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Devemos repor de pé a nossa destruída economia. É preciso construir, produzir, reparar, consertar. Gerimos a economia em bases novas, que devem garantir o bem-estar de todos os trabalhadores. Mas a produção, na sua essência, reduz-se à luta do homem contra as forças hostis da natureza, a utilização racional das riquezas naturais. A política, os decretos e as consignas apenas podem regularizar a actividade econômica imprimindo-lhe uma direção geral. Só porém a produção de bens materiais e um trabalho sistemático e persistente podem realmente satisfazer as necessidades do homem. O progresso econômico do homem compõe-se de parcelas de elementos diversos, de detalhes e de pequenos nadas. Não se pode repor de pé uma economia sem dedicar enorme atenção aos detalhes. Ora, entre nós, esse interesse é nulo ou quase nulo. A tarefa principal da educação e da auto-educação no domínio da economia é a de despertar, desenvolver e reforçar essa atenção perante as exigências particulares, insignificantes e quotidianas da economia; nada se deve negligenciar tudo se deve anotar, agir em tempo oportuno e exigir o mesmo dos outros. Esta tarefa impõe-se-nos em todos os domínios da vida política e da construção econômica.
Vestir e calçar o exército, dado o estado atual da produção, não é um problema simples. O abastecimento é com freqüência muito irregular. Por outro lado, há no exército pouca preocupação em consertar e manter em bom estado o calçado e o vestuário disponível. Quase nunca se engraxa o calçado. E quando se pergunta porquê, ouvem-se as mais diversas respostas: ora é porque falta a pomada, ora porque não foi distribuída a tempo, ou ainda porque o calçado é castanho e a pomada é preta, etc. Mas a razão principal é que nem os soldados nem os quadros do Exército Vermelho cuidam de suas coisas. Calçado não engraxado, sobretudo quando encharcado, seca e só serve para deitar fora ao fim de algumas semanas. E como não se consegue o seu suficiente fornecimento, começa-se a produzi-lo de qualquer maneira. As botas estragam-se ainda mais depressa. Está-se num círculo vicioso. E contudo há um meio para encontrar a solução, que é um meio muito simples: é preciso que as botas sejam encebadas a tempo, é preciso que os atacadores sejam apertados com cuidado, pois de contrário perdem a aparência e deformam-se. Destruímos bom calçado americano unicamente por não termos atacadores. É possível encontrá-los se se insiste um pouco; e se não há atacadores é precisamente porque não se dispensa atenção aos detalhes da vida quotidiana. Ora, são estes pequenos nadas que acabam por constituir um todo.
Passa-se a mesma coisa, ou pior ainda, com as baionetas. É difícil fabricá-las, mas fácil inutilizá-las. É preciso cada um cuidar de sua baioneta, limpá-la e oleá-la. E isso exige atenção cuidada e permanente, torna necessária toda uma aprendizagem, toda uma educação.
Estes pequenos nadas, que se acumulam e se combinam, acabam por preservar ou... destruir qualquer coisa de importante. As pequenas degradações dos caminhos quando não reparadas a tempo, avolumam-se e formam covas e sulcos que tornam difícil a circulação, danificam os carros, as viaturas e os caminhões, estragam os pneus. Um caminho em mau estado obriga a dispêndios de dinheiro e de esforços dez vezes mais importantes do que seria necessário para o reparar. E é também devido a pequenos nadas deste gênero que as máquinas, as fábricas e os edifícios se deterioram. Para manter umas e outros em bom estado é preciso dedicar atenção quotidiana e permanente a vários detalhes. Essa atenção falta-nos, porque a educação econômica e cultural é insuficiente.
É freqüente confundir-se o interesse dedicado aos detalhes com o burocratismo. Há nisso um erro grave. O burocratismo consiste em dedicar atenção a uma forma vazia em detrimento do conteúdo, em detrimento da acção. O burocratismo enreda-se no formalismo, nos pecadilhos, sem resolver nenhum detalhe prático. O burocratismo, pelo contrário, evita em geral os detalhes práticos que constituem o conjunto dum problema, contentando-se unicamente em fazer a articulação da papelada.
Pedir que não se cuspa para o chão ou que não se lancem pontas de cigarros nas escadas ou corredores, é um “pequeno nada”, uma exigência mínima, mas que no entanto tem um significado educativo e econômico enormes. Aquele que, sem se constranger, cospe numa escada ou num assoalho, é um inútil e um irresponsável. Não é com ele que se pode contar para repor a economia de pé. Não cuidará de seu calçado, partirá as vidraças, por descuido, será portador de parasitas...
Acharão alguns, repito-o, que uma obstinada atenção a este gênero de detalhes procede da quesília e do “burocratismo”. Mas é muito freqüente que os inúteis e os irresponsáveis escondam sua natureza lutando aparentemente contra o burocratismo. “Que complicação por causa duma simples ponta de cigarro lançada na escada!” — dizem eles. Eis uma verdadeira inépcia. Lançar pontas de cigarro para o chão e desdenhar do trabalho alheio. Ora, para que as casas-comunas possam desenvolver-se, é preciso que cada locatário, homem ou mulher, dispense atenção a que a limpeza e a ordem reinem em toda a casa. De contrário, terão de encontrar-se, como frequentemente sucede, numa espécie de antro piolhoso, cheio de escarros, e de modo nenhum numa casa-comuna. É preciso combater incansável e impiedosamente essa desenvoltura, essa falta de educação, essa negligência, combatê-la explicando, dando o exemplo, fazendo propaganda, exortando as pessoas e levando-as a tornarem-se responsáveis. Aquele que, sem comentários, sobe uma escada emporcalhada ou atravessa um pátio sujo, é um mau cidadão e um construtor sem consciência.
O exército reflecte os aspectos positivos bem como os aspectos negativos da vida popular. Isso verifica-se totalmente no que respeita è educação econômica. O exército deve a todo o custo elevar-se nesse domínio, nem que seja de um só grau. Esse nível pode ser atingido graças aos esforços conjugados dos quadros dirigentes do próprio exército, de alto a baixo da escada, em correlação com os melhores elementos da classe operária e do campesinato no seu conjunto.
Na época em que o aparelho governamental soviético estava em vias de se formar, o exército mostrava-se impregnado de um espírito “partisan”(2) cujos métodos aplicava. Conduzimos uma luta persistente e impiedosa contra essa mentalidade, o que sem qualquer dúvida produziu importantes resultados: criou-se não só um aparelho de direcção e de administração centralizado, mas o que é ainda essencial, esse mesmo espírito “partisan” foi profundamente posto em causa na consciência dos trabalhadores.
Hoje devemos conduzir uma luta por igual importante: temos de combater todas as formas de indolência, de indiferença, de falta de asseio. De falta de pontualidade, de moleza e de desperdício. Trata-se de graus e matizes diversos de uma mesma doença: por um lado, uma atenção insuficiente; por outro uma petulância de mau quilate. É preciso conduzir neste domínio uma acção de envergadura, um combate quotidiano, persistente e sem quebra, no qual se faça intervir, tal como quando nos foi necessário destruir a mentalidade “partisane”, todos os meios disponíveis — a agitação, o exemplo, a exortação e o castigo.
O plano mais grandioso que não leve em conta os detalhes, não passa de pura frivolidade. Para que servirá, por exemplo, o melhor decreto, se, por negligência, não chega a tempo ao seu destino, se é recopiado com erros ou se é lido sem atenção? O que é justo a nível inferior, sê-lo-à também a nível superior.
Somos pobres, mas perdulários. Não conhecemos a pontualidade. Somos negligentes. Somos carentes de asseio. Estas taras mergulham as suas raízes num passado servil, e só poderemos libertar-nos delas progressivamente, graças a uma propaganda obstinada, graças ao exemplo, à demonstração, a um controle minucioso, a uma vigilância e a uma exigência de cada minuto.
Para realizar projectos grandiosos, é preciso dispensar grande atenção aos mais pequenos detalhes!- é essa a palavra de ordem que deve congregar todos os cidadãos conscientes do país quando abordam um novo período de construção e de desenvolvimento cultural.
Notas:
(1) Este capítulo foi escrito há dois anos (Pravda: 1 de Outubro de 1921). Actualmente no exército dispensa-se uma atenção infinitamente maior do que então à manutenção das baionetas e do calçado. Mas, no conjunto, a palavra de ordem: “a atenção deve incidir sobre os detalhes”, conserva ainda hoje todo o seu valor. (retornar ao texto)
(2) Em russo: “partizanssina”: termo pejorativo designando os quadros do partido que querem ser “mais partisans que o próprio partido”, levando finalmente à anarquia e a ausência de disciplina. (retornar ao texto)
Inclusão | 05/05/2009 |