O PCP e a Luta pela Reforma Agrária

Partido Comunista Português


SOBRE A ALIANÇA COM O CAMPESINATO
ÁLVARO CUNHAL


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(In Relatório de Actividade do Comité Central ao VI Congresso do Partido Comunista Português, 1965, Edições «Avante!» — 2.ª edição: 1975).

A aliança do proletariado com o campesinato é outra base fundamental da unidade antifascista.

Esta expressão «aliança com o campesinato» é bastante concreta e bastante vaga. Bastante concreta, porque indica a necessidade da aliança do proletariado com a classe social cujos interesses coincidem com os do proletariado na luta contra o grande capital. Bastante vaga, porque a desintegração do campesinato como classe é um processo lento e irregular, no decurso do qual se formam inúmeras camadas intermédias de limites mal definidos e se criam novas contradições. Por isso a aliança com o campesinato adquire características diferentes segundo o estádio de desenvolvimento social e as etapas respectivas da revolução.

Se se pudesse admitir que em todo o pais essa desintegração podia dar-se até ao grau existente em algumas regiões, onde o proletariado rural sobe a nove décimos e mais da população activa nos campos, qual seria a situação? O campesinato como classe independente teria um peso diminuto, e a «aliança com o campesinato», no sentido estrito da expressão (não considerando na «aliança» o proletariado rural), seria um problema secundário. O certo é porém que, quando se fala da aliança com o campesinato, não interessa apenas considerar os camponeses «puros». Ou seja: nem se podem deixar de considerar os muitos camponeses que se vão tornando proletários rurais, nem os camponeses que se vão tomando burgueses. Dai ser frequente em escritos marxistas, incluindo dos mestres do comunismo, o uso da expressão «camponeses», abrangendo tanto trabalhadores agrícolas vivendo do salário, como proprietários ou rendeiros explorando trabalho assalariado.

Em Portugal, na linguagem corrente, acontece mesmo que, em vastas regiões, «camponês» significa «proletário agrícola» (e daí veio o título do jornal «O Camponês») e «lavrador» significa indistintamente «camponês» e «capitalista». Por isso ter-se adoptado nos documentos do Partido as designações «proletários rurais» e «assalariados rurais» para os proletários e especificar-se, quando se fala de «camponeses», que se trata de «agricultores».

A situação torna-se ainda mais complexa pelo atraso do desenvolvimento da agricultura em relação à indústria. Ainda nos campos subsistem formas semifeudais de exploração e já, no conjunto nacional, está estabelecido o capitalismo monopolista. O desenvolvimento do capitalismo na agricultura, sendo dominante no país o capital financeiro, dá origem a novas contradições entre a cidade e o campo. Camadas da burguesia rural, resultante da desintegração do campesinato, sofrem também em larga medida do domínio do capital financeiro, da invasão crescente da agricultura pelo grande capital e, tal como a pequena burguesia urbana e sectores da média burguesia industrial, entram em conflito com o poder dos monopólios. Embora tais camadas não se possam considerar no sentido estrito da expressão como fazendo parte do campesinato, essa contradição não pode ser ignorada ao considerar-se a aliança do proletariado com o campesinato numa etapa da revolução cujo objectivo é liquidar o poder dos monopólios e dos latifundiários. Daí incluirmos no «campesinato», para efeito da aliança, tanto a classe independente de camponeses como sectores da pequena e média burguesia rural.

Nunca devem ser esquecidos dois ensinamentos fundamentais do leninismo no que respeita à aliança do proletariado com o campesinato. O primeiro é a importância decisiva da aliança para o triunfo da causa do proletariado. O segundo é a variação dos termos dessa aliança nas várias etapas da revolução.

Segundo as condições sociais e políticas existentes, segundo o grau de desenvolvimento do capitalismo nos campos, assim a aliança pode abarcar o campesinato no seu conjunto, ou apenas tal ou tais camadas do campesinato.

Na etapa actual da revolução em Portugal, que o Partido caracteriza como uma revolução antimonopolista, antilatifundista e anti-imperialista, quais são as camadas do campesinato aliadas do proletariado? Além dos semiproletários, são os pequenos e médios agricultores. Sejam proprietários, rendeiros ou parceiros, tenham ou não uma «exploração familiar», vendam com mais ou menos frequência a sua força de trabalho ou comprem mais ou menos força de trabalho, camadas médias do campesinato, compreendidas entre os semiproletários e os latifundiários e os capitalistas, são seriamente atingidas pelo domínio dos monopólios e latifundiários, pela política fascista ao serviço destes e estão interessadas em pôr-lhes fim.

O Partido considera assim como aliados na actual etapa, tanto os aliados mais fiéis do proletariado (as massas semiproletarizadas do campesinato) como certas camadas abastadas do campesinato que exploram o trabalho assalariado.

A questão é a de saber se o campesinato médio (que emprega trabalhadores assalariados) é uma reserva dos monopólios e latifundiários, uma base social do fascismo ou, apesar das suas hesitações e vacilações, um aliado do proletariado na luta pela revolução democrática. O Partido responde: É um aliado do proletariado. Uma política sectária, uma política de aliança exclusiva com as camadas do campesinato semiproletarizado teria o surpreendente «mérito» de atirar as camadas médias do campesinato para o campo da influência política do grande capital e dos grandes senhores da terra.

A formação duma larga frente antifascista não anula a existência de contradições e antagonismos entre as classes e camadas que participam na frente. A tese de que, «ao mesmo tempo que conduz, junto com os seus aliados, a luta contra o poder dos monopólios, o proletariado continua conduzindo a sua luta de classe contra a burguesia no seu conjunto» (Resolução do OC, Agosto de 1963) contém uma ideia fundamental que explica, por um lado, a nossa política de alianças e, por outro lado, a nossa acção independente como partido do proletariado.

A experiência da revolução russa sobre o problema da aliança da classe operária com o campesinato constitui um riquíssimo manancial de ensinamentos.

A situação existente nos campos na Rússia anterior à revolução apresentava muitas características específicas que a diferenciam da situação existente nos estados capitalistas europeus dos nossos dias, designadamente em Portugal. Entretanto, da estratégia e da táctica dos bolcheviques russos resultam conclusões gerais que constituem armas poderosas no arsenal ideológico de todos os partidos do proletariado para a colocação em termos correctos da aliança com o campesinato.

Na Rússia, em 1903-1917, na luta pela revolução democrática-burguesa, na luta contra a monarquia, contra os grandes proprietários rurais, contra o feudalismo, o proletariado teve como aliado todo o campesinato.

« A luta contra os funcionários e os senhores da terra (sublinhava Lénine) pode e deve ser conduzida juntamente com todos os camponeses, incluindo os ricos e os médios» («Socialismo Pequeno-Burguês e Socialismo Proletário», —1905, in Ob. Comp., ed. ingl., Vol. 9, p. 443). «Para esta luta contra os grandes senhores da terra (sublinhava noutra passagem) não podiam deixar de levantar-se e de facto se levantaram todos os camponeses. Esta luta uniu os camponeses trabalhadores pobres, que não vivem da exploração do trabalho alheio. Esta luta uniu também a parte mais acomodada e mesmo mais rica do campesinato, que não pode passar sem o trabalho assalariado» («Discurso no I Congresso das Secções Agrárias», in Oeuvres, t. 28, p. 351. Sublinhado meu).

É clara a lição: A contradição entre o proletariado e a burguesia no seu conjunto não impede que, numa etapa determinada da revolução, o proletariado se alie com determinadas camadas burgueses e essa aliança não impede entretanto que continue a luta contra a burguesia no seu conjunto. Numa outra passagem, referindo a «linha» do proletariado agrícola, Lénine escrevia que ele marcha

«com a burguesia rural contra todo o regime de servidão e contra os senhores feudais da terra; junto com o proletariado urbano contra a burguesia rural e contra toda a burguesia» («O Proletariado e o Campesinato», 105, in Ob. Comp., ed. ingl., Vol. 8, p. 233).

Vitoriosa a revolução democrática em Fevereiro de 1917, entrou-se numa nova etapa. Então, de Fevereiro a Outubro de 1917, na luta pela revolução proletária, socialista, o proletariado teve como aliado, não já o campesinato no seu conjunto, mas o campesinato pobre e o semiproletariado.

No seu livro A revolução proletária e o renegado Kautski Lénine sintetiza assim o sistema de alianças nas duas fases da revolução:

«Primeiro, com «todo» o campesinato contra a monarquia, contra os grandes proprietários rurais, contra o feudalismo (e a revolução continua a ser burguesa, democrático-burguesa) depois, com o campesinato pobre, com o semiproletariado, com todos os explorados, contra o capitalismo, compreendendo-se nestes os lavradores ricos, os kulakes, os especuladores (e a revolução torna-se por isso socialista)» (in Oeuvres, t. 28, p. 310).

A experiência da revolução russa e os ensinamentos de Lenine mostram bem o erro elementar que consiste em estabelecer numa etapa da revolução, um sistema de alianças relativo a uma outra etapa. «Porque não são iguais as condições da luta democrática e da luta socialista? —escrevia ainda Lénine— porque numa e noutra luta os operários terão infalivelmente aliados diferentes» («Socialismo Pequeno-Burguês e Socialismo Proletário; 1905, in Ob., Comp., ed. ingl., Vol. 9, p. 442-443). Só analfabetos do leninismo podem pretender que os aliados do proletariado da actual etapa da revolução em Portugal são apenas aqueles que serão aliados na revolução socialista.

Se, na actual situação política portuguesa, esquecêssemos que as camadas médias do campesinato, embora não estando pela revolução socialista, estão pela abolição do poder dos monopólios e dos latifundiários, pelo derrubamento da ditadura e pela revolução democrática, não poderíamos compreender as aspirações das várias camadas do campesinato (diferentes das dos proletários), nem defender os seus interesses, nem conduzi-las à luta contra o fascismo. Não o fazendo, o proletário isolar-se-ia no fim de contas do campesinato e tornaria este uma reserva do inimigo.

Alguns palradores, cujas pretensões estão à altura da sua ignorância e da sua malvadez, gritam que o Partido «despreza a aliança com o campesinato. A verdade é que o Partido faz mais pela aliança dos operários e camponeses num dia de trabalho do seus militantes do que farão toda a vida aqueles palradores que à última da hora, descobriram que em Portugal existe campesinato. São militantes modestos do Partido e não palradores, que, correndo os perigos e riscos da actividade clandestina, jogam a liberdade para conseguirem tocar as massas camponesas, levam até aos camponeses a voz do Partido, recrutam entre eles novos lutadores revolucionários. São militantes do Partido e não palradores que jogam a liberdade para redigir, imprimir, distribuir imprensa clandestina especialmente destinada aos assalariados rurais e ao campesinato («O Camponês», «A Terra», «A Folha da Pequena Lavoura»), esclarecendo, defendendo os seus interesses, chamando-os à luta. No mesmo momento em que os palradores gritam de longe que o Partido despreza a aliança com o campesinato, são presos e torturados militantes do Partido por trabalharem, devotadamente, para efectivarem tal aliança.

continua>>>
Inclusão 29/05/2019