Pela Reforma Agrária: A Terra a quem a Trabalha

António Gervásio e Francisco Miguel

15 e 18 de Julho de 1975


Primeira Edição: 1975; intervenção na Assembleia Constituinte, em 15 e 18 de Julho de 1975

Publicado por: Edições «Avante!»

Transcrição e HTML: Graham Seaman por MIA.

Direitos de Reprodução: © Ediçoes «Avante!»


Intervenção do Camarada António Gervásio, membro da Comissão Política do CC do PCP.

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No projecto de Constituição do PCP é dado grande relevo ao problema da reforma agrária, directamente abordado em várias disposições, quer do título 11 «Organização económica», quer do título 1 «Princípios fundamentais».

Nesta minha intervenção vou responder-vos a essa parte do nosso projecto, que reputamos de maior importância para a construção de um Portugal democrático e socialista.

1. A realização da reforma agrária, que entregue a terra dos latifúndios e das grandes explorações agrícolas capitalistas àqueles que a trabalham, constitui uma das aspirações mais profundas dos assalariados agrícolas e dos pequenos camponeses de Portugal. A consigna reforma agrária não é uma consigna colocada pelo Partido Comunista Português depois do 25 de Abril. A reforma agrária faz parte dos objectivos e da luta do meu Partido ao longo dos anos da ditadura fascista. Encontramo-la consagrada na imprensa clandestina desses longos anos, consagrada no programa do meu Partido aprovado em 1965(1).

2. A existência dos latifúndios tem sido uma das bases económicas e sociais importantes do fascismo e da reacção em Portugal. A realização da reforma agrária é condição indispensável para a liquidação total do poder dos grandes senhores da terra e para a transformação democrática da sociedade portuguesa; é condição indispensável para a vitória total da nossa revolução a caminho do socialismo.

Sem a realização da reforma agrária não é possível arrancar do atraso é da miséria as populações camponesas; não é possível transformar a nossa agricultura atrasada e arruinada numa agricultura avançada e próspera, base indispensável ao desenvolvimento de uma economia nacional independente e ao bem-estar crescente do povo português.

3. Ao longo da noite fascista o Partido Comunista Português sempre esteve firmemente ao lado daqueles que regam a terra com o seu suor, na luta constante contra o desemprego, por melhores jornas e condições de trabalho, na luta pela conquista das oito horas de trabalho; sempre esteve ao lado dos pequenos e médios camponeses na luta contra os grandes senhores da terra, contra os grémios, juntas e federações; contra a falta de crédito e de ajuda técnica; na luta contra o roubo dos «baldios» e pela entrega dessas terras aos seus legítimos donos.

Ao longo do reinado fascista, não há grandes lutas do proletariado agrícola do nosso país e dos camponeses pobres onde a influência e o papel de organizaÇãO do PCP não estejam estreitamente vinculados.

4. A Revolução do 25 de Abril trouxe aos que trabalham a certeza de verem realizado nos nossos dias o seu grande sonho: a realização imediata da reforma agrária.

Portugal está dividido em duas grandes zonas: ao sul, temos o grande latifúndio com muitas centenas e milhares de hectares de terra de um só senhor ou de uma só família. Ao norte, temos a pequena e muito pequena propriedade.

No que se refere à concentração da terra, o que caracteriza Portugal não é a pequena propriedade, mas sim o grande latifúndio. Por exemplo: 3% do total das explorações agrícolas, ou seja, 2600, têm mais terra do que 780 000 explorações, mais terra do que 97% do total dessas explorações agrícolas!

(..) Na opinião do PCP não haverá em Portugal uma só reforma agrária, mas, digamos, duas reformas agrárias. Na zona da grande propriedade a reforma agrária passa pela expropriação dos latifundiários e das grandes explorações agrícolas capitalistas. Os limites da expropriação são determinados por lei, de acordo com a natureza dos terrenos, dos tipos de cultura e outros.

O PCP defende que as expropriações dos latifúndios e das grandes explorações agrícolas capitalistas sejam levadas a cabo sem indemnização.

Defende que as terras expropriadas sejam entregues aos assalariados agrícolas e aos camponeses pobres, sem terra ou com pouca terra, para serem exploradas em forma de cooperativas, e noutros casos entregues ao Estado para serem exploradas em grandes herdades estatais.

Na zona da pequena e média propriedade a reforma não passa pela expropriação do pequeno e médio campesinato. Aí a reforma agrária não consiste em tirar a terrá, mas, ao contrário, dar-se terra a quem tem pouca ou não tem nenhuma e dar ájuda finánceira e técnica. A reforma agrária não tira a terra aos pequenos e aos médios camponeses, como a reacção propaga aos quatro ventos. O PCP defende que a reforma agrária se faça com a participação activa dos assalariados agrícolas e dos pequenos e médios camponeses e de acordo com a sua vontade. Defendemos o respeito da propriedade dos pequenos e médios camponeses.

Porém, a reforma agrária não consiste apenas na expropriação dos grandes latifundiários e entregar a terra a quem a trabalha.

A reforma agrária consiste igualmente na ajuda do Estado às novas cooperativas e explorações agrícolas, aos pequenos é médios camponeses, concedendo créditos em condições favoráveis, fornecendo máquinas agrícolas, sementes, gados, adubos, pesticidas; acabando com formas feudais de exploração, como foros, parcerias e outros; perdoar as dívidas usurárias dos camponeses pobres; alargar as isenções de impostos ao campesinato pobre, estabelecendo um sistema progressivo de contribuição predial rústica segundo o princípio «paga mais quem mais tiver».

A reforma agrária consiste também no fomento de parques de tractores e máquinas agrícolas, construção de silos, adegas, lagares, barragens, electrificação rural, construção de estradas, construção de escolas e institutos de formação de milhares de especialistas agrícolas. Consiste na formação de cooperativas de comercialização que assegurem em condições eficazes a compra dos produtos agrícolas por preços compensadores e o fornecimênto à agricultura dos produtos necessários.

6. O proletariado agrícola do Sul foi um dos baluartes de vanguarda da luta contra o fascismo.

O proletariado agrícola do Sul conta hojece com uma elevada consciência política, com um elevado sentimento de patriotismo e com uma rica experiência de organização que lhe permite poder participar, com eficiência, numa das mais históricas tarefas dan nossa Revolução — a realização da reforma agrária.

Os assalariados agrícolas do Sul, aliados com os pequenos camponeses, estão nas primeiras linhas da luta pela reforma agrária no nosso país. Após o 25 de Abril, os trabalhadores agrícolas e pequenos camponeses, em contacto com organismos oficiais como o IRA e com as Forças Armadas, têm lutado para que as grandes herdades, abandonadas pelos agrários, ou mal aproveitadas, sejam cultivadas.

Neste momento, mais de 120 000 ha de terra de grandes herdades do Sul estão sob o contrôle dos trabalhadores e pequenos camponeses. Com mil sacrifícios eles têm procurado cultivar essas terras incultas, semeando milho, arroz, feijão, girassol, plantando tomate, criando gado, etc.

7. O proletariado agrícola do Sul está dando provas de elevado amadurecimento político. Apesar das suas condições de vida não serem nada boas, não o vemos a fazer reivindicações empoladas, irrealistas, a fazer greves ou manifestações de rua hostis ao processo revolucionário em curso. Não! Vemo-lo voltado para a batalha da produção, para a construção de um Portugal democrático e socialista, trabalhando semanas e semanas sem os agrários pagarem um tostão, ou passando meses no desemprego, ou trabalhando nas herdades controladas sem salários ou com subsídios baixos. Se não fosse a luta firme dos assalariados agrícolas, o povo português teria este ano menos trigo, menos cevada, menos milho, as terras estariam mais incultas, a reforma agrária estaria mais atrasada, à sabotagem económica dos agrários seria bem maior.

O projecto de Constituição do PCP consagra as bases fundamentais de uma reforma agrária de acordo com os Princípios atrás referidos. Assim:

Logo no artigo 8.º alínea b); do nosso projecto de Constituição se indica entre as funções e tarefas de organização económica e social do Estado a de «realizar a reforma agrária pela expropriação do latifúndio e das grandes explorações capitalistas segundo o princípio a terra a quem a trabalha, respeitando a pequena e média propriedade da terra».

Por outro lado, no título sobre organização económica, vêm suficientemente desenvolvidos os princípios fundamentais da reforma agrária, tais como: expropriação dos latifúndios, nacionalização das grandes explorações capitalistas, formas de exploração das terras expropriadas (ou pelo Estado, ou por cooperativas de agricultores e assalariados agrícolas, ou por exploração familiar,de acordo com os interesses da economia nacional e com a vontade das massas camponesas e das suas organizações), etc.

Finalmente, o nosso projecto não deixa de prever que a expropriação dos latifúndios e dos grandes proprietários não dê lugar a qualquer indemnização.

Pensamos que entre a reforma agrária preconizada pelo PCP e a referida nos projectos de Constituição de outros partidos existem assinaláveis diferenças, nomeadamente em diversos pontos fundamentais, tais como o problema das herdades estatais, as indemnizações, o princípio da expropriação obrigatória dos latifúndios, o respeito pela vontade das massas camponesas.

A proposta da reforma agrária contida no nosso projecto de Constituição reflecte os interesses dos assalariados agrícolas e dos pequenos e médios camponeses e é garantia de que, uma vez consagrada, teremos efectivamente uma verdadeira reforma agrária que entregue a terra a quem a trabalha.

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Intervenção do Camarada Francisco Miguel, membro do CC do PCP

É meu convencimento de que esta Assembleia Constituinte deverá elaborar uma Constituição, que será tanto mais ajustada aos interesses e às esperanças do povo português, quanto melhor e mais profundamente debater os problemas do nosso país. É naturalmente para conhecer e para ajudar a conhecer estes problemas que vim a esta tribuna. Não pretendo, naturalmente, abordar e analisar todos os problemas, todos os conflitos que a nossa sociedade apresente à nossa vida social do País. Por exemplo, não vou analisar detalhadamente o conflito real entre a liberdade concreta de não ser explorado, que só existe nos países onde existe o socialismo, e a liberdade. concreta também de explorar, sob qualquer forma, que é existente nos países capitalistas. Existe e existirá, enquanto predominar esse sistema. Não me ocuparei também da contradição entre um Estado nas mãos da burguesia e ao seu serviço e o Estado nas mãos do povo para realizar os seus objectivos. Não me ocuparei tão-pouco ainda da contradição teórica e prática de uma liberdade para frequentar as Universidades, direito ao ensino e a impossibilidade material dos filhos dos trabalhadores frequentarem as Universidades. Enquanto os trabalhadores não tiverem condições materiais para frequentar as Universidades, as portas das escolas não estão abertas para o nosso povo. A própria escola primária não é hoje frequentada por todas as crianças na idade própria.

Quero analisar, apenas, um problema importante que tem moldado toda a vida do nosso país através da nossa história: é o problema da reforma agrária. Somos o País mais atrasado da Europa do ponto de vista material, e só depois do 25 de Abril fomos, na Europa Ocidental, o mais adiantado do ponto de vista político nalguns pontos. Somos um Portugal atrasado, porque sempre no nosso país predominou-a grande propriedade.

Isto aconteceu no nosso país, acontece e tem acontecido em todos os países. Não há nenhum país onde a grande propriedade agrária latifundiária predominou que fosse desenvolvido. Era atrasada a Rússia dos tsares, eram atrasados os países balcânicos, antes da revolução sociálista. Era atrasada a Polónia, são atrasados os países do Próximo Oriente onde predomina a grande propriedade agrária de raiz feudal, é atrasado o Sul da Itália, a Espanha, Portugal, o Brasil, todos os países onde perdomina a grande propriedade agrária latifundiária.

A grande propriedade agrária latifundiária significa implicitamente a exploração intensa das massas camponesas, significa a existência do absentismo com as suas contradições profundas. E, logicamente e inevitavelmente, uma situação destas não permite desenvolvimento de um país.

Quando, por virtude do domínio ou predomínio da grande propriedade agrária, metade da população do nosso país, quase metade em 1934, tinha e tem um nível baixíssimo de vida, um poder de compra reduzidíssimo, este povo sem poder de compra não pode ser desenvolvido e não é um mercado que estimule o desenvolvimento económico geral.

Estou a recordar um inquérito feito à freguesia de Cuba em 1934, sob a direcção do professor Lima Bastos, inquérito bem feito onde se vê as muitas contradições e a essência da grande propriedade. Aí se diz, por exemplo, se não me falha a memória, que de 700 proprietários, 11 tinham mais de metade da terra da freguesia e, entre eles, três eram predominantes — entre estes 11. Uma propriedade, nesta freguesia, com 2 ha, pagava então 75$00 de imposto por hectare. E, na mesma freguesia, uma propriedade com 800 ha, terras da mesma qualidade e porventura mais produtivas, pagava 8$00 por hectare. À existência do latifúndio entrava o desenvolvimento e atira para cima dos pequenos e médios produtores e pequenos proprietários a carga tributária e todas as desvantagens que, para fávorecer os interesses dos latifundiários, assim é determinado pelos governos. O nosso país, concretamente, sempre orientou a sua política, em relação à agricultura, de acordo com os interesses dos grandes latifundiários e com desvantagem e em prejuízo dos pequenos e médios produtores. Por isso a reforma agrária é fundamental nas regiões do nosso país onde predomina a grande propriedade, e é também a libertação dos pequenos e médios proprietários, onde quer que eles estejam no território português.

A grande propriedade agrária dá lugar ao absentismo. O absentismo é as pessoas viverem das rendas das terras que muitas vezes nem pisam e estão afastadas da produção. A existência do absentismo significa que uma grande parte do valor criado pelos campóneses com o seu trabalho vai, em forma de renda, para um sector puramente parasita, que até do ponto de vista capitalista não interessaria. Porque leva essa grande massa de valor em forma de renda para os absentistas e grandes proprietários, fica a agricultura sem os recursos para se desenvolver, para investimentos, fica empobrecida. Mais ainda, é que há uma contradição profunda entre os interesses do grande latifundiário absentista e o próprio empresário agricultor, que cultiva a terra, mesmo que ele seja capitalista. Conheço directamente essas situações, em que o dono da terra não fazia investimentos porque só se interessava pela renda. Houve um empresário capitalista que não fazia investimentos porque a terra não era sua; se fizesse os investimentos não teria tempo para tirar deles todo o proveito, e o que lhe aconteceria, dito por pessoas que eu vi, se fizesse investimentos, se melhorasse a terra e a tornasse mais produtiva, o resultado seria que terminado este contrato, que tinha por dez anos, e que estava quase a terminar, a renda era aumentada. Resultado: o dono da terra, latifundiário, cujos direitos através da história têm sido conhecidos, não faz investimentos; o empresário, ou porque é pequeno ou porque é capitalista não dono da terra, não os faz também. O atraso da nossa agricultura tem esta raiz — um atraso técnico e geral. Somos o País com a mais baixa produtividade na agricultura. Suponho que não estou errado ao dizer que a média da produção de trigo, no nosso país, anda por 10q por hectare e suponho, também, que em França a média é de 246 p por hectare. Vejamos o que resulta daqui através de dezenas e centenas de anos com estas diferenças. Como é que o nosso país podia ser desenvolvido com estas relações de propriedade? Nestas condições, temos de reconhecer que o predomínio da propriedade latifundiária tem sido um grande factor do nosso atraso geral, porque, efectivamente, empobrecendo a massa camponesa que trabalha nos campos, não lhe dando poder de compra, é uma cadeia que não se move. E, por isso, a reforma agrária será o primeiro elo da cadeia do nosso desenvolvimento geral. Se não tivermos coragem para fazermos uma reforma agrária profunda, não servimos o progresso do nosso país. É esta a realidade, é assim que nós devemos ver estes problemas, e é por isso que julgo que é . pertinente, nesta Assembleia, quando vamos elaborar uma Constituição, pôr este problema assim, porque a Constituição deve dizer o que é necessário que se diga a respeito deste problema, e não ser de modo a travar a reforma agrária, mas abrir-lhe as possibilidades. para que ela vá até às suas últimas consequências. Se no nosso país em 1834, na altura dos liberais, se tivesse feito uma reforma agrária, na altura em que se terminou com as propriedades de mão morta pelas leis desse ministro, progressivo no seu tempo, Mouzinho da Silveira, ou se, mesmo em 5 de Outubro, a revolução que implantou a República tivesse feito a reforma agrária, muito diferente seria hoje o nossó país. Seríamos muito mais desenvolvidos.

Mais ainda, em 5 de Outubro o rei perdeu a coroa, mas não perdeu um palmo das suas vastas propriedades! Isto é, o latifúndio não foi atacado. E porquê? Porque a reacção de então ainda foi mais forte que as forças progressistas!

A reforma agrária, de que o País já precisava, não foi feita. Por isso, não sendo a terra tirada aos latifundiários, não se criou a força dinâmica, economicamente progressista, para desenvolver a nossa economia, a nossa riqueza, e não se criou o estrato social que politicamente havia de ter defendido a República.

Ficou tudo como dantes, e ficou a predominar a reacção agrária. E, por isso, a reacção depois teve o seu papel na ditadura fascista que conhecemos.

(...) Que interesses vão ser tocados? Tavez de mil e oitocentos grandes agrários. Em contrapartida, toda a massa camponesa do nosso país, todo O nosso povo, será beneficiado por esta reforma agrária!

Pôe-se agora o problema, por exemplo: se fazemos a réforma agrária, teremos de dar indemnizações aos grandes agrários que vão ficar sem a terra que a lei lhes vai tirar? Há vários critérios: uns, em consideração aos direitos da propriedade, entendem que os latifundiários devem ser indemnizados. Nós, por exemplo, entendemos que não devem ser indemnizados. Talvez fosse máis justo pôr até o problema: se durante muitos anos, ilegitimamente, exploraram a massa camponesa do nosso país, seria justo e razoável que ainda tivessem que pagar alguma coisa além de perderem as terras.

Uma voz: — Muito bem!

(...) Pois a reforma agrária vai-se fazer; a reforma agrária não é, obrigatoriamente, uma reforma para acabar com os pequenos e médios agricultores; é pelo contrário uma reforma bem própria de um regime democrático, até porque a propriedade agrária latifundiária está em contradição com o próprio sistema.

(...) Creio, pois, Srs. Deputados, que o plano de reforma agrária não é uma coisa simples, que não tenha implicações profundas em toda a vida do nosso país. Se queremos, por exemplo, definir o que é uma política nacional, uma política que defenda os interesses da nossa pátria, que traduza aquilo que nós chamamos patriotismo, amor à nossa terra, será derrubando os latifúndios que traduzimos tais sentimentos. Não é defendendo a persistência deste regime de prodomínio da grande propriedade agrária que se defende os interésses do País, que se promove o seu progresso. Sempre foi, realmente, a reacção que defendeu esses interesses.

Hoje, forças políticas, pessoas ou partidos, que se oponham à reforma agrária serão, quer queiram ou não, os continuadores desta reacção, em defesa de interesses que nós consideramos ilegítimos. De forma que temos de ver a reforma agrária não apenas como um acto de justiça para com os camponeses (que o é também), mas como um factor decisivo para o desenvolvimento de toda a nossa vida, e mesmo da cultura.

Srs. Deputados: Quando, em 1934, num inquérito bastante bem feito, de que ainda me lembro, uma família camponesa, um casal e dois filhos em idade escolar, tinha como receita total média diária 4$40, — 1$10 por pessoa —, e a receita era inferior â despesa, o autor do inquérito interrogava-se: — «Onde vão buscar a diferença?» Emprestado?

Pois bem, até este caso não traduzia a situação geral dos camponeses, porque esse camponês, citado no inquérito, tinha uma casa de lavradores, que em atenção ao facto de seu pai ter aí trabalhado sempre, desde criança até velho, e que morreu, lhe diziam: — «Quando não tiveres trabalho noutro lado, vem cá, que sé arranja alguma coisa.» Eu, por consequência, não estava ainda na situação geral dos camponeses do Alentejo, que não trabalham mais de metade do ano. Porque os camponeses do Alentejo, 80%, e noutros casos mais, em alguns concelhos, não têm um palmo de terra, porque a terra está toda na mão de meia dúzia de grandes agrários, e por isso não têm trabalho grande parte do dia.

(...) De forma que, com esta situação, evidentemente, o nosso camponês tem de emigrar. À reforma agrária, Srs. Deputados, terá imediatamente estas incidências: melhorar o nível de vida da massa camponesa, produzir mais para que nós importemos menos é para que tenhamos mais também, terminar com o desemprego crónico no Alentejo e onde o latifúndio predomina. Ajudar a situação dos pequenos e médios produtores e proprietários agrários dentro do País, reduzir e até eliminar a necessidade da emigração.

A reforma agrária, Srs. Deputados, é uma necessidade para o nosso país e se, nesta Constituinte, houver hesitações em deixar na Constituição o necessário para que ela se desenolva até às últimas consequências, em meu entender, não cumpriremos o nosso dever patriótico. O que nós, Partido Comunista, apresentamos no nosso projecto de constituição a este respeito é conhecido por todos os Srs. Deputados.


Notas de rodapé:

(1) Ver O PCP e a Luta pela Reforma Agrária, Edições Avante!, 1975. (Nota das. Edições «Avante!»). (retornar ao texto)

Inclusão 09/12/2018
Última alteração 23/01/2019