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Edição: 1976
Publicado por: G.D.U.P (Grupos Dinamizadores da Unidade Popular)
Transcrição e HTML: Graham Seaman.
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As palavras que vou proferir são dirigidas a todo o Povo português, com uma preocupação muito grande em relação aos mais desfavorecidos, e aos meus camaradas das Forças Armadas.
Falo ainda muito especialmente para as organizações populares de base que, com a força da sua movimentação através de todo o País do Norte ao Sul, uniram os trabalhadores das fábricas e dos campos, levando-os a exigir a minha candidatura, e ultrapassando as considerações pessoais das vantagens e dos inconvenientes que daí resultavam.
Declaro assim, pública e formalmente, aceitar a minha candidatura à Presidência da República, contando sobretudo com o apoio concedido pelas organizações populares de base, as Comissões de Trabalhadores, os Conselhos de Aldeia e as Comissões de Moradores; que com a sua militância activa prometem, participar ardorosamente na unidade dos trabalhadores e do Povo português em torno de um projecto que nos abra o caminho para uma sociedade socialista.
Quando na madrugada do 25 de Abril de 1974, juntmente com alguns companheiros de armas, tomei a responsabilidade de conduzir o derrube do regime fascista que oprimia o Povo português, havia em nós o sonho de construir na nossa terra uma sociedade mais livre, que assegurasse a todos os seus filhos uma existência mais humana e mais justa.
Dois anos se passaram, muito ricos de ensinamentos e de experiências. Temos a consciência de que os trabalhadores e o Povo português ganharam alguma coisa com o 25 de Abril. Mas também temos a convicção de que se alguma coisa foi feita, muito mais está por fazer, muitos erros estão ainda por corrigir, muitas injustiças estão ainda por reparar.
É preciso, pois, deitar mãos à obra, e com o trabalho do Povo Português reconstruir um País empobrecido pela guerra colonial e pela exploração capitalista, colocando, finalmente, a economia portuguesa ao serviço de todos os portugueses e não só de alguns priviligiados. Esta candidatura não pretende ser uma competição em «jogos florais» e muito menos uma participação num concurso de televisão com promessas de «mundos e fundos».
A situação económica do País é muito grave e os trabalhadores portugueses têm o direito de conhecer essa verdade. O M.F.A. disse-o várias vezes, mas não era aos militares que competia resolver os problemas económicos. Quisemos que fossem os políticos a fazê-lo, mas estes parecem ter estado mais interessados nas disputas do poder do que na melhoria das condições de vida do nosso Povo.
As prolongadas e escandalosas negociações à volta da composição dos vários Governos são um exemplo público de que este último, chamado de «unidade nacional», não escapa à justa crítica do Povo Português. Não pretendo atacar ou discutir qualquer camarada militar escolhido pelas forças políticas como seu candidato. A responsabilidade do cargo e a nobreza do espírito de missão com que terá de ser encarado, exigem dignidade e respeito absolutos.
Mas não poderei deixar de denunciar as arbitrariedades cometidas no 25 de Novembro. Centenas de camaradas foram afastados das suas funções sem provas de uma acção política ou militar contra os interesses dos trabalhadores e do Povo. Português e sem qualquer juramento.
A história denunciará o 25 de Novembro como uma enorme maquinação destinada a desviar o processo revolucionário da linha de pureza que as classes trabalhadoras e militares generosos e progressistas lhe imprimiam.
Não poderei deixar de denunciar a tentativa de algumas correntes políticas no sentido de recuperarem as Forças Armadas para actuações que não visam defender o nosso Povo.
As nossas Forças Armadas pertencem a um País traído pelos políticos do regime fascista, que sem consultar os portugueses nos envolveram em guerras de antemão perdidas, contra a justa e legítima vontade libertadora dos povos colonizados.
Os militares não podem voltar a ser joguete nas mãos dos novos senhores da política, marionetas para desfiles ou paradas, e muito menos polícias para proveito de meia dúzia de donos deste País.
Também não devemos reservar-nos para lugares de Administração Pública ou de empresas, pois não foi para tal que nos preparámos técnica e moralmente. O povo com o qual fizemos uma aliança desde a madrugada do 25 de Abril, espera a colaboração das F. A. Há herdades em todo o Portugal onde os trabalhadores precisam de apoio à sua organização, há inúmeras aldeias sem electricidade, sem água, sem esgotos, sem meios de comunicação, sem assistência sanitária. Há milhares de pequenos lavradores que precisam do nosso entusiasmo e da nossa disponibilidade para os ajudar nas suas cooperativas e no transporte. dos produtos, de modo a retirá-los das garras dos especuladores e parasitas. Há ainda milhares de portugueses que vivem em barracas nas cinturas das nossa grandes cidades, que precisam do nosso apoio em máquinas e em braços, pois o problema da habitação só na conversa balofa dos políticos estará resolvido nos próximos anos. Do Minho ao Algarve, na Madeira e nos Açores há dificuldades de comunicação que impedem o transporte de doentes ou sinistrados, há a defesa das populações contra o terrorismo e a delinquência crescentes. Essas são as tarefas que temos de apoiar, colaborando com as forças militarizadas.
Algumas destas coisas chegaram a ser feitas e se hoje há tantas queixas nas zonas rurais é porque esta orientação não foi levada tão longe quanto possível. Trabalhemos fraternalmente com os povos do mundo inteiro e em especial com as novas nações de África de expressão portuguesa e com os povos do Terceiro Mundo. Sejamos as Forças Armadas da paz e não da guerra. Reabilitemo-nos assim do suporte que demos ao regime opressor.
Aceito as regras do jogo democrático para a formação do Governo. Aceito cumprir é defender a Constituição. Mas quero dizer aos meus camaradas do M.F.A. que o nosso papel, em aliança com o povo, é o de prosseguir o 25 de Abril, colaborando nas tarefas de reconstrução nacional. Quero proclamar aos trabalhadores e ao povo português, cujo poder a Constituição consagra, que foi a sua determinação e a sua vontade, que permitiram as conquistas mais sensíveis do 25 de Abril: as nacionalizações e a reforma agrária, ou seja, o desmantelamento das forças monopolistas de exploração do regime fascista. Foi ainda a sua força de ânimo e a sua coragem que permitiram dispormos agora de uma lei fundamental que aponta para a construção de uma nova sociedade mais justa e sem exploradores nem explorados.
A Constituição e o programa do Governo legitimados pela vontade popular são formas legais e de estabilização da vida política do País, que só têm valor se defenderem os interesses do povo. A caminhada para a sociedade socialista é longa e exige a mobilização de todos os trabalhadores. À transição para uma sociedade socialista que havemos de construir, requer que seja aprofundada e desenvolvida a prática democrática nas organizações populares de base, nas comissões de trabalhadores, nas comissões de moradores, nos concelhos de aldeia, nas cooperativas e associações.
Para isso, terão de ser afastadas as falsas divisões introduzidas na vida portuguesa. Há que identificar e consolidar os interesses comuns dos trabalhadores, para que a participação das organizações populares de base na soberania seja progressivamente aprofundada e concretizada.
Alguns erros foram cometidos na aprendizagem desenvolvida nos últimos anos. Outros foram bastante exagerados por órgãos de informação mais preocupados em servir interesses inconfessáveis do que em dizer a verdade aos trabalhadores e em defender as suas conquistas. Tentou-se ocultar que no 25 de Abril só a P.I.D.E. fez mortos, que este processo é, talvez, o mais pacífico e livre que até agora já se fez no mundo. Procurou-se, assim, fazer esquecer a violenta e bárbara repressão do regime fascista. Apesar disso, ninguém poderá esquecer a aliança Povo/M.F.A.
Importa ainda falar na descolonização. Durante centenas de anos houve povos africanos esmagados pela exploração colonial. Com o 25 de Abril as Forças Armadas abriram caminho para acabar com essa exploração e com guerras injustas que duraram catorze anos. Milhares de pessoas foram mortas e muitas mais sofreram na carne as consequências da violência colonizadora. Milhões de contos foram inutilizados sem quaisquer benefícios para as populações que os pagaram. Cumpre manifestar a nossa alegria pela paz e pela independência desses povos, lamentando que todo esse esforço não tivesse, antes, sido posto ao serviço das populações portuguesas e africanas atingidas. O Povo Português ganhou rapidamente consciência de que a sua liberdade passa também pela liberdade dos outros povos, de que os nossos verdadeiros interesses são também os interesses dos povos que conquistaram finalmente a sua independência.
A nossa dependência do estrangeiro é cada vez maior e quase que se mendigam empréstimos que aumentam progressivamente. Mas os investimentos necessários para resolver o grave problema do desemprego não se fazem. Assim, o número de desempregados continuará a aumentar. O aparelho de Estado não foi adaptado à defesa dos interesses dos trabalhadores e do Povo Português e ao seu papel na condução da economia. A agricultura, onde teremos de ir buscar os alimentos que agora importamos, e as indústrias que ocupam mais mão-de-obra são prejudicadas em benefício de projectos herdados dos governos marcelistas, onde vão ser investidos milhões e milhões de contos que apenas permitirão um pequeno aumento do número de postos de trabalho, agravando a nossa dependência de mercados e de tecnologias que nos escapam. A diminuição das nossas reservas impõe-nos austeridades no consumo e importações, que terão que ser adaptadas às nossas possibilidades. Daí quererem os capitalistas recuperar os seus privilégios para pisarem de novo os trabalhadores e se é verdade que o socialismo, a sociedade mais justa que queremos construir será para a geração dos nossos filhos,também é certo que os sacrifícios e o esforço de reconstrução nacional que é exigido pela situação do País e pela crise mundial do sistema capitalista só serão aceites para os trabalhadores, desde que saibam que esse sacrifício é feito no seu interesse.
Os militares que marcharam, generosos, pelas estradas do País na madrugada do 25 de Abril, assumiram um compromisso e uma responsabilidade que só ilusoriamente poderão ser distintas dos interesses do povo e dos seus filhos, que servem a Nação nas Forças Armadas.
À crise e a ruptura entre as classes com interesses opostos serão inevitáveis. Uma certa «ordem» virá a ser exigida ao serviço da burguesia. Aí terão de fazer os militares a sua opção.
Ou diálogo entre cidadãos livres de um País livre e democrático, ou a violência repressiva contra os trabalhadores e a cedência às exigências dos grandes capitalistas que quererão retomar aquilo de que foram desapossados. A recuperação pelo capital não poderá ser democrática, pois teria de ser paga pela maioria, pelos trabalhadores.
Opção histórica, nesta oportunidade rara que o 25 de Abril ainda é. O povo português conhece já a minha escolha e a dos camaradas que comigo colaboraram. Pertencemos ao M.F.A. aliado do povo que o 25 de Abril libertou. Batemo-nos por umas Forças Armadas, onde reine a ordem e a disciplina postas ao serviço das necessidades dos mais humildes, como sempre se fez no Copcon, e não uma ordem e uma disciplina que constituam pretextos para reprimir os trabalhadores.
Continuarei com a vossa ajuda a mesma política no longo caminho para a construção de uma sociedade sociaista,
Reforma agrária e as nacionalizações, a independência e a unidade nacional, desenvolvimento e consolidação das organizações populares de base, a melhoria das condições de vida da nossa população, umas Forças Armadas unidas e disciplinadas ao serviço do povo português.
A reforma agrária e as nacionalizações são as promissoras realidades que se forem controladas pelos trabalhadores, podem mudar a fisionomia da nossa economia. Relativamente à independência nacional o programa de Otelo aponta para a colaboração «dos interesses do povo português acima das pressões internacionais e para a solidariedade com os povos oprimidos».
«Lutaremos ainda pela unidade nacional contra a divisão entre os portugueses das cidades e os portugueses dos campos, contra a divisão entre os trabalhadores do Norte e os trabalhadores do Sul, pela unidade entre os agricultores pobres do Norte e os trabalhadores do Sul, pela unidade do povo do continente e o povo das ilhas».
Por outro lado, as organizações populares devem progressivamente assumir o controlo e as decisões sobre o seu destino colectivo e simultâneamente deve verificar-se o aumento dos bens e serviços essenciais à disposição dos trabalhadores e do povo.
Lutamos ainda por umas Forças Armadas unidas e disciplinadas, sim, mas postas ao serviço do povo português, ao qual pertencem e que lhes paga, e não por umas Forças Armadas para reprimir os trabalhadores como se pretendia no tempo do fascismo, e como muitos hoje voltam a desejar.
«Só com a unidade dos trabalhadores e de todo o povo português conseguiremos caminhar para uma melhoria das condições de vida da nossa população. Na unidade dos trabalhadores avançaremos para uma sociedade socialista onde os portugueses decidirão democrática e colectivamente o seu destino. Esta unificação das acções dos trabalhadores é mesmo um objectivo fundamental desta candidatura».
Inclusão | 26/11/2018 |