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O resultado de 15 de Junho não consagrou só o êxito de uma opção política, revelou também um impulso fortíssimo dos Italianos para participar nas opções e decisões políticas e administrativas e promover, por esta via, uma alteração de fundo nas relações entre base e cúpula, no sentido da descentralização. O facto assumiu dimensões e alcance político ignorados e deve ligar-se ao processo geral de amadurecimento cívico, cultural, político do nosso povo, que teve manifestações significativas e, para alguns, surpreendentes ao longo destes anos.
Mas o princípio da participação e os outros princípios ligados a ele, o da descentralização e do autogoverno, têm raízes longínquas na história do nosso movimento.
Reli recentemente o ensaio «La formazione del programa amiministrativo socialista in Italia», de Ernesto Ragioneri, integrado no volume Política e amministrasione nella storia dell’Italia unita, editado pela Laterza. Toda a investigação põe a claro, além das reivindicações que se haveriam de tornar tradicionais, da passagem para o Município dos serviços públicos, dos impostos progressivos, da assistência aos estudantes mais pobres, um motivo de fundo. Trata-se da tendência para fazer do Município «um centro efectivamente autónomo de vida colectiva». De início há muitas orientações e entre elas prevalece a orientação que, por exemplo em Costa, procede de experiências francesas «para fazer do Município o primeiro núcleo de uma nova sociedade, e, por conseguinte, em oposição e em luta com o Estado burguês». É patente aqui a recordação e a lição da Comuna de Paris que, na Itália, como anota Ragioneri, actuou principalmente como «tentativa de reorganizar a sociedade sobre bases federalistas, como revolução municipal mais do que como revolução política social», harmonizando-se, por conseguinte, com as tendências federalistas e autonomistas do pensamento democrático do Risorgimento. De resto, gostaria de observar que muitos dos programas do primeiro socialismo italiano foram concebidos como coroamento de um movimento nacional que se considerava incompleto, nomeadamente quanto à estrutura do Estado, quanto à dialéctica unidade-descentralização, quanto à presença de todos os cidadãos, e não só dos proprietários, dentro das instituições electivas, numa palavra, quanto à participação dos cidadãos marginalizados, que eram a maioria e cuja representação foi assumida, por um lado, pelos socialistas e, por outro lado, pelos católicos.
«Ampla descentralização, completa — escreverá em 1878 um jornal socialista da Romagna —, o Município será o foco donde virão irradiar a instrução e a liberdade... [e]: Os Municípios, autónomos, unir-se-ão na unidade do Estado.» Estamos perante uma visão extraordinariamente antecipadora. Em 1882, o Parlamento operário italiano exigia que «contra a centralização do Governo, inimigo de qualquer liberdade, se proclamasse, nos Municípios, a descentralização administrativa».
Sobre estas bases, o partido fundado por Costa, o Partido Socialista Revolucionário da Romagna, afirmou, em 1881, o «apoderemo-nos dos Municípios», que marca a passagem de uma visão ainda futurista e utopista para um empenhamento prático e político, que será um dos fundamentos do socialismo italiano:
«Apoderar-se dos Municípios, mediante uma participação activa, nas eleições administrativas e transformar em benefício do povo e da autonomia municipal a actual ordem administrativa.»
Porque é que referi estes velhos acontecimentos históricos? Porque são as primícias, permanentemente desenvolvidas, de uma linha de acção e de pensamento que foi e é património do movimento operário italiano e que, em Itália, apresenta aspectos marcadamente originais. Passar-se-á por muitas experiências, pela conquista dos Municípios por parte dos socialistas no período pré-fascista, pela reflexão meridionalista e regionalista de Gramsci, pelas repúblicas autónomas criadas nos territórios libertados durante a Resistência e que instituem formas de participação que são o germe de uma concepção nova de município, que a Constituição da República veio codificar. Confluem na Constituição outras linhas autonomistas, a católica principalmente, mas também a liberal (recordemos o Via il prefetto de Einaudi) e a republicana. A Resistência e a Constituição parecem encontrar a solução para a nossa vida unitária: unidade-democracia, centralismo-autonomia-participação, que, no momento da unidade se constituíra como uma opção de centralização exacerbada, ditada por um determinado interesse de classe. Centralização significara punho de ferro das classes dominantes contra a maioria da população urbana, e especialmente rural, repressão dos democratas, mazzinianos e garibaldinos, e sobretudo dos camponeses, não só nem tanto por serem reaccionários e antiunitários, como se disse, e em nome da unidade recentemente alcançada, mas sobretudo porque os camponeses, com o abalo das velhas sociedades e com as suas crises tinham sido obrigados a pôr o problema da terra. Os grandes proprietários fundiários do Mezzogiorno, através de um forte centralismo, vêm a fazer parte das cúpulas do Estado e conseguem a legitimação do seu poder económico e político.
A Constituição faz justiça a tudo isto. O artigo 5, que vós conheceis («A República, una e indivisível, reconhece e promove as autonomias locais; promove nos serviços, que dependem do Estado, a mais ampla descentralização administrativa, adequa os princípios e métodos da sua legislação às exigências da autonomia e da descentralização»), no projecto da Constituinte servia para introduzir a segunda parte mas foi inserido mo texto definitivo entre «Os Princípios Fundamentais», prova do seu carácter basilar e constitutivo. É também verdade que a Constituição não foi aplicada em algumas das suas partes essenciais e, entre elas, exactamente as que se referem à estrutura descentralizada e autonomista do Estado. As lutas de 68 e 69 levaram à implementação da Região, mas ficou-se por aí, enquanto que a orientação global das questões públicas tendia para restaurar e reforçar as velhas práticas centralistas, através de uma verdadeira e autêntica alteração constitucional. De modo que hoje vemo-nos obrigados a reivindicar o retomo à Constituição, à sua concepção de uma vida política, que se forma a partir de baixo, embora dentro da unidade do Estado. O nosso apelo à Constituição é um apelo para a nossa própria história de partido operário, democrático, nacional.
Gostaria de dizer agora que a participação dos cidadãos na vida pública não se esgota certamente nos canais institucionais estatais. Há as instituições políticas partidárias e sindicais, que têm na nossa organização e na nossa experiência histórica enorme importância. Há formas de participação espontânea, no sentido de que não brotam directamente da acção dos partidos e dos sindicatos, como os grupos de moradores e outros grupos de base, os centros comunitários, as associações culturais, religiosas, recreativas. Toda a riqueza desta rede de participação não deve ser subestimada, porque é fruto de um amadurecimento cívico e político do nosso povo e de um enriquecimento dos canais de comunicação e de intervenção, que oxalá não venha a esgotar rapidamente as suas grandes possibilidades de desenvolvimento.
O elemento político institucional constituído pelos organismos de descentralização regional, sectorial-local, municipal, de bairro não deve ser visto em alternativa a estas formas de participação directa e espontânea mas em legação com elas. Gostaria de me ocupar dos últimos porque dos outros se tratou já e de diversas maneiras e se vai falar ainda durante este seminário. Gostaria também de sublinhar, desde já, que «a efectiva participação de todos os trabalhadores na organização política, económica e social do país», de que fala o artigo 3.° da Constituição, não é problema que se resolva em termos exclusivamente políticos; por outras palavras, que a democracia assenta sobre o pluralismo, as liberdades cívicas e políticas, o sufrágio universal, as assembleias eleitorais, mas também sobre a luta contra os privilégios e contra a injustiça, e tem basicamente um conteúdo especificamente social, a que a Constituição abertamente se refere, quando indica como uma das tarefas primárias da República «remover os obstáculos de ordem económica e social, que limitam de facto a liberdade e a igualdade dos cidadãos». Ora estas duas componentes, política e social, da democracia, como nós a concebemos, à luz da Constituição, não podem prescindir da sua finalidade, que é tomar efectivo o direito do cidadão, e da sua condição, que é, em primeiro lugar, remover os «Obstáculos» de classe, que podem tomar formal e fictício o seu exercício. As formas de participação devem adequar-se aos conteúdos e qualquer exercício puramente formal de participação seria um engano se tomado em si e separado do contexto das necessidades, das aspirações, das lutas dos trabalhadores e das classes produtivas. Assim entendida, a participação democrática é um dos modos essenciais por que se manifesta a necessidade e possibilidade de introduzir, desde já e no respeito da Constituição, elementos de socialismo, isto é, germes e factores de transformação da sociedade e do Estado.
Há novas formas de participação político-institucional que, apesar dos seus defeitos, representam um aprofundamento ou uma possibilidade de aprofundamento da vida democrática: as unidades locais dos serviços sociais e sanitários, os conselhos escolares. A descentralização político-administrativa concretizada em diferentes Municípios através dos conselhos de bairro, de zona, de circunscrição, constitui a experiência mais rica e, em alguns casos, de mais longa duração, sobre a qual há que reflectir. Refiro-me agora, em particular, à experiência de Bolonha, que conheço melhor e não porque pretendia apresentá-la como modelo. Pelo contrário, penso que dentro de determinadas linhas de fundo, as experiências de descentralização devem necessariamente variar de cidade para cidade, em relação com uma série bastante numerosa de variáveis, quer objectivas quer relativas ao amadurecimento subjectivo das forças em campo e das formações político-culturais. Partimos de experiências diversas e o necessário esforço de unificação das orientações gerais não pode resultar numa homogeneidade rígida que prescinda das particularidades locais, a qual não corresponderia de resto à nossa visão de uma multiplicidade e pluralidade de situações locais, que nós realmente respeitamos e reforçamos.
Tais situações surgiram em algumas cidades a partir de tradições históricas ainda vivas, por exemplo, os bairros, os sestieri, as contrade medievais. Com frequência estas subdivisões correspondiam a estruturas corporativas: as corporações situavam-se em espaços próprios, em estradas, regiões, e há sinais disso na toponímia. Mas para lá das localizações corporativas, as cidades tinham tendência para se estruturarem, para evitar de se apresentarem como um agregado urbano informe, agregado que tinha uma razão social e política própria. Naturalmente, tudo quanto disse vale para os velhos centros. O escalonamento é mais difícil quando se passa para as novas periferias. Nalguns casos elas desenvolveram-se ao redor, dentro das linhas das velhas relações entre cidade e subúrbio, entre cidade e campo, e, noutros, a expansão foi absolutamente incontrolada e casual, ou melhor, ditada por razões diferentes do respeito pelas preexistências históricas e de um ordenamento racional do território.
Em qualquer caso, nós, desde o princípio, rejeitámos a ideia de que a descentralização deveria representar essencialmente um critério de zonificação urbanística. Por outro lado, pusemos em realce os limites de uma descentralização que se reduzisse a pura deslocação de serviços administrativos, embora não tenhamos desprezado este aspecto e presentemente tenhamos em Bolonha, por exemplo, um serviço de documentação de bairro que, por meio de um terminal, está ligado ao centro electrónico municipal e permite obter em qualquer bairro, em poucos minutos, o documento pedido, e instituímos destacamentos de política por bairro, o poli-ambulatório, o serviço de assistência social, a biblioteca de bairro, etc., apoiando-nos sobre o secretário de bairro, que é um funcionário municipal, dependente do adjunto do presidente do conselho de bairro.
Pusemos, porém, a tónica na participação mas opções efectivas da política municipal, ou seja, num ponto que toca, embora na base, o problema central da vida e da luta política, o problema do poder, e ataca os temas mais delicados de uma estratégia democrática. Nós não nos consideramos investidos de qualquer poder taumatúrgico para dirigir a vida pública honestamente e com eficiência. Decerto que somos expressão de um partido que em matéria de honestidade pessoal é intransigente, de um partido que exprime valores operários de probidade, de dinamismo, de dedicação. Mas, para lá dos comportamentos pessoais, pode-se cair mo pecado da clientela, que mão é só vício individual mas é parte de uma concepção e de uma prática do poder.
A clientela é uma estrutura do poder. E combate-se na raiz investindo plenamente as massas populares com as prerrogativas e as funções referentes às decisões políticas e administrativas.
Tentamos, por conseguinte, superar quer uma visão da descentralização puramente funcional-administrativa, embora, como direi, elementos de funcionalidade e de reestruturação administrativa estejam presentes necessariamente na nossa experiência, quer uma visão puramente comunitária, que numa primeira fase nos era apresentada por expoentes demo-cristãos de esquerda, de inspiração docética e da sociologia anglo-saxónica, que tinham «da participação um conceito essencialmente social e comunitário que pressupunha urna democracia mais directa, mas sobretudo relações sociais primárias, ambiente... homogéneo, substracto...orgânico» (Bondioli). Efectivamente, no primeiro debate importante realizado mo Conselho Municipal de Bolonha esta concepção de descentralização foi apresentada sob a forma de uma proposta de bairros com a dimensão de 2-3000 habitantes, que eram mais uma vizinhança do que uma articulação da vida citadina e teriam levado à fragmentação da cidade, secundando, decerto involuntariamente, tendências de desagregação muito activas no desenvolvimento urbano contemporâneo. Criticámos esta concepção e propusemos bairros de maior dimensão (30-50 000 habitantes). Pusemos em relevo o facto político da relação, do encontro, do confronto com o governo municipal e, em geral, com os problemas globais da cidade, sem contudo deixar de acolher um aspecto positivo da proposta católica que consistia em dar valor à exigência de reconstituir o tecido local de relações interpessoais, despedaçadas pelas forças da expansão urbana capitalista.
Pusemos, portanto, em primeiro plano o fazer política dos bairros, a construção de uma vontade política, a capacidade de intervenção política. E consequentemente saiu reforçado o papel dos partidos, que na vida de bairro encontraram estímulos para se reorganizarem e definirem em relação ao território.
Havia, deve-se dizê-lo, um elemento de garantia neste primado dos partidos, que era exigido pelas minorias, A comissão concelhia para a descentralização que foi, ao longo de mais de um decénio, o fulcro dos estudos e das iniciativas neste campo, é uma comissão paritária e, numa primeira fase, vigorou um regime acordado que exigia uma maioria de 2/3 para a adopção, em conselho municipal, de deliberações relativas à descentralização; isto é, era necessário o acordo e a colaboração entre as principais forças políticas democráticas, da maioria e da oposição. Sobre esta base se criaram os conselhos de bairro, com 20 membros, distribuídos de tal maneira que, em cada bairro, 11 conselheiros pertencessem à maioria, e a Democracia Cristã aceitou a proposta de nomear também os seus adjuntos do presidente.
A vida dos bairros nestes dez anos foi um factor fundamental e formidável do crescimento democrático da cidade, da mobilização popular, da eficiência administrativa. Os bairros, os seus conselhos, as suas comissões, as suas assembleias enfrentaram problemas essenciais: problemas específicos e próprios, problemas de interesse citadino, do orçamento ao plano regulador, do plano plurianual de investimentos ao plano de serviços, da assistência ao desporto, à cultura, sem excluir os grandes temas do antifascismo, da solidariedade internacional, da paz. Não pedimos aos nossos camaradas de bairro, e creio que não se deve pedir, que fossem porta-vozes das orientações da Junta, mas que as examinassem com autonomia de juízo, em relação sobretudo com os interesses dos trabalhadores, com os interesses do bairro e da cidade, procurando o entendimento entre todas as forças democráticas. Onde estivermos na oposição creio que não nos devemos opor por sistema à maioria, mas devemos trabalhar para fazer surgir dos bairros propostas positivas e construtivas, e, neste caso também, elaboradas através do entendimento e da convergência de todos os cidadãos democráticos. De resto, a própria dialéctica dos bairros é por natureza mais livre, menos perturbada por razões de alinhamento, mais ligada à realidade.
Em 1974, o Conselho Comunal adoptou um novo regulamento que representa uma etapa ulterior da política de descentralização democrática. Não se passou só à eleição do presidente do Conselho de Bairro por parte do próprio Conselho, acentuando-lhe o carácter, de resto já existente, de expressão do bairro, mais do que do presidente do Município ou do Conselho Municipal. Também se deu um importante passo em frente na distribuição de tarefas e atribuições aos bairros, que podemos sintetizar deste modo. Poderes de intervenção dos Conselhos de Bairro: no velho regulamento eram apontados de forma genérica (exprimir com autonomia e de acordo com a maioria dos votos as indicações da população respectiva, discutir os problemas do bairro em relação orgânica com a situação geral do Município e em relação com o orçamento municipal ou com os planos plurianuais de desenvolvimento, acompanhar a gestão das actividades municipais existentes no bairro); mas ao longo destes anos têm vindo a tomar-se mais incisivos, de tal modo que no regulamento recentemente adoptado e na deliberação-quadro que o acompanha foi possível formalizá-los; de ora em diante os outros órgãos municipais dificilmente poderão prescindir deles.
Podemos subdividir as atribuições dos bairros deste modo:
a) Intervenções para estabelecer, conjuntamente com os outros órgãos municipais e com os outros bairros, as opções gerais da cidade no tocante a: procurações a receber da Região e relações com outros organismos locais, adopção de medidas ou elaboração de normas; relativas ao orçamento, à programação, à urbanística, ao tráfego, ao comércio, à escola, à saúde, aos serviços sociais, às iniciativas culturais, ao tempo livre, etc.
Em tais matérias os bairros deverão ser obrigatoriamente consultados antes da definição das respectivas opções.
b) Intervenções autónomas do Conselho de Bairro relativas às matérias acima mencionadas, no quadro dos critérios gerais adoptados para toda a cidade; atribuição para a definição ulterior e actuação de tais opções no território próprio; competência para a gestão social descentralizada dos serviços, das iniciativas, municipais e do próprio bairro.
c) Poderes de iniciativa, de estimulo, de controle; relativamente aos órgãos políticos centrais (faculdade de apresentar projectos de deliberações e textos de resolução, faculdade de apresentar pedidos de esclarecimento, para conhecer as razões da adopção ou da não adopção de providências e para conhecer as orientações sobre certos problemas). Análogos poderes relativamente aos órgãos burocráticos municipais (direito dos conselheiros de bairro de obter das repartições municipais informações, dados, documentos, sem poder ser invocado o segredo profissional), aos agentes, aos serviços e iniciativas descentralizadas (gestão social). Tais iniciativas do bairro poderão dar lugar a encontros conjuntos com os órgãos centrais ou a respostas escritas devidamente fundamentadas.
d) Poderes de iniciativa autónoma, no quadro geral perspectivado pelo novo regulamento e pela deliberação-quadro, na promoção da participação (vejam-se os instrumentos da participação popular no Conselho de Bairro, nas Comissões de Moradores, nos Conselhos de Zona e as assembleias, petições e consultas previstas). (Bondioli, pp. 85-86.)
Por outro lado, era necessário que a esta extensão, não só quantitativa, de tarefas correspondessem instrumentos adequados. Por outras palavras, este era mais um raminho por onde entrava em crise a velha estrutura da máquina municipal. Tomou-se pois necessária uma profunda reestruturação, a começar pelas repartições e pelos serviços técnicos, com base não já em critérios hierárquico-burocráticos mas funcionais e em estreita ligação com as exigências dos bairros para o que são destacados grupos de trabalho próprios. Sem esta obra de reestruturação, que está em curso, seria vão o próprio espírito da descentralização. Simultaneamente é inevitável avançar para formas de gestão social dos serviços e das instituições municipais, o que corresponde a necessidades de aprofundamento da participação e tem a vantagem de um aumento dos níveis de eficiência e de controle democrático.
De resto, nesta via, os bairros encontrarão e encontram já dois grupos de questões, vivas já, pelo menos em parte, quando da sua aparição. Quero referir-me às relações com as forças sociais organizadas e não organizadas, com o Conselho de Fábrica, com o Conselho de Zona, com as categorias produtivas, comerciais, com os movimentos de base. E, por outro lado, às relações com as entidades e organismos estatais que actuam no território, e que devem ser reconduzidos às exigências e às modalidades da vida do território: dos correios, aos telefones, aos caminhos-de-ferro, e assim por diante.
Termino estas informações e observações, necessariamente sumárias, com uma referência à questão, que estamos a enfrentar, dos processos de escolha dos Conselhos de Bairro. Até agora, a escolha foi de segundo grau, salvo algumas excepções. Mas a extensão dos poderes dos bairros, a necessidade de os enraizar ainda mais na vida das populações e a exigência legítima dos cidadãos para reduzir o espaço e a distância da delegação tomam urgente proceder, pelo menos nas grandes cidades, à eleição directa. Poderá conseguir-se deste modo uma ulterior reactivação das forças políticas e um reforço da sua ligação à realidade local de bairro; assim se conseguirá uma grande valorização dos órgãos descentralizados, que serão eleitos através da forma capital de expressão da vontade popular que é o sufrágio universal; permitir-se-á a eventual presença de forças que limitam a sua acção ao âmbito local ou que, em qualquer caso, não chegam a ter representatividade no âmbito municipal ou supramunicipal.
Pode objectar-se que com a eleição directa há o risco de corroborar uma contrafacção do bairro, uma sua transformação em entidade local. Contra este perigo é necessário manter o princípio de que o Município é a entidade de base do Estado, a sua célula originária, enquanto que o Bairro, ou a Circunscrição ou a Zona são modos de ser do Município, expressão da saia autonomia. Pode ainda objectar-se que nas eleições directas podem introduzir-se, sob a forma de listas menores, interesses corporativos ou bairristas. Mas há tal maturidade política no nosso país que semelhante perigo parece mais abstracto e hipotético do que real, enquanto não vejo nada de mal na emergência e afirmação de tendências e grupos representativos de realidades que não chegam a exprimir-se através das forças políticas organizadas. Neste caso, a eleição de bairro viria favorecer exactamente a abertura de novos canais de participação e, no fim de contas, um enriquecimento do pluralismo democrático. Por fim, há o perigo do desaparecimento ou enfraquecimento dos partidos mais pequenos, mas é possível evitá-lo com correcções adequadas do sistema eleitoral, que podem ser acordadas entre os próprios partidos.
O que representa, pelo contrário, um perigo real e iminente é que as eleições se processem dentro de um progressivo e dramático esvaziamento dos poderes e dos meios dos Municípios, esvaziamento que está em curso e que foi firmemente denunciado há dias pela Associação Nacional dos Municípios em Viareggio. Se este processo não for travado e a tendência não se inverter, arriscar-nos-emos a transferir paira os bairros não os poderes mas a impotência dos Municípios, e a reduzir as eleições a puros confrontos verbais, sem conteúdo e sem consequências na prática. São indispensáveis providências e foram indicadas no documento unitário aprovado como conclusão do Encontro de Viareggio; trata-se de medidas a curto e a médio prazo, de intervenções a fazer imediatamente e de intervenções de reforma, que permitam aos Municípios cumprir a missão que lhes foi atribuída pela Constituição. A concretização de tais intervenções deve estar no centro da campanha eleitoral para a formação dos Conselhos de Bairro, deve ser o elemento unificador dos programas a apresentar e que hão de reflectir a variedade e a especificidade das situações locais.
Julgamos não exagerar se dissermos que, de toos os serviços sociais, os infantários foram aqueles que, na sociedade bolonhesa, nestes últimos anos, levantaram os problemas mais interessantes e vivos sob o aspecto cultural, educativo e científico. Nem é difícil perceber porquê, se se tiver em conta que o infantário se introduz como instituição educativa completamente nova o serviço da infância num segmento de idades (dos três meses aos três anos) que sempre teve como quadro institucional único, para a criação e educação, a família.
Tendo em conta as características próprias e a delicadeza das tarefas que a instituição pública assumiu, a administração comunal preocupou-se desde o lançamento do serviço em formular uma hipótese político-cultural que pudesse constituir ponto de referência para os elementos empenhados nessa acção: para os pais trabalhadores enquanto utentes, actuais e potenciais, o serviço e para quantos, na rede da descentralização civil citadina, estão envolvidos no mesmo.
Um ponto chave dessa hipótese está na convicção e que o infantário não pode praticar uma educação de tipo individualista mas deve propor-se um modelo educativo novo que conte com «a comunidade de adultos e crianças», em que a componente adultos é constituída pelos trabalhadores do infantário encarados como colectivo unitário e pelos pais que participam como protagonistas do processo educativo na gestão do infantário.
Objectivos que não são fáceis, uma vez que chocam contra uma mentalidade, uma formação e hábitos caracterizados pelo individualismo e pelo privatismo.
Nesta fase do discurso é importante descrever e analisar o contexto e o horizonte político em que foi concebido o infantário.
Neste ponto, e para a documentação que estamos a elaborar, põem-se problemas importantes de método. O instrumento intelectual tradicional mostra-se insuficiente. Se de facto pode ser relativamente fácil descrever, analisar e avaliar a relação pedagógica entre educadora e criança, tendo como parâmetro de referência uma escola ou uma teoria pedagógica e não outra, tornasse mais problemático quando a relação educativa com a criança é situada num horizonte menos circunscrito, menos técnico, menos especializado, e, por conseguinte, mais alargado ao tecido social.
Efectivamente, a verdadeira e única «teoria pedagógica» do infantário, ousaremos dizer, é aquilo que quotidianamente acontece mede entre os adultos (educadoras e serventes), entre adulto e criança, entre criança e espaço-ambiente, entre a comunidade do infantário e as famílias, o território, o bairro em que está inserida. Isto diz-nos que a teoria não é só reflexão sobre a prática da relação com a criança e sobre a personalidade da criança, mas implica também opções políticas mais gerais, a montante da pedagogia, que englobam decerto a pedagogia, mas dentro de uma perspectiva de relação entre instituições e cidadão, ou melhor, entre Estado e cidadão.
Por outras palavras, trata-se, dentro de um tal discurso, de incluir uma reflexão sobre aquilo que a sociedade quer do indivíduo, tentando especificar as escolhas de orientarão para cada instituição, no nosso caso, o infantário. E isto porque o indivíduo, qualquer que seja a sua idade, é bastante mais condicionado no comportamento pela sociedade quanto habitualmente se julga quando se faz referência, a nível científico ou de senso comum, ao carácter ou à personalidade.
Este conjunto de condicionamentos, fruto de relações quotidianas, de interacções recíprocas, de papéis diferentes, é o elemento não resolvido na consciência de todos. Efectivamente, a ciência burguesa, ao sectorializar o conhecimento, propõe, por um lado, uma série de conhecimentos especializados e, por outro lado, separa a doutrina da prática quotidiana. Deste modo, o educador não é inserido num processo real de formação e por conseguinte é privado da própria experiência quotidiana global como se a possibilidade de elaborar cultura não nascesse da capacidade de repensar toda uma experiência na própria globalidade, encontrando dentro da articulação desta globalidade dos elementos de reflexão e de enriquecimento.
Por estas razões, sem entrar na prática quotidiana do infantário, sem uma tentativa colectiva da parte de todos os operadores do infantário e da comunidade em que está inserido, de verificação da relação com toda a realidade não é possível nem avaliar completamente o valor da experiência educativa nem fazer avançar a gestão social da instituição. Se esta consciência enfraquecer, o que se apresenta é uma gestão mais ou menos eficiente de determinados serviços ligados nos seus aspectos positivos ou negativos aos destinos mais gerais dos aparelhos burocráticos do Estado burguês, os quais demonstram, de há 50 anos a esta parte, depois de terem atingido um certo máximo, que vêm a cair ciclicamente no tecnicismo e na gestão delegada. Neste caso, é inevitável a involução da experiência educativa, entendida quer como relação com os adultos e com as crianças quer como elemento de enriquecimento para os «técnicos», porque se propõe um elemento de passivização do utente que de facto toma também culturalmente passivo o técnico. Por esta via, o máximo até onde se pode chegar é repetir os resultados de conhecidas experiências psicopedagógicas do Norte da Europa, em que a liberdade infantil é idealizada, arrancando-a ao contexto social geral.
Como é sabido, e sintetizamo-lo para o leitor estranho ao problema, o dinamismo prático que levou a administração municipal à construção dos infantários foi consequência de duas realidades que vamos apresentar.
A primeira está ligada às transformações da estrutura produtiva do país. Para compreender a importância que o problema dos infantários assume na Itália nos últimos anos é necessário fazer referência às transformações iniciadas a partir de 1950, em que a classe dirigente optou por um modelo económico neocapitalista. Os fenómenos principais são estes: incremento do sector industrial sacrificando o sector produtivo agrícola; concentração tendencial da população em áreas urbanas intensivas ou à volta de eixos de estradas de fácil comunicação; passagem do núcleo familiar de grupo patriarcal a casal com 1-2 filhos em média; núcleos restritos, em habitações economicamente racionais para quem as constrói, mas sem espaço e sem áreas externas de jogo e zonas verdes; trabalho feminino nas fábricas e nos escritórios; dependência total do núcleo de tempos rígidos, como consequência não só dos horários de trabalho, mas da organização dos transportes para o trabalho, para a escola, para o infantário, etc. São fenómenos destinados a pesar sobre todos os aspectos da sociedade italiana, mas repercutem-se na condição infantil com incidência imediata, gravosa. Frente a esta realidade em movimento as carências tradicionais da Itália em organização de serviços para a infância tomam-se mais clamorosas e provocam lutas operárias para a reivindicação de infantários, lutas que avançam sobretudo no sector do vestuário e dos supermercados, onde domina a mão-de-obra feminina que paga mais duramente esta contradição(17). Por outro lado, e se analisada com mais profundidade, esta realidade em movimento choca não só contra a falta de serviços sociais adequados, mas também contra os caracteres arcaicos, predominantemente assentes sobre princípios caritativos, dos serviços existentes.
A segunda motivação que levou à construção dos infantários municipais é consequência deste carácter arcaico. Com esta opção quis-se empreender a construção de um infantário não porque, superando o infantário tradicional do ONMI (definido como área de estacionamento de crianças), tenda para o desenvolvimento harmónico da personalidade da criança através de um tipo mais amplo de socialização.
Não haveria nada de novo a notar sobre os infantários municipais bolonheses em confronto com as experiências europeias mais avançadas e conhecidas, agrupáveis em algumas escolas pedagógicas de diferentes tendências, se não acontecesse que, no nosso caso, se tentam compreender as mais válidas indicações pedagógicas sobre a infância dentro de uma percepção global da sociedade que dê ampla liberdade cultural à pedagogia, evitando a cristalização desta ciência numa doutrina. Procura-se também evitar a idealização da infância e ligar a procura da liberdade desta idade aos problemas e às contradições mais gerais que a sociedade vive e de que a infância participa. Esta perspectiva não significa, por outro lado, a aceitação de posições maximalistas, mas conhecimento e procura atenta das exigências pedagógicas e psicológicas próprias desta idade.
O infantário, afirma-se num congresso bolonhês sobre infantários, «torna-se uma escolha política consciente e activa, quando a consciência se refere à inserção do infantário no quadro histórico da mutação social de que é fruto, mas de que deve ser também promotor. Dentro desta perspectiva o infantário é indiscutivelmente urna resposta social às necessidades, mas é também um momento activo de confronto com as contradições ínsitas na mutação social e, por conseguinte, controle da própria mutação para que não passe por cima da cabeça da maioria dos homens como uma fatalidade que o privilégio de poucos pôs em movimento»(18).
Este modo de equacionar o problema é claro, nas suas linhas gerais. Com ele procura-se superar o horizonte exclusivamente profissional dentro do qual se desenvolveram as experiências mais avançadas de educação infantil nos países de estrutura capitalista, em que a revolução industrial na sua plenitude significou uma nítida hegemonia cultural da burguesia. Mas se os motivos ideológicos que fundamentam o discurso sobre os infantários de novo tipo em Bolonha são claros, como é que se desenrola este processo? Como é que se supera a cientificidade sectorial da ciência burguesa, não renunciando à ciência? Que formas organizativas consequentes com estes pressupostos ideológicos se põem em pé para realizar o projecto? Que instrumentos se afinam?
A resposta política dada a este propósito, como uma hipótese aberta a trabalhar para produzir novos conteúdos, assenta sobre a valorização de duas entidades que devem ser capazes de pôr-se em relação dialéctica: uma é o grupo dos trabalhadores do infantário (educadoras, cozinheiras, serventes) que deve reunir-se em assembleia e elaborar o seu esquema de trabalho interno assim como a relação com as famílias e com o bairro; a outra é o bairro encarado como entidade política, fruto da descentralização administrativa que vem sendo realizada em Bolonha, composto por um conselho representativo dos partidos políticos e por comissões de trabalho que gerem os serviços municipais, um dos quais é exactamente o infantário. Por outro lado, além de realidade política, o bairro é uma entidade sociológica que não pode ser excluída da consciência do educador; conforme as características do bairro, por exemplo, se operário, da classe média, apresentar-se-ão pais e crianças com problemas diferentes e diferentes condicionamentos. O conhecimento das características globais do ambiente é necessário não só porque elas interferem nos comportamentos quotidianos da criança dentro do infantário e sobre as atitudes da família, mas também porque entram directamente no método educativo; o educador terá uma relação diferente com cada situação, sobretudo as mais difíceis, que uma criança apresenta, de acordo com o maior ou menor conhecimento da realidade local.
Como resultado pedagógico consequente com esta orientação política põe-se a hipótese de mais entidades comunitárias virem a pôr-se em relação de reciprocidade autónoma e, ao mesmo tempo, de intercâmbio; uma espécie de aglomeração por estratos comunitários, capazes de criar relações novas. No citado Congresso de Bolonha anota-se: «O princípio de fundo, a ideia-guia em que o infantário se deve inspirar parece-nos ser a da comunidade articulada em grupos iguais (o grupo dos lactentes, o grupo dos dois-três anos e o grupo dos adultos). A comunidade deve constituir o sistema de referência de toda a vida do infantário, quer para as crianças quer para os adultos, o quadro dentro do qual se decidem e se realizam as iniciativas, se resolvem os problemas que surgem, qualquer que seja a sua natureza. A pertença à comunidade deve constituir o motivo principal para a resolução das incertezas e para a aquisição da segurança sobretudo para as crianças e, depois, para os adultos. A comunidade apresenta-se no seu conjunto como modelo global de identificação, dentro da qual o processo de identificação se orienta numa gama de direcções que se dirigem para o pólo de um igual, ou para o pólo de um ou mais adultos que se juntam aos pólos sempre presentes (mas não exclusivos) dos pais.»(19)
Habitualmente, ma criança educada em família, a multiplicidade de pessoas que contactam ocasionalmente com ela provoca situações de angústia; neste caso como naquele em que a criança é preservada de uma multiplicidade de contactos, ela concentra os seus impulsos de identificação nas figuras constantes dos pais (e, por vezes, num deles), tendo como resultado uma experiência limitada e à medida do tipo de adulto; donde o sentimento da inacessibilidade e da omnipotência do «grande» e os sentimentos de depressão e o recurso frequente a atitudes de dependência. No infantário, a referência de fundo à comunidade como sistema de relações bastante constante, apesar da alteração de algumas variáveis no seu interior (o colega ausente, a «dada» de turno, etc.) constitui a trama pacificadora que permite experiências diversas e coexistentes de correntes de identificação»(20).
«O facto de não serem obrigados a dar contas do seu comportamento a uma figura fixa de adulto, mas, ao contrário, serem obrigados a confrontar-se com personagens diversas, em função de normas que regulam a comunidade ou o grupo, favorece, por um lado, a possibilidade de auto-organizar-se e, por outro lado, uma mais precoce abertura e disponibilidade à socialização. A própria dimensão comunitária favorece também uma estrutura não autoritária do papel do adulto no infantário; o adulto não deve apresentar-se como o deus ex machina de todas as situações, o organizador supremo, o solucionador, mas como membro da comunidade que colabora, pela sua parte, ma vida da própria comunidade dando-lhe aquela quota-parte de segurança (relativamente aos perigos) que os grandes podem dar»(21).
O conjunto das afirmações referidas pressupõe problemas políticos e didácticos que não são imediatamente claros em todas as suas implicações práticas e teóricas. Tentemos clarificar estes problemas porque é da consciência deles que derivam as hipóteses que este estudo pretende verificar. Por um lado, é óbvio que com o infantário assim concebido se põe a hipótese de uma nova didáctica que exige urna verificação atenta no que toca aos conteúdos e aos instrumentos utilizados. Mas, por outro lado, esta proposta educativa é equacionada em tais termos que exige uma relação entre momento educativo interno ao infantário e ambiente externo, que pressupõe uma concepção não apenas assistencial-educativa mas uma função política consciente. Neste ponto, o discurso sobre os infantários ligasse com um discurso mais amplo, típico da administração local de Bolonha, o da participação de base na elaboração dos conteúdos administrativos da cidade. No caso específico, trata-se de conteúdos educativos do infantário e da sua gestão, mas implicitamente, ao problematizar uma instituição para a infância de tipo novo, a administração acaba por colocar um problema que poderia parecer secundário relativamente ao problema educativo, mas é sua parte orgânica, dado o modo social de conceber a educação. O problema é: será possível, através dos infantários, contribuir para enfraquecer o mecanismo costumado da delegação e criar um processo de participação da população nos problemas da infância que actue como elemento de desenvolvimento da consciência política para formas de gestão de base das instituições públicas? Mesmo se se quiser olhar as coisas do puro ponto de vista pedagógico parece ser este o único canal para estabelecer com as famílias uma relação capaz de amadurecer a sua consciência educativa; uma relação que seja orgânica e de reciprocidade com os educadores de profissão e não assente na simples informação psicopedagógica hoje predominantemente confiada às revistas femininas e à TV. Como veremos na segunda parte deste estudo, os pais, hoje, sentem muito a sua incapacidade frente aos critérios educativos e denunciam grandes dificuldades neste campo.
O problema posto atrás situa plenamente o infantário municipal dentro do tecido descentralizado e articulado da instituição local de Bolonha, de que falamos. Por outras palavras, poder-se-ia dizer que a instituição dos infantários, a formação dos educadores, das cozinheiras, das vigilantes, das serventes, a organização da relação com as crianças e com as famílias aparecem perspectivadas como partes de uma problemática mais geral de transformação social em sentido democrático socialista, que sendo uma tensão ideológica própria da realidade emiliana como ela politicamente se caracteriza, não pode estar ausente das intenções dos políticos que promoveram esta iniciativa. A vontade de ligar estas tensões ideológicas transformadoras com a prática quotidiana é um ponto assente para estas opções políticas que parece dirigir urna advertência moral não inútil: agitar só ideologias significa fazer escolhas abstractas; ocupar-se só de problemas práticos, quer dizer, ser sujeito empírico do sistema e agir em sentido deseducativo, mas ligar os -problemas práticos às grandes tensões ideológicas significa criar um movimento político autêntico, capaz de entusiasmar, porque parte de factos concretos vividos e sofridos pelas populações; um movimento que tende para unificar a dimensão intelectual e o aspecto científico dos problemas humanos de que trata com as tensões quotidianas vividas pelas massas. Esta advertência não é em qualquer caso de somenos importância, mas toma-se importantíssima quando referida a uma realidade em que a dimensão intelectual é representada pelo educador que vive no infantário com as crianças e pela consciência popular dos pais, operários, empregados, pequenos industriais ou comerciantes que confiam a criança, como veremos, com hesitação e temor, a uma instituição pública, num país em que qualquer instituição é, na experiência dos proletários, pelo menos, madrasta.
O conjunto dos problemas até agora apresentados pressupõe evidentemente vários níveis de verificação (alguns começarão a ser enfrentados pelo nosso estudo, outros, no seu conjunto, serão apresentados como interrogações abertas à investigação colectiva, de que a nossa é um contributo).
1. Verificação de um maior nível de capacidade de expressão e de socialização conseguido pela criança que frequenta o infantário.
2. Verificação de um processo de maturação político-cultural (no sentido de consciência global e particular) por parte do colectivo do infantário (educadoras, cozinheiras, serventes). Por consciência global entendemos a capacidade de confronto com o ambiente e de relação com o bairro encarado como entidade política e sociológica. Por consciência particular entende-se a capacidade de relação com as crianças. Nesta verificação é necessário englobar a seguinte pergunta: uma vez que se propõe ao trabalhador social um conhecimento do ambiente circunstante como é que ele é preparado para este conhecimento? Ao ser-lhe proposto um papel novo, que instrumentos concretos de trabalho lhe são Oferecidos para o realizar?
Para responder a estas perguntas seria necessário verificar quer o papel da Escola que forma as educadoras, quer a actividade específica das trabalhadoras do infantário.
A primeira verificação sai dos objectivos do estudo presente, enquanto a segunda terá algumas respostas nas lutas sindicais das próprias trabalhadoras ao longo destes anos e nas conclusões do nosso trabalho.
3. Verificação dos instrumentos pedagógicos e didácticos utilizados e da capacidade de descrever instrumentos e resultados alcançados nos seus valores e nos seus limites) de modo a poderem ser socializados e divulgados com todo o rigor.
4. Verificação de como uma maneira nova de se relacionar com a criança e com a família pode constituir um momento de envolvimento político, através da participação dos pais nos problemas do infantário e do bairro.
Este último ponto é evidentemente o de mais difícil apuramento não só parque algumas das correlações entre o sucesso educativo do infantário de que a família possa estar consciente e um aumento de consciência social não são tão imediatas como à primeira visita poderia parecer, mas também porque a função política do infantário se liga a orientações e opções políticas: mais gerais.
Em relação à última verificação, propomo-nos não tanto, horizontes impossíveis de atingir através de uma investigação sobre os infantários, mas eventualmente situar o problema dos infantários dentro de uma perspectiva não equívoca, libertando este campo de muitos mal-entendidos que rodam à volta do problema das instituições educativas para a infância e da gestão social. É realmente fácil, uma vez que se equacionou a função política e social de uma instituição, idealizar a sua missão e o contributo formativo que de per si podem ter os colectivos, a discussão, a descoberta colectiva da verdade, e tudo isto abstraindo das leis materiais de condicionamento prático que regulam o quotidiano de cada um e relativizam as consciencializações assim efectuadas.
Notas de rodapé:
(15) Membro do Comité Central do PCI e presidente da Câmara de Bolonha. Texto publicado em Sviluppo delle autonomie e riforma dello Stato, Editori Riuniti, Roma, 1975, pp. 113-125. (retornar ao texto)
(16) Apresentação de Eustachio Loperfido e extractos de um artigo («Asilo nido e partecipazione. Ricerche su alcuni nidi comunali di Bologna») de Tullio Aymone e Maria Giovanna Caccialupi, in Bologna, Documenti del Comune, Agosto de 1975. (retornar ao texto)
(17) Há anos surgiu, por iniciativa das próprias mulheres, um movimento que procurava relançar em termos novos o problema da mulher trabalhadora. Esse movimento polarizou-se sobretudo nos problemas das mães (ver lutas do UDI). Na sequência dele, as organizações políticas e sindicais da classe operária tentaram ligar os interesses objectivos das massas femininas à luta global do proletariado. As leis sobre a maternidade e sobre os infantários do início de 1972 foram discutidas e aprovadas pelo Parlamento em períodos bastante próximos. A primeira prevê um período global de ausência ao trabalho, remunerado com 80%, de 5 meses (dois meses antes do parto e três meses depois); um período de esperança de 6 meses com conservação do posto de trabalho, a possibilidade de ausentar-se do posto de trabalho por doença do filho. A Lei n.° 1044 «sobre as infantários prevê, no quinquénio em curso, a construção de 3800 infantários, que cobrem apenas 3% das necessidades; de facto, as verbas dificilmente cobrem um plafond de 2000 infantários. Para dar uma ideia da insuficiência deste projecto, podemos dizer que os Municípios pediram 4200 infantários os quais não asseguram no mínimo a cobertura das necessidades nacionais. Com base no preceito constitucional em matéria -de assistência, a Região da Emilia-Romagna elaborou e aprovou em Outubro de 1972 uma lei sobre a instituição, a gestão dos infantários e a formação do pessoal responsável. Esta lei foi chumbada duas vezes, apesar de não se afastar de modo qualitativamente substancial da Lei 1044. O facto de não ter passado deve atribuir-se, no fim de contas, ao ataque político às autonomias regionais. Pôde acontecer também devido à falta de amadurecimento dos objectivos políticos e organizativos por parte das forças políticas dos Municípios e dos bairros, dos trabalhadores dos infantários, do movimento operário no seu conjunto. Por outras palavras, como consequência de uma elaboração e reivindicação insuficiente dos objectivos faltou à classe operária o controle da aplicação ida lei, excepto no caso dos grandes armazéns (Coin, Standa) e de uma ou outra indústria de manufacturas e têxtil com mão-de-obra feminina. (retornar ao texto)
(18) Ver "Un asilo nido di tipo nuovo: analisi di un'esperienza", Bolongna, Documenti del Comune, nº 2, 1972. Relatório do assessor parda a Saúde, prof. E Loperfido, p. 14. (retornar ao texto)
(19) Op. cit., p. 17. (retornar ao texto)
(20) Ibid., p. 18. (retornar ao texto)
(21) Ibid., p. 18. (retornar ao texto)
Inclusão | 30/06/2015 |