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A aprovação no dia 8 de Julho de 1975 do Projecto POVO-MFA veio fechar um ciclo de determinado tipo de contradições e hesitações ao nível do poder politico-militar e da sua relação com o crescente poder organizado dos trabalhadores. Mas veio abrir uma nova fase da situação política portuguesa em que os campos estão mais claramente definidos. A situação clarifica-se em relação às classes e aos interesses que estão em jogo, ao mesmo tempo que nos aproximamos da vitória ou da derrota do proletariado.
A Assembleia do MFA de 8 de Julho de 1975 aprovou a ditadura do proletariado, o que não deixa de ser notável para uma assembleia constituída na sua maioria por oficiais, filhos também na sua maioria da classe burguesa. Alguns entraram ou assistiram ao 25 de Abril esperando transformá-lo no sentido da revolução socialista. Mas outros, a maior parte, fizeram apenas nessa data um golpe militar antifascista. Muitas coisas ocorreram neste país, muito a situação económica impediu a democracia burguesa, muito os trabalhadores se auto-organizaram e lutaram para que um ano depois o órgão deliberativo máximo do MFA viesse a dar esse passo.
Os defensores claros da burguesia como o PPD e os defensores camuflados como o PS foram atingidos em cheio nos interesses que defendem. A partir do dia 8 de Julho estes partidos iniciaram a guerra e desencadearam a última crise política. Crise que não acontece pelo mau génio ou pedantismo de qualquer secretário-geral ou de qualquer direcção política mas porque coexistem no seio do poder politico-militar interesses antagónicos, ou seja interesses de classe diferentes.
Não há que espantar se a burguesia reaje à aprovação do projecto POVO-MFA, pois é natural que isso aconteça se acaba de ver consagrar a ditadura da classe que se lhe opõe — o proletariado. É certo que essa ditadura não lhe foi (talvez ainda …) imposta a ferro e fogo nas ruas e nos campos deste país. Foi simplesmente e quase calmamente aprovada numa assembleia de militares, onde por sinal estão também sentados os homens do poder operacional. Alguns costumes de democracia burguesa, as contradições do poder político e o facto do proletariado não estar efectivamente no poder permitem que a burguesia esperneie e manobre de norte a sul do país. Tenta também a todo o momento, através dos seus agentes no poder, fazer inflectir a situação portuguesa para a democracia ocidental. Por outro lado a CIA pôs os dados económicos portugueses no computador e concluiu que à situação a manter-se assim, sem medidas radicais, só pode é degradar-se. À decisão do “Triunvirato” que fecha uma crise política não faz senão abrir uma outra, porque o triunvirato consagra, como é claro para toda a gente, a junção das três correntes existentes no actual poder politico-militar. Consagra portanto o impasse, consagra a degradação da situação. Compete aos trabalhadores e aos revolucionários, aliando-se aos revolucionários das F.A., romper esta conciliação e impor medidas radicais de carácter económico e uma sólida definição do poder político.
Neste sentido o projecto de aliança POVO-MFA, a que à Àssembleia ficou ligada, é um texto que pode ser de uma ajuda fundamental para a organização dos trabalhadores.
A primeira proposta para a criação de Conselhos Revolucionários surgiu num plenário de trabalhadores promovido pelo PRP-BR em 11 e 12 de Abril. Foi aí também que nasceu à ideia de se fazer imediatamente um Congresso Pró-Conselhos Revolucionários, onde trabalhadores de várias empresas e quartéis se encontrassem para estruturar os Conselhos. O Congresso fez-se a 19 e 20 de Abril, em plena campanha eleitoral, enquanto os militantes dos partidos que concorriam às eleições se entretinham numa batalha que não conduziu a nada senão à vitória da social-democracia. Estiveram presentes trabalhadores de 165 empresas e 26 quartéis.
Aí foi eleito um Secretariado Provisório, constituído por operários, soldados e oficiais das F.A.
O Congresso dos CRT's, a criação de Conselhos Revolucionários e por fim a grandiosa manifestação dos CRT's a 17 de Junho, constituíram, por corresponderem a necessidades reais do proletariado, uma força poderosa que fez estremecer as estruturas do poder, levou os jornais de todo o mundo a falar nos "sovietes" portugueses e obrigou o poder político a inflectir para a direita durante os dias de 18, 19, 20 de Junho, o que se consagrou no famigerado P.A.P. (Plano de Acção Política), que há-de ter tanta aplicação como teve 0 P.E.S.T. (Plano Económico-Social de Transição), criado pelo Ministro Melo Antunes.
Se os CRT's provocaram tudo isso é porque põem em causa o poder. É exactamente do poder que tratam, mas do poder do proletariado. E por isso aqueles que estão no poder politico-militar se sentiram tocados; porque uma coisa é estar ao lado das “classes mais desfavorecidas”, outra coisa é sentá-las na mesa do poder e assim abdicarem dele os que o detêm. É aí que doi; é aí que dá um salto o burguês que está no fundo de muitos “progressistas”.
A proposta de estrutura dos CRT's é simples e clara: para as tarefas políticas concretas e urgentes do proletariado há que criar uma organização própria — os Conselhos Revolucionários, eleitos em assembleia-geral de trabalhadores. Portanto cada empresa pode escolher à comissão que quiser, com os trabalhadores em que tiver confiança. Nada mais democrático, nada mais apartidário. Mas esta coisa simples lançou a confusão e foi objecto de toda a espécie de ataques oportunistas.
O PRP-BR foi à organização que fez a proposta dos CRT's. Fê-lo à luz do dia e à vista de toda a gente. Podia ter posto um militante pouco conhecido, “discretamente” a propô-lo na Assembleia da Lisnave, e outro na da Setenave e outro na da CUF. E assim nasceriam “espontaneamente” por todo o lado.
Mas entendeu o PRP-BR que o devia fazer às claras. Compete exactamente a um partido revolucionário fazer as propostas que façam avançar. Um partido, como organização de vanguarda que coordena os vários polos e níveis de luta, colhe informações em vários sectores, faz a sintese entre a teoria e a prática, é capaz de analisar a situação concreta e encontrar uma táctica para o proletariado. Se assim não faz não é revolucionário. A proposta dos Conselhos Revolucionários é exactamente à resultante dessa capacidade de avançar uma táctica. E uma proposta dum partido à classe operária.
Mas a própria estrutura dos CRT's, por ser resultante de eleições nos locais de trabalho, exclui qualquer controlo partidário. E os conselhos têm de obedecer às assembleias que os elegeram e não a qualquer partido. E no dia em que não cumprirem a linha da assembleia serão demitidos.
Dizer-se que os CRT's eram controlados pelo PRP-BR é uma afirmação de má-fe que só pode ser feita por quem quer confundir as massas, com qualquer propósito escondido.
Em 16 de Maio surge pela primeira vez o termo CDR (Comités de Defesa da Revolução) aplicado à revolução portuguesa. Tal expressão aparece num artigo do jornal “O Século” e aí se sugere que a estrutura de aliança Povo-MFA deverão ser os CDR'S, a semelhança das “iniciativas do MDP-CDE" e da “actuação do PCP nas barragens do 28 de Setembro e 11 de Março”. A partir dai surgem os CDR'S. Muito “proletariamente“ nascem sucessivamente entre os actores de teatro, os bancários e outros serviços. Só a Sorefame é uma excepção importante.
Os CDR'S eram constituídos por auto-nomeação. Isto é: um grupo de trabalhadores chamava-se a si próprio CDR, fazia um papel a explicar o que era tal organização e punha no fim que naquela empresa os trabalhadores A, B, C, D eram do CDR e que quem quisesse podia inscrever-se. Resultado … É claro de ver: os trabalhadores A, B, C, D eram do partido político que propunha os CDR. E os que se inscrevessem seriam os que quisessem. Gente boa alguns. Outros … todos os ex-ANP e ex-Legião, que assim se “limpavam” do passado. Enfim, os trabalbadores dos CDR'S não eram eleitos pelos seus colegas, mas sim nomeados por si próprios.
Os promotores dos CDR'S tentaram levar a população a acreditar que a sua proposta era à proposta do MFA. É assim que surgem frases ambíguas que sugerem essa relação, em vários documentos. Dentro do MFA (que é largo e diverso …) também houve quem quisesse estabelecer a confusão. É assim que aparece o texto n.º 14 do “Gabinete de Coordenação do MFA“, onde se pode ler “Assunto: os comités de Defesa da Revolução em Cuba”. Claro, é em Cuba. Mas já Ramiro Correia não tem esse cuidado de criar distâncias e declara em entrevista so “Expresso” que os CDR estão no espírito do MFA. O que valeu à 5.º Divisão ter de fazer uma correcção alguns dias depois.
São inúmeros os textos em que essa confusão é deliberadamente provocada. Mas calculariam esses oportunistas que o projecto POVO-MFA viria a eliminar definitivamente os CDR's? Decerto não calculavam e jogavam no oportunismo e na manobra habituais.
Surge também o MES que perante os CRT's e os CDR's lava as mãos e diz “falsa opção”. Faz depois toda a teoria de submissão às organizações já existentes, demite-se de avançar o que quer que seja como passo à frente na organização do proletariado para a conquista do poder e tece considerações sobre os CRT's. Ai será curioso voltar atrás e trancrever as "Tarefas imediatas” e os “objectivos” dos CRT's aprovados na plataforma final do Congresso, a 20 de Abril e que se podem ver publicados no “Revolução” a 23 de Abril.
Pois o MES diz a 17 de Junho de 1975 num documento do Secretariado da Comissão Política o seguinte:
... Os Conselhos Revolucionários se bem que respondendo a algumas necessidades sentidas pelas massas populares, representam ainda igualmente uma via incorrecta para a construção do poder popular porque: a) cria estruturas de coordenação de órgãos ainda não generalizados é reduzi-los a meros adjectivos e falhar a batalha fundamental a travar; b) assenta numa concepção “guerrilheira” da tomada do poder desprezando as tarefas fundamentais que se colocam à classe operária, tais como o controlo da produção, das nacionalizações e o combate ao desemprego e à crise económica, e tendendo a colocar as armas à frente da política.
As duas transacções falam por si. Só há a notar a data do documento do MES — 17 de Junho. Essa é a data da manifestação dos Conselhos. Coincidência ou um esforço de antecipação ... nas datas.
Esta posição traduz bem a atitude de organizações que, não passando de um grupo de estudos, se limitam a tentar uma análise relativamente académica da realidade. Como não são revolucionárias, nem estão no seio das massas trabalhadoras, demitem-se antecipadamente do papel de vanguarda e de avançar o que quer que seja em relação à táctica. Não põem a questão do poder para a classe e do que isso acarreta — luta, violência, conquista concreta do poder. Porque a luta do proletariado pelo poder não passa nos bastidores da política e nas secretarias de Estado. Os proletários não entram para o poder pela porta das visitas, nem se sentam distraidamente na secretária do executivo. Entram sempre à força e levam à frente a burguesia (grande, média e pequena) e os tecnocratas ...
As comissões de trabalhadores formaram-se logo a seguir ao 25 de Abril para substituir os sindicatos, que não cumpriam o seu papel. As comissões de trabalhadores transformaram-se assim em verdadeiras comissões sindicais, lutando pelas reivindicações dos trabalhadores.
Os sindicatos vão morrendo e o seu Congresso ter-se-ia passado na mais obscura clandestinidade se não fosse a presença de oficiais da Marinha e do Primeiro-Ministro na sessão de encerramento.
As comissões de trabalhadores tiveram o seu apogeu à 7 de Fevereiro, quando realizaram a sua grandiosa manifestação, contrariando à proibição do Governador Civil de Lisboa e as calúnias da Intersindical que intitulava as comissões de “maioria silenciosa”. Depois do 7 de Fevereiro as tentativas de controlo partidário dentro das Interempresas levaram a que diminuisse muito o seu potencial de luta, e essas lutas partidárias viriam a culminar na reunião das Interempresas de 4 de Maio de 1975 onde se esboçou a criação duma outra coordenadora.
Há que combater esta evolução partidária e sectária das Interempresas, que infelizmente representam já muito poucas comissões de trabalhadores.
As comissões de trabalhadores, que são o órgão de base do sindicalismo vertical que o PRP-BR propõe de há muito, têm que ser sólidas defensoras dos interesses dos trabalhadores, mesmo para além da tomada do poder. Porque mesmo em socialismo, a gestão da fábrica pode ter sérias contradições com a defesa dos interesses dos trabalhadores. Por isso há necessidade de eleger comissões de gestão e comissões sindicais, mesmo em socialismo, como uma das medidas para obviar as consequências da burocracia.
Os CRTs foram apresentados pela primeira vez na Assembleia do MFA pelo capitão Nuno Ferreira, um dos oficiais do 25 de Abril, que pertence ao Secretariado Provisório dos Conselhos Revolucionários. A sua intervenção veio a receber o natural ataque dos defensores dos CDR's e veio a custar-lhe ser “saneado” da Assembleia do MFA e substituído por outro oficial que não tinha nada a ver com o 25 de Abril nem com nada. Assim operam as manobras de bastidores neste poder contraditório.
Ficou constituída posteriormente uma comissão que havia de apresentar em 8 de Julho o projecto POVO-MFA, que consagra o principal princípio dos Conselhos: a eleição em assembleia e a revogabilidade dos membros das organizações de base. Quanto às tarefas definidas são idênticas às propostas na plataforma dos Conselhos como se pode verificar pela leitura dos dois documentos. É curioso também notar as diferenças existentes entre o anteprojecto à assembleia e à sua forma final, porque todas as correcções foram no sentido da radicalização. O resultado das quarenta e cinco intervenções que discutiram esse projecto foi portanto no sentido da esquerda.
Além da mal disfarçada acção sobre o capitão Nuno Ferreira outras houve que revelam as contradições do poder e as manobras da direita e dos reformistas.
O capitão Sobral Costa, outro homem do 25 de Abril foi sujeito a inquérito por ter promovido uma assembleia sobre os CRTs na sua unidade. O tenente Guerra foi afastado da Comissão de Extinção da PIDE (com mais dois companheiros) por o tenente Judas, responsável por esse serviço não admitir aí “pessoas que defendem os CRTs”.
Por fim o capitão João Oliveira foi sujeito a inquérito e passado à reserva por ter participado em assembleias de trabalhadores (Lisnave e Siderurgia) defendendo os CRTs.
Aprovado o projecto POVO-MFA as manobras continuam. Assim procura-se aqui e ali misturar CDRs. Fazem-se assembleias ditas “populares” que nada têm a ver com a constituição aprovada e fazem-se algumas que, assemelhando-se, diferem em pontos importantes.
Está neste último caso à Assembleia da Pontinha, promovida pelo R.E.1, que é presidida por um oficial do MFA (não eleito).
Ora assembleia popular é uma assembleia de delegados das organizações de base existentes. E só esses têm direito a voto. Idêntica deturpação se passa na Amadora, onde o próprio “estatuto” distribuído não coincide com o texto aprovado e onde à assembleia também é constituída “ad-hoc”. Não é portanto representativa ...
Já em Agualva-Cacém o processo da constituição da assembleia esteve mais de acordo com o projecto, pecando só e mais uma vez por ser presidida pelo representante do MFA. Não se pode dizer que os trabalhadores têm de tomar o poder e depois pôr o MFA, muito paternalisticamente, a presidir e a “explicar”. Nas zonas industriais têm mais os operários que explicar às Forças Armadas e que dinamizá-las que vice-versa. Como é que se fala em tomar o poder se logo ali, na primeira assembleia, não se cede, na prática, o poder?
As tarefas descritas pelo projecto são todas exclusivamente políticas. Ora a assembleia quando elege a comissão de base tem que saber para o que elege. Quando elegeu as comissões de trabalhadores foi para tarefas de carácter reivindicativo e quanto muito para efeitos de saneamento. Não se pode encarregar as comissões de trabalhadores automaticamente das tarefas descritas pelo Projecto POVO-MFA. Há que fazer novas eleições de órgãos destinados às tarefas apontadas no projecto. Assim a assembleia escolherá os camaradas que lhe derem confiança para aquela função.
Por isso dizemos que há que fazer eleições de Conselhos Revolucionários. Só os Conselhos eleitos para aquelas tarefas as podem cumprir. As comissões de trabalhadores e de moradores cumprirão as suas funções próprias.
A assembleia deverá ser constituída por delegados das comissões de trabalhadores e dos Conselhos Revolucionários em número proporcional ao número de trabalhadores da empresa, delegados das comissões de moradores e delegados da unidade ou das unidades das F.A. locais. Não se deve aceitar que este delegado seja imposto, ou nomeado ou que o comando da unidade faça valer ser comando para presidir ou ter lugar privilegiado. Por outro lado deve ser exigido que o delegado ou delegados da unidade militar sejam eleitos em assembleia-geral de unidade e não por extractos que representam classes sociais. A democracia tem de entrar no quartel.
Inclusão | 22/04/2019 |