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Conhecidos os resultados das eleições, numa interpretação literal dir-se-ia que o socialismo fora consagrado pelo Povo nessa jornada de 25 de Abril de 1975 onde o civismo e a consciência da população deram uma espectacular lição a todo o mundo.
Com larga percentagem de um partido dito marxista (o Partido Socialista) e o terceiro lugar obtido pelo Partido Comunista supor-se-ia que o MFA não teria problemas no prosseguimento do rumo que já anteriormente traçara. Óbvio era que PS e PC formassem uma coligação dominante na Assembleia Constituinte. Mas essa união, em que poucos acreditariam já antes das eleições dada a política social-democrata das cúpulas socialistas, tornou-se extremamente difícil logo a seguir. O Partido Socialista, fazendo tábua rasa do acordo firmado, pretendia fazer prevalecer a sua posição de vencedor das eleições no que era, naturalmente, apoiado pelo Partido Popular Democrático. A aliança entre estes dois partidos tornava-se bem mais real que entre o PS e o PC e isso será, a qualquer nível mundial, uma tremenda surpresa. Deste modo e perante as sucessivas exigências do PS, o MFA viu surgir novos problemas. Os acontecimentos divisionistas do 1.º de Maio e outros que se seguiram, criaram um impasse na evolução da Revolução do 25 de Abril que, à data da factura deste livro, se agravava com a posição da cúpula do PS no caso do República e da sua interrupção na presença no Conselho de Ministros.
Entretanto, no dia 1 de Maio, Costa Gomes e Vasco Gonçalves proferiam importantíssimos discursos. No do primeiro-ministro apontava-se a necessidade de um aumento de produção — a batalha da produção — tema de que ele voltaria a falar aquando da sua visita à Sorefame.
Na verdade, agora que a via socialista era um facto torna-se urgente um aumento da produção de molde a ganhar-se a batalha económica. Os partidos realmente progressistas incitam todos os seus militantes e simpatizantes a colaborarem nessa batalha enquanto os demais procuram encontrar travões a essa independência económica fazendo apelo para lutas metafísicas que que destroem e moem as forças dos trabalhadores, manipulando-os num sentido que, para a Revolução socialista em que estamos empenhados, é um desvio reaccionário.
O processo português está em curso. Firmemente, o MFA tem procurado que ele avance e, ainda agora, tenta corrigir erros de cúpulas de partidos e, teimosamente, prosseguir.
Lisboa, 22 de Maio de 1975.
DECRETO-LEI N.º 215-A/75, de 30 de Abril
Nestes termos:
Usando dos poderes conferidos pelo artigo 6.º da Lei Constitucional n.º 5/75, de 14 de Março, o Conselho da Revolução decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º Para todos os efeitos legais, nomeadamente aquisição de personalidade jurídica, é reconhecida a Intersindical Nacional como a confederação geral dos sindicatos portugueses, bem como toda a sua estrutura de âmbito regional, distrital e local, tendo como órgão deliberativo máximo o plenário ou congresso dos sindicatos nela filiados e como órgão executivo central o Secretariado Nacional.
Art. 2.º Os estatutos provisórios da Intersindical Nacional serão publicados no Boletim do Ministério do Trabalho e vigorarão até à publicação dos estatutos definitivos, a elaborar nos termos e condições que a lei sindical determinar.
Art. 3.º Este decreto-lei entra imediatamente em vigor.
Visto e aprovado em Conselho da Revolução.
Promulgado em 30 de Abril de 1975.
Publique-se.
O Presidente da República, Francisco da Costa Gomes.
«Estamos comemorando o 1.º de Maio. É um dia de unidade, de alegria pelas vitórias alcançadas. Mas é também um dia de análise dos nossos problemas, das nossas inquietações, um dia de tomada de consciência das nossas responsabilidades para vencer os obstáculos que se nos deparam.
Digo das nossas responsabilidades, pois os trabalhadores, através do seu esforço, da sua luta, têm desempenhado um papel fundamental na Revolução iniciada em 25 de Abril para libertação de todo o povo português.
Se, até agora, tem sido fundamental, a sua acção será, a partir de agora, decisiva para o avanço do processo.
Repito: a acção dos trabalhadores é decisiva para a libertação do povo português.
E para que tomemos plena consciência, façamos uma análise clara do que se passou desde que, há um ano, comemorando o início da nossa libertação, o povo deu a sua adesão total ao 25 de Abril, mostrando claramente estar ao lado do M. F. A. Foi esse 1.º de Maio, sem dúvida, o dia em que se iniciou verdadeiramente a aliança povo-M. F. A. A aliança que tem permitido vencer as grandes dificuldades que já passámos.
Salientemos:
A crise Palma Carlos, em que também estava envolvido o ex-general Spínola e alguns dirigentes políticos então proeminentes. Derrota das forças que queriam reduzir o 25 de Abril a simples golpe de Estado.
O 28 de Setembro, primeiro ataque em forma da reacção, em que, a pretexto de uma manifestação da chamada «maioria silenciosa» de apoio ao ex-general Spínola, os sectores mais reaccionários do capital monopolista e latifundista pretendiam criar condições para a tomada do, poder e fazer regressar a nossa Pátria ao fascismo.
Na altura, o ex-general Spínola, no acto de renúncia ao cargo de presidente da República, pronunciou um discurso em que, criminosa e traiçoeiramente, tentou lançar portugueses contra portugueses.
O 11 de Março, em que os reaccionários, que há muito conspiravam, lançaram camaradas de armas contra camaradas de armas, o que, neste momento, é a maior traição que se pode cometer contra a nossa Pátria.
Uma campanha de boatos, tentando fazer acreditar que o M. F. A. faltaria ao seu programa, não realizando as eleições. A ordem e o civismo com que tudo decorreu mostram bem como, mais uma vez, a reacção não passou.
Estes obstáculos que vencemos ensinam-nos muita coisa. Principalmente, que cada dificuldade que se nos depara, depois de vencida, é um passo em frente que damos: nós avançamos combatendo os nossos inimigos.
Foi o vencer-se a crise Palma Carlos que criou condições para o reconhecimento do direito dos povos à autodeterminação e à independência, facto que trouxe de imediato ao povo português e aos povos das antigas colónias o fim da guerra.
Foi o vencer-se o 28 de Setembro que estreitou a aliança Povo-M. F. A., criando condições para uma maior clarificação do processo revolucionário e, como consequência mais notável, a subida à Presidência da República do general de maior prestígio das nossas Forças Armadas, o homem que o Movimento tinha escolhido, ainda na fase clandestina, para seu presidente: o nosso general Costa Gomes.
O vencer-se o 28 de Setembro criou também condições para o início da Dinamização Cultural, saída aberta do M. F. A. ao encontro do povo, que tem tido influência decisiva no estreitamento da aliança Povo-M. F. A. e esclarecimento e politização das Forças Armadas e do povo português.
Foi o vencer-se o 11 de Março que deu novo impulso à Revolução, levando a nova assembleia do M. F. A., reunida nessa mesma noite, com a presença de oficiais, sargentos e praças, a abrir caminho para as grandes medidas que se seguiram. Institucionalização do M. F. A., criação do Conselho de Revolução, decisão da nacionalização da banca, dos seguros e sectores básicos da nossa economia, início da reforma agrária e definição da opção socialista para a revolução portuguesa.
Além disso, o 11 de Março permitiu o afastamento do sector spinolista, responsável por todas as tentativas de divisão dentro das Forças Armadas, a prisão de representantes dos sectores reaccionários do capital monopolista e latifundista, a fuga de outros grandes responsáveis pelo boicote económico e desvio de capitais para o estrangeiro.
O 11 de Março criou também condições mais favoráveis ao povo português no campo político e económico, condições para que, como diz o Conselho da Revolução, «os trabalhadores sintam que a economia já não lhes é estranha, ou seja, que a construção socialista da economia é tarefa deles e para eles. Isto implica a afirmação clara de princípio de controlo organizado da produção pelos trabalhadores para objectivos de produção e eficiência, coordenados pelos órgãos centrais de planeamento, segundo esquemas a definir com brevidade.
A campanha de boatos alarmistas, que faziam correr de não se realizarem as eleições, teve como consequência unicamente salientar a política de honra e verdade em que o M. F. A. está empenhado, através do cumprimento fiel ao seu programa, salientar, devido à grande afluência às urnas, que o povo está com o M. F. A.; salientar que as análises que o M. F. A. fez sobre a realidade portuguesa são correctas e que as palavras de ordem do M.F.A. são justas e se adaptam às condições do nosso povo, salientar a opção do povo português pelas liberdades democráticas, pela aliança com o M. F. A., pela democracia, pelo socialismo.
Salientar a consagração pelo povo português do pacto estabelecido entre o M. F. A. e os partidos da coligação, em que todos estamos empenhados e que enuncia com clareza e sem ambiguidades os caminhos futuros da nossa Pátria.
Estamos caldeados pela luta, como acabamos de ver, e não são as dificuldades que nos metem medo, pois, vencidas que sejam, andamos para a frente.
Temos é que ter sempre presente quem é o inimigo principal, quais são as dificuldades mais importantes a vencer, para lhes darmos combate.
A opção socialista é difícil de trilhar, pois há muitas vezes que conciliar o que parece inconciliável, desfazer contradições que parecem irredutíveis, arranjar unidade onde parece haver desunião.
Temos de observar a nossa realidade, descobrir soluções originais. Na história, não há factos repetidos, e o nosso caso é único. A realidade que temos perante nós é a que vemos e vivemos com as contradições e dificuldades que sentimos, e mais nada.
Quem é nosso inimigo principal? O nosso inimigo principal é o fascismo e a reacção.
Mas, no fundo, temos de discernir, neste momento, quais as brechas, por onde eles podem penetrar. Está em causa, fundamentalmente, a nossa estrutura económica. Ela está doente, doença que já vem do tempo do fascismo. É uma herança que temos, mas cujo estado se agravou, devido à sabotagem económica, à crise do capitalismo e também ao próprio desenvolvimento do processo revolucionário.
A nossa crise económica é, neste momento, o obstáculo fundamental a vencer. É a nossa grande dificuldade. E o tempo que temos para a vencer é limitado.
Ou recuperamos, por nós próprios, com o nosso esforço ou comprometeremos gravemente a marcha do nosso processo revolucionário, o futuro da nossa Pátria. Estariam à vista o regresso do fascismo, a dependência económica, a perda das liberdades.
A nossa luta é decisiva. Apelo, aqui a todos os trabalhadores, a todos os patriotas, para que se lancem na batalha da produção, de cuja vitória depende o futuro da Revolução.
A batalha da produção é uma etapa necessária para vencer a crise económica e criar condições para o futuro desenvolvimento da economia, numa via para o socialismo.»
(O primeiro-ministro disse depois que a batalha da produção deverá, através do aumento de quantidade bruta dos produtos, quer agrícolas quer industriais, do aproveitamento máximo do nosso equipamento e da exploração racional dos nossos recursos, do incremento da eficiência, com a consequente diminuição do seu custo social, pelo aumento das exportações e diminuição das importações, etc., permitir a formação profissional dos trabalhadores, que considera necessário aos investimentos produtivos, correctores das distorções da nossa economia, que conduzam a uma diminuição de dependência externa, aumento de postos de trabalho, geradores de nova riqueza, e possibilitando a criação dos equipamentos sociais indispensáveis à melhoria de vida das classes mais desfavorecidas.)
«O desencadeamento da batalha da produção é, portanto, uma necessidade imediata e imperiosa nas actuais condições.
O papel principal nesta batalha da produção pertence a vós, trabalhadores que, hoje, dadas as medidas já tomadas contra o capital monopolista e latifundiário, no sentido do domínio pelo Estado de sectores básicos da produção e do arranque da reforma agrária, têm a garantia que o seu trabalho e a sua opção reverterão em benefício da colectividade e não em benefício das classes privilegiadas.
Que pede, então, o M. F. A. aos trabalhadores?
Coesão e unidade em torno de objectivos verdadeiramente nacionais, objectivos estes em cuja determinação participarão; subalternização das lutas políticas partidárias, no seio das organizações sindicais; lucidez em face da realidade nacional; realismo reivindicativo; análise e discussão ideológica da proposta esquerdista e anarquizante e dos perigos a que pode conduzir a sua falta de capacidade real para a solução dos problemas correntes; combate aturado aos divisionistas e provocadores; trabalho militante e exemplarmente revolucionário; encarar a valorização profissional como uma opção verdadeiramente revolucionária; compreensão de que, sem a reconstituição do aparelho económico e do aparelho do Estado, sem o desenvolvimento económico, não é possível, nem ao Governo Provisório nem ao M. F. A. corrigir as graves distorções salariais herdadas do fascismo.
No domínio das nossas possibilidades actuais, cabe apenas tentar diminuir as desigualdades mais gritantes e não permitir o agravamento dessas mesmas distorções salariais. Mas as distorções não devem ser motivo para lançar os trabalhadores uns contra os outros, quer sejam do sector público, quer sejam do sector privado. Os trabalhadores devem estar constantemente vigilantes contra as divisões que os inimigos da revolução procuram introduzir no seu seio a pretexto das distorções salariais.
Uma visão do saneamento que incida mais nas estruturas que nas pessoas, pois nós necessitamos de estruturas capazes e eficientes, as quais, por si próprias possibilitarão a colocação das pessoas de harmonia com as suas capacidades.
Isto não obsta a que sejam saneados aqueles que se opõem ao desenvolvimento do nosso processo revolucionário, quer pela obstrução política, quer pela incompetência, falta de idoneidade ou comprometimento com o fascismo.
Uma verdadeira justiça revolucionária exige que o saneamento se não faça com base em ódios recalcados, ambições de promoção, razões de carácter pessoal.
É preciso saber distinguir as atitudes passíveis de processo disciplinar das passíveis do processo de saneamento.
Nesta batalha da produção os trabalhadores devem, mais do que ninguém, pois é sobre eles que, em aliança com o M. F. A., cabe a maior parte da tarefa da reconstrução da nossa Pátria, ter a lucidez suficiente e a maturidade política necessária para, a cada momento, saberem definir rigorosamente quem são os seus aliados.
Consciência de que os pequenos e certos médios empresários, na actual fase de desenvolvimento do processo revolucionário, têm objectivos que são comuns aos trabalhadores.
A batalha de produção exige, de todos nós, mais trabalho, mais imaginação criadora, procura de soluções mais económicas para os problemas e mobilização revolucionária no trabalho. O povo deve procurar em si toda a capacidade criativa que possui. O M. F. A. e o Governo Provisório estimularão a criatividade popular, certos de que ela é indispensável na construção do novo Portugal. Neste campo continuarão a desempenhar papel fundamental as Campanhas de Dinamização Cultural e Cívica, desenvolvidas pelas Forças Armadas. É necessário promover uma autêntica revolução cultural no seio do nosso povo, abrir o nosso povo a ideias novas.
É necessário que as empresas de ponta dêem exemplos revolucionários de trabalho. Estas empresas devem constituir a vanguarda da batalha da produção. Os trabalhadores das empresas nacionalizadas e das empresas públicas devem fazer delas modelos de rentabilidade.
Constitui dever de honra e prova de fervor revolucionário por parte dos trabalhadores de empresas como os C. T. T., os T. L. P., a C. P., o Metropolitano, os Serviços Municipalizados, a Carris, etc., a sua transformação de empresas altamente deficitárias, em empresas rentáveis que, em lugar de serem pesadas à economia portuguesa, passem a ser fontes de receitas da colectividade.
É necessário que os trabalhadores das empresas nacionalizadas saibam que as mais-valias por eles criadas pertencem à colectividade, ao conjunto de que fazem parte e que é o povo português. Essas mais-valias devem ser aplicadas no desenvolvimento económico, que se traduz na criação de novos postos de trabalho.
A par desta atitude, também é necessário não esquecer que a construção de uma nova sociedade leva tempo.
Há que ver as coisas com calma, lucidez. Há que estar disposto a sacrificar-se pela revolução. É necessário que os trabalhadores e o povo português se consciencializem que nós seremos a geração do sacrifício da Revolução Portuguesa.
A batalha da produção passa também pelo aumento da produção agrícola, o qual passa pela reforma agrária. Na sua execução não esquecemos as características do nosso País, nem a diferente divisão da propriedade. No Norte, tratar-se-á mais de uma reconversão agrária, com o apoio dos movimentos associativos e cooperativistas que surjam; no Sul, haverá expropriação de terrenos, nos termos já anunciados pelo sr. Ministro da Agricultura.
Podem os camponeses, os pequenos e médios agricultores, estar certos de que M. F. A e o Governo Provisório os apoiam e tudo farão para ajudar a transformação do sector onde os efeitos perniciosos do anterior regime se fazem sentir.
Da parte dos camponeses esperamos a adesão total ao espírito do 25 de Abril, ou seja, a tarefa de reconstrução da nossa Pátria. Nesse sentido, os camponeses devem abrir-se às ideias novas do associativismo e ao cooperativismo e devem lutar por abandonar o peso de um passado em que os governantes tudo fizeram para os manter na ignorância e na miséria.
O M. F. A. está disposto a empenhar todas as suas forças na batalha da produção. Chegou a altura de perguntar:
Estão ou não estão os trabalhadores interessados nesta batalha que levará à reconstrução da nossa Pátria?
(Aqui um clamoroso «sim» e entusiásticos aplausos fizeram-se ouvir em todo o estádio).
Espero ter sido claro.
O principal obstáculo consiste em vencermos todo o conjunto de problemas que enunciei e que resolvidos, abrem caminho para a vitória.
Eles são decisivos, porque a batalha é decisiva.
A vitória está nas nossas mãos.
Se a ganharmos, avançaremos decisivamente no caminho do socialismo.
Está, pois, mais uma vez, nas nossas mãos, dependente de nós, a liberdade do nosso povo.
A aliança Povo-M. F. A. vencerá este novo desafio.
Trabalhadores de Portugal, verdadeiros e sinceros camaradas do M. F. A., desejo-vos os maiores êxitos no vosso trabalho criador. Vivam os trabalhadores de todo o Mundo. Vivam os trabalhadores estrangeiros que se fizeram representar e colaboraram na nossa festa. Viva a Intersindical Nacional. Vivam os trabalhadores portugueses. Viva o M. F. A. Viva a inquebrantável aliança do Povo-M. F. A. Viva a Nossa Pátria.
Mulheres e homens de Portugal: a liberdade é a pedra angular da dignidade humana, a liberdade é o bem precioso que homens sem sono nem medo ofereceram ao povo de Portugal.
É, pois, uma grande alegria, digna dos trabalhadores de Portugal, alegria de, pela segunda vez, festejarmos o 1.º de Maio com plena liberdade de pensar, de sentir a nossa Pátria, e de traçar os nossos destinos.
Trabalhadores somos muitos, somos todos aqueles que, em troca de uma remuneração, oferecem a força generosa dos seus braços ou a honesta capacidade dos seus cérebros ao serviço de uma sociedade nova.
Pensamento e acção são duas realidades fecundas quando coexistem. Qualquer delas, quando isolada, é um sonho que fenece estéril.
Trabalhador sem horário, sinto-me entre camaradas de trabalho, quando, mais uma vez, presto ao povo português o tributo de uma palavra amiga e fraterna.
Não poderia resistir ao impulso de me referir às eleições, sobretudo porque iludiria um dever e uma esperança generalizada.
Nas eleições, os grandes vencedores foram o povo e a sua aliança com o M. F. A., o Portugal renovado em transição para o socialismo.
Podem os intelectuais puristas discutir se o povo votou exactamente no que queria, mas nem os puristas podem negar que o povo declarou vigorosamente o que não queria. O Portugal de hoje não aceita extremismos, sejam eles das direitas sejam eles esquerdistas.
É uma tentação referir aqui, que, na comunicação que fiz antes das eleições, sublinhei que o povo português sempre decidira com uma consciência intuitiva mais válida do que a de «élites» amolecidas, e frisei bem quanto acredito no progressismo empírico do povo que somos.
Nestas eleições, em civismo classificá-lo-ia de óptimo e, em intuição, de excelente.
Como o nível de exigência é diferente não daria a mesma classificação a todos os que se consideram entidades políticas em Portugal.
Estas eleições, na opinião pública mundial que subscrevo, são a maior vitória da Revolução, o selo de ouro que garantiu a proclamada aliança Povo-M. F. A., confirmou a política de descolonização e sancionou o rumo do socialismo para o Portugal novo.
Perdoai a imagem de militar que sempre serei:
Quem ganha uma batalha passa à exploração do sucesso sem se preocupar em minimizar a vitória só porque entenda diminuta a instrução das suas tropas.
Mesmo que a informação pública mantenha a tónica de tecer extrapolações a partir de casos individuais de ignorância total da ciência política, manterei firme a minha fé na intuição magnífica do povo que votou no progressismo autêntico e livre dos seus filhos fardados — no progressismo do M. F. A.
Não considero esgotado o assunto eleições sem uma outra referência justa.
Recordemos a genética, quando, em leis, define que, nas espécies vivem, existem percentagens menores de indivíduos que se afastam dos caracteres dominantes e constituem franjas limites na curva da distribuição.
Também nas sociedades humanas haveremos de reconhecer formações políticas limites nos dois extremos da distribuição, correntes que haveremos de respeitar enquanto, reciprocamente, saibam respeitar a sociedade a que pertencem.
Nestas eleições, quem pode negar que haja sido digno o comportamento dos bilaterais extremismos políticos portugueses, no momento em que, acima de todas as ideologias, colocaram a ordem e a tranquilidade do povo a que pertencem?
Feliz é a sociedade que tem franjas, mas não formações políticas violentas e aberrativas.
Já vai longe a dissertação sobre eleições; vejamos agora os problemas maiores que a Revolução terá de enfrentar: educação e economia.
Em educação colocam-se dois problemas distintos:
Tempos houve em que foi prioritária a sua luta política e se justificou o abandono dos livros, das aulas, dos estudos. Tudo mudou já. Agora estudarão os mais aptos, os mais voluntariosos e dedicados, os futuros trabalhadores do pensamento. Os outros devem passar à acção, contribuindo com a força do seu trabalho no desafio grande de produzir riqueza directa, socialmente útil.
Apesar da explanação que o sr. primeiro-ministro fez, não deixarei, em todo o caso, de abordar o essencial da batalha da economia.
Da total transformação dos princípios e rotinas capitalistas no rumo de uma distribuição justa da riqueza produzida para benefício das classes sem privilégios, salientam-se algumas consequências:
Deste e doutros fenómenos resultou carência de meios e de confiança para investir, enquanto vivemos perigosamente acima dos nossos rendimentos, numa economia estagnada.
A vitória da batalha económica vai exigir-nos mais sacrifícios, mais esforços, mais produtividade, mais disciplina e mais autoridade democrática no trabalho.
Vou terminar.
Neste segundo ano da Revolução Nacional, festejemos o l.º de Maio, na grande festa do trabalho e das Forças Armadas.
Saúdo os trabalhadores de todas as actividades, saúdo os militantes de todos os ramos.
Bem-hajam os trabalhadores estrangeiros que, por simpatia ou dever de função, se deslocaram a Portugal, para viver connosco esta festa grande.
Bem-hajam os emigrantes, as mulheres e os jovens aqui presentes na festa nacional do trabalhador português.
Viva a aliança Povo-M. F. A. Viva o trabalho e os trabalhadores. Viva Portugal.
Representantes dos resistentes antifascistas que vieram até nós, resistentes antifascistas portugueses, camaradas do Conselho da Revolução e do M. F. A., membros do Governo, representantes diplomáticos, Conselho Português para a Paz e Cooperação, minhas senhoras e meus senhores.
Ao comemorar a derrota do fascismo na Europa, não quero deixar de exprimir um sentimento de alegria reconfortante pela presença dos resistentes que vieram até nós e que quiseram trazer ao M. F. A. e a Portugal o seu apoio e a sua experiência. Uma referência muito particular quero também fazer a Maria Lamas, fidelíssima combatente antifascista e símbolo da luta da mulher portuguesa pela sua libertação total.
Há trinta anos a Europa respirava, aliviada do pesadelo fascista, renascia a esperança do homem no futuro. Esse renascimento cimentava-se na luta e no sacrifício de milhões de pessoas originárias de todos os continentes. Tal devia bastar para que a humanidade rejeitasse de uma vez por todas aquela aberração. Sítios houve, porém, onde a derrota de 1945 foi por longo tempo inconsequente. A Portugal as liberdades conquistadas pelos povos livres europeus só chegaram na madrugada de 25 de Abril de 1974. O Povo Português tem em relação à Europa um crédito de trinta anos de liberdade a lançar na conta do fascismo. A neutralidade na guerra de 1939-1945, para além dos benefícios imediatos, custou ao Povo Português um preço demasiado caro. A não parti doação no tremendo conflito foi ignobilmente explorada pelo Governo fascista, no sentido de criar, num povo mantido em estado de atraso material e intelectual deplorável, a ideia do guia esclarecido e incontestável na defesa dos interesses da Pátria. A partir daqui, todas as conquistas dos povos na sua marcha para a liberdade foram classificadas e apresentadas como passos na degradação de valores tradicionais, como maquinações diabólicas de inimigos, fomentando-se o individualismo pessoal e o isolamento nacional como últimos baluartes da dignidade humana.
À sombra desta enorme mistificação incentivou-se e desenvolveu-se o capitalismo mais retrógrado, num proteccionismo feroz à exploração desenfreada das massas trabalhadoras, e no comprometimento da independência nacional. O fascismo português atingiu tal grau de contradições que, criado pelo capitalismo para seu serviço, acabou por se tornar um obstáculo ao desenvolvimento desse mesmo capitalismo, ao ponto de originar uma boa aceitação do 25 de Abril pelos seus sectores mais avançados.
Nesta perspectiva, há que estar atento à realidade de que se o fascismo foi derrubado em Portugal, as forças capitalistas não desistiram nem desistirão facilmente de tentar recuperar as suas condições de expansão. Perdidas as esperanças do 25 de Abril como factor de readaptação a novos condicionamentos, o ataque desencadeou-se, como o provam as diversas crises atravessadas até ao 11 de Março, e continuará a desenvolver-se utilizando formas mais subtis e menos detectáveis ao nível do povo português. É preciso que as classes trabalhadoras estejam conscientes de novos perigos, que olhem a realidade de frente para além dos programas aliciantes e das propostas brilhantemente demagógicas. Os amigos, bem como os inimigos, revelam-se na prática diária e não através de verbalismos estéreis. A marcha dura de um processo político difere substancialmente do deslizar dos sonhos. A nossa luta desenvolve-se em torno do que é e não do que gostaríamos que fosse. Os povos só se libertam pela luta intensa, incansável, e de todos os dias, contra a opressão. Quando se cansam, perdem. Para que a luta triunfe é necessário que o povo tenha consciência da sua exploração e também de quem o explora e como o explora. Só assim são aceitáveis os sacrifícios que a revolução pede, só assim aparece claramente projectado o inimigo do povo.
Sob pena de que a revolução se perca, o povo português tem de saber distinguir as suas verdadeiras opções.
E estas são revolução ou reacção. Não se põem neste momento, tal como desde o início, questões de pormenor. Não estamos perante problemas que dizem respeito à roupagem da via para o socialismo. Tais questões podem levantar-se para camuflar o problema de fundo, para criar cisões entre os trabalhadores, para confundir as mentes. Mas o problema é, ainda, socialismo ou capitalismo. O M. F. A. não faz revoluções contra o povo. Nunca na história se fizeram revoluções contra a vontade do povo. O que por vezes aconteceu foi classificar-se de revoluções as readaptações das classes dominantes. Mas é preciso que a vontade do povo coincida com os interesses do povo, sem o que essa vontade pode tornar-se objectiva e inconscientemente contra-revolucionária.
Os trabalhadores portugueses foram desde 25 de Abril de 1974 os grandes geradores da energia da revolução, sem a qual nunca se teria materializado a união M. F. A.-Povo. Seria trágico que esses mesmos trabalhadores comprometessem todo o processo, admitindo no seu seio o divisionismo, deixando galopar o oportunismo político, lutando entre si por questões de pormenor, ampliadas artificialmente para servir interesses que não são os interesses do Povo Português.
Uma revolução, por mais pura que seja a linha teórica, não sobrevive à completa degradação económica e, particularmente, a economia portuguesa não comporta mais encontrões. Quem são as vítimas principais e quem recolhe os benefícios da desintegração económica do País é suficientemente claro, e os trabalhadores devem analisá-lo com a cabeça fria. A consciência revolucionária do povo, demonstrada em 28 de Setembro e em 11 de Março, não deve permitir que se deixe espartilhar a revolução par baias, imediata e exclusivamente, utilitárias. Uma revolução no sentido do socialismo como a nossa implica o «controle» progressivo dos meios de produção pelos trabalhadores, bem como a garantia de que as mais-valias criadas se aplicam em benefício da colectividade. Implica também a existência de uma democracia real aberta a todas as liberdades, excepto à liberdade de explorar. Nenhuma via socialista pode assentar em benefícios salariais imediatos, nenhum povo revolucionaria- mente consciente pode centrar a sua luta sobre o empolamento reivindicativo de tais benefícios. Temos uma necessidade premente de construir um aparelho produtivo sólido. O M. F. A. tem dado sobejas provas de que esse aparelho não será posto ao serviço de classes privilegiadas, mas sim ao serviço da colectividade. A conjugação da vontade do M. F. A. com a iniciativa criadora dos trabalhadores permitirá caminhar seguramente, e eliminar à partida qualquer equívoco sobre o processo. Para além disso, reivindicar o que a economia nacional não tem capacidade para conceder — e a economia nacional é fundamentalmente o somatório das economias das empresas—, conduzirá à contra-revolução, em detrimento dos trabalhadores. E a contra-revolução, perante uma economia deteriorada, não pode deixar de desembocar no totalitarismo fascista. Esse mesmo fascismo que a Europa varreu em 1945, e que não queremos de regresso à nossa Pátria.
Vivam os resistentes portugueses antifascistas! Vivam os resistentes dos países amigos que vieram até nós! Vivam a paz e amizade entre os povos de todo o mundo!
É um grande prazer estar aqui. Vim para falar convosco e, em primeiro lugar, saudar a Associação Portuguesa de Escritores como uma associação antifascista.
Penso que este congresso é muito importante, porque terá permitido trocar impressões sobre a missão dos intelectuais na nossa Revolução. Os escritores também nos ajudaram muito, contribuindo para o amadurecimento das ideias que fizeram a revolução portuguesa. Não obstante o embrutecimento imposto pelo fascismo, não nos devemos esquecer que o pensamento humano não para.
A nossa Revolução precisa dos escritores, dos intelectuais, que devem estar muito ligados ao nosso povo.
Foi preciso ter uma grande têmpera para suportar o carácter absoluto da censura. As próprias condições em que os escritores viviam, obrigavam-nos a dar mais ênfase à forma do que ao conteúdo. A expressão da linguagem tinha que ser sofisticada para poder ser publicada e, assim, era percebida só pelos camaradas, que a compreendiam quase como sinais ou hieróglifos. Nessas condições não era possível chegar ao povo. Tivemos na nossa geração o neo-realismo, traduzindo a maior generosidade, que constituiu um grande vector no sentido de uma cultura nacional, popular e antiburguesa.
A questão de chegar ao povo ou de trazer o povo até nós está errada. A missão fundamental do escritor é tornar letrado o nosso povo, não só o povo analfabeto, nas muitas outras classes, tornando-as conhecedoras e conscientes da importância social da nossa Revolução. As pessoas têm que dar uma grande importância à actividade espiritual revolucionária do homem, e vós podeis contribuir muito para isto. Temos à nossa frente uma tarefa comum, vossa e nossa, e é preciso encontrar as formas adequadas de a realizar. Venham para junto de nós contribuir para a Revolução do povo português. É premente levar a Revolução ao povo. Não nos devemos esquecer que teve 300 anos de inquisição e 50 anos de fascismo.
O nosso povo acredita em muitos mitos. Não se trata de substituir religiões, trata-se de fazer um esclarecimento do trabalho quotidiano e galgar, assim, anos de atraso cultural. Não interessam as questões de forma, ou saber se vamos ao povo ou se é o povo que vem até nós. Interessa é pensar que o conteúdo é o mesmo para todas as classes. Não pode haver um conteúdo para uns, e um diferente para outros, tornando-se necessário, sim, descobrir as formas adequadas e simples de levar a cultura ao público. A simplicidade não é fácil de alcançar, Isto não significa o abastardamento das formas, pois sabemos como é simples e acessível o Eça de Queirós, e o trabalho que ele tinha para chegar a essa perfeição e simplicidade de forma. Há, de facto, entre nós, uma cultura burguesa. Temos é de separar o principal do acessório, tornando letrado o nosso povo, esclarecendo-o na sua vida quotidiana, neste momento. Isto também não significa que o escritor vá falar e escrever apenas sobre problemas económicos e políticos.
Interessa esclarecer as relações entre os homens e as mulheres. As mulheres ainda não estão completamente libertadas, e elas sofrem quotidianamente pressões, mesmo dos homens mais democratas. É vasta a matéria, o que não significa, no entanto, que não haja pontos essenciais e secundários. Importa, sim, separar o essencial do acessório.
Não somos dirigistas. Já provámos à saciedade que não desejamos implantar uma ditadura em Portugal. Nós vivemos um período revolucionário. Não enterrámos ainda o capitalismo, e nem sabemos quando o conseguiremos. Há muita gente interessada em travar o processo revolucionário. É neste contexto que aparece o papão do dirigismo, que só serve para criar divisões. Vós não vos deveis deixar dividir, assim como não se devem dividir os trabalhadores nos sindicatos e no campo. O que é fundamental é estar unidos no essencial. Não pretendemos impor uma cultura. A verdadeira cultura vem da diversidade, mas não do ecletismo.
Pensamos que o dirigismo depende mais de vós, escritores. Sois vós que tendes de fazer a cultura, que tem de ser elaborada com o nosso povo, mas não de uma forma paternalista. É necessário mergulhar nas raízes do povo para o compreender e, depois, elaborar a cultura, de maneira a que o mesmo povo a compreenda.
Todos nós nos temos democratizado mais em contacto com o nosso povo. Os militares que andam nas campanhas de dinamização cultural são os primeiros a dizer que muito têm aprendido com o povo.
Uma revolução cultural não é uma lavagem de cérebro. Não podemos meter as ideias à força na cabeça das pessoas. Devemos é esclarecê-las, com grande firmeza, com muita consciência, paciência, perseverança e aturado trabalho. Quando no tempo do fascismo se dizia: «Cada povo tem o que merece», isto não era correcto.
Temos de ter muita paciência e não nos devemos esquecer que o povo vibra profundamente com a cultura; o que é preciso é que a compreenda. Torna-se necessário levar a cultura às Casas do Povo e aos sindicatos. Era isto que eu vinha pedir aqui, a este congresso: que os escritores venham para junto das Forças Armadas levar a cultura ao povo. As questões de fundo são as primordiais. Não devemos querer estabelecer o dirigismo porque é errado, não dá resultados positivos e os nossos tempos têm dado disso provas sobejas. A cultura popular, hoje, é o que nos caracteriza, tendo em conta o interesse das classes mais desprotegidas. Interessa é que a cultura possua um conteúdo honesto e uma forma adequada, tendo sempre presente que a simplicidade é muito difícil de se conseguir.
Sabemos que a cultura tem um grande papel nas transformações sociais, ela deve andar sempre à frente e, por isso, o vosso papel é o de pioneiros, de autêntica vanguarda. A Revolução Portuguesa não se pode fazer sem a vossa colaboração.
Importa que haja uma maior atenção para com a nossa História, explicando-lhe o que significou a nossa independência, a crise de 1380-1385, a perda da nossa independência em 1580 e, depois, a restauração de 1640, a inquisição e o movimento de 1820, que também se perdeu, explicando-lhe as causas desses movimentos e porque se viram frustradas as esperanças das massas populares. E tudo isso, para que a nossa Revolução de 1974 não seja frustrada. Isto é um dever patriótico de todos nós: conseguir que não se perca a nossa Revolução.
O Povo é, também, poesia. O Povo é poeta e canta no seu trabalho. Ele sabe que existem os cancioneiros, mas é necessário que os compreendam, e sois vós que sabeis explicar toda a poesia que existe no povo, trazendo ao nível da consciência o inconsciente. A liberdade está intimamente ligada ao conhecimento.
Foi aqui demonstrado o vosso desejo de colaborar com as Forças Armadas na dinamização cultural. Pois eu digo-vos que queremos essa participação, e o que eu lhes estou a dizer é caucionado pela voz dos meus camaradas do Conselho da Revolução.
Unam-se a nós e descubram formas de participação continuada, activa, permanente, eminentemente pedagógica. Precisamos de uma participação continuada, científica, persistente, perseverante, com objectivos finais a atingir. Vós sereis uma força motora na Revolução. É preciso descobrir, em conjunto, formas adequadas de participação. Não é o Governo que dirá o que tendes de fazer. Sois vós, com o vosso trabalho criador, a vossa experiência, o vosso saber, que deveis indicar o caminho para a libertação da nossa Pátria. Viva a nossa Pátria!
Viemos aqui aprender convosco. Isto não são frases literárias, mas é, de facto, a voz da nossa consciência e do nosso coração. Vós tendes na mão, vós e outros trabalhadores, e aqueles que estão de facto interessados em construir um Portugal democrático, um Portugal que aponte para o socialismo, vós tendes na mão o futuro da nossa Pátria. O futuro da nossa Pátria, que sois vós. A Pátria não é uma entidade mítica, mas é uma entidade concreta, constituída por todo um povo de carne e osso que vive dia a dia os seus problemas, que sofre e que tem alegrias, que constrói dia a dia, na medida das suas possibilidades. Essa é que é a Pátria. A Pátria são os Portugueses de carne e osso, sois vós, são todos os Portugueses bem ligados aos seus problemas nacionais, às raízes históricas, bem ligados àquilo que de positivo a nossa tradição nos traz e apontados para o futuro. Esse é que é o verdadeiro conteúdo da Pátria, que não é nada de abstracto, que se aprende nos livros, mas é uma coisa que se aprende no dia a dia. Vocês, quando estão a construir esses baloiços para os filhos dos trabalhadores, quando estão a construir as carruagens, quando estão a construir os equipamentos para as centrais eléctricas, vós estais a construir a nossa própria Pátria. Esse é que é o conteúdo da palavra pátria. E peço licença para dizer aqui umas modestas palavras ao pé dessas palavras tão belas que aqui foram proferidas pelos vossos camaradas, e ao pé dos caminhos que foram apontados pelo ministro da Indústria. Os trabalhadores da Sorefame têm uma longa tradição de luta, mesmo no tempo do fascismo, e, apesar das tremendas dificuldades, conseguiram provar que a luta é sempre possível, se existir uma forte consciência política. O reconhecimento do l.º de Maio como feriado na Sorefame e a greve de Janeiro de 74 demonstraram essa realidade.
O triunfo da Revolução portuguesa depende decisivamente dos triunfos no campo económico, do relançamento, em moldes socialistas, de uma economia empobrecida pelas distorções do fascismo, pela dependência do capitalismo internacional em crise aguda, pelos obstáculos semeados constantemente no caminho que até agora percorremos.
Há que reafirmar: o triunfo da Revolução exige uma batalha travada a todos os níveis, sem descanso, nem hesitações. São as massas trabalhadoras em união estreita com o M. F. A. que determinarão o futuro da nossa Pátria, porque é da adesão dessas massas aos grandes objectivos nacionais que dependem os resultados da nossa batalha.
Os grandes objectivos nacionais são: a independência da nossa Pátria e a construção de uma sociedade em transição para o socialismo, que aponta para o socialismo. Mas nós temos que ter bem a consciência disto, não construirmos o socialismo de um dia para o outro, nem por milagre, será com o trabalho de todos os portugueses que ele será construído e isso leva tempo. Passa pela revolução das consciências, pela revolução do trabalho. Nós não dizemos que, amanhã, vamos ter o socialismo, mas o que dizemos é que estamos construindo uma sociedade que aponta para o socialismo.
Não temos um caminho fácil à nossa frente, a libertação do homem não é fácil, mas eu pergunto, quando os objectivos são a liberdade e a justiça o que é que pode travar a vontade e a capacidade de luta das massas trabalhadoras?
É essa vontade aliada à consciência política que permitirá superar dificuldades que se nos deparam, como sejam, entre outras, aquelas que eu queria salientar hoje aqui: factores divisionistas dos trabalhadores, o exagero das lutas partidárias e reivindicações salariais irrealistas.
Eu penso que vós deveis defender a vossa unidade como aquilo que mais precioso tem neste momento a nossa Revolução. Vós tendes o direito, e o dever, de ter ideias políticas, diferentes uns dos outros. Mas, acima das nossas divergências políticas, temos os grandes objectivos nacionais a atingir. Aliás essas divergências políticas têm, no fundo, muito de comum a todos os trabalhadores, que é a construção de uma sociedade mais justa. E os trabalhadores devem, sobretudo, ver o que é essencial na sua luta, ver o que é o principal e não se deixarem enredar por questões e por lutas de pormenor e lutas de carácter secundário. A vossa unidade é aquilo que de mais precioso deveis defender. A vossa unidade forja-se no contacto quotidiano, nas discussões, entre vós, dos grandes problemas nacionais, das tarefas que tendes a resolver.
A vossa unidade resolve-se na crítica aberta, construtiva, desassombrada, frente a frente, com lealdade, com coragem, com franqueza, no desmascaramento do oportunismo e do divisionismo, e tendo sempre bem presente os grandes objectivos nacionais a atingir, porque, hoje os governantes, o MFA, podem afirmar que os grandes objectivos nacionais a atingir são os objectivos das classes trabalhadoras e de todos os que estão interessados na Revolução que aponta para o socialismo.
Ninguém de boa fé pode negar a necessidade, a urgência desta unidade. Ninguém se pode opor a essa unidade, porque essa unidade é a condição fundamental de vencermos a nossa Revolução. É uma condição fundamental de sobrevivência da nossa Pátria. A unidade é, hoje um dever de honra de todos os Portugueses. Ela é uma condição da construção da nova sociedade que todos nós ambicionamos e a construção dessa nova sociedade necessita da subordinação das lutas partidárias, sempre mas sempre, ao interesse nacional.
Necessitamos de realismo económico. Os trabalhadores da Sorefame têm compreendido estas necessidades e o seu nível de consciência política permite-lhes superar as dificuldades apontadas. É preciso que o seu exemplo tal como outros exemplos existentes, alastre a todo o País. Que este exemplo vosso frutifique, que seja um exemplo criador. É essa vontade que permitirá fortalecer uma verdadeira consciência de classe, impermeável às manobras do capital e às utopias do esquerdismo anarquizante. Deveis ter uma forte consciência de classe. Os interesses das classes trabalhadoras estão identificados com os interesses nacionais. É ainda essa vontade que permitirá, em coordenação com os órgãos centrais de planeamento e decisão política, desenvolver todo o potencial criador das massas trabalhadoras, levando-as a estudar e a criar formas adequadas de participar no processo revolucionário e, particularmente, no controlo da produção, através das organizações que vão criando, conselhos de profissão ou outras formas conjugadas com os órgãos sindicais.
Deverão os trabalhadores participar no estabelecimento dos planos anuais das empresas, no estabelecimento dos preços dos produtos, na solução dos problemas salariais, na organização técnica da produção, na aplicação dos capitais, no estudo da distribuição e da colocação dos produtos. Aquilo que vos apontou o sr. ministro da Indústria necessita da vossa participação indispensável porque esta revolução é uma revolução de todos nós. Não há, hoje, não deve haver uma divisão entre governantes e governados, esta revolução é a nossa revolução. Nós estamos aqui, mas estamos prontos a ir para aí para o vosso lugar e vós virdes para aqui. Isto é uma revolução de nós todos.
Devemos afastar também das nossas mentalidades os vícios da sociedade de consumo, criando ideias correctas sobre a que são e não são as verdadeiras necessidades humanas deformadas ao longo do tempo por uma máquina de propaganda posta ao serviço dos interesses do capital. É um dever de honra das classes trabalhadoras e dos homens progressistas dos nossos aliados das pequenas e mesmo das médias empresas, nós temos de construir uma nova ideia do que é o papel do homem na sociedade, nós temos que ter atenção a todos esses falsos valores da sociedade de consumo com que nos bombardearam constantemente, ao serviço precisamente daqueles que dominavam o trabalho e que exploravam o trabalho.
Nós temos de forjar, temos de ter uma nova moral revolucionária, uma dignidade própria dos trabalhadores, uma dignidade que deve traduzir a consciência do papel que vós desempenhais hoje, na construção da nova sociedade.
Já tem sido várias vezes afirmado que nós seremos a geração dos sacrifícios. Seremos isso e com muita honra. Vós estais trabalhando para os vossos filhos. Alguns de vós, provavelmente, já não verão, em toda a plenitude, a sociedade que estais criando mas serão os vossos filhos, os vossos netos, e vós mesmos, que sois muito novos, que a vereis, essa sociedade, ser criada com o vosso esforço e com o vosso trabalho.
Não há nenhuma revolução digna desse nome que não exija o sacrifício de gerações. Devemos estar preparados para esse sacrifício e isso também é uma matéria de discussão quotidiana, quer a nível dos locais de trabalho, quer ao nível familiar, em casa, com as nossas mulheres e os nossos filhos. É preciso ter paciência para fazer compreender aos outros que alguém tem que se sacrificar pelo futuro de Portugal. E esse alguém somos todos, isto não anda só com o sacrifício de meia dúzia, isso tem que andar com o sacrifício de todos. Mas é um sacrifício que deve ser alegremente consentido, porque sabemos que isso é para o futuro da nossa Pátria, para o futuro dos nossos filhos, que nós próprios ainda beneficiaremos desse sacrifício.
Estas liberdades que nós temos, a liberdade que hoje gozais, essa liberdade também é um produto do sacrifício vosso, porque nós sabemos que esta revolução tem produzido tensões agudas no seio familiar, nas discussões entre amigos e com a família.
Nós hoje não podemos ir dormir sem pensarmos o que vamos fazer amanhã pela nossa Pátria, pelos nossos camaradas compatriotas, pelos nossos companheiros compatriotas. É um dever que todos nós temos, temos de nos consciencializar disso e para dias mais difíceis que virão, porque, à maneira que nós formos dando passos num sentido inequívoco, irreversível, por um lado consolidamos a revolução mas, por outro, temos que nos defender dos nossos inimigos, temos de empenhar muito trabalho na consolidação dessa revolução, porque é o trabalho que é verdadeiramente criador, seja de que ordem for. É o trabalho que faz tudo na terra. Há alguma coisa que tenha sido feita na terra sem trabalho? É o trabalho que caracteriza o homem e o diferencia dos animais. É o trabalho, quer dizer, é essa actividade que é vital para o homem, que nos caracteriza como pessoas.
Pois bem, esse trabalho, na situação revolucionária, é um trabalho que, se por um lado é mais alegre e nos reconforta moralmente, é também mais penoso. Vós tendes também um grande papel a desenvolver nesse trabalho, no desenvolvimento da produtividade.
Vós deveis sobretudo com a vossa inteligência, com o vosso raciocínio (porque vós sois tão inteligentes como os outros, como os senhores doutores e como os que só eles dantes tiravam cursos), vós deveis ter confiança, ter humildade, mas confiança nos vossos próprios recursos. Vós tendes uma cabeça capaz de revolucionar uma pátria, tendes uma cabeça à altura das outras cabeças, e é sobretudo por um esforço de consciencialização sobre as actividades laborais que vós podereis melhorar as condições de trabalho, a produtividade, a quantidade de trabalho. Tende confiança em vós, tende confiança nas vossas possibilidades, vós hoje tendes uma liberdade que vos permite expandir, atirar cá para fora todo o mundo cerebral, por um esforço de que andava aí ressequido, todo o mundo que andava oprimido e que só vos deixava falar em futebol. Não tenhais medo de errar, mesmo quando fazeis uma experiência, quando propuserdes uma nova ideia não tenhais medo de errar. O que não podemos é cometer erros irreparáveis, nem a nossa economia pode estar sujeita a brincadeiras, a trambolhões, etc. Mas não tenhais medo de expandir as vossas ideias em relação aos vossos camaradas e amigos.
A todos os níveis há ideias criadoras e é preciso que tenhamos consciência disto. Vocês já viram o que são estes milhares de pessoas com ideias criadoras a multiplicarem-se e a multiplicar as ideias de meia dúzia de sábios que estão em certos pedestais e que estão a deitar cá para fora palavras como pérolas. Já viram o que são as vossas ideias criadoras, já viram em que medida isto tudo depende de vós? Já viram a lição que tendes estado a dar-nos? Como nós vamos daqui mais enriquecidos com aquilo que ouvimos, por estarmos a ver-vos à nossa frente? Isto é que faz a força da Revolução.
É preciso que as massas trabalhadoras compreendam, sem margem para dúvidas quem são os seus aliados na batalha da produção e na superação das dificuldades. Isso é muito preciso e, mesmo hoje, põe-se esse problema. Sem dúvida nenhuma, só há duas alternativas: ou se está com a revolução ou se está com a reacção. Não há terceiras vias, nem há neutros aqui. Não pode haver neutros.
Eu queria agora falar dos quadros. Penso que os trabalhadores tal como os quadros devem estar conscientes da sua aliança natural no processo revolucionário. É claro que os quadros, a certos níveis, se a gente raciocinar profundamente, também eram, e ainda são, assalariados do capital e, nesse aspecto, estão ao nível dos outros trabalhadores assalariados.
Mas eles, quer pela sua origem social, quer pelos seus hábitos de vida, quer pelos vencimentos que auferem, quer porque até ficam com uma parte, ou ficaram com uma parte, da mais-valia criada pelos trabalhadores, têm tendência natural para não estar directamente ligados aos trabalhadores. Mas, por outro lado, esta situação revolucionária depois do 25 de Abril, o processo histórico, e revolucionário, devem levar os quadros à compreensão de que o seu lugar é ao pé do trabalhador e levar os trabalhadores à compreensão de que necessitam dos quadros. Deve haver uma identidade muito firme entre os quadros e os trabalhadores propriamente ditos, e eu verifiquei isso, aqui, na Sorefame, ao ver o carinho, a amizade, e as palmas que vós destes ao vosso presidente do conselho de administração.
Isso é típico do trabalho revolucionário, pois nós estamos todos metidos no mesmo barco. Uns trabalham de uma maneira, outros trabalham de outra, mas não podemos separar os quadros dos trabalhadores e necessitamos dessa profunda unidade entre quadros e trabalhadores.
Nós também precisamos de aliados nesta revolução, precisamos de pequenos empresários, médios empresários, que compreendam esta revolução, que caminhem ao lado de nós. Nós precisamos também de alianças, porque isto é uma tarefa muito grande.
Mas, evidentemente, que a revolução só comporta duas situações: ou se está por nós ou se está contra nós. Não há tipos que possam dizer: eu sou neutral, não me interessa nada de política. Não, hoje não se pode dizer isso; só há duas posições: ou estamos na revolução ou estamos contra a revolução. Os quadros, portanto, também têm que fazer a sua opção, senão a fizeram já. Os quadros ou estão com a revolução ou estão com a reacção. Não há meio caminho nesta tarefa em que nos metemos e que põe a nossa própria vida, o nosso futuro, em jogo. Não há meio caminho, nem meias-tintas, há só um caminho, ou há a rejeição desse caminho. E nós estamos apostados em seguir nesse caminho, em seguir para a frente, para os destinos gloriosos, para os destinos radiosos, de uma pátria que seja de todos os portugueses.
Inclusão | 02/04/2019 |