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Durante o inverno de 1921-1922, os guardas brancos finlandeses ocupavam o território soviético da Carélia Seu chefe, o general Ilmarinen, agia, não a título oficial, em nome do governo contrarrevolucionário da Finlândia, mas por conta da oligarquia da madeira, que pretendia arrancar a Carélia aos Soviets.
É então que uma expedição tão legendaria no norte e ainda mais audaciosa do que a antiga expedição dos Dez mil, uma expedição de 120 homens, armados de fuzis e de granadas, munidos de skis, depois de um percurso, a marchas forçadas, de mil quilômetros, no inverno circumpolar, conseguiu, depois de perdas insignificantes, cortar as ligações do invasor finlandês e ajustar contas com ele.
Os 120 que realizaram essa proeza histórica tinham à frente um chefe de 20 anos: Toivo Antikainen!
“Antikainen”, relata um escritor dinamarquês, Andersen Nexo, “é um desses raros homens que inflamam os espíritos por onde quer que vão. Abrasou de entusiasmo a Carélia inteira. Onde quer que aparecesse, contra os ingleses em Murmansk, contra Iudenich, contra os franco-atiradores, por toda parte, a sorte da guerra bafeja os carelianos. Contam-se, a propósito dele, legendas e seu combate torna-se um mito. A sorte e o gênio da batalha estavam reunidos nele... São muitos os poemas e cantos nascidos de seu heroísmo. Onde quer que se vá, na Carélia, seu nome está nos lábios do povo, como o de um herói do Kalevala”.
Tal o homem, o antigo chefe operário, o antigo dirigente da juventude finlandesa, o antigo herói do Exército Vermelho, o antigo vencedor dos guardas brancos, que, em 1934, tendo voltado à Finlândia, para reanimar o Partido Comunista, caiu nas mãos do governo finlandês contrarrevolucionário e antissoviético!
Que sorte! Um inimigo desse porte! Quando se lhe põe a mão em cima não se o solta mais. É preciso isolá-lo do mundo e suprimi-lo. Pouco importa como, depressa ou a fogo lento. Não obstante, o que importa, é bater em brecha sua popularidade grande demais. Seja como for, tentar-se-á desonrá-lo.
Este herói de epopeia tornar-se-á um assassino vulgar. Suscitar-se-á contra ele o fantasma (sem perigo para os que o empregam) de um desaparecido, de um antigo soldado de Ilmarinen que não voltará jamais. Criar-se-á, com a cumplicidade de alguns guardas brancos e espiões, a ficção de uma atrocidade de guerra: esse desaparecido, chamado Mariniemi, que lá não se encontrará para desmenti-lo, terá sido queimado vivo, depois do combate de Klimasjarvi, em presença de Antikainen!
Assim é que se poderá mostrar aos camponeses, aos pequenos burgueses finlandeses, o “verdadeiro aspecto” do comunismo, que lavra do outro lado da fronteira. Assim é que se fará compreender de que escaparam, graças aos brancos, graças ao general Von der Goltz, e, hoje, graças aos fascistas lappos, que, todos os dias, salvam a Finlândia e a civilização! Que justificação inesperada para o regime e para a política exterior, antissoviética e pré-hitlerista! Que meio de preparação ideológica para a guerra que se organiza contra a URSS!
Primeiro tempo: Condena-se Antikainen à bagatela de oito anos de trabalhos forçados, o máximo previsto pela lei para o crime do comunismo. Quanto à operária, em casa de quem foi preso, Lidia Rask, um “suicídio” oportuno a faz desaparecer.
Segundo tempo: o assassinato... O assassinato judiciário; a morte a fogo lento do degredo perpétuo. Para cometer o assassinato, tinha-se escolhido a prisão: foi na prisão de Helsingfors que Antikainen compareceu em traje de forçado e foi, — se assim se pode dizer — julgado.
A esse processo assistiram um delegado da Associação Jurídica Internacional, Arvid Rudling, advogado em Estocolmo, e um jornalista vindo da França, Stefan Priacel. É a Priacel que devemos o pouco que sabemos da defesa de Antikainen(1) como já lhe devíamos o relato do processo de Albert Kuntz. E é do seu livro que vamos tirar o que se segue.
Ainda que o assassinato imputado a Antikainen ficasse demonstrado, esse assassínio cometido na Carélia, isto é, em território soviético, e cujo pretenso autor, cidadão soviético, teria agido na qualidade de comandante vermelho, investido em suas funções e autoridade pelo governo soviético, só a justiça soviética é que podia tomar conhecimento dele. Declarando-se competente, a jurisdição finlandesa menosprezava o princípio de soberania nacional e o direito internacional!
Por outro lado, os franco-atiradores finlandeses nunca tinham sido equiparados às tropas regulares e o governo finlandês nunca ousara reconhecê-lo oficialmente. Ora, o procurador, representando esse mesmo governo, não hesitou em glorificá-lo, assumindo assim a responsabilidade de seus atos.
Esses mesmos franco-atiradores tinham-se glorificado de suas atrocidades, dos tratamentos selvagens que haviam infligido aos prisioneiros militares e civis.
Ao contrário, em vista das contradições das testemunhas de acusação, as testemunhas da defesa, das quais apenas três foram ouvidas, foram unânimes em declarar que os vermelhos, longe de maltratar seus prisioneiros brancos, tinham-nos tratado muito humanamente e Antikainen sempre proibira severamente qualquer ato de represália.
Quanto às outras testemunhas, as da Carélia, o ministério público opôs-se a que fossem ouvidas e declarou que as faria prender se viessem à Finlândia!.(2)
Assim é que foram espezinhados os direitos da defesa. Acrescentai a isso a campanha odiosa da imprensa, a interdição feita aos advogados estrangeiros de visitar Antikainen, antes do processo, a recusa de apresentar ao acusado e ao seu defensor as peças da instrução e os estenogramas dos debates, as interrupções brutais do presidente... Entretanto, Antikainen, orador, organizador, chefe militar, militante de elite, conseguiu brilhantemente refutar os testemunhos da acusação, denunciar a parcialidade desse tribunal de classe e professar sua fé.
Como Rakosi, adapta-se ao grande exemplo de Dmitrov e defende-se como bolchevique: ataca.
Analisa a batalha de Klimasjarvi e diz como organizou a proteção de sua tropa e o transporte dos prisioneiros.
Testemunhas de acusação? Ninguém pode ser, ao mesmo tempo, adversário e testemunha!
— “Todos esses senhores”, exclama, “combateram contra a União Soviética de armas na mão... Recuso todos os que combateram contra o Exército soviético do qual eu era oficial regular”.(3)
Emprega a ironia com uma habilidade terrível:
— “A testemunhas dessa ordem, gostaria de responder pelo bom provérbio finlandês: Ter ouvido não significa saber”.(4)
Uma testemunha afirmava que tinha reconhecido Antikainen pelo som de sua voz:
— “Sim”, retruca Antikainen de cabeça erguida, “tenho uma voz de comando muito boa!”(5)
Outra testemunha pretendia que na URSS a religião era perseguida. Então, Antikainen réplica:
— “Se Jesus de Nazaré viesse hoje à Finlândia, far-se-ia, como eu, condenar por alta traição. Seria reservado para ele, provavelmente, um lugar na cela vizinha à minha, no quarto andar da prisão central!”(6)
O procurador? Muitas partes do seu libelo não tiveram nenhuma relação com o “assassinato” de Marianiemi. Isso fora observado pelo defensor:
— “Sim, mas”, retifica Antikainen com verve, “têm uma relação muito estreita com meu próprio assassinato judiciário. Quanto a esse assassinato, que se quer cometer em mim, estou preparado, Senhor procurador!”
E o que domina sua defesa, de uma ponta a outra, é o compromisso inicial que assumiu publicamente e sempre manteve!
— “Sou comunista, bolchevique e encararei toda esta questão do ponto de vista de classe!”
Citemos, a título de exemplo, essas duas declarações admiráveis relatadas por Kuusinen na Correspondance Internationalede 27 de junho de 1936:
— “Quem sou eu? Qual o meu fim? Sou um bolchevique, militante responsável de um Partido filiado à Internacional Comunista. Em minha atividade, tomei como guia a doutrina de Marx e Engels e de seus fieis continuadores, Lênin e Stálin. Lutei pelos interesses da classe dos operários, pelos interesses de todos os trabalhadores, por uma humanidade mais feliz, por uma civilização contra a barbárie, por um mundo socialista. Sou responsável por minha atividade perante o proletariado da Finlândia, perante seu Partido Comunista e perante a Internacional Comunista
Ao ler essas palavras de chefe, não nos surpreendemos de que os operários finlandeses tenham apelidado Antikainen de Dmitrov do Norte!
E antes do veredito, disse:
— “Ouvirei o veredito de cabeça erguida. Podem suprimir-me, mas não se pode suprimir a causa da classe operária, a causa da Revolução, à qual consagrei minha vida. Não se pode suprimir o comunismo. Ele vencerá. Os interesses da Revolução são para mim a lei suprema”.
Foi gritando “Frente vermelha!” que, depois da leitura do julgamento, deixou a sala de audiência.
Condenado à reclusão perpétua, Antikainen viu, em junho de 1936, sua pena confirmada depois da revisão.(7)
Mas, graças à firmeza bolchevique de Antikainen, o governo finlandês não atingiu os seus objetivos: a ofensiva antissoviética foi entravada pela contraofensiva do herói, que denunciou a agressão dos guardas brancos na Carélia e os planos de guerra de seus herdeiros, lappos e hitleristas. Como André Marty, em sua carta ao marechal Foch, ele proclamou altivamente que, da próxima vez, “os trabalhadores, os trabalhadores finlandeses do mesmo modo que os outros, tomariam partido pela URSS atacada e lutariam resolutamente contra o agressor fascista”.
Seu apelo, seu exemplo já recrutaram numerosos combatentes. Não só a ação popular nacional e internacional preservou Antikainen da execução imediata, como o governo também não conseguiu restabelecer a pena de morte contra os acusados políticos. O movimento de protesto suscitado pelo processo, galvanizado pela defesa de Antikainen, fez fracassar o plano.
Antikainen, herói do Exército Vermelho, e militante intrépido, não desmereceu de sua legenda e do amor que soube inspirar às massas. O povo finlandês e todos os povos vizinhos velam por ele, por sua vida constantemente ameaçada. Desde que lhe ouviram a voz, os camponeses, os lenhadores, os pescadores, os artesãos da península granítica não ignoram mais de que lado se encontra a barbárie, de que lado a civilização. E os fineses da Carélia, que, graças a soldados como ele, constroem hoje pacificamente o socialismo, não são os únicos a pronunciar seu nome com fervor.
Cada vez mais, os da Finlândia têm olhos voltados para seus irmãos libertos. Cada vez mais, sonham com o dia prometido em que, seguindo seus Antikainen, libertar-se-ão, por sua vez, e farão da Finlândia um Kalevala terrestre e soviético.
Notas de rodapé:
(1) Obra citada, ps. 125 e segs. (retornar ao texto)
(2) Outra testemunha, «residente na Finlândia, estava pronta a depor em favor de Antikainen. Fora presa, depois posta em liberdade. A 18 de dezembro, no próprio dia em que devia prestar depoimento, foi encontrada enforcada! (retornar ao texto)
(3) Idem, p. 148. (retornar ao texto)
(4) Idem, p. 148. (retornar ao texto)
(5) Idem, p. 149. (retornar ao texto)
(6) Idem, p. 155. (retornar ao texto)
(7) Foi no decorrer dessa revisão que uma testemunha soviética, citada pela defesa e munida de salvo-conduto, teve que dar, sob ameaça, um falso depoimento, do qual se serviram o procurador e o tribunal para manter e motivar a condenação. (retornar ao texto)