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O aparecimento dos S.U.V., primeiro no Porto e depois, rapidamente, à escala nacional foi um dos aspectos mais importantes da cena política portuguesa.
Pela primeira vez depois do 25 de Abril, os soldados e marinheiros aparecem na cena política, autonomamente, com as suas reivindicações de classe, a lutar pelos seus objectivos próprios, revelando uma consciência e uma combatividade que darão um novo fôlego à Revolução Portuguesa.
E isto, porque já não se trata em confiar nos «Capitães-sem-sono« ou na «aliança Povo-MFA». Os soldados começaram a compreender que só podiam confiar em si próprios, porque sabiam bem que eram muitas vezes os próprios oficiais do MFA aqueles que, por vezes, mais lutavam pela disciplina militarista nos quartéis e se opunham às suas lutas, em nome da unidade do MFA.
Porém aos olhos dos soldados o MFA mostrara já, por repetidas e sucessivas vezes, a que conduziam os seus impasses. Ultrapassados os primeiros passos da Revolução Portuguesa o MFA começava a dividir-se, a perder a sua coesão, o que era perfeitamente evidente, salvo para aqueles que continuavam ainda agarrados à defesa intransigente da sua unidade, procurando assim manter vivo o seu projecto de colaboração de classes. Trocavam, pois. a organização autónoma dos soldados pelas Assembleias do MFA em que os galões, a hierarquia e disciplina militaristas continuam a ser os valores fundamentais tanto para Jaime Neves e Melo Antunes como para Otelo, Fabião e Vasco Gonçalves.
Com a divisão do MFA, o aparecimento dos «nove», a Assembleia de Tancos, as forças da direita reorganizam-se procurando restabelecer a «ordem» e a hierarquia nas Forças Armadas. Este processo desenvolve-se rapidamente no Norte onde o processo revolucionário não atingira o desenvolvimento do Sul, sobretudo na região industrial de Lisboa e Setúbal e no Alentejo.
Por isso, também, a resposta dos soldados foi aí, no Norte, mais rápida. Tratava-se de defender não só as conquistas democráticas do 25 de Abril mas também as reivindicações que exprimiam a tomada de consciência do seu papel enquanto soldados de um exército burguês.
Foi este o significado das manifestações de 10 e 25 de Setembro, no Porto e em Lisboa.
Mas o que foi sobretudo importante no processo da tomada de consciência política dos soldados, no seu elevar de consciência de classe, foram as formas organizativas de que se começavam a dotar. A rotura com o MFA era também consumada a nível organizativo.
Nessa rotura, no avanço das formas de auto-organização dos soldados o S.U.V. teve papel importante: permitiu reunir, num primeiro momento, todos aqueles que estavam dispostos a lutar por um projecto revolucionário independente, para além da filiação ou opção partidária de cada um. O seu carácter unitário polarizou milhares e milhares de operários e soldados, mostrando assim que era possível ultrapassar a actual divisão do movimento operário.
O programa de luta dos S.U.V., consagrado no seu Manifesto Nacional aponta bem os seus objectivos:
(...) Lutar por uma vida democrática nos quartéis (impondo eleições e funcionamento democrático das ADUs, a livre circulação de imprensa e propaganda operária e popular, e a realização de plenários de soldados quando e sempre nós o queiramos);
Lutar pela constituição de COMISSÕES DE SOLDADOS, órgãos do poder dos trabalhadores fardados nos quartéis, eleitas e revogáveis a todo o momento em plenários de soldados;
Incentivar e aprofundar a ligação aos órgãos de poder popular (comissões de trabalhadores, conselhos de aldeia e comissões de moradores), fortalecendo o poder dos explorados através das Assembleias Populares.(...)
A preocupação em colocar o eixo da actividade dos S.U.V. na criação e generalização das C. de Soldados foi confirmada pelo desenvolvimento objectivo da luta no Interior dos quartéis. é essa a tarefa fundamental dos S.U.V. Porém, na condição de, por um lado impulsionar essa generalização a par da sua coordenação e centralização à escala regional e nacional, e, por outro, integrar paralelamente essas comissões de soldados no processo de centralização de todos os órgãos de Poder Popular, as C. de Trabalhadores, C. de Moradores e C. de Aldeia, nas Assembleias Populares, de zona, regionais e distritais com vista à criação de Assembleia Popular Nacional.
Todavia, isto não parece claro para aqueles que depois de terem alimentado e criado as piores ilusões no MFA, procuram abastardar e destruir o projecto e o programa dos S.U.V.
Preferem, colocar mais «revolucionários no C. da Revolução» quando este passou, decididamente, a dedicar-se às actividades bombistas e terroristas como o foram a destruição dos emissores da Rádio Renascença.
Porém, será cada vez mais difícil, no horizonte de inevitáveis confrontos que se preparam, mascarar ou esconder, como outrora, a política do colaboração de classes.
Impedi-lo é uma das tarefas dos S.U.V.!
É este, também, um dos objectivos deste livro. Mostrar o que foi e o que são as lutas dos soldados através dos seus próprios documentos, entrevistas, etc.
Através dele ficar-se-á, estamos certos, a saber o que são e porque lutam os S.U.V.
Lisboa, 10 de Novembro de 1975
Inclusão | 21/04/2019 |