Socialismo na Iugoslávia?

O caso de Djilas e o regime de Tito

John G. Wright

1954


Primeira publicação: Fourth International, vol. 15, n.º 3, verão de 1954, págs. 104-153.
Tradução: Renan Santi, a partir de Socialism in Yugoslavia?.
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O caso de Milovan Djilas, amigo pessoal de Tito, anteriormente uma das principais figuras em Belgrado e outrora reconhecido como principal teórico do partido iugoslavo, atraiu atenção e comentários em todo mundo. Numa série de artigos escritos de 11 de outubro de 1951 a 7 de janeiro de 1954, para o Borba, jornal central do partido iugoslavo, e para a edição de janeiro da revista Novo Pensamento (Nova Misao), Djilas levantou um grande número de questões teóricas e políticas. Entretanto, estas ficaram em segundo plano quando comparadas com as questões teóricas e políticas colocadas pelo próprio Tito nas sessões plenárias de emergência do Comitê Central do partido iugoslavo que foi convocado de 16 a 17 de janeiro de 1954, para tratar apenas do caso Djilas.

As opiniões de Djilas receberam considerável atenção. Mas as visões de Tito, nesse mesmo contexto, merecem de longe, maior atenção; e, além disso, colocam as concepções de Djilas no foco correto. Por esta razão, pensamos que é apropriado discutir o caso Djilas a partir da posição oficial estabelecida por Tito.

No plenário de janeiro do Comitê Central, Tito apresentou duas propostas principais – e mutualmente exclusivas – no caso de Djilas. Em primeiro lugar, disse ele, tratava-se simplesmente do caso de um único indivíduo. As ações e opiniões de Djilas, disse Tito, eram “produto próprio [de Djilas] – elas representam suas próprias opiniões”. Em segundo lugar, as ações e opiniões desse único indivíduo, a menos que sejam combatidas, teriam as mais desastrosas consequências; levariam nada menos que à liquidação do regime iugoslavo, dentro de um único ano, e sem qualquer luta interna.

Tito foi um quanto enfático neste ponto. Aqui está o quão forte o pôs:

“Pois se permitíssemos isto [isto é, a propagação dos pontos de vista de Djilas], dentro de um ano a nossa realidade socialista não existiria – não existiria, digovos, – e isto, sem sequer uma luta sangrenta.”

A resolução oficial adotada pelo plenário do Comitê Central iugoslavo tratou do mesmo tema. Acusou Djilas de ter “confundido a opinião pública e prejudicado gravemente não só a Liga dos Comunistas, mas também os interesses do país”.

A resolução ulterior estabeleceu que Djilas pelas suas atividades

“forneceu uma base política para a divisão da unidade ideológica e organizacional da Liga dos Comunistas e para a sua liquidação.”

Estas formulações são obviamente mais brandas do que as palavras do próprio Tito, mas as implicações são idênticas.

Nova “Realidade Socialista”?

Antes de abordar as opiniões de Djilas, por mais importante que sejam, é obviamente oportuno tratar desta questão muito mais importante, levantada por Tito e pelo plenário de emergência – a questão de como as opiniões de um único indivíduo, alegadamente partilhada por nenhum outro proeminente líder iugoslavo, possivelmente poderia levar a resultados históricos de tão longo alcance como a rápida e incruenta derrubada da “realidade socialista” iugoslava.

Do ponto de vista marxista, tal proposição é um absurdo. Até o mais instável dos regimes sociais não pode ser derrubado por “opiniões” e “concepções” de indivíduos isolados, muito menos de uma única pessoa. Tais reviravoltas exigem a intervenção das forças sociais, das classes. Tito e seus colegas, incluindo Djilas, têm defendido por anos que exista uma nova “realidade socialista” na Iugoslávia. Se isto tem algum sentido, significa que novas instituições sociais, baseadas em novas relações produtivas, surgiram na Iugoslávia – e não uma mera nova seleção de indivíduos com base em opiniões ou concepções comuns. Essas novas instituições e relações produtivas não podem ser destruídas senão pela força; “concepções” por si só são aqui bastante impotentes. Isto é o que o marxismo sempre ensinou. Belgrado agora afirma o oposto.

A resolução do plenário de emergência faz apenas uma tentativa superficial de explicar a fonte da qual as opiniões de Djilas derivam os seus miraculosos poderes destrutivos. Esta explicação consiste numa breve referência às funções do “camarada Djilas’ na Liga dos Comunistas,” os teóricos do Kremlin sempre se distinguiram pelo seu fetichismo individualista no que diz respeito à liderança. É dos líderes, sobretudo do Líder-em-Chefe, que todos os sucessos e bênçãos provém – esse é o credo e o culto do Estalinismo. Coube aos titoístas irem além dos estalinistas, localizando poderes miraculosos não meramente nos líderes, mas, se posso dizer, nas funções de determinados cargos! Isto não é marxismo, mas uma caricatura da caricatura.

Tito fez pessoalmente uma tentativa mais séria de explicação. Ele atribuiu o vasto poder injurioso das concepções de Djilas aos três fatores seguintes: (1) o sentimento predominante no país; (2) a instabilidade de uma certa seção do partido iugoslavo; (3) as condições gerais que prevalecem “durante a fase da evolução revolucionária pacífica”.

Tito afirmou que “ainda existem vestígios incrivelmente grandes de todas as concepções possíveis” na Iugoslávia. Agora, os “restos”, mesmo os “incrivelmente grandes”, nas mentes das pessoas não podem representar um sério perigo para uma “realidade socialista” existente. Estes “restos” podem fumegar e enfurecer-se o quanto quiserem, mas são impotentes para fazer qualquer coisa. O ânimo psicológico – e mais ainda, os “restos” desses estados de espírito – pesa apenas como uma pena contra o poder das instituições sociais e das relações produtivas.

A “realidade socialista” avançou tanto na Iugoslávia que é possível discutir não apenas o “definhamento do Estado”, mas também o definhamento do partido como um processo de longo alcance, segundo Tito – que acrescentou, pela forma, que ele foi “o primeiro a falar sobre o definhamento do partido” neste sentido de longo alcance.

Se os “restos” de estados de espírito são perigosos, só o podem ser porque forças de classe alienígenas estão a erguer a cabeça na Iugoslávia. Mas isto só pode significar que a “realidade socialista” iugoslava não é de toda uma realidade, mas sim uma ilusão, se não um engano deliberado.

Em outra parte de seu discurso, Tito descreve o processo como uma sequência de

“consequências incrivelmente prejudiciais [que] começaram a se desenrolar como uma bola de neve derretendo caindo pelo telhado.”

Em outras palavras, Tito usa o termo “restos” como uma expressão eufemista para algo que é justamente o oposto de “restos” – nomeadamente, a nova onda de ousadia e confiança entre as forças contrarrevolucionárias, ainda fortes dentro do país. Ele admitiu isso quanto disse que

“dentro de um lapso de tempo muito curto... a reação e todos os elementos internos vacilantes e prejudiciais começaram a levantar suas cabeças, para não falar nada da reação no ocidente ...”

A contrarrevolução interna, ajudada e encorajada pelo imperialismo no exterior – esse é o verdadeiro perigo. Mas Tito preferiu contornar isto, minimizar.

Situação no Partido

Isto é o que acontece com a situação real na Iugoslávia revelada pelo caso Djilas. Passemos agora à situação dentro do partido iugoslavo. Tito expressou completa confiança na “enorme maioria” de membros do partido, mas simultaneamente alertou severamente, não sobre uma pequena minoria, mas sobre

“milhares e milhares que fortaleceriam as fileiras dos vacilantes e de vários tipos de aventureiros, e que poderiam causar danos imensos.”

Esta é uma admissão surpreendente. É muito mais sinistro do que qualquer coisa acusada por Djilas. De acordo com Tito, nas fileiras do partido vitorioso e dirigente, existem hoje “milhares e milhares” de recrutas em potencial, senão de fato, para a contrarrevolução. Em março deste ano, o número total de membros do partido era oficialmente de 700.030. (O VicePresidente Ranković informou que o número de membros do partido retirados ou expulsos no final de 1953 era de 70.604, ou cerca de um décimo do total de membros.)

Essa admissão é tão grave quanto qualquer uma das acusações levantadas contra Djilas. É realmente uma situação perigosa. Se alguém é responsável por tal perigo, esse alguém é a liderança iugoslava. No entanto, nem Tito, nem o resto do plenário propuseram fazer algo a respeito.

Pior ainda. Tito tentou explicá-lo como um estado normal das coisas resultantes de toda e qualquer revolução operária vitoriosa. Chegamos aqui à explicação “geral” e “objetiva” de Tito da situação. A essência de sua explicação é esta:

“Durante a fase da evolução revolucionária passiva, isto é, quando a situação se torna muito difícil, e especialmente quando as coisas não avançam com facilidade e tão rapidamente quanto alguns raciocinaram e imaginaram que poderiam, então os fracos começam a lentamente a levantar as mãos, a atirarem a lança ao mato, ou buscarem ir mais rápido, sem perguntar se é possível ir mais rápido. Procuram por todo tipo de desculpas, todo tipo de teorias e filosofias mesquinhas, para condenar o lento desenvolvimento da regeneração social. Esta é, concretamente, a mitigação do camarada Djilas.”

O acima exposto, à primeira vista, nada mais é do que uma descrição dos sentimentos que prevalecem entre um determinado setor do partido iugoslavo. Esses sentimentos estenderam-se diretamente à liderança superior. Mas como Tito reconheceu anteriormente, o que está em envolvido não é de forma alguma apenas o caso isolado de um Djilas. A descrição é verdadeira não apenas para Djilas, mas também para “milhares e milhares” de outros membros do partido. Isto também se aplica as camadas importantes da população Iugoslava, incluindo talvez até camadas de trabalhadores. Os artigos de Djilas não podiam e não criaram esta situação. Djilas e seus artigos foram simplesmente um subproduto da crítica situação interna. O tratamento dado pelos titoístas ao caso Djilas pretendia abafar esta crise, em vez de tratá-la diretamente.

Em março de 1954, na sessão do Comitê Central iugoslavo, o Vice-Presidente Ranković, antes chefe da polícia secreta, repetidamente atacou Djilas por causar “enormes danos ao nosso país”. Mas, ao mesmo tempo, Ranković revelou que muito antes dos artigos de Djilas haviam ocorrido “sérias aparições de desorientação políticas em algumas das organizações da Liga Comunista”.

Ironicamente, Ranković não culpou Djilas por esta “desorientação política”. Ele disse que isto surgiu como resultado da “confusão” decorrente das políticas adotadas no Sexto Congresso do Partido Comunista iugoslavo em novembro de 1952.

Foi neste Congresso que o partido iugoslavo foi convertido numa “Liga” e fundido com a chamada “Aliança Socialista”. Foi neste Congresso que foram promulgadas as teorias do definhamento do Estado e do definhamento do Partido. Isto nos leva ao cerne das concepções de Djilas.

“Definhamento” do Estado e do Partido

Não há nada complicado nelas. São as ideias atuais do regime de Tito levadas à sua conclusão lógica. O ponto de partida de Djilas, como do pensamento titoísta em geral, é a “realidade socialista” agora alegadamente existente na Iugoslávia. Esta realidade está incessantemente, mesmo que lentamente, a evoluir e a mudar, criando condições inteiramente novas, lançando forças sociais inteiramente novas, a caminho do “definhamento do Estado”.

Todos estes absurdos e zombarias do marxismo não decorrem de nada na realidade Iugoslava, mas da cega adesão titoísta à infame teoria de Estaline de “construir o socialismo num só país”. Pode-se ler no Pravda esse mesmo tipo de bobagem sobre a “realidade socialista” soviética criando condições inteiramente novas, lançando forças sociais inteiramente novas (uma “nova intelligentsia” soviética etc.) – além das constantes advertências sobre o perigo de “restos” de estados de espírito burgueses. Tudo isso supostamente está acontecendo a caminho do ... comunismo. Mas há uma diferença. Os estalinistas colocam ênfase no “fortalecimento” do Estado, por causa do “cerco capitalista”. Os titoístas enfatizam o alegado “definhamento” do seu Estado, devido aos seus alegados sucessos na construção de “novas relações socialistas democráticas” na Iugoslávia. Ambos procedem com base na mesma falsificação da realidade (que “o socialismo existe” – seja na URSS ou na Iugoslávia). Os titoístas simplesmente colocaram um sinal de menos sobre o Estado, enquanto os estalinistas colocaram um forte sinal de mais.

Djilas simplesmente pontilhou todos os “is” e cruzou todos os “tês” na versão de Tito da teoria de Estaline do socialismo em um só país. Djilas anunciou que, uma vez que o definhamento do Estado era uma exigência imediata, seguiuse que o partido também deveria “definhar” imediatamente, caso contrário o partido poderia degenerar numa burocracia do tipo estalinista. O tipo de partido de Lenin era necessário apenas para a revolução; depois disso, ele irá degenerar em estalinismo. Em outras palavras, esse profundo pensador identifica a fonte da degeneração estalinista na característica mais progressiva do bolchevismo, a criação do partido centralista-democrático. Esta descoberta foi feita por todos os renegados do marxismo – e muito antes de Djilas.

Em seus artigos prolixos e confusos, Djilas expôs sua tese central com relativa clareza da seguinte forma:

“Devemos aprender a respeitar a opinião dos outros, embora possam parecer tolas e conservadoras. Devemos também habituar-nos a estar em minoria, mesmo que tenhamos razão, sem pensar que por isso o socialismo e as conquistas revolucionárias estão condenados.”

“Surge a questão de saber se os interesses de um partido, ou de um grupo, ou de líderes, devem ser sempre idênticos aos do povo, à sociedade – e quando entram em conflito? Durante a revolução [na Rússia e na Iugoslávia – G.V.] estes interesses coincidiram na sua maioria. Não é assim hoje. Hoje nenhum partido ou grupo, nem mesmo a própria classe, pode ser a expressão exclusiva das necessidades objetivas de toda a sociedade; não pode assumir o direito exclusivo de “gerir” o movimento das forças produtivas sem enrijecê-las e escravizá-las, incluindo a parte mais importante delas, os homens...

“A exigência do momento, especialmente sob o socialismo, é enfraquecer o monopólio dos movimentos políticos sobre a vida da sociedade. Não há caminho senão o caminho de mais democracia, discussões mais livres, eleições mais livres, mais adesão à lei.” (Djilas, General and Particular, Borba, 20 dez. 1953.)

É digno de atenção que Djilas, o atual campeão do dia da carta da “democracia”, como uma força que se leva acima da história e das classes, a prega apenas “em geral”. Em nenhum lugar ele exige “mais democracia”, “discussões mais livres” ou a “luta de ideias” dentro do partido iugoslavo, que não se baseia no princípio leninista da discussão mais livre e da maior democracia, mas sim segundo as linhas estalinistas do “monolitismo”. Djilas exige “democracia” e a “luta de ideias” apenas “em geral”. Nunca para os trabalhadores, nunca para o partido. No que diz respeito particularmente ao partido, a sua principal exigência não é a sua democratização leninista, mas a sua liquidação, como um instrumento “ultrapassado”. Seus adversários, desde Tito até abaixo, também permaneceram calados a esse respeito.

Como nós já sabemos, a afirmação de Tito é que as opiniões de Djilas eram “produto próprio [de Djilas] – elas representam suas próprias opiniões”. Do acima exposto, isso é claramente incorreto. No mesmo discurso, Tito admitiu isso. Acontece que Djilas consultou Tito. Como lembrou Tito:

“Em uma ocasião durante o outono, ele (Djilas) me perguntou: 'Como você Stari (Velho) vê meus escritos e o que você acha dos meus artigos?' Eu respondi: «Para dizer a verdade, existem certas coisas com as quais não concordo, mas principalmente há coisas que são boas, e creio que, no que diz respeito a estes outros aspectos, não há razão para que não escreva, por isso continue a escrever.» Disse-lhe isto porque os artigos também continham opiniões que nós próprios expressamos em nossos próprios discursos e escritos.” (Nossa ênfase.)

As Opiniões de Djilas Não São Segredo

Não há nenhum erro no sentido destas palavras. As opiniões de Djilas coincidiam em princípio com “os próprios discursos e escritos” de Tito. De fato, no final de dezembro, quando a maioria dos artigos de Djilas já haviam sido escritos, ele foi eleito Presidente da nova Assembleia Federal Iugoslava, apenas para ser removido deste cargo poucos dias depois, bem como de todos os outros altos cargos do partido e do governo ocupados por ele.

Além disso, as opiniões de Djilas, que aparentemente vão além daquilo que ele escreveu, nunca foram um segredo para os círculos dirigentes internos. Como disse o próprio Tito:

“O camarada Djilas sempre teve toda a oportunidade de dizer o que quisesse dentro de nosso círculo, e de dizer ainda mais do que ele escreveu. Todos nós o conhecemos e todos nós discutimos coisas juntos com ele. E também estávamos fazendo piadas, e pode-se falar todo tipo de coisa quando se está brincando. (Nossa ênfase)

O significado destas palavras é igualmente bastante claro. As opiniões políticas de Djilas, que levaram à sua queda, não poderiam ter sido uma surpresa para Tito e para o resto dos dirigentes, dos quais Djilas fez parte nos últimos 17 anos, e entre os quais ele evidentemente disse “o que quisesse” e “ainda mais do que ele escreveu”. No decurso destas discussões desinibidas no círculo interno, Djilas alguma vez foi chamado à ordem ou, pelo contrário, foi encorajado? Tito não diz. Em vez disso, ele tenta deixar todo o assunto de lado, como se nada mais do que intimidade e piadas estivessem envolvidas.

As coisas vieram à tona quando Djilas começou a expor em público sua convicção de que uma burocracia de tipo estalinista estava em processo de formação na Iugoslávia. Ele declarou isso abertamente no seu artigo de 10.000 palavras, Anatomia da Moral, publicado na edição de janeiro da revista Novo Pensamento.

O próprio Tito não havia decidido até o fim de dezembro que Djilas havia ido longe demais. Ele então “pediu que os artigos fossem interrompidos imediatamente”. Aparentemente Djilas passou por cima da cabeça de Tito. Teve seu último artigo publicado “às pressas” na revista. (Isso, aliás, não poderia ter acontecido sem o acordo de Veljko Vlahovíc, editor de Borba e Novo Pensamento, que desde 20 de dezembro de 1953 publicou 13 artigos de Djilas no decorrer de 17 dias e pagoulhe 220.000 dinares – cerca de US$ 7.500. Depois de se retratar publicamente, Vlahovíc foi autorizado a sair impune e mais tarde foi eleito presidente do Comitê de Educação no novo Conselho Federal.)

A posição política de Djilas é uma capitulação descarada ao reformismo. Não passa de uma repetição das ideias de Bernstein e companhia. Estes renegados do marxismo aplicaram o seu revisionismo àquilo que chamaram de “realidade democrática” do imperialismo; Djilas aplicou-o à alegada “realidade socialista” da Iugoslávia. O regime de Tito não teve a coragem de denunciar o revisionismo de Djilas como tal, porque eles estão muito próximos dos socialdemocratas e não desejam ofendê-los; e também porque tal caracterização atingi-los-ia, na medida em que a linha de Djilas é precisamente a linha do Sexto Congresso iugoslavo levada até suas últimas conclusões. Assim, a resolução oficial do Comitê Central contentou-se em declarar que a linha de Djilas era “basicamente contrária à linha política adotada no VI Congresso”.

Em abril deste ano, Djilas retirou formalmente a sua adesão ao PC iugoslavo. Mas isto não constitui o fim do caso Djilas, que é basicamente uma fase de toda a crise em curso no regime e partido de Tito.

Em junho de 1953, celebrando o quinto aniversário da ruptura Iugoslava-Cominform, Edward Kardelj, rival de Djilas como teórico do partido e primeiro Vice-Presidente da Iugoslávia, gabou-se de que o quadro titoísta

“permaneceram unidos durante todo esse tempo e tiveram sucesso em meio à luta mais cruel para construir novas relações socialistas democráticas”.

No final de 1953, esta alardeada “unidade” revelou-se uma ilusão. O caso Djilas representa apenas a primeira brecha, pois as fileiras titoístas estão corroídas pelo revisionismo. Na crise em curso do regime de Tito, a sua adaptação ao imperialismo, expressa de forma mais grosseira na política externa iugoslava, é um fator central. Mas não é o único fator. Muito importante é a recusa da liderança titoísta em romper com a ideologia do estalinismo, em particular com a mentira estalinista de construir o socialismo num só país e com a concepção estalinista do partido.

Tudo isto contribuirá para agravar a crise do regime e do partido de Tito, que foi tão claramente revelada no caso Djilas. E esse é o verdadeiro significado deste célebre caso.


Inclusão: 13/10/2023