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Um dos princípios fundamentais do comunismo revolucionário é o da unidade e solidariedade dos proletários de todos os países acima das fronteiras nacionais. Nas nações que, de um modo ou de outro, oprimem outros povos e nações, esse principio deve_traduzir-se necessariamente na luta dos comunistas contra a opressão exercida pela “sua" burguesia, postulando, num combate aberto e sem reservas contra "seu" Estado opressor, o direito à autodeterminação, a liberdade de separação política, a independência para as colónias e nações que ele oprime. Sem isso não há, nem pode haver, internacionalismo proletário.
A defesa desse princípio não decorre de modo algum de imperativos éticos ou morais, mas sim do fato que a menor hesitação sobre esse ponto torna o proletariado objetivamente cúmplice da opressão de "seu" Estado, o que provoca inevitavelmente a desconfiança do proletariado da outra nação, enfraquece a solidariedade internacional de classe dos operários, desune-os, beneficiando assim a burguesia.
A experiência histórica prova que essa solidariedade com a "sua" burguesia nacional na opressão colonial não só rompe a frente internacional de classe do proletariado, ou constitui um obstáculo à sua formação, como, além disso, leva necessariamente ao fortalecimento do Estado opressor contra o próprio proletariado metropolitano e proporciona a base mais sólida para a dominação da "sua" burguesia, na medida em que, mediante tal solidariedade, o proletariado interdiz a si próprio a via da luta frontal, sem reservas, contra "seu" Estado, única via para a sua emancipação.
Ciente disso, a burguesia das metrópoles imperialistas e colonialistas sempre procurou obter essa cumplicidade corrompendo, com esse fim, uma camada mais ou menos ampla da classe operária metropolitana com as migalhas da pilhagem colonial — a chamada "aristocracia operária", sólido esteio da dominação burguesa no seio do próprio movimento operário —, ao mesmo tempo que fomenta, por mil e um meios (a imprensa, a igreja, a literatura, etc), todo preconceito que suscita e atiça o antagonismo entre os proletários da metrópole e seus irmãos das colónias, como é o caso do racismo, do sentimento de superioridade do metropolitano para com o nativo da colónia, etc, os quais são cuidadosamente cultivados pela classe dominante. É por essa razão que a luta contra a opressão colonial exercida pelo "seu" Estado é, para o proletariado, como afirmava Marx, "a condição primeira da sua própria emancipação social" (Carta a Meyer e Vogt, 9/4/1870).
Esse quadro típico das grandes metrópoles imperialistas (a Inglaterra de fins do século passado dele proporcionou o exemplo clássico) é igualmente encontrado — numa escala e com tonalidades diferentes, é verdade — em Portugal, muito mais metrópole colonialista do estilo da velha fase mercantil do capitalismo do que metrópole imperialista do tipo das que caracterizam a "fase suprema do capitalismo". Podemos constatar igualmente em Portugal o mesmo fenómeno de corrupção de uma ampla camada da população trabalhadora , principalmente da pequena burguesia urbana e rural, muito mais que do proletariado, classe por demais exígua aqui, ao contrário do que acontece nas grandes metrópoles imperialistas. E a essa corrupção, já presente na época do salazarismo, veio acrescentar-se depois da "revolução dos cravos" um outro fator de enorme peso, que atua como tremenda força paralisadora sobre o movimento operário: a fábula segundo a qual as forças armadas, arrependendo-se de seus pecados colonialistas ao terceiro cantar do despenado galo lusitano na madrugada de 25 de abril, ter-se-iam tornado a ponta de lança da libertação e da independência das colónias. De fato, seguindo nisso as pegadas de mais infame "messianismo branco”, o MFA pretende que a presença das tropas portuguesas nas colónias não significa mais opressão e servidão (o salazarismo está morto!) mas, ao contrario, é o garante do processo que conduzirá à independência das mesmas; as forças armadas portuguesas teriam, doravante, como único objetivo a defesa totalmente desinteressada da integridade política das colónias, impedindo que as grandes potências imperialistas venham subjugar esses povos, até que eles sejam elevados, graças a obra civilizadora dos portugueses (evidentemente superiores a estes negros incultos e bárbaros!), à altura de tomar as rédeas de seu destino em suas próprias mãos.
E do lado do movimento operário nenhuma voz se eleva, viril e decidida, para opor-se a essa infame mistificação e educar o proletariado num espírito decididamente anti-chauvinista, anti-imperialista, em poucas palavras, internacionalista! Nenhum movimento que reivindica o marxismo e o proletariado faz de modo consequente a denúncia aberta, nítida, sem nenhuma reserva nem hesitação, do papel atual das forças armadas e do Estado portugueses na questão colonial. E não desmascarar, calar o fato de que esse papel não é o de garantir a independência desses países, mas sim o de preservar a dominação portuguesa sobre as massas africanas sob a forma imperialista moderna, em lugar do colonialismo "de modelo antigo", equivale a tornar-se objetivamente cúmplice do Estado português, significa cair no social-chauvinismo, no social-imperialismo.
O fato de que o PS e o PC nadem nessas águas fétidas é comprovado pela sua atitude de caução sem reservas à chamada "descolonização". O primeiro participou diretamente dessa, sendo até seu primeiro preconizador, na pessoa de seu líder; o segundo não só caucionou-a através da participação no mesmo gabinete ministerial que empreendeu-a, mas inclusive inscreveu essa caução em seu programa (vide a Parte II, ponto III, do mesmo, que ostenta o sugestivo título de "prosseguimento da descolonização"), onde se consagra o princípio — afirmado em primeiro lugar por... Spínola — da permanência das tropas portuguesas na África enquanto elas forem "indispensáveis à descolonização e à paz".
Mas a "extrema esquerda" tampouco foi poupada pelo vírus do chauvinismo. Infelizmente não podemos, por escassez de espaço, analisar a posição de todos os grupos portugueses; limitar-nos-emos por isso a ver como se comportam perante o teste da questão colonial duas correntes que têm uma dimensão internacional: o maoísmo e o trotskismo.
Comecemos pelo primeiro. Basta apenas mencionar o PCP(m-l), que não teme definir "o trabalho desenvolvido pelo MFA em Moçambique", isto é, a aplicação dos ditames neocolonialistas de Lisboa aos rebeldes abandonados pelos revolucionários da Metrópole, como um "exemplo de solidariedade internacionalista de um país do Segundo Mundo para com um país irmão do Terceiro Mundo" (Unidade Populars n.º 44, 7/7/75, pg. 5). Estranha solidariedade esta, que não é mais entre proletários — e, mesmo, numa determinada fase, entre estes e o movimento armado de emancipação nacional mas sim entre países, um dos quais, ainda por cima, oprime o outro! Como se vê, o PCP(m-l) não tem escrúpulos em fazer-se arauto do imperialismo português.
Seu primo, o MRPP, é muito mais interessante. Ele reclamou, desde há muito, o regresso imediato das tropas das colónias e apoiou publicamente manifestações contra o embarque de soldados e contra a guerra colonial. Essa sua atitude corajosa atraiu a si muitos elementos combativos e, por outro lado, fê-lo ser alvo de perseguições por parte do Estado.
Mas o MRPP põe a perder essa oposição prática à guerra colonial ao ligá-la à busca de objetivos não só falsos mas pura e simplesmente reacionários, como o da "independência nacional", o que, num país imperialista como Portugal, implica necessariamente tomar partido de seu Estado imperialista em suas disputas bandidescas com os outros imperialismos e trair a luta de emancipação proletária.
O MRPP não chega, como seu primo, ao ponto de defender "a política externa preconizada por Melo Antunes e pelo PCP(m-l)" (sic, Seara Vermelha, n.º 4, julho de 1975), isto é, a política de integração de Portugal na Europa "contra as superpotências". Mas ele fala, numa entrevista de um membro de seu Comité Central publicada num opúsculo em francês, de um grupo de oficiais capazes de defender uma política "independente”, contanto que aceitem "a direção da classe operária. Se não, continuarão a ser o que sãos joguetes, marionetes (...). Vide a situação de Melo Antunes, um representante significativo dessa corrente, o qual, depois de 11 de março, pôs-se completamente de joelhos (...), apagou-se completamente na vida política de Portugal com um posto de ministro dos negócios estrangeires mas sem influência no processo político", etc. Fixar os olhos dos proletários num grupo de oficiais de carreira pretendendo que tal grupo poderia ajudá-los é uma verdadeira infâmia, uma infâmia pior ainda quando, como no caso, esses oficiais têm-se mostrado sempre serem partidários de um império colonial modernizado e baseado num sistema de Estados "independentes" à cabeça dos quais seriam içados os partidos mais moderados (para não dizer pior!).
Que confiança podem ter as massas coloniais (de Angola, por exemplo) na sinceridade do internacionalismo do MRPP quando este afirma que o "inimigo principal do proletariado português" é, não o Estado português mas o "imperialismo" (entenda-se: as "superpotências" e, em particular, a URSS) e quando apresenta como uma "importante vitória do povo angolano no caminho da independência" (Luta Popular3 n.º 46, 13/2/75) os acordos de Alvor que, precisamente, deixavam o poder nas mãos do exército colonial português!
O que separa o MRPP do PCP(m-l) não é, pois, uma diferença de princípio mas, por assim dizer, de maturidade, uma maior maleabilidade, que ainda lhe permitem canalizar as reacções operárias para transporta-las para um terreno em que o proletariado cai necessariamente na armadilha da colaboração com seu inimigo. Os princípios desse movimento levá-lo-ão mais cedo ou mais tarde, a despeito de sua verborragia pseudo-revolucionária, a apoiar abertamente o Estado português, e ele deverá, então, renunciar necessariamente às atitudes que lhe dão hoje uma aureola de mártir da luta contra o MFA. A história nunca apresentou um caso que possa contradizer essa nossa previsão.
Examinaremos, agora, a posição da Liga Comunista Internacionalista (organização simpatizante da IV Internacional) perante a política colonial do Estado português. Faremos isso não tanto pelo peso — bastante reduzido — dessa organização no âmbito da extrema esquerda portuguesa, mas principalmente para ver, através de suas posições, quanto valem as posições da corrente internacional a que está ligada, mesmo não sendo essas totalmente homogéneas.
Lembrando mais uma vez que, no que concerne à questão colonial, a pedra angular do movimento proletário no país opressor é a atitude em relação a seu próprio Estado, vejamos que lugar o Estado português ocupa na visão que a LCI tem do famigerado "processo de descolonização".
Podemos ler no n.º 6 de Luta Proletária (28/11/74) que os acordos de Lusaka são "o resultado de vários anos de luta armada dirigida pela FRELIMO" e "nessa medida, uma vitória dos trabalhadores moçambicanos". Eis aqui um belo exemplo da ambiguidade da LCI. Pois embora a independência de Moçambique seja um fato altamente positivo, os acordos de Lusaka não podem ser assim considerados. Fazê-lo seria como que, guardando as devidas proporções, apresentar ontem a paz de Brest-Litovsk como uma vitória bolchevique e o “resultado” da luta contra a guerra imperialista, esquecendo-se, assim, das enormes concessões que o jovem Estado proletário teve que fazer ao imperialismo alemão. E não basta dizer que a burguesia portuguesa "conseguiu, numa certa medida, impor... uma certa (?!) defesa de seus interesses", como acrescenta Luta Proletária, pois o importante para a educação internacionalista da classe operária em Portugal é mostrar como por detrás da cortina de fumaça do "processo de descolonização” a burguesia portuguesa, graças às suas manobras e mentiras, de que foram vítimas tanto os proletários portugueses quanto as massas africanas, pôde tirar o melhor proveito de seus reveses, pôde conservar privilégios substanciais em Moçambique, pôde favorecer o acesso à direção do movimento de independência dos elementos mais moderados, elementos que, uma vez obtida a independência política, se mostrariam propensos a realizar uma verdadeira aliança com ela; pôde, enfim e principalmente, dissociar os movimentos das diferentes colónias a fim de por todo seu peso na balança angolana, onde seus interesses são muito maiores. Assim, os acordos de Lusaka não são o simples resultado da luta armada, mas sim o resultado de uma complexa combinação de fatores nacionais e internacionais de que ela, a luta armada na África, evidentemente faz parte, como também o faz o "processo de descolonização" do imperialismo português, sua capacidade de manobra devida ao relativo isolamento da luta de independência, ao peso do oportunismo sobre o proletariado metropolitano, ao apoio que seus tutores imperialistas lhe proporcionam na rede intrincada e contraditória das vassalagens e rivalidades imperialistas, etc.
Nessas condições, assimilar e reduzir esses acordos unicamente ao resultado da luta armada significa subestimar a responsabilidade do Estado português e, dialeticamente, a responsabilidade do proletariado português, ou seja, significa por-se em paz com a sua consciência em vez de preparar uma luta que esta longe de ter terminado.
Pior ainda. A identificação do "processo de descolonização" com a luta dos povos coloniais deve levar forçosamente à conclusão de que os obstáculos com que essa luta se depara não derivam da própria natureza do dito "processo”, mas, ao contrário, de desvios em relação ao mesmo, desvios esses que visariam desnaturá-lo. Eis, pois, a política de Spínola definida como uma tentativa da burguesia de “transformar o processo de descolonização… em implantação de uma solução neocolonial" (idem). Os acordos de Alvor não seriam uma imposição do Estado colonialista aos rebeldes angolanos e uma armadilha preparada pelos partidários do imperialismo popular e socializante do MFA para um MPLA que tudo predispunha a nela cair; pelo contrário, eles determinariam "as modalidades do acesso à independência de Angola" (são diplomatas imperialistas ou revolucionários que estão falando? ) "SOB A DIREÇÃO DO MPLA3 DA FNLA E DA UNITA" (Luta Protetária, n.° 9) e não do Estado português, o qual, como acontece frequentemente nas teorizações dos trotskistas, pura e simplesmente evaporou-se!
Depois de isentar o Estado português de modo tão vergonhoso, a LCI tentará salvar a cara suspirando a respeito da "cumplicidade das autoridades portuguesas em Angola" (Luta Proletária, n.º 11) — mas nunca, é claro, das democratícissimas e anti-imperialistíssimas "autoridades" metropolitanas — para com as "manobras neocolonialistas da FNLA", o que deixaria supor que, assim agindo, as "autoridades" em questão contradiriam uma missão descolonizadora tão eminentemente civilizadora quanto sua missão colonizadora de outrora! "Os acordos de Alvor são hoje letra morta. O Alto Comissário português em Angola e as forças armadas em geral" (sempre em Angola, é claro) "permitem a livre atuação das forças reacionárias" (Luta Proletária, n.º 10) . É mais que óbvio que o Alto Comissário e as Forças Armadas não são nem por sombra "forças reacionárias"...
E quando acusam o governo provisório de ser um "intermediário do imperialismo" e o "instrumento de uma solução neocolonial", não é porque a política desse último tem por objetivo a salvaguarda dos interesses portugueses, mas porque é "baseada na manutenção das posições capitalistas" em geral e "numa ampla dependência... de sua economia para com o conjunto do imperialismo" (Luta Proletária, n.º 9), coisa que permite silenciar sobre as responsabilidades do capitalismo, do imperialismo e do Estado portugueses em particular.
Além do mais, essa acusação contra o governo provisório é uma simples figura de retórica, pois a LCI logo se precipita em apelar para ele a fim de que impeça justamente a ameaça de uma solução neocolonialista! "É preciso que (os trabalhadores e os revolucionários) forcem o Governo Provisório e o Conselho da Revolução a impedir as atitudes e as manobras, objetivamente a serviço de uma solução neocolonialista, do Alto Comissário e das Forças Armadas em Angola" (Luta Proletária, n.º 10). Mas quem são esses últimos, se não os mandatários dos primeiros?
Que sentido, pois, pode ter a reivindicação da "independência total e incondicional" avançada pela LCI, se essa última avaliza o famigerado "processo de descolonização no qual a independência só é concedida sob determinadas condições, que são impostas pela metrópole e que visam limitar o máximo possível o alcance da independência?
Que significação pode ter, então, a exigência da retirada das tropas, que a LCI formula, se essa última dissocia o Estado português de suas tropas coloniais e só condena estas para permitir que aquele não seja comprometido; se ela não exige, ao mesmo tempo, a supressão imediata e incondicional de toda e qualquer ingerência — económica, política e diplomática, além de militar — do "seu" imperialismo nas colónias, isto é, o abandono de "processo de descolonização", que consagra essa ingerência?
Infelizmente, tudo isso não são mais que palavras vazias, que têm decerto ressonâncias internacionalistas, mas que só servem para encobrir a triste realidade da caução dada a seu Estado. O verdadeiro internacionalismo proletário não pode satisfazer-se com meras proclamações verbais; ele exige, por parte dos revolucionários das nações opressoras, uma luta sem reservas contra "seu" Estado, uma denuncia aberta dessa opressão, uma ação sem hesitações contra toda forma de ingerência do "seu" imperialismo. Sem esse verdadeiro derrotismo em relação ao Estado opressor não pode haver agitação consequente em favor da independência das colónias nem verdadeira solidariedade para com os proletários, as massas exploradas e, mesmo, para com os movimentos independentistas.
(Le Prolétaire, n.º 203, 20/9 — 3/10/75, e n.º 204, 4/10 — 17/10/75
Il Programma Comunista, n.° 19, 10/10/75 e n.º 20, 24/10/75)
Inclusão | 25/04/2019 |