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Primeira Edição: jornal A Aurora – Porto, 1 de agosto 1915
Fonte: https://ultimabarricada.wordpress.com/neno-vasco/obras-de-neno-vasco/o-papel-das-juventudes/
Transcrição e HTML: Fernando Araújo.
Alguns amigos têm-me pedido a minha opinião sobre a utilidade e função dos grupos de jovens operários. Dou-a, alheio conforme o meu costume, a personalismo tanto mais que, por informações particulares e recentes notas da Aurora, vejo que a questão toma por vezes feição azeda e pessoal, bem pouco própria da educação libertária.
Quanto às «Juventudes sindicalistas», continuo a pensar como há um ano, quando respondia a amigos que me consultavam a tal propósito. Acho que as «Juventudes sindicalistas» devem ser destinadas a preparar militantes para os sindicatos, insuflando nos jovens o amor ao estudo, dando-lhes a consciência do seu valor social, da sua situação, dos seus direitos, dos destinos da sua classe, desenvolvendo-os como produtores cuidadoros dos aperfeiçoamentos técnicos e profissionais, educando-os para a ação sob vários pontos de vista.
Esses agrupamentos não devem, pois, recrutar os seus aderentes segundo as ideias, mas segundo a posição social e a idade; não devem admitir unicamente os rapazes de consciência revolucionária já feita, mas todos os adolescentes de boa vontade, que nisto está a sua principal utilidade e a sua justificação essencial.
São sobretudo esses jovens ainda inconscientes que é preciso afastar da taberna e do lupanar, dos meios em que habitualmente a mocidade se embrutece e alcooliza, desperdiçando doidamente as suas juvenis energias e reduzindo-se progressivamente à condição de instrumentos cegos e passivos nas mãos dos patrões e governantes. São esses que, adaptando-se a associação às necessidades imperiosas e legítimas da mocidade, é preciso atrair com os desportos sem prémios nem estúpidas emulações e desafios, com a música, com o teatro social e educativo, com os passeios e excursões de recreio, confraternização e estudo. São esses sobretudo que é preciso por em face dos problemas de emancipação operária e social, em face dos vários aspetos, argumentos e soluções. São esses especialmente a quem é preciso incutir a dignidade de produtor, o amor ao trabalho livre, produtivo, inteligente.
Não fica então bem evidente a enorme utilidade das Juventudes sindicalistas? a importância do seu papel, que nem os sindicatos nem os grupos de ideias poderão desempenhar?
Muito menos justificáveis me pareciam as «Juventudes anarquistas» ou «socialistas». Tomemos as primeiras.
Um grupo, para sem artifício se poder chamar anarquista, tem que ser composto, já não digo de… doutores em anarquismo, mas de indivíduos que conheçam os elementos essenciais do anarquismo – fins e métodos – e saibam justificar as suas convicções. Se, portanto, as «Juventudes» são muito numerosas e recrutam pela idade, não são anarquistas: o que pode suceder é os «diretores» falarem por todos e afixarem uma tabuleta que não corresponde à realidade – o que é pouco libertário. As Juventudes devem nesse caso chamar-se sindicalistas, sindicais ou operárias.
Se os jovens são anarquistas deveras, têm à sua disposição os grupos anarquistas, recrutados por ideias, não por idade, e ainda, para acumular, as Juventudes formadas pelos seus companheiros de trabalho, sem ideias definidas. Nos primeiros, darão o ardor da sua mocidade, recebendo em troca as lições da experiência; nas segundas, contribuirão com as suas ideias e iniciativas para a educação e ação da mocidade operária.
Devo, porém, contessar que os acontecimentos de há um ano para cá – já lá vai um ano de guerra! – mostraram o valor dos núcleos de jovens idealistas, com organização autónoma, impelindo de fora as organizações de “adultos”, agindo sem as peias da moderação e incerteza dos fatigados, dos desiludidos, dos encarcerados no círculo das responsabilidades de família e de política. Ao menos nos grandes momentos históricos.
A juventude socialista italiana deu um exemplo brilhante. Mais tarde, os jovens poderão amansar-se, com o cansaço e o desengano, com o peso da responsabilidade do lar e das funções diretivas e sobretudo com o parlamentarismo, fonte perene de corrupção e enervamento. Mas agora os rapazes deram boa conta de si, imprimiram ao socialismo um caráter mais enérgico e intransigente e mostraram que, ao menos no seio do socialismo democrático, a organização juvenil autónoma é precisa.
As Juventudes sindicalistas francesas, reduzidas com a guerra a mobilização e a reação aos seus elementos propulsores, também deram boa prova.
Mas, por maior que seja o valor que esta recente experiência tenha mostrado nas organizações partidárias de adolescentes, a grande importância das Juventudes sindicalistas ou operárias não ficou de modo algum diminuída, nem elas deixaram de ser um excelente campo de ação para os jovens militantes do anarquismo. Umas e outras podem perfeitamente viver lado a lado sem hostilidades recíprocas, trabalhando com confiança na tarefa que consideram mais profícua e urgente.