |
E vamos sabendo a cada passo a luta heróica da classe operária alemã, assim como os crimes da opressão de séculos e do nazismo, porque, ao contrário do que, ardilosamente, pretendem os falsos democratas do Ocidente, a RDA como todo o mundo socialista não quer esquecer.
Quer lembrar, constantemente, sobretudo às gerações que já não o sentiram, o que foi a ignomínia e a vergonha do nazi-fascismo. E não esquecer os que lutaram e morreram, opondo-se a essa maré de sangue e de lama.
Não é possível ignorar ou ser indiferente, em Potsdam, ao seu extraordinário encanto. O meu objectivo era, no entanto, outro. Cecilienhof — o castelo mandado construir pelo imperador Guilherme II para o príncipe herdeiro — Guilherme de Hohenzollern — à custa da miséria do povo, pela módica quantia de oito milhões de marcos ouro. De 1913 a 1916. Diz-se — parece que com visos de verdade — que parte desse ouro veio de um peditório «patriótico» feito à população para que entregasse o ouro, ajuda às despesas de guerra, à obtenção da vitória...
Reza a história que Cecilienhof (do nome da mulher de Guilherme de Hohenzollern) foi confiscado para o Estado, durante a Revolução de 1918, e depois restituído. O príncipe quando fugiu para a Alemanha Ocidental, onde poderia viver mais calma e confortavelmente, levou com ele o mobiliário do castelo.
Isto é, apesar de tudo, um pouco secundário. Potsdam ficará na história por ali se terem realizado as conferências entre Estaline, Truman e Churchill (depois Clemente Atlee), de 17 de Julho a 2 de Agosto de 1945, em representação da coligação anti-fascista e anti-hitleriana, encabeçada pela União Soviética, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, e que terminaram com os acordos para sempre ligados ao nome daquela cidade.
Os ministros das Relações Exteriores dos Estados da coligação anti-hitleriana reunidos
de 17 de Julho a 2 de Agosto de 1945 no Palácio Cecilienhof assinaram o acordo de Potsdam onde constam as decisões fundamentais para a edificação de um estado alemão pacífico e democrático de acordo com o Direito Internacional (na fotografia: ao centro Estaline, à direita Truman e à esquerda Attlee) |
À medida que ia percorrendo as salas onde se reuniam as várias delegações, procurava reconstituir os rastos dos seus componentes, rememorando a ansiedade com que nós, antifascistas ainda sob o domínio miserável dos seus resíduos, íamos acompanhando a sua evolução, aguardando que a nova face do mundo, alastrando, nos libertasse também.
Aqui estiveram Estaline, Molotov, Gromiko; além, Churchill e aqui Truman (um nome a esquecer ou a lembrar). Nesta sala pode seguir-se o desenrolar de uma luta histórica — sem balas nem canhões — mas aonde não faltou a chantagem política da força, com o lançamento em 24 de Julho de uma bomba de potência excepcional sobre o centro experimental de Alamogordo.
Ali podemos observar os planos de desmembramento da Alemanha, propostos em Teerão pelos americanos, mais tarde o plano Morgenthau e, finalmente, a proposta de Truman em Potsdam. Todos receberam a recusa sistemática e firme da União Soviética.
Os pontos fulcrais da conferência: as reparações devidas pela Alemanha aos países aliados; a integração dessas indemnizações num programa equilibrado do comércio externo; a fronteira ocidental da Polónia; as relações das potências aliadas para com a Bulgária, a Roménia e a Hungria e, finalmente, a centralização política da Alemanha e a destruição total das raízes do fascismo e do militarismo.
A União Soviética opôs-se a todas as manobras contra-revolucionárias já no espírito dos aliados ocidentais, levando-os a um conteúdo democrático nas negociações de paz.
Sem se pretender fazer o relato exaustivo destes acordos históricos e essenciais para uma análise de todo o desenrolar da política mundial ulterior, faremos referência muito especial àqueles pontos que esclarecem o nascimento e desenvolvimento como país socialista independente da República Democrática Alemã.
Sobre a fronteira ocidental da Polónia:
«De acordo com a conferência da Crimeia no que diz respeito à Polónia, os chefes dos três governos pediram ao Governo provisório polaco a sua opinião sobre o acréscimo de território que a Polónia deve receber a Norte e a Oeste.
«O presidente do Conselho Nacional da Polónia e os membros do Governo provisório polacos foram recebidos na conferência e apresentaram os seus pontos de vista. Os chefes dos três governos reafirmaram a opinião de que a delimitação final da fronteira ocidental da Polónia deve ser feita aquando do regulamento da paz.
«Os chefes dos três governos estão de acordo em que, para o traçado definitivo, os territórios ex-alemães para Leste de uma linha partindo do Báltico a Oeste de Swinemúnde, descendo ao longo do Oder até à confluência com o Neisse Ocidental, depois ao longo deste até à fronteira da Checoslováquia, compreendendo a Prússia Oriental não colocada sob a administração soviética de acordo com a dita conferência da Crimeia, e compreendendo a região a ex-cidade livre de Dantzig, serão entregues à administração do Estado Polaco e para este fim não deverão ser consideradas como parte da zona de ocupação da Alemanha.» (Acordos de Potsdam).
Tudo demonstra a decisão das potências ocidentais de aceitarem como fronteira definitiva entre a Polónia e a Alemanha a linha Oder-Neisse.
E o presidente Truman declarou, pela rádio, em 9 de Agosto de 1945, que:
«Os novos territórios a Ocidente eram dantes povoados por alemães. O território que a Polónia deverá administrar presentemente permite àquele país assegurar melhor o abastecimento da sua população. A fronteira entre a Polónia e a Alemanha será mais curta e mais fácil de defender. O povoamento destes territórios pelos polacos tornará esta nação mais homogénea.»
No texto dos acordos de Potsdam se fixa a transferência das populações que «deve ser feita de forma ordenada e humana».
E, de acordo com estas decisões, foi estabelecido um plano sobre as deslocações das populações, em 20 de Novembro de 1945, tendo sido deslocados, em 1947, 10 milhões de alemães, originários da Polónia e da Checoslováquia.
Eliminação para sempre das raízes do fascismo e do militarismo.
Este um dos pontos fulcrais dos Acordos de Potsdam, visando a salvaguarda da paz.
Nestes acordos, pode ler-se:
«Não é intenção dos aliados destruir ou reduzir à escravatura o povo alemão. A intenção dos aliados é dar ao povo alemão a faculdade de se preparar com vista a refazer eventualmente a sua vida sobre uma base democrática e pacífica. Se os seus esforços forem firmemente dirigidos neste sentido, ser-lhe-á possível, no momento próprio, retomar o seu lugar entre os povos livres e pacíficos do mundo.»
Ali foram determinados os princípios de ocupação da Alemanha que vale a pena recapitular, para analisarmos depois quem os respeitou ou não:
Contra as propostas de desmembramento da Alemanha, a União Soviética defendeu sempre, com uma firmeza verdadeiramente obstinada, o princípio da unidade nacional, estreitamente ligado, como é evidente, à eliminação total do fascismo e das suas fontes criadoras em todos os planos.
Tudo o que atrás se enumerou — decisões dos Acordos de Potsdam — destinava-se a tornar o povo alemão, um povo pacífico e democrático, capaz de entrar no convívio geral das nações, mas como unidade.
A União Soviética tinha consciência de uma outra Alemanha que havia sido massacrada barbaramente, confiava na luta das classes trabalhadoras, na recuperação de grandes massas para a causa da paz e da democracia.
A União Soviética partia do princípio de que, se se desejava o extermínio do militarismo e do fascismo de modo durável e efectivo, só as forças democráticas do povo alemão o poderiam conseguir. Portanto, seria essencial dar-lhes as condições políticas e administrativas necessárias ao desenvolvimento do anti-fascismo e da democracia.
Tanto o Partido Comunista Alemão como o Partido Socialista assim como as outras organizações anti-fascistas aceitaram os acordos de Potsdam e, baseados na classe operária, levaram à prática as decisões ali contidas.
Para tanto, a União Soviética administrou a sua zona de ocupação estreitamente de acordo com o espírito e a letra de Potsdam, dando um apoio efectivo às forças democráticas e anti-fascistas do povo alemão, ajudando a classe trabalhadora e o seu partido a realizar uma transformação total na vida política, económica e cultural.
É certo que a União Soviética se não limitou aos termos estritos dos acordos de Potsdam. Desde os primeiros dias, ela ajudou o abastecimento das populações, onde a fome grassava e demonstrou um espírito de solidariedade para com um povo derrotado e que lhe ocasionara os maiores sofrimentos, que, suponho, não houve outro exemplo semelhante na História da humanidade.
À medida que percorri parte da RDA, encontrei disso sinais impressionantes.
Por isso mesmo, o povo alemão foi tomando consciência de quão benéfica lhe era a aliança com a URSS.
Organizando-se as forças democráticas e anti-fascistas livremente, assim como os movimentos revolucionários da classe trabalhadora, os vários pontos expressos nos acordos de Potsdam foram executados.
Em 21 de Abril de 1945 verificou-se um acontecimento de transcendência histórica não só para a RDA como para todo o movimento operário internacional — a fusão do Partido Comunista Alemão e do Partido Socialista — criando-se o grande partido dirigente da classe operária: Partido Socialista Unificado (SEP).
O seu programa, de acordo com o espírito de Potsdam, significava a radical transformação da sociedade alemã, democrática e anti-fascista, e o caminho futuro para a edificação do Socialismo.
Não sem imensas dificuldades e um tenaz espírito de luta, na zona de ocupação soviética procedeu-se efectivamente à desnazificação e à eliminação em todos os campos do militarismo e do fascismo e das suas fontes de apoio — os monopólios, os latifúndios, a banca.
A população toma sol num parque citadino |
Fez-se a expropriação da terra aos latifundiários (Junkers) e aos criminosos de guerra, distribuindo a maior parte pelos camponeses pobres. As grandes empresas, propriedades de nazis ou de criminosos de guerra, foram imediatamente confiscadas. Procedeu-se à reforma democrática do ensino primário, secundário e superior, acabando com todos os privilégios culturais. Democratização da justiça. Defesa e aceitação definitiva da fronteira Oder-Neisse. Finalmente, tanto a União Soviética como a RDA, constituída como Estado em 1949, defenderam sempre a unidade e integridade da Alemanha, dentro do espírito e letra dos Acordos de Potsdam.
Entretanto, nas zonas de ocupação ocidentais, assistimos pelo contrário ao constante incumprimento dos acordos — até descaradamente os rasgarem como folha de papel velho, traindo todos os ideais neles expressos — de defesa da democracia e da paz.
Contra o que haviam acordado em Potsdam, contra a luta levada a cabo pelos partidos de esquerda e parte dos sindicatos, nomeadamente no Ruhr e em Hesse, onde um referendo deu uma maioria de 76,6% às medidas anti-fascistas e anti-monopolistas, expressas nos Acordos de Potsdam, as autoridades ocidentais apoiaram-se em dirigentes económicos nazis — como Hermann J. Abs, Rechberg, Floncein e outros.
Adenauer foi o homem de confiança dos americanos, apesar de ser ferozmente contrário aos acordos de Potsdam. Como governadores de província, surgiram ultra-reaccionários, como Robert Lehr, Schlange-Schónigen, e Hermann Dietrich, ministro da Economia e Finanças do III Reich.
A razão apresentada era o aproveitamento da sua «experiência».
A desnazificação foi completamente falseada. Prenderam-se ou perseguiram-se os pequenos e deixaram-se os grandes à vontade. Grandes responsáveis nazis, como Wilhelm Zangen, Hugo Stinnes e Abraham Frowein, foram considerados inocentes.
Em 1949, de 6 083 694 casos, examinados, apenas 1667 pessoas foram incriminadas como «principais culpados»; 23060 como «pessoas com passado gravemente comprometido». Entre 1945 e 1946, 12 457 pessoas foram acusadas de nazismo e crimes de guerra, mas apenas 5234 foram condenadas. Toda a gente sabe que na Alemanha Ocidental se acoitam dezenas de milhares de nazis que ninguém persegue.
No início, os ocidentais confiscaram alguns trusts e alguns bancos também.
Com excepção de quatro ou cinco dirigentes, que se tornariam mais escandalosos e foram presos e julgados, as empresas foram confiscadas, mas as direcções continuaram a geri-las e a receber os seus chorudos ordenados e lucros. Salvo as grandes empresas da indústria metalúrgica, os grandes bancos e a J. G. Farben, todos os outros monopólios continuaram a sua doce existência. E a verdade é que, a partir de 1950, se iniciou um processo de reconcentração capitalista.
Quanto à justiça — os números são impressionantes: — Na zona de ocupação britânica, em 1948, 76% dos juízes e procuradores tinham pertencido ao partido nazi. No campo do ensino o panorama é semelhante.
Quanto à propriedade rural, os ocidentais promulgaram leis pelas quais só seriam expropriados os proprietários com mais de 150 hectares e, mesmo nestes casos, com indemnização. Porém, até estas leis tiveram uma aplicação limitada. Disto resultou que, de 600 000 pedidos de terra, só foram satisfeitos 6645.
Dominada a terra pelo poder dos monopólios e dos grandes terratenientes, a industrialização da agricultura em proveito dos camponeses não se verificou, não se constituíram as cooperativas como na RDA, e o êxodo do campo aumenta de dia para dia.
Por outro lado, assistimos desde o início ao aparecimento e desenvolvimento dos movimentos chamados «patrióticos»(1) contra as decisões de Potsdam, em especial contra a fronteira Oder-Neisse e à promessa de que «um dia esses territórios tornariam à posse da grande Alemanha».
Adenauer e Schumacher propalavam-no claramente, numa política de «revanche», semelhante à que se seguiu à primeira guerra mundial.
As forças reaccionárias passaram a agir livremente, sob a bandeira do ataque aos acordos de Potsdam.
Daí o corte total entre as zonas ocidentais e o território da futura RDA
Organizados nesta base anti-democrática e contra o estabelecido em Potsdam, toda a orientação das zonas ocidentais se voltou decisivamente contra a criação de um Estado Alemão único, já que o território da futura RDA estava em absoluta oposição à linha por eles seguida.
Em 1947, Robert Murphy, conselheiro político do governador militar americano, general Lúcio Clay, declarou:
«Logo que a nossa delegação deixou Moscovo em 1947, depois do malogro da conferência sobre a Alemanha, as três potências ocidentais decidiram, de acordo com os alemães de Oeste, a criação da Alemanha Federal». (S. Rolf Babstribner — Sigfried Thomas Die Spaltung Deutschlands 1945-1949, Berlin, 1966, p. 193).
Isto, de resto, ia ao encontro do desejo expresso por Adenauer, já em 1945, da criação de um Estado Federal, formado pelas três zonas de ocupação ocidentais da Alemanha.
Se analisarmos objectivamente os factos históricos em presença, vemos que a RFA foi o fruto das actividades dos que lutaram contra os Acordos de Potsdam e a RDA a construção de um novo pais, formado no espírito daqueles Acordos que alguém considerou como «o maior acontecimento na história das relações internacionais da nossa época».
Nós, portugueses, devemos meditar profundamente sobre os Acordos de Potsdam e o caminho que devemos seguir para exterminar de vez na nossa terra o veneno do fascismo e as suas fontes dinamizadoras.
E estamos talvez melhor preparados para ver qual dos caminhos foi o melhor para o povo alemão e para a paz na Europa e no mundo.
Nesta longa explanação sobre Potsdam nem quis trazer novidades — os factos estão ao alcance de quem os quiser procurar — nem fazer um estudo para especialistas. Procurei apenas mostrar os factos mais importantes para esclarecimento da grande massa dos meus compatriotas, afastados à força do curso dos acontecimentos no mundo, quando esse curso brigava com os interesses confessados ou inconfessáveis da camarilha que nos governou.
Notas de rodapé:
(1) Estes movimentos «patrióticos» continuam a existir na Alemanha Ocidental — Landsmannschaften (irmandades de compatriotas) — e são proprietários dos velhos territórios da Checoslováquia e da Polónia, alguns também da RDA, que se refugiaram na RFA e foram tristemente famosos na época da guerra fria. Foram um baluarte do Governo de Adenauer na política anti-comunista. Neo-fascistas, aproveitaram o descontentamento de alguns desapossados, nos termos dos acordos de Potsdam, para realizarem os seus fins. (retornar ao texto)
Inclusão | 16/02/2015 |