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O chamado «documento dos nove» desencadeou uma série de reacções, tanto a nível militar como partidário, todas elas (ou quase todas) de crítica à perspectiva dos seus autores. Divulgámos na nossa edição de ontem uma análise subscrita por cinco oficiais um dos quais do COPCON. Transcrevemos, a seguir, um outro texto-análise àquele documento, divulgado amplamente pelo Centro de Dinamização e Esclarecimento da Armada do Gabinete do Chefe do Estado-Maior daquele ramos das Forças Armadas.
Neste documento — que se sabe ser muito semelhante a outro divulgado pelo Gabinete de Coordenação do M.F.A. da Força Aérea — analisa-se criticamente o «documento dos nove» e apontam-se determinados factos relacionados com possíveis reuniões entre os seus nove primeiros signatários e Mário Soares e outros dirigentes do P.S., além de um outro encontro, no Restelo, entre alguns signatários e o dirigente da A.O.C. Vladimiro Guinote.
É o seguinte o texto do C.D.E.A., aliás já divulgado por um semanário e um vespertino lisboetas:
1. Apreciação geral
O documento dos dissidentes é um texto pleno de generalidades e lugares comuns idênticos aos divulgados nos últimos tempos pelas direcções dos C.D.S., do P.P.D. e do P.S. De facto, não apresenta qualquer proposta concreta de sinal positivo, ou seja, é um documento que tem como função opor vazias formulações pseudo-científicas criticistas aos reais avanços já efectivados ou programados da revolução portuguesa para o socialismo.
Portanto, não é, como muitos querem fazer crer, uma contraproposta de acção governativa. É sim uma tentativa de congregar militares contra-revolucionários e alguns hesitantes para um objectivo que surge claramente na última página: derrubar «a actual equipa dirigente» e parar a revolução. Tal e qual o que se tentou com o abaixo-assinado de Agosto de 1974.
Se apreciarmos as «coincidências» que rodeiam o aparecimento deste texto veremos com nitidez o seu papel:
2. Socialismo
Diz-se no documento «...a partir sobretudo das eleições gerais para a Assembleia Nacional Constituinte, a via para o socialismo passou a ter carácter irreversível».
De facto, os subscritores escamoteiam tudo o que foi a dura luta pela democracia e pelo socialismo antes do 25 de Abril e durante o 1.º ano da Revolução. Para eles as vitórias do Povo e do M.F.A. sobre todos os contra-revolucionários no golpe palma Carlos, na crise de Agosto de 74, no levantamento colonialista de Lourenço Marques, no 28 de Setembro, no 11 de Março, não são dignas de menção como passos irreversíveis para o socialismo.
Mas aquele elogio das eleições para a Assembleia Constituinte (à qual chamam disfarçadamente Assembleia Nacional Constituinte) e estes acham que «o desmantelamento de meia dúzia de grandes grupos financeiros e monopolistas» é coisa pouca; que as nacionalizações pelo menos ao ritmo praticado, são até um mal; que seria desejável a manutenção do «tecido social e cultural pré-existente» (o fascismo); que a decomposição das estruturas do Estado» (fascista) não é desejável. E vem então a grande descoberta destes «lapalisses de esquerda»: o socialismo constrói-se com a «estratégia alternativa da formação de um amplo e sólido bloco social de apoio a um projecto nacional de transição para o socialismo».
Portanto:
Destruição do aparelho de estado fascista? Não é desejável.
Os bons sociais-democratas sempre gritaram: Abaixo o Socialismo! Viva o Socialismo!
3. Reaccão
No entender dos subscritores não existe, nem nunca existiu. Não existem contra-revolucionários. O que há são erros dos revolucionários.
Os ataques bombistas, a violência fascista das últimas semanas pondo de rastos o direito de reunião, de livre expressão de pensamento, de associação, têm como «causa profunda» erros de direcção política e «desvios graves de orientação no interior do próprio M.F.A.».
Que é isto senão a protecção descarada dos fascistas e contra-revolucionários de toda a espécie que semeiam o terror no distrito de Braga, de Aveiro e de Leiria, nos Açores e na Madeira? Que é isto senão a tese do secretário-geral do P.S. de que «quem semeia ventos colhe tempestades», e que dá cobertura aos ex-legionários e «elps» que fizeram os últimos atentados terroristas?
4. A crise económica
«Aproxima-se o momento mais agudo de uma crise económica gravíssima, cujas consequências, não deixarão de se fazer sentir ao nível de uma ruptura já iminente, entre o M.F.A. e a maioria do Povo português.
Uma afirmação deste teor torna-se tanto mais estranha quanto provém de um elemento que chefiou um grupo de trabalho que, ao fim de cerca de três meses de árduo trabalho, elaborou o famoso Plano Económico-Social de Emergência, também chamado «Plano Melo Antunes/Rui Vilar». Esse plano, elaborado para um período de 3 a 5 anos, a ser posto em prática, manteria intacto o poderio económico e consequentemente político, dos grandes grupos monopolistas, nacionais e estrangeiros. Que medidas concretas tomou a equipa Melo Antunes/Rui Vilar para evitar a agudização da crise económica?
Aliás, os subscritores esquecem-se de apontar aqueles que trabalharam e trabalham afanosamente para conseguir o caos económico. Esquecem-se de falar na sabotagem dos banqueiros e dos grandes agrários. Esquecem-se de falar nos fascistas que sangram as reservas de divisas do nosso povo, exportando clandestinamente capitais (v. último comunicado do Banco de Portugal). Esquecem-se igualmente das pressões económicas e boicote dos países capitalistas, do imperialismo.
E o que propõem? Reforço e aprofundamento das nossas relações com certos espaços económicos (C.E.E., E.F.T.A.), aqueles mesmos a quem Salazar e Caetano hipotecaram o País. Que jogo é este senão o dos monopólios europeus e americanos?
Uma última pergunta: em que se distingue a análise alarmista do documento, das de Spínola, de Sá Carneiro e de Vieira de Almeida feitas na Manutenção Militar em Junho de 74?
5. Meios de Comunicação Social
Sobre os meios de comunicação social, particularmente os nacionalizados, os signatários retoam as acusações do secretário-geral do P.S., após a saída de Raul Rego e Sanches Osório do Ministério da Comunicação Social, quanto ao «rígido controlo partidário que sobre eles se exerce». Como de costume, nem uma só palavra contra a Imprensa fascista que intoxica os espíritos de milhares de portugueses, em particular na província. O melhor desmentido não será a ampla e profusa difusão que o «documento dos dissidentes», ou «documento da Melo Antunes», teve nos meios da comunicação social?
«Como se isto não fosse já bastante, foi-se ao cúmulo de preparar um projecto de diploma que, ao instituir uma «comissão de análise» e (porque não comissão de censura?)». Será que os signatários se esquecem que, para a concretização do P.A.P., o Conselho da Revolução de que fazem parte e onde na altura nada disseram, pediu ao M.C.S. a elaboração de tal projecto de diploma? Ou será, antes, que defendem e desejam que, em nome das «liberdades», as forças contra-revolucionárias, os exploradores do nosso Povo continuem a expressar-se sem qualquer entrave?
6. A Independência Nacional
Os «apartidários» subscritores «reclamam e lutam por uma autêntica independência nacional (tanto política como económica)».
Neste combate têm o aplauso expresso das forças descizantes, conservadores e sociais-democratas (C.D.S., P.P.D. e P.S.) e de grupos pseudo-revolucionários da ultra-esquerda (A.O.C., «O Grito do Povo»). Foi certamente com o objectivo de expressar a concordância e apoio da A.O.C. que o dirigente Guinote se encontrou no Restelo, no passado dia 9 de Agosto, com alguns signatários.
Qual a razão porque as forças conservadoras e reaccionárias apoiam a política de «autêntica» independência nacional» proposta por Melo Antunes? Porque sabem que não passa de uma frase bonita e demagógica que esconde intuitos totalmente diferentes. Que o diga a actuação governativa, tanto de Mário Soares como de Melo Antunes, no M.N.E. Que o digam as embaixadas comerciais dos países socialistas que se têm deslocado a Portugal. Que o diga a Argélia e demais países árabes interessados em estabelecer intercâmbio comercial e realizar investimentos em Portugal.
Ao reclamarem a «autêntica independência nacional», simultaneamente, pregam o respeito do «contexto geopolítico e estratégico» em que nos encontramos, isto é, defendem a continuação de Portugal na órbita do imperialismo. Gato escondido com rabo de fora!
7- A descolonização
As referências feitas no «documento dos dissidentes» ao Problema da descolonização, em particular Angola, são pelo menos ambíguas. Esta ambiguidade mais se avoluma com as declarações proferidas ao «D.N.» de 9 de Agosto de 1975 por dos signatários, major Vítor Alves.
Defenderão, tal como o fez o ex-general Spínola, um acordo preferencial com os «movimentos de libertação» lacaios do imperialismo e em particular com a F.N.L.A.? Os subscritores não terão nenhuma responsabilidade no processo de descolonização? Ou preparam-se para abandonar o barco no momento difícil?
8. O M.F.A. e o Poder
«O M.F.A. só teve aceitação universal enquanto aparelho autónomo de produção política e ideológica».
Esta frase revela o completo afastamento da realidade dos subscritores. Para eles o M.F.A. caiu do céu, feito «pelo espírito e pelo coração» de um punhado de oficiais. O M.F.A. não tem nada a ver com a luta de classes, não tem nada a ver com longa luta do povo português contra o regime fascista. Esta acima de tudo e de todos.
Para os signatários, esta situação altera-se quando o M.F.A. se vê «enleado nas manipulações politiqueiras de partidos e organizações de massas», que utilizaram para se instalarem «um pouco por toda a parte, formas selvagens e anarquizantes do exercício de poder». Mais adiante acrescentam que repelem energicamente «vagas concepções populistas de feição anarquizante». Qual razão por que não utilizam a expressão «anarco-populismo», tão cara ao secretário-geral do P.S. quando este se refere às forças consequentemente democráticas e revolucionárias? Certamente para manter o «apartidarismo».
Os signatários não dizem quando é que o M.F.A. se viu «enleado nas manipulações politiqueiras». Terá sido quando tomou posição pela unidade sindical contra o pluralismo defendido simultaneamente por forças fascistas e fascizantes e por forças conservadoras (P.P.D.) e sociais-democratas (P.S.). Para estes senhores a história do M.F.A. sintetiza-se em dois períodos: um primeiro afastado das lutas de classes, mantendo-se puros, puríssimos; um segundo «enleado» nas manifestações partidárias.
Em outro ponto, referem-se «ao mar encapelado de decisões arbitrárias de uma 5.ª Divisão do E.M.G.F.A., de uma Assembleia do M.F.A., de assembleias de militares «ad-hoc» reunidas imprevista e misteriosamente, de Gabinetes de Dinamização do Conselho da Revolução, do COPCON, de sindicatos, etc.».
Que é isto, senão o pôr em causa toda a acção desenvolvida pelos órgãos do M.F.A. desde o 25 de Abril? Que distingue estes ataques do M.F.A. dos desencadeados pelo ex-general Spínola em 1974? Quem diz isto pode ainda falar em nome do Conselho da Revolução e do M.F.A.? Por quanto tempo?
A clarificação deste problema (questão de poder) é tarefa prioritária. Esta é a grande verdade do documento.
Essa clarificação passa pelo afastamento dos postos de decisão dos elementos que procuram dividir o M.F.A., as massas populares e todas as forças progressistas, que procuram, enfim, impedir a caminhada do Povo Português para o Socialismo, que é o que faz por exemplo, o major Vítor Alves quando declara ao «D.N.» Que não existem condições para a implantação do socialismo em Portugal.
Passa pela decapitação da contra-revolução a nível militar e civil e pela criação de um sólido poder revolucionário que leve a bom termo as ingentes tarefas nacionais.
(«Diário de Notícias» — 15-8-75)
continua>>>Inclusão | 19/05/2019 |