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Muitos militantes italianos também souberam mostrar como, nas condições mais difíceis da ditadura fascista, é possível, esgotados todos os recursos legais, fazer valer a grandeza e o futuro de sua causa, de sua classe, de seu Partido. À força de coragem e de habilidade, um Gramsci, um Terracini, um Li Causi, um Lo Sardo e tantos outros souberam lançar ao rosto dos juízes servis, do famosíssimo Tribunal Especial(1), verdades que os trabalhadores esmagados pela opressão ouviram e não esquecem.
Demos a palavra(2) a esses altivos porta-bandeiras que, há tantos anos, tratados como reféns, sucumbem e sofrem nas masmorras, nas ilhas, em que o regime, suprimindo-os discretamente, a fogo lento, supõe suprimir também o que eles exprimem.
A 4 de junho de 1928, em Milão, o Comitê Central do Partido Comunista Italiano é acusado de complot contra a segurança do Estado, de excitação à guerra civil, do ódio de classe, de apologia do crime e de propaganda subversiva.
Eram 36. À frente deles, Antonio Gramsci e o advogado Humberto Terracini, diretor da Unità, que apresenta defesa coletiva, tudo é digno de ser citado nas réplicas de Terracini, à acusação, ao tribunal. Sob uma forma hábil e elástica, consegue dizer, apesar da vigilância hostil e das interrupções do presidente, o que deve ser dito.
— “O Senhor procurador público afirma que os dirigentes do Partido são responsáveis pelos atos levados a cabo por seus aderentes. Não vos direi o que penso a respeito. Mas que me seja permitido lembrar uma sentença proferida por uma instancia muito mais alta do que esta...”
O presidente — Como, como...?
— “Um tribunal que, contrariamente ao vosso, é um tribunal constitucional”.
O presidente — Cuidado com o que dizeis...
— “Senhor presidente, não podeis estar de acordo comigo, uma vez que se trata da mais alta jurisdição do país, o Senado, constituído em alta corte de justiça. Ora, nessa sentença, diz-se que nenhum chefe de partido pode ser considerado como penalmente responsável pelos atos cometidos pelos membros ou adeptos de seu partido, se sua culpabilidade não for concretamente provada. O tribunal certamente compreendeu: quero falar do processo aberto contra o general De Bono, acusado de cumplicidade no assassínio do deputado Matteotti, e absolvido por insuficiência de provas. Ora, pergunto-vos: essa jurisprudência é valida para nós? O promotor sustentou implicitamente que não, e, pela parte que me toca, não tenho dúvidas de qual seja a resposta do tribunal”.
Durante seis dias, tinham-se impedido os acusados de desenvolver à sua vontade, contra esse processo político, uma defesa politica. Um sarcasmo de Terracini consegue mostrar porque:
— “Qual a significação politica do requisitório? Nada mais que isto: o simples fato da existência do Partido Comunista basta, por si mesmo, para pôr em grave perigo o regime. Oh! como assim, esse Estado forte, esse Estado defendido, esse Estado totalitário, esse Estado super-armado. Há mais ainda: sente-se ameaçado não apenas em sua solidez, mas em sua própria segurança e isso muito simplesmente porque, perante ele, se ergue esse pequeno Partido desprezado, ferido, perseguido, que viu os melhores dos seus militantes mortos ou aprisionados; esse pequeno Partido forçado a mergulhar na vida clandestina, a fim de proteger suas ligações com a massa trabalhadora, com a qual e para a qual vive e luta. Que há, pois, de espantar se faço minhas, integralmente, essas conclusões do promotor público?”
Terracini não alimenta nenhuma ilusão quanto ao veredito (será sentenciado a 22 anos e nove meses de prisão) e, antecipadamente, assinala, com ferro em brasa, o caráter do mesmo;
— “Seremos condenados porque reconhecidos culpados de incitação ao ódio das classes e de atos de guerra civil. Ora! não haverá ninguém que, amanhã, lendo a lista pavorosa de nossas condenações, não compreenda que esse processo e o veredito que o vai encerrar sejam um episódio de guerra civil, uma poderosa excitação ao ódio entre as classes”.
E, uma vez que o presidente lhe corta a palavra, conclui com terrível ironia:
— “Mas isso não se pode dizer, não é? Quero, portanto, concluir com o pensamento mais alegre. Senhor presidente, Senhores juízes, estes debates terão constituído, na verdade, a comemoração mais característica e mais digna do 80.° aniversario da Constituição, comemoração que, ontem, lembrastes e deve ser relembrada solenemente nas ruas desta capital por salvas de artilharia e fanfarras”.
Foi no decorrer desse processo que o velho professor Fabrizio Maffi, apesar de sua idade e doença, teve a coragem de proclamar:
— “Se nunca pertenci ao Executivo do Partido é porque essa missão tão envaidecedora, que teria orgulho em aceitar, nunca me foi proposta”.
Abalado muito gravemente por seus 18 meses de detenção, Maffi foi absolvido e... enviado ao Confino.
Quanto a Gramsci, nosso querido Gramsci, filho de operários, do Ordini Nuovo, escritor, historiador, filósofo, marxista-leninista incomparável, fundador e dirigente do Partido, ao lado de Ercoli (Togliati, conforme se revelou, depois da derrota militar do fascismo — N.T.) e de Terracini, foi condenado a 20 anos e 4 meses de reclusão!(3)
Esse altivo lutador era devorado por um mal que a detenção tornaria mortal.
Podia recobrar a liberdade e, consequentemente, a vida, escrevendo a Mussolini:
“Propõem-me o suicídio”, respondeu. “E eu não tenho a menor intenção de suicidar-me”.
Educador mesmo na prisão, animador, mesmo na agonia, estaria morto desde 1934 se a indignação nacional e internacional não tivessem conseguido — tarde demais, infelizmente! — obter sua transferência para uma clínica, de onde apenas saiu em 1935 e só para morrer a fogo lento.
Foi sob a vigilância intrigante da polícia que esse espírito tão luminoso, essa figura tão nobre, esse grande italiano, privado dos cuidados elementares de que carecia seu organismo desgastado pela luta, se extinguiu no ano passado. Perda irreparável...
Alguns meses depois do processo de Milão, a 9 de novembro de 1928, segundo processo do centro diretor: compareciam 18 acusados.
Girolamo Li Causi, professor de economia politica em Veneza, redator do Unità, antes de ser condenado a 20 anos e 9 meses de prisão, reclamava corajosamente só para si a responsabilidade da impressão e distribuição clandestinas do jornal. Quanto à acusação, baseada em seu papel dirigente na Confederação Geral do Trabalho reconstituída, “é tão envaidecedora, afirmava ele, para mim, essa acusação... Vós me condenareis porque tendes ordem de fazê-lo, porque sabeis que mostramos aos operários e aos camponeses da Itália o caminho justo do combate que derrubará vosso regime...” Não pôde acabar: o presidente ordenou aos gendarmes que o reduzissem ao silêncio.
Não foi esquecida a valentia dos militantes do Piemonte: foi um deles, Guido Sola, jovem operário tecelão de Biella, que, a 7 de novembro de 1927, antes de ser condenado a 23 anos e seis meses de prisão, soube declarar altivamente aos juízes:
— “Nada tenho a dizer para minha defesa, porque não me sinto culpado. Isso de que me acusais não é uma vergonha aos meus olhos, mas antes uma razão de orgulho. Segundo vós, qual seria meu crime? Ter lutado, durante muitos anos, para defender os interesses dos operários, para a defesa da classe a que pertenço. Hoje, perante vós, reivindico essa atividade e tomo sobre mim a responsabilidade da luta que nós, operários de Biella, movemos contra o fascismo...”
Não se lhe permitiu que continuasse. Mas, no dia seguinte ao da sua condenação, recobriam as paredes das usinas numerosas inscrições: “Viva Sola! Viva o comunismo!”
Na prisão, há já 9 anos, com a saúde irremediavelmente comprometida, conserva intacta a fé na vingança de sua causa.
A 6 de abril de 1928, Giovanni Parodi, operário da Fiat, em Turim (um dos dirigentes da ocupação das usinas), antes de ser condenado a 21 anos e 6 meses de prisão, gritou:
— “É uma glória para mim ter participado do movimento e ocupação das usinas em 1920! Quanto à atividade comunista e que sou acusado, devo declarar que seria uma pena enorme, para mim, se vossa sentença a viesse diminuir”.
E é, sem dúvida, o mesmo o heroísmo que inspirava Lo Sardo, esse advogado e deputado de Messina, quando, a 8 de março de 1928, no decorrer, de um grande processo, que lhe valeria 8 anos de reclusão, depois de ter estigmatizado um de seus coacusados, o renegado Albaneze, fazia esta bela declaração:
— “Estamos orgulhosos de ter passado por este processo por nossa atividade comunista. Este processo mostra que os trabalhadores do sul estão, tanto quanto os trabalhadores do norte, na vanguarda do combate contra o fascismo”.
Ao presidente que o interrompe, retruca:
— “Que ao menos me seja permitido dizer que estou orgulhoso de estar nesta sala, como comunista, que estou orgulhoso de trazer perante este tribunal trinta anos de atividade politica votada ao serviço dos trabalhadores da Itália meridional”.
E esse altivo siciliano de 60 anos de idade conclui por um desafio:
— “Sabeis que a Sicília está conosco, que não a tendes, que não a tereis nunca!”
Podem forçá-lo a calar-se: disse o que tinha a dizer!
Seria injusto esquecer Adele Bei, essa intrépida militante, filha e mulher de lenhadores, que foi condenada m 18 anos de reclusão. No decorrer do seu processo, eis como soube enfrentar seus juízes:
O Presidente — Por que voltastes à Itália? Que objetivos buscáveis?
— “Aqueles que todo membro do Partido comunista deve buscar: estar à frente dos trabalhadores em sua luta cotidiana”.
O Presidente — Não vos passou pela cabeça que, agindo assim, descuidáveis vossas obrigações maternas, uma vez que abandonastes vossos filhos?
—“Esforçando-me por ajudar a luta contra o fascismo, com minha experiência de revolucionária comunista, desempenhava, ao mesmo tempo, meu dever de mãe, porque meu Partido quer, pela revolução proletária, tornar a existência mais fácil para os trabalhadores, assegurar uma vida de felicidade para as crianças proletárias que, hoje, morrem de fome”.
Há já dez anos que o Tribunal Especial, composto de oficiais da milícia, distribue a morte brutal ou a morte lenta a torto e a direito. Mais de 14 séculos e(meio de prisão...
Mas as palavras de fogo de um Terracini, de um Lo Sardo, de uma Adele Bei, não são, nunca serão perdidas. Reacendem a coragem dos trabalhadores escravizados pelo fascismo, reanimam, no seio das massas miseráveis, cujos punhos se cerram debaixo, da opressão, o fogo que lavra e, um dia, brilhará sobre a Itália popular, liberta.
Notas de rodapé:
(1) Foi desse tribunal inconstitucional, cujos poderes acabam de ser renovados por cinco anos, que o relatório oficial de uma comissão parlamentar não se pejou de dizer que “a rapidez e o rigor do seu processo dão-nos a mais firme garantia da equidade e rigor de suas decisões”! (retornar ao texto)
(2) A mor parte das palavras de acusados citadas neste capítulo são tiradas de duas brochuras editadas em língua italiana, em Paris, em 1930: Tre anni sul fronte del lavoro cospirativo e la lotta delle Gioventu proletária contre il fascismo. (Edizione della Federazione Giovanile Communista d’Itália). (retornar ao texto)
(3) Uma anistia ulterior reduziu sua pena a 10 anos. (retornar ao texto)