MIA> Biblioteca> Leon Trotsky > Novidades
Primeira Edição: The New International, Vol. IV No. 8, Agosto 1938, pp. 249–250.
Tradução: Igor A. Torres Ribeiro - a partir da versão disponível em https://www.marxists.org/archive/trotsky/1938/07/kronstadt2.htm
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
EM MEU ARTIGO RECENTE sobre Kronstadt, eu tentei pôr a questão em um plano político. Porém, muitos estão interessados no problema da “responsabilidade” pessoal. Souvarine, que de um Marxista indolente se tornou um exaltado sicofanta, afirma em seu livro sobre Stalin que, em minha autobiografia, eu me mantive conscientemente em silêncio sobre a rebelião de Kronstadt; há proezas - diz ele ironicamente - das quais ninguém se vangloria. Ciliga em seu livro No País da Grande Mentira relata que na supressão de Kronstadt “mais de dez mil marinheiros” foram fuzilados por mim (eu duvido se toda a frota do Báltico naquela época tivesse tantos). Outros críticos se expressam desta maneira: sim, objetivamente a rebelião teve um caráter contrarrevolucionário, porém, por que Trotsky usou tais repressões impiedosas na pacificação (e -?) subsequentemente?
Eu nunca toquei nesta questão. Não porque tivesse algo a esconder, mas, pelo contrário, precisamente porque eu nada tinha a dizer. A verdade da questão é que eu pessoalmente não participei minimamente na supressão da rebelião de Kronstadt, nem nas repressões que se seguiram à supressão. Aos meus olhos, esse mesmo fato não é de significância política. Eu era membro do governo, considerava o sufocamento da rebelião necessário e, portanto, carrego a responsabilidade pela supressão. Somente dentro desses limites respondi às críticas até agora. Mas, quando os moralistas começam a me irritar pessoalmente, acusando-me de crueldade excessiva não provocada pelas circunstâncias, eu considero que tenho o direito de dizer: “Srs. Moralistas, vocês estão mentindo um pouco. ”
A rebelião estourou durante minha estadia nos Urais. Dos Urais, eu vim diretamente à Moscou para o 10º Congresso do partido. A decisão de suprimir a rebelião pela força militar, se a fortaleza não pudesse ser induzida a se render, primeiro por negociações de paz, depois por um ultimato - essa decisão geral foi adotada com a minha participação direta. Mas, depois que a decisão foi tomada, eu continuei a permanecer em Moscou e não participei, direta ou indiretamente, nas operações militares. Quanto às repressões subsequentes, elas eram assunto completamente da Cheka.
Como aconteceu que eu não fui pessoalmente a Kronstadt? O motivo era de natureza política. A rebelião estourou durante a discussão da assim chamada questão “sindical”. O trabalho político em Kronstadt estava inteiramente nas mãos do comitê de Petrogrado, à frente do qual estava Zinoviev. O mesmo Zinoviev foi o principal, mais incansável e apaixonado líder na luta contra mim na discussão. Antes de partir para os Urais, eu estive em Petrogrado e falei em uma reunião de marinheiros comunistas. O espírito geral da reunião causou uma impressão extremamente desfavorável a mim. Marinheiros dandificados e bem alimentados, comunistas apenas no nome, passavam a impressão de parasitas em comparação com os trabalhadores e os homens do Exército Vermelho daquela época. Por parte do comitê de Petrogrado, a campanha foi conduzida de maneira extremamente demagógica. A equipe comandante da frota estava isolado e apavorada. A resolução de Zinoviev recebeu, provavelmente, 90% dos votos. Eu me lembro de ter dito a Zinoviev nesta ocasião: “Tudo é muito bom aqui, até ficar muito ruim”. Subsequentemente a isso, Zinoviev esteve comigo nos Urais, onde recebeu uma mensagem urgente de que em Kronstadt as coisas estavam ficando “muito ruins”. A esmagadora maioria dos marinheiros “comunistas” que apoiaram a resolução de Zinoviev participaram da rebelião. Eu considerei, e o Bureau Político não fez objeções, que as negociações com os marinheiros e, em caso de necessidade, a sua pacificação, deveriam ser feitas com os líderes que ainda ontem desfrutavam da confiança política desses marinheiros. Caso contrário, os Kronstadters considerariam a questão como se eu tivesse vindo para "me vingar" deles por terem votado contra mim durante a discussão do partido.
Em todo caso, sendo corretas ou não foram precisamente essas considerações que determinaram minha atitude. Afastei-me completa e demonstrativamente desse caso. A respeito das repressões, até onde me lembro, Dzerzhinsky estava encarregado pessoalmente delas e Dzerzhinsky não podia tolerar a interferência de ninguém em suas funções (e com razão).
Se houveram quaisquer vítimas desnecessárias, eu não sei. Nessa contagem, eu confio mais em Dzerzhinsky do que em seus críticos tardios. Por falta de dados não posso me empreender a decidir agora, a posteriori, quem deveria ter sido punido e como. As conclusões de Victor Serge sobre este resultado - em terceira mão - não têm valor aos meus olhos. Mas estou pronto para reconhecer que a guerra civil não é uma escola de humanismo. Idealistas e pacifistas sempre acusaram a revolução de “excessos”. Mas o ponto principal é que os “excessos” fluem da própria natureza da revolução, que em si é apenas um “excesso” da história. Com base nisso, quem assim desejar pode rejeitar (em pequenos artigos) a revolução de modo geral. Eu não a rejeito. Nesse sentido, eu carrego total e completa responsabilidade pela supressão da rebelião de Kronstadt.