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Primeira Edição: Edições Afrontamento, Apartado 532, Porto. Capa de Luísa Brandão
Transcrição: Graham Seaman
HTML: Fernando Araújo.
De entre as movimentações operárias que nos últimos meses do regime fascista ocorreram no País, a dos metalúrgicos de Vieira de Leiria é, certamente, uma das que melhor exemplificam o processo de exploração a que estão sujeitos os trabalhadores portugueses. Falou-se então em greve, mas o que se passou revestiu sobretudo o carácter de um «lock-out», dado que a empresa de limas União Tomé Féteira, após paralizações isoladas numa ou noutra secção, que os trabalhadores atribuem à iniciativa dos próprios patrões, encerrou as portas da fábrica impondo a seguir a assinatura de uma declaração pela qual os operários renunciavam praticamente a todos os seus direitos, incluindo o de fixarem por contratação colectiva as condições da sua remuneração. Os operários, em número de várias centenas, só voltaram ao trabalho depois de conseguirem neutralizar aquela exigência tendo-se, entretanto, constituído uma cadeia de solidariedade que foi, sem dúvida, um ponto alto da luta reivindicativa da classe proletária portuguesa.
Em princípios de Abril já este livro estava totalmente escrito e grande parte dele impresso. Assim, certas afirmações recolhidas junto dos trabalhadores não puderam ser completamente reproduzidas, nomeadamente o relato pormenorizado do interrogatório feito pela PIDE a um dos operários com quem falámos, e que apenas se resume em nota de fundo, de página na altura devida. Por outro lado, o momento, em que este trabalho foi feito impôs limitações à própria condução da reportagem.
O material de trabalho foi uma conversa de dois jornalistas. com uns quinze trabalhadores, gravada em meados de Março na Praia da Vieira, a poucos quilómetros da sede da freguesia onde se encontram as fábricas. A isso se juntou alguma documentação que, no caso da Imprensa, foi então drasticamente limitada pela censura.
De qualquer modo, o material seleccionado, que é a quase totalidade do que se gravou, permite acrescentar um documento de grande interesse ao processo das condições de trabalho em Portugal. Assim por exemplo, os propósitos, repressivos da engrenagem corporativa ficam também nítidos neste processo, através das posições dúbias do chamado Instituto Nacional de Trabalho e Previdência (INTP) que permitiu ganhar tempo aos patrões à custa do agravamento das condições de vida dos operários e suas famílias, através de tentativas para levar o sindicato a defender interesses que eram os da empresa Tomé Féteira, através da actuação desinteressada e lenta de diversos organismos: oficiais, incluindo ministérios, através de esforços para manipular e dividir os trabalhadores e desacreditar o sindicato, etc. Clarificam-se ainda as condições em que os operários são obrigados a vender o seu trabalho, condições essas que vão desde o total desprezo pela sua saúde até à camuflagem das doenças profissionais.
A actuação da PIDE em todo este caso é também «exemplar»: quer tentando sobrepor-se a entidades específicas (sindicato, empresa, INTP), quer fazendo-se passar por organismo aplanador de conflitos, chegando inclusivamente a «denunciar» as injustiças do patrão Féteira, iludindo os trabalhadores, para, numa fase posterior, revelar os propósitos que todos antecipadamente conheciam — desencadear uma vaga de repressão contra os operários, com detenções, interrogatórios e ameaças que se prolongaram por algumas semanas. Na greve dos operários da fábrica «Leão», do Porto, em Março último, a PIDE agiu exactamente do mesmo modo. Portanto, a dimensão das atribuições da PIDE dentro do aparelho de Estado, durante o fascismo, ficam também aqui plenamente evidenciadas.
O livro que se segue corresponde apenas a este nosso objectivo: recolher um documento sobre à situação operária em Portugal, concretamente durante os últimos tempos do fascismo.
OS AUTORES
Fevereiro/74 foi um mês de sobressalto para mais de meio milhar de trabalhadores metalúrgicos de Vieira de Leiria.
Após uma nebulosa paralisação em alguns sectores da fábrica de Limas União Tomé Féteira, na manhã de 5 de Fevereiro, o seu proprietário Albano Féteira mandou encerrar os portões à saída dos trabalhadores para o almoço. Às 13 horas já os operários foram impedidos de entrar, tendo-lhes sido imposto, posteriormente, como condição de entrada, a assinatura da declaração que a seguir se transcreve:
«Declaração
EU ........ , operário metalúrgico, abaixo assinado, declaro de livre vontade que, tendo sido despedido com justa causa nos termos do disposto no despacho de 18-12-1942 e artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 23870 de 18-5-1934, alterado pelo Decreto-Lei n.º 24836, de 2-1-1935, por ter tomado parte activa na paralisação total do trabalho na fábrica da Empresa de Limas União Tomé Féteira, Lda., aos 5-2-1974, e tendo solicitado a minha readmissão, concordo com as 13 condições que me são propostas, a saber: perda da antiguidade relativa à relação ou relações de trabalho com a empresa, anteriores à greve; cumprir integralmente os deveres que me são impostos por lei, comprometendo-me à prestação do trabalho com zelo, lealdade, assiduidade e respeito para com os superiores hierárquicos e companheiros de trabalho; a manter, como mínimo, a média de produção do último semestre; não voltar a tomar parte activa ou passiva em quaisquer actos ilícitos atentórios aos interesses da Empresa e da economia nacional; aceitar a prestação de trabalho sem qualquer aumento de remuneração em relação à anterior ao meu despedimento, salvo quando imposta por via contratual, via administrativa ou com aumento voluntário ou de mútuo acordo feito com a entidade patronal.
Vieira de Leiria...... Ass.»
FÁBRICA DE LIMAS DE VIEIRA DE LEIRIA
Estão em vista revisões salariais na Fábrica de Limas Tomé Feteira, de Vieira de Leiria, bem como noutra fábrica dessa localidade e noutras da Marinha Grande. De vários outros pontos do país recebemos informações sobre novos salários praticados.
RECOLHA DE FUNDOS
O conselho-fiscal da Federação dos Sindicatos dos Metalúrgicos decidiu, recentemente, à recolha, por toda a classe, de fundos destinados aos trabalhadores de Vieira de Leiria — cerca de 500 — que se encontram inactivos. Estes têm-se deslocado diariamente à fábrica de limas onde trabalhavam, cumprindo, fora dela, o seu horário de trabalho.
A SITUAÇÃO DOS TRABALHADORES DA EMPRESA DE LIMAS TOMÉ FETEIRA E FÁBRICA PORTUGUESA DE LIMAS
Os trabalhadores metalúrgicos das empresas de limas de Vieira de Leiria de Tomé Feteira e Companhia Portuguesa de Limas vivem uma situação que, sendo comum à dos outros trabalhadores, é agravada pela atitude dos seus patrões que procuram piorar a já de si precária situação em que vivem.
Como exemplo, pode registar-se o que se Passou na empresa de Tomé Feteira durante as negociações e posteriormente à entrada em vigor do CCT dos metalúrgicos, em 1972. Foram várias as atitudes da empresa nomeadamente uma ameaça de encerramento da fábrica no caso da proposta de CCT ser atendida... Neste momento, quando os metalúrgicos discutem a revisão das retribuições mínimas, a administração da empresa tentou levá-los a aceitar um aumento de 25% em 1974 e mais 10% em 1975, desde que assinassem um documento em que se desvinculavam do CCT dos metalúrgicos...
Ora, os trabalhadores pretenderam que a empresa desse cumprimento à sua promessa aumentando-os desde logo 25%, sem prejuízo dos aumentos devidos à vinculação ao CCT dos metalúrgicos, único CCT que os pode reger.
À atitude dos metalúrgicos a empresa de Tomé Feteira respondeu com o «lock-out» — encerramento da fábrica, a partir das 13 horas do passado dia 5 de Fevereiro. Os trabalhadores mantiveram-se junto dos portões da fábrica, cumprindo aí o horário normal de trabalho...
O sr. Tomé Feteira, para lá da sua atitude, ainda pretendeu obrigar os trabalhadores a assinar uma declaração, através da qual solicitavam a sua readmissão, concordando com as seguintes condições:
— «perda da antiguidade relativa à relação ou relações de trabalho com a empresa...»
— «cumprir integralmente os deveres que (me). são impostos por lei», comprometendo-se «à prestação do trabalho com zelo, lealdade, assiduidade e respeito para com os superiores hierárquicos e companheiros de trabalho, a manter como mínimo a média de produção do último semestre».
— «não voltar a tomar parte activa ou passiva em quaisquer actos ilícitos atentórios aos interesses da empresa e da Economia Nacional».
— «aceitar a prestação de trabalho sem qualquer aumento de remuneração em relação à anterior ao (meu) despedimento, salvo quando imposta por via contratual, via administrativa ou com aumento voluntário ou de mútuo acordo feito com a entidade patronal».
Esta declaração, que define bem quem a elaborou, não foi assinada pelos trabalhadores.
Por seu turno, os trabalhadores exigiram da empresa a reabertura incondicional da fábrica, a continuação de todos os trabalhadores nos lugares que ocupavam e sem perda de quaisquer direitos, o pagamento das remunerações devidas aos trabalhadores durante o período de encerramento da empresa.
Posteriormente, a Companhia Portuguesa de Limas reabriu, continuando os trabalhadores com as mesmas regalias e direitos que anteriormente gozavam.
QUE SE PASSA EM VIEIRA?
— Têm filhos, mulher e homem, a trabalhar na mesma empresa e como a fábrica paga pelo salário mínimo, o pouco que ganham sempre fazia jeito. Eles, esta semana acabou a quinzena, estão mesmo em precária situação. Vão receber quatro dias. Três ou coisa assim. O INTP tem plenos poderes para abrir a fábrica — fala-nos um dirigente do Sindicato Nacional dos Operários Metalúrgicos e Ofícios Correlativos do Distrito de Leiria.
«O povo de Vieira está aflito», diz-nos o nosso interlocutor. Perto de mil operários trabalham nas 3 fábricas metalúrgicas de Vieira de Leiria, sendo perto de 700 nas Limas Tomé Feteira cujos portões estão agora encerrados para a grande maioria deles. «Os trabalhadores ficam à espera que ele abra a porta ou à espera que alguém dê previdências para ir lá para dentro», conta a gente da terra.
O dirigente do Sindicato Nacional: — Alguns trabalham no verão no lançamento de redes na pesca, agora é impossível. No inverno não se pode lançar redes. Esses operários devem estar numa situação que não sei.
Pessoas de Leiria, comentam: — São, horas e horas, todos os dias à espera que lhes abram o portão para irem trabalhar.
Os operários: — Foi uma pedra que se atirou a um poço. A malta não sabia de nada. A gente não chegou a saber nada daquilo. Ninguém sabe como aquilo começou.
O dirigente do Sindicato Nacional: O que ele pretende é não pagar o novo contrato, aquilo que as tabelas salariais possivelmente pedirão. E segundo ele nos disse, no próprio dia 5, no refeitório, ele não se importa nada de fechar esta fábrica.
Estão lá dentro cento e tal operários a trabalhar, a fingir que trabalham, para manter as coisas em condições. É gente da confiança dele. Entram por umas portas traseiras que dão para os altos fornos, não entram pela porta principal.
— Eles têm encomendas. Ele também nos disse lá no refeitório que tem a produção vendida até ao fim do ano, mas que não sabe ainda o preço a que vai fazer essas vendas; conta-nos o dirigente do Sindicato Nacional. Só de grosas de sapateiro tem encomenda para dois anos, informa-nos outro operário que se junta ao grupo que acorreu a falar-nos do seu caso.
Os trabalhadores aspiram aos 6 mil escudos. Este operário, aqui, com 36 anos de Casa, ganhava 4100$00. Aquela operária, 34 anos de fábrica, limadora, 3 100$00, um dos salários mais altos para mulheres. Um servente, 2600$00: «ainda há mais baixos, mas é rapazitos novos. Entrei para a fábrica a ganhar 18900 por dia, há 6 anos». Um operário e uma operária — 70 anos de trabalho na fábrica de limar.
Contam-nos: — Há operários que trabalham lá há 36 anos e há secções da fábrica que não conhecem.
O dirigente do Sindicato: — Eles nasceram ali dentro da fábrica, praticamente.
— Os operários continuam a aparecer lá todos os dias, desde as 8 da manhã, até o fecho da fábrica. É assim desde o dia 6 de Fevereiro. Os trabalhadores ficam ao portão durante o seu horário de trabalho. É o dirigente sindical quem nos diz.
Dois dirigentes do Sindicato Nacional dos Metalúrgicos de Leiria são operários da fábrica. Estão na rua também, como os outros.
★ ★ ★
No n.º de Abril do «Jornal do Centro» veio transcrita a declaração que a empresa pretendia fosse assinada pelos operários.
No n.º 7 (Março) da «Informação Associativa» da Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências de Lisboa publicaram-se declarações de trabalhadores e um breve relato dos acontecimentos.
Diversos sindicatos incluíram nas suas informações relatos dos acontecimentos de Vieira de Leiria.
Freguesia da região litoral, Vieira de Leiria deve a sua formação certamente a actividades adstritas ao Pinhal de Leiria com o qual confina.
O seu desenvolvimento industrial data do séc. XIX, tendo sido em consequência dele que a população duplicou em menos de cem anos: desde 1860, altura em que a freguesia era já uma povoação importante, até 1960, aproximadamente.
Segundo dados oficiais a população cifrava-se em 4 784, no início da década de sessenta, tendo naturalmente decrescido a partir daí com o surto emigratório que tomou elevadas proporções no País. Assim, segundo o último censo (de 1970), a população da freguesia computa-se em 4655 indivíduos o que corresponde a um quinto da população do concelho — Marinha Grande.
Vieira de Leiria, centro das limas portuguesas, dista quinze quilómetros da Marinha Grande.
Reproduzimos a seguir o essencial de uma gravação de depoimentos de um grupo de quinze trabalhadores da Fábrica de Limas União Feteira que, a nosso pedido, se prestaram a fazer um relato dos acontecimentos que acabaram de viver.
Repórter — Para começar podíamos falar dos antecedentes, isto é, das causas que estiveram na origem do «lock-out».
Trabalhador — Bem, o primeiro facto desagradável que se verificou já é hábito do sr. Tomé Féteira, sempre que anda em curso uma negociação do CCT, porque já em 1971, quando foi do actual contrato, ele deu cartas de despedimento a 800 trabalhadores. Nessa altura mandou encarregados e chefes de secção com um papel a subornar os trabalhadores para assinarem uma desvinculação do contrato que viesse a ser homologado, dando ele apenas 20 % de aumento de salário. Os trabalhadores rejeitaram e O sr. Tomé Féteira ameaçou despedir tudo, mas foi chamado a Lisboa e acabou por despedir apenas 200. Nessa altura já existia a actual direcção do Sindicato. Em fins de 1972, como o contrato previa novo aumento de salário — cerca de 10 % para Junho de 1973 — o patrão voltou a despedir mais de duzentos e tantos trabalhadores, alegando falta de encomendas, falta essa que nunca pudemos verificar(1). E agora como estão de novo em curso negociações para revisão dos salários mínimos, o sr. Tomé Féteira voltou a fazer a mesma coisa. Em 12 de Janeiro chamou os dirigentes do Sindicato, que são trabalhadores da firma, para apresentar nova proposta, mais uma vez ilegal, como é hábito. Pedia ele, a administração, que os trabalhadores assinassem um requerimento e o mandassem ao Governo, desvinculando-se do CCT dos metalúrgicos e aceitando apenas 25% de aumento em 1974, e mais 10% em 1975. Dizia ele que a firma é uma firma exportadora e que os sindicatos pediam seis mil escudos de salário mínimo e que, se viesse alguma coisa parecida com isso, teria que fechar a fábrica, por não poder concorrer com as firmas suecas. Que com as inglesas e francesas ainda podia, mas com as americanas e suecas não. De modo que, dizia ele, os trabalhadores que escolhessem o seu futuro: ou aceitavam os tais 25 por cento e assinavam juntamente com o Sindicato a tal famosa declaração a desvincularem-se do contrato, ou então fechava a porta e punha tudo na rua. Os trabalhadores que vissem bem, etc., etc... Ora quem devia dizer ao Governo que não podia pagar era ele, patrão, e não pretender que fosse o próprio Sindicato a pedir a assinatura de um documento que prejudicava os próprios trabalhadores. O Sindicato fez, então, uma reunião com toda a gente informando os trabalhadores da proposta vergonhosa do sr. Albano Tomé Féteira. Foi daqui, do conhecimento da proposta, que partiu todo o mal-estar dentro da firma. Apesar desse mau clima, nada fazia prever aquilo que veio a acontecer no dia 5 de Fevereiro com a paralisação parcial.
R. — E entre essa comunicação do dia 12 de Janeiro e o dia 5 de Fevereiro não houve nada de especial?
T. — Absolutamente nada.
R. — Então no dia 5 de Fevereiro, por conseguinte, deu-se uma paragem e a porta da fábrica apareceu fechada de tarde. Foi isso?
T. — Foi depois de uma reunião.
R. — Ora, como se passaram as coisas nesse dia?
T. — Nesse dia por volta das oito e meia da manhã verificou-se uma ligeira paralisação em algumas secções. Os dirigentes sindicais foram ao escritório procurar o sr. Albano Féteira, que estava com o seu filho Joaquim, numa tentativa de saber o que é que havia. O sr. Albano Féteira disse que não os podia atender, que os trabalhadores não lhe haviam pedido nada, que não queria saber. Os dirigentes sindicais participaram-lhe, então, que iam comunicar o caso ao INTP, tendo o sr. Albano Féteira respondido: «pronto, vão».
Os dirigentes foram imediatamente ao INTP, a Leiria, e falaram com o subdelegado que estava presente, o qual lhes respondeu que seguia imediatamente para Vieira, Assim sucedeu, tendo o subdelegado, já na fábrica, chamado três ou quatro trabalhadores de cada secção para uma reunião no refeitório. Nessa altura os dirigentes sindicais acharam estranho que nenhum elemento da administração da empresa estivesse presente nessa reunião. De qualquer modo, na reunião, os trabalhadores disseram ao subdelegado do INTP que se a empresa podia dar mais 25% agora e, ainda, 10% em 1975, eles pretendiam esse aumento de 25 % imediatamente, sem prejuízo do que entretanto viesse a ser fixado pelo CCT. O subdelegado mandou então chamar a administração, tendo comparecido, ainda nessa manhã, um filho do sr. Albano Feteira e um sobrinho que é alemão e sócio da firma. Foi-lhes exposta a situação dos trabalhadores, que vivem com dificuldades, que a vida encarece dia a dia e a sua pretensão de receberem imediatamente os 25 %. Os dois srs. disseram que nada podiam resolver. Primeiro o sr. Joaquim Féteira começou Se querer negar a afirmação que o pai tinha feito.
R. — Sobre a atribuição desses 25% em 1974?
T. — Exactamente. Bem, acabou por dizer que ele e o primo não podiam resolver nada sem o pai estar presente.
Então, mandou-se chamar o pai e, entretanto, deu o sinal do meio dia para que os trabalhadores que estavam dentro da fábrica viessem almoçar. Os trabalhadores quando apitou saíram, os que estavam dentro da fábrica, não os que estavam na reunião.
R. — Entretanto havia secções que estavam a trabalhar?...
T. — Não, só houve duas ou três secções que não paralisaram. Eram cerca de cem. Aquilo tem cerca de setecentos... Estavam cerca de 600 paralisados. De maneira que os trabalhadores que estavam dentro das instalações da fábrica saíram e quando era meio-dia e dez, praticamente quando o último trabalhador saiu, surgiu o sr. Albano Féteira que, antes de ir ter connosco lá à reunião, mandou logo encerrar os portões da fábrica. Entrou e o subdelegado pôs-lhe o problema: que os trabalhadores pretendiam esses 25% e ele disse que não dava nem um tostão, que se os trabalhadores tivessem ido pedir antes de terem paralisado, que dava imediatamente ordem para que nesse mesmo mês saísse esse aumento. Ora todos os trabalhadores sabem que isso é mentira porque ele quem lhe arranca um tostão, arranca-lhe a vida. Perante este facto o subdelegado do Trabalho virou-se para os trabalhadores e disse: «então, e agora qual é vossa posição? O patrão não dá os 25%». E houve alguns trabalhadores que disseram «bom, a vida está cara, nós cada vez vivemos pior, mas se o sr. Albano não quer ou não pode dar os 25%, pois nós vamos trabalhar com à mesma vontade que temos trabalhado até aqui, aguardando que o contrato saia e depois recebemos aquilo que vier no contrato». Então o subdelegado do Trabalho disse: «pronto está o incidente sanado». Mas o sr. Féteira levantou-se, deu uns socos na mesa e disse: «agora . mais ninguém entra na minha fábrica porque eu passava noites sem dormir a pensar na vergonha que ia dar à família Féteira por ter de encerrar os portões se o contrato viesse elevado e assim agora tenho-vos na mão, vocês vieram ao encontro dos meus desejos» — e logo aí reafirmou que só abriria a porta nesse mesmo dia se os trabalhadores assinassem o tal documento, de contrário não abria mais a porta; e afirmou ainda ao representante do Governo, que tinha sido a direcção do Sindicato que no domingo anterior às oito horas da noite tinha tido uma reunião nas matas, para organizar a greve.
R. — Disse em voz alta?
T. — Em voz alta.
R. — Outro aspecto: a partir do momento em que começou a haver paragens, houve alguma reacção do sr. Tomé Feteira?
T. — Não houve não, até pelo contrário. Segundo julgamos saber, não de fonte limpa, mas que temos ouvido isso, a alguns empregados de escritório ele teria dito que quando se apercebessem que estavam a paralisar, fossem junto dos trabalhadores ou que mandassem chamar Os rapazes do Sindicato a perguntar o que é que os trabalhadores queriam. Assim podia-se resolver, mas ele disse imediatamente que não, quando foi informado do que passava, como já foi referido.
R. — Os srs. acham que ele sabia do que ia acontecer naquele dia?
T. — Ele afirmou, na reunião do refeitório, que já sabia de véspera, um dia antes que o sabia. Nessa altura não afirmou como o soube. Apenas disse que já o sabia e o filho disse que também já sabia de véspera, pelo que os dirigentes do Sindicato responsabilizaram-no, na presença do subdelegado. Se sabia de véspera, o dever dele era participar às autoridades e se quisesse participar à direcção do Sindicato.
R. — Até porque estavam as negociações em Curso e a direcção foi apanhada de surpresa pela paralisação. Segundo um comunicado, alguns trabalhadores, a soldo do sr. Albano Féteira, é que teriam provocado a paralisação. Que sabem sobre isso?
T. — Tudo indica que ele tivesse sido o mentor da paralisação. E tudo indica porquê? Porque já em 1971 ele despediu 200 trabalhadores, em 1972 despediu mais 200 e agora ele já teria afirmado várias vezes que tinha intenção, já no tempo do irmão sr. João Feteira que era sócio, de largar o mercado externo, porque ele diz que os mercados externos são muito flutuantes, a descida do dólar e tudo isso, e ficar apenas com o mercado nacional. Ele absorve com facilidade o mercado nacional e para isso bastar-lhe-iam 200 a 250 ou até 300 trabalhadores. Como ultimamente têm surgido alguns aumentos, embora nada daquilo que se necessita, em relação àquilo que se verificava há alguns anos atrás, e como ele estava habituado a lucros chorudos, agora possivelmente será um pouco mais apertada essa margem, pois ele ao prever que o contrato pudesse vir, de facto, com os 6 000 escudos que os sindicatos reivindicam pois ele teria na mente ficar precisamente com o mercado nacional e despedir cerca de 200 a 300 trabalhadores. Ora para isso era preciso muito dinheiro para indemnizar, porque dos 600 trabalhadores que lá trabalham, talvez 70 a 80 por cento tem mais de 25 anos de firma. Portanto isso iria a muitos milhares de contos. E se formos buscar que O irmão já fez o mesmo na Covina e que se saiu bem, em 1958 creio, pois se formos analisar... Já em tempos tinha havido uma paralisação, há uns anos, e eles procuraram imediatamente resolver o assunto no mesmo dia, dando 17% de aumento. Desta vez fechou-se dentro do escritório. Não quis ir perguntar a nenhum trabalhador porque é que tinha parado. Eram algumas 10 horas foi a algumas secções e encontrou até 4 trabalhadoras paradas e perguntou-lhes: «então vocês também pararam?», «pois paramos, os outros pararam todos e nós também»; «está bem fizeram bem, juntem-se aí às 4, façam aí um vira e dancem um pouco» e riu-se. Saiu e fechou a firma nesse mesmo dia e prontificou-se a abri-la se os trabalhadores assinassem um documento a desvincularem-se do CCT. Como não assinámos, pois ele daí a dois dias apareceu com a declaração que todos conhecem. Quer dizer a intenção era sempre a mesma- — o mínimo de encargos para a firma. E foi voz corrente que um trabalhador teria sabido na véspera pelo próprio sr. Albano Féteira.
R. — Soube-se isso?
T. — Constava-se isso. Por outro lado constava que outro trabalhador muito afecto ao sr. Féteira e aos filhos, teria andado pelas secções que não teriam ainda paralisado, a dizer «então vocês estão a trabalhar e os outros lá em cima estão parados?!». Um outro trabalhador também muito afecto ao sr. Féteira teria dito a dois outros que começavam a trabalhar cedo, às sete, mais ou menos isto: «olhem que amanhã ninguém começa sem novas ordens». Depois, no dia 8 de Fevereiro, quando já no dia 6 e 7 ninguém tinha entrado na fábrica, nem os empregados de escritório, verificou-se que aquele trabalhador que já sabia de véspera, entrou sem assinar qualquer papel. Na 2º feira seguinte entrou outro que, segundo dizem, teria andado nas secções a mandar paralisar os outros; e, na 47 feira, entrou o outro que teria dito «amanhã ninguém começa sem novas ordens». E todos entraram sem assinar a tal declaração.
R. — São significativos todos esses aspectos.
T. — Depois, quando os trabalhadores começaram a responsabilizar o sr. Féteira pela paralisação, um grupo deles disse-lhe que ele teria de justificar quem é que o avisou, pois se sabia de véspera que dissesse quem o tinha avisado. E ele então passou a afirmar que o soube por um telefonema anónimo. Mas continuou sempre até o dia 6 de Março, altura em que o assunto ficou por enquanto arrumado, a afirmar que a direcção do Sindicato é que fomentou...
T. — Caso curioso, até um desses trabalhadores, afectos à família Féteira, após a entrada no dia 8 daqueles 120 trabalhadores que não tinham paralisado, aparece-nos no fim de uma reunião que tivemos no Sindicato, a perguntar se haveria mal em assinar a declaração que lhe foi posta à frente. Ora esta intenção traz qualquer coisa que nós não conseguimos de momento descobrir, porque se ele tinha sido chamado a trabalhar sem ter assinado algum documento, por que razão ele vinha agora com aquela pergunta?
T. — Aliás esse trabalhador foi precisamente nesse dia ao Sindicato porque tinha havido lá uma reunião. Mesmo na sala de reuniões chegou a entrar em litígio com outros trabalhadores, e a direcção teve que o pôr fora. Tivemos quase a certeza de que ele foi lá ver se havia pancadaria, para mais agravar a situação dos colegas e da própria direcção do Sindicato.
Depois quando ele fechou a fábrica, no dia 5, nós fomos. almoçar, mas ficou combinado que da parte da tarde a reunião continuaria, para resolver o problema. Quando os dirigentes do Sindicato voltaram do almoço juntamente com o subdelegado do Trabalho, dirigiram-se à firma e a administração tinha desaparecido. Nós e os dirigentes sindicais ficámos à porta da fábrica até às cinco e meia, hora em que se saía do trabalho. A partir desse dia até ao assunto ficar resolvido cumpríamos o horário de trabalho em frente da porta da fábrica.
T. — Todos os dias. Tivesse chuva, tivesse vento, tivesse o que tivesse, sempre ali, nunca saímos dali.
T. — De maneira que o subdelegado disse-nos: «Bom, eu tenho de ir à procura deles (administração). Os srs. ficam aqui, eu vou procurá-los».. Pois chegaram-se as cinco e meia e não veio ninguém. Fomos para o Sindicato e já era mesmo à noite, sete e tal, quando apareceu lá o subdelegado de Trabalho. Finalmente tinha encontrado, não sabemos onde, o chefe lá do escritório, chamado Lavos, que também afirmou ao subdelegado que o sabia de véspera.
T. — É o sr. que trata lá das contas.
T. — É o chefe da engrenagem.
R. — Disse mesmo ao subdelegado de Trabalho?
T. — Disse. Foi até o próprio subdelegado quem informou e que, portanto, a decisão dos Féteiras "seria mesmo fechar a porta a todos os “trabalhadores, considerando-os despedidos com justa causa por terem paralisado. E que os que, não tinham paralisado entravam no outro dia. Afinal só no dia 8 é que abriu a porta — a porta das traseiras — a esses 120 trabalhadores.
R. — Esses não assinaram a declaração?
T. — Pois não. Esses foram os 120 que não tinham paralisado. Nessa altura o sr. Albano Féteira mandou chamar os dois dirigentes do Sindicato para irem trabalhar também. Eles foram ter com ele e disseram-lhe que enquanto a situação se mantivesse não podiam ir trabalhar e deixar 500 homens lá fora. Então ele disse-lhes: «Os srs. só têm duas coisas a fazer: ou não têm nada com a paralisação e vem trabalhar ou não trabalham e são solidários com eles». Os dirigentes sindicais disseram, então, que não se incomodavam nada com o que ele dizia ou pensava e que não iam trabalhar enquanto a nossa situação não fosse resolvida. Então ele disse que a situação estaria resolvida naquele mesmo dia se os trabalhadores quisessem: assinando a declaração que tinha vindo de Lisboa, dum advogado.
R. — Qual o advogado, sabe o nome dele?
T. — Dr. Ferreira Gomes. Os dirigentes do Sindicato perguntaram «quem é que fez isto?» e ele disse mais ou menos assim «Fui eu que no dia da paralisação — ou no outro dia — fui a Lisboa para encontrar o meu irmão Lúcio, ele não estava, eu telefonei-lhe para o Brasil, contei-lhe o que se passava e ele disse-me: ““ó pá vai ter com o advogado tal, que ele faz-te isso. Foi precisamente o que fiz na Covina”, vocês sabem que o meu irmão já fez isso na Covina». Nessa altura os dirigentes disseram: «mas O sr. acha, em sua consciência, que os trabalhadores que o sr. tem aqui, trabalhadores que vieram para cá com 10 e 12 anos e que têm hoje sessenta e tal, toda uma vida a trabalhar para o sr., que vão agora assinar isto? o sr. é agora que lhes vai pagar os anos que eles trabalharam para si?» E ele disse: «isso não interessa, eu não vou fazer uso das declarações, eles assinam-nas que é só para eu ficar com elas na mão e se eles se portarem bem, daqui por um mês ou dois eu rasgo-as». «Então, mas se é para rasgar, para que é que O sr. vai exigir que eles assinem?» «Pronto, podem participar que é isto mesmo que eu vou fazem, respondeu o sr. Féteira. Os dirigentes do sindicato não participaram nada e foram a Leiria com o advogado mostrar a declaração. Quando eles estavam em Leiria, um de nós telefonou para lá a dizer que o sr. Féteira tinha mandado um daqueles 120 afixar, no muro que fica fronteiro à fábrica, a célebre declaração e um cartaz a dizer: «admissão de pessoal». E depois dizia: «a partir de hoje e das tantas às tantas para admissão de pessoal desde que assinem esta declaração».
T. — Há um caso curioso que aproveitava para salientar, é que após a paralisação e após a apresentação dessa tristemente celebérrima declaração, aquilo que o afligia constantemente, que segundo ele tinha dito era a incerteza do valor das retribuições mínimas da revisão do contrato, desaparecia ali completamente. Ele disse que daria os tais 25% desde o momento em que os trabalhadores assinassem a declaração e que quando o contrato fosse decidido daria tudo O que ele trouxesse. Portanto, antes deste caso, toda a grande preocupação dele era não saber o valor das retribuições mínimas, depois deste caso já o. contrato não lhe causaria mais problemas nem preocupações.
R. — A assinatura desse documento ia pô-lo a salvo das indemnizações?...
T. — Exactamente.
T. — Porque para além da gravidade no aspecto criminal que a declaração em si envolvia, havia portanto essa faculdade da empresa absorver totalmente a antiguidade aos trabalhadores. Trabalhadores já com 20, 30 e 40 e tal anos de antiguidade a partir dali entravam como novos ficando automaticamente nas mãos do sr. Féteira e, ele, quando lhe desse na real gana, desfazia-se deles sem lhes dar um tostão de indemnização.
R. — Não viria isso de encontro às intenções que ele tinha de acabar com as exportações?
T. — Exactamente, exactamente.
R. — Para situar melhor, quando foi que o sr. Féteira disse que o contrato não o atemorizava?
T. — Foi precisamente no dia 8 de Fevereiro.
R. — A partir daí o sr. Albano Féteira ou alguns dos administradores teve mais algum contacto com os trabalhadores?
T. — Ele ainda se manteve cá na firma e teve vários contactos com os trabalhadores. «Que fossem trabalham», disse a alguns; «e que assinassem a tal declaração». A um disse-lhe: «eh pá então não vais trabalhar porquê?», à beira da estrada. «A, tou aqui, não vou trabalhar e tal». «Vai assinar e vai trabalhar homem»; mas ele não quis. Várias vezes veio falar com os trabalhadores, outras vezes mandou chamar grupos deles. Dizia-lhes sempre o mesmo: «os srs. vão trabalhar, os srs. assinem a declaração que eu daqui a um mês ou dois rasgo-a, o que eu quero é que vocês mantenham a mesma produção que mantinham e eu quero é que vocês se portem bem, que eu depois rasgo a declaração». Os trabalhadores diziam: «então por que é que não nos deixa entrar sem assinar a declaração? Se o sr. não confia em nós como é que nós vamos confiar no sr.? E o sr. se desejasse porque é que não procura os culpados, por que o sr. já sabia da véspera». E ele defendia-se com o telefonema anónimo. Os dirigentes sindicais tiveram mais uma reunião também com ele, dentro da firma, procurando mais uma vez demovê-lo. Estiveram mais de uma hora a conversar com ele, a fazê-lo ver que aquilo era uma injustiça para os trabalhadores e ele era sempre a mesma coisa: «Declaração assinada». Até lhe fizeram ver que ele nessa declaração podia meter todos os trabalhadores na prisão pois que os trabalhadores assinavam que tomaram parte activa numa greve, sendo a greve proibida por lei. E ele: «Não, que eu já falei com o sr. governador civil. O sr. governador civil já me deu a palavra dele de que não haverá problema sobre isso. Eu para bem dos trabalhadores até já mudei a palavra greve para paralisação. E quanto à antiguidade pois eu daqui a um mês ou dois dou a antiguidade outra vez aos trabalhadores. Era só para os ter na mão». Mas os dirigentes disseram: «os trabalhadores não assinam». — «Não assinam não entram, eu manterei estes trabalhadores, e se até ao fim do mês os outros não assinarem eu fecharei a fábrica e montarei outra mais pequenina e depois se não assinarem até ao fim do mês, nem com a declaração já cá os quero. Não entram cá mais», respondeu o sr. Féteira.
Todos os dias os dirigentes do Sindicato deslocavam-se ao INTP e tivemos a sensação que a própria delegação do INTP também foi muito morosa. Teve muito respeito ao nome Tomé Féteira e, portanto, não se impôs como possivelmente se devia impor. Porque fomos ao ministério e enviamos, imediatamente, vários telegramas para o presidente do Conselho, para o presidente da Assembleia Nacional, para os deputados pelo distrito, para o ministro das Corporações, enfim, mandámos telegramas a todo o mundo e ninguém...
R. — Não obtiveram nenhuma resposta?
T. — Só dois deputados é que responderam, mas foi já em Março. De maneira que como não obtínhamos qualquer resposta, a direcção do Sindicato foi ao Ministério das Corporações sem qualquer audiência marcada. Procuraram lá ser ouvidos pelo ministro ou pelo dr. Pinto Cardoso. Os funcionários disseram que o ministro não estava e que o outro tinha o tempo todo ocupado, não os podia receber. Então a direcção pediu para falar com o presidente da Comissão Central dos assuntos metalúrgicos que é o dr. Costa Santos. Foram recebidos por ele. Ele já estava a par do problema, leu a declaração que o patrão queria que os trabalhadores assinassem e pasmou. Quando viu lá os decretos e os despachos de 34, 35 e 42, disse: «Éh caramba, está aqui um vá lá, já eu tinha nascido, tinha 5 anos (que é o de 42), os outros ainda nenhum de nós andava cá neste mundo». E depois disse: «isto é uma calamidade, se os outros patrões quando houver alguma coisita destas, se agarram a isto, é um problema».
R. — E os trabalhadores ou o Sindicato procuraram esclarecer a viabilidade legal do procedimento tido pela empresa, fechando a fábrica?
T. — Isso era um problema que possivelmente só em tribunal se poderia ver. De qualquer modo, e o Sindicato consultou o decreto, tinha havido uma paralisação, embora parcial; Foi-nos dito pelo dr. Costa Santos que se a delegação do INTP tivesse sido mais enérgica o patrão tinha aberto a fábrica no primeiro dia. Aliás foi-nos referido também um problema idêntico havido na fundição de Oeiras. Neste caso a administração também fechou os portões e disse aos delegados do INTP que prescindia da ajuda destes. Os delegados responderam que não eram empregados da fundição e que estavam ali em funções do Governo, portanto que abrissem as portas para os trabalhadores irem trabalhar, que eles queriam trabalhar. A administração recusou-se a abrir, alegando que os trabalhadores tinham parado e que por isso estavam todos despedidos, mas os delegados insistiram que eles queriam ir trabalhar e chegaram mesmo a pedir um telefone para chamar a GNR a fim de prender a administração. Só quando o delegado pegou no telefone é que a administração deu ordem para abrir os portões da fundição.
R. — Isso foi contado aos directores do Sindicato pelo dr. Costa Santos?
T. — Foi sim. Até disse que a delegação do INTP de Leiria tinha poderes para mandar abrir a fábrica.
Bem, quando nós contamos isto ao delegado de Leiria ele respondeu que havia de encontrar o dr. Costa Santos a jeito, que as coisas se resolviam lá em cima e depois atiravam cá para baixo. O certo é que, depois da direcção do Sindicato, foi uma comissão de trabalhadores ao Ministério e já não foi recebida pela Dr. Costa Santos, mas pelo Dr. Fuseta da Ponte que disse à comissão que o problema já podia estar resolvido, mas a culpa foi do Sindicato que foi dizer coisas que o Dr. Costa Santos não tinha dito, e que este estava muito aborrecido. Disse, também, o Dr. Fuseta da Ponte, que o problema já podia estar resolvido se fosse tratado a nível regional e que a culpa era do Sindicato que tinha levado as coisas a nível nacional.
Ora, o Sindicato levou as coisas, de facto, a nível nacional, mas porquê? Porque do dia 5 ao dia 16 de Fevereiro as autoridades competentes nada fizeram para resolver o problema.
R. — Íamos exactamente entrar nesse ponto: como é que as autoridades reagiram a partir desse dia?
T. — Nem delegado, nem Ministério, nem ninguém a quem mandámos telegramas respondeu ao caso, e havia 400 e tantos trabalhadores cá fora, que equivalem a cerca de duas mil pessoas, com a família. Diziam-nos que tinha havido paralisação no, trabalho, que havia justa Causa para despedimento, mas por outro lado o sr. Féteira nunca participou oficialmente os despedimentos, nem ao INTP, nem ao Sindicato, não apresentou qualquer lista nem carta ou comunicação a dizer que estávamos despedidos por isto, assim, assim... Apenas dizia «não os quero cá, a não ser que assinem esta declaração». O Sindicato fez saber ao INTP, no próprio Ministério, que aquilo era uma autêntica chantagem, pois o sr. Féteira nem se importava, afinal, de ficar com a fábrica cheia de «grevistas», como ele nos chamava, pois despedia-nos às 10 e meia e, às 10,45, assinando a tal declaração, já todos lhe servíamos... Portanto o Sindicato disse que era uma chantagem e que não se compreendia como é que o Governo permitia uma situação dessas. Fizemos também saber, no Ministério e na delegação do INTP, que o problema estava a tomar um carácter que poderia descambar para a violência, porque 400 e tantas famílias sem ninguém que lhes valesse não se sabia o que podia acontecer. As coisas não se resolviam, o Sindicato não era recebido pelo subsecretário de Estado (dizia-se que ele tinha dito «então eu vou receber grevistas!?») e no dia 16 houve uma reunião do Conselho Geral da Federação dos Sindicatos, onde o nosso esteve presente, levando o caso de Vieira de Leiria ao conhecimento de todos. Os directores do nosso Sindicato pediram então, o que foi acordado, que se fizesse uma angariação de fundos para socorrer os trabalhadores de Vieira. Também foi aí decidido pedir uma audiência ao sr. Ministro das Corporações para que fosse recebido o Conselho Geral dos Sindicatos. Mas o sr. Ministro nunca deu resposta ao pedido do Conselho Geral. Então foi daqui uma comissão de trabalhadores procurando resolver, por meios particulares, aquilo que a nível oficial não se conseguia. Esta comissão foi a casa do filho do sr. Presidente do Conselho para ver se ele junto do pai, enfim... ele não estava, estava a esposa que nos disse que o sogro talvez nem tivesse conhecimento, que tinha estado fora, mas estava convencida que o sogro ia tomar posição. Bem, O caso começou a tomar efervescência muito grande porque o próprio sr. Albano Féteira começou a aliciar trabalhadores doutras empresas metalúrgicas, das outras fábricas de limas para irem para a fábrica dele, para obrigar assim os trabalhadores que estavam fora a assinarem a tal declaração. Inclusivamente, conseguiu que um trabalhador que tinha vindo de França, em Outubro, e que tinham escorraçado quando lá foi pedir emprego, fosse trabalhar para eles, apesar de ter o pai e um irmão cá fora. Foi um dos que foi trabalhar quando a fábrica abriu logo no dia 8 para os 120 trabalhadores.
R. — Houve mais diligências, depois, junto do Ministério das Corporações?
T. — No dia 4 de Março deslocou-se a Lisboa uma comissão de trabalhadores que se dividiu em duas comissões, uma acompanhada por dois dirigentes sindicais que se dirigiu ao Ministério do Interior, outra, também com um dirigente sindical, ao Ministério das Corporações. Enquanto esta aguardava que dessem qualquer resolução para os atender apareceu outro dirigente sindical, e qual não foi o espanto quando, sem querer, aparece o Dr. Costa Santos no átrio do Ministério. Cumprimentou os trabalhadores e disse que estava impedido de os receber e até de lhes falar, em virtude daquela outra conversa que os trabalhadores tinham alterado e tinham pintado a coisa de outra maneira junto do delegado do INTP, o que não era verdade.
R. — Aquela conversa a propósito da fundição de Oeiras...
T. — Sim, que a delegação tinha poderes para resolver o problema. Portanto criou-se, ali, um ambiente de tal ordem que, inclusivamente, já brigavam uns com os outros para nos receber.
R. — E entretanto como evoluíam as coisas aqui na Vieira?
T. — No dia 20 de Fevereiro tudo se mantinha na mesma e os trabalhadores tomaram a iniciativa de ir, no dia seguinte, ao Ministério das Corporações. Os 400 e tantos trabalhadores, já que não atendiam os dirigentes sindicais nem ninguém, resolveram ir todos ao Ministério. Alguém lá tinha que os atender. Fomos à empresa de camionagem do Cândido Belo alugar as camionetas. Tinham nove camionetas à nossa disposição, ficaram alugadas às cinco da tarde. Eram seis horas e comunicam aos trabalhadores — ordem do governo civil ou da polícia — que as camionetas não podiam sair para Lisboa. Os trabalhadores como mais esta rasteira lhes foi passada, foram à empresa para saber se as camionetas podiam ser alugadas para ir só até à Marinha Grande, onde depois apanhavam o comboio para Lisboa. A empresa disse que sim e que se houvesse alguma coisa em contrário avisavam nesse mesmo dia 20. Como nada foi transmitido, no dia 21 de manhã estavam todas as camionetas no centro da Vieira e os 400 trabalhadores e o largo da povoação cercado por carrinhas da PSP e uma carrinha pelo menos da polícia de choque. Sai o comandante da força e vai junto do representante da empresa de camionagem proibir todas as saídas. Só podia sair a carreira das 8,45 para a Marinha Grande e sem desdobramento. Isso tornou efervescente o ambiente ali. No entanto, houve uma comissão de quatro trabalhadores que procurou mesmo assim ir a Lisboa, mas na Marinha Grande os táxis também estavam proibidos de sair. Então tiveram que ir num carro particular daqui à Nazaré onde alugaram um carro e foram a Lisboa. Foram esses tais que foram a casa do filho do sr. Presidente do Conselho.
Bem, a polícia cercou a Vieira e, depois, em vez de ir embora ficou o carro do comandante e algumas carrinhas por aí, às voltas; a polícia de choque foi para o posto da PSP daqui.
R. — E, nessa altura, como decorriam as coisas na fábrica?
T. — As mulheres da Vieira, portanto da freguesia, levantaram-se e juntaram-se em frente da firma onde exigiam em altos gritos que os portões fossem abertos aos seus maridos e aos seus filhos, enfim, abrissem os portões para irem trabalhar. A resposta da administração foi mandar chamar a polícia. Nesse dia a direcção do Sindicato tentou pela última vez junto da firma que abrissem os portões aos trabalhadores, sem que eles tivessem de assinar a tal declaração que eles nunca assinariam e a própria direcção do Sindicato era de opinião que eles não deviam assinar. Aí, mais uma vez, os dirigentes do sindicato foram acusados pelo gerente de terem sido os mentores da paralisação e não se chegou a qualquer acordo.
Nessa altura, alguns trabalhadores, já vencidos pela fome que estavam a passar, até chegaram a propor ao patrão que sim senhor, assinariam a declaração mas na presença do governador civil, do delegado do Trabalho e da direcção do Sindicato, com a condição de, daí a dois meses, se todos mantivessem a produção que tinham mantido no último semestre, ser devolvida a declaração aos trabalhadores. Ora a administração não quis, o que prova mais uma vez que eles queriam mesmo servir-se depois das declarações.
Entretanto, os tais 120 trabalhadores. que estavam dentro da fábrica quando viram a multidão. das. mulheres. com os braços levantados tiveram medo de sair e ficaram lá dentro, era uma e dez. Nessa altura a administração e o subdelegado do Trabalho responsabilizaram o Sindicato por algum incidente que viesse a dar-se e mandaram chamar uma carrinha da PSP, uma carrinha grande com. vinte ou trinta polícias. Os trabalhadores que estavam lá dentro saíram para almoçar e alguns que tinham, entrado sem assinar o papel tiveram que fugir pelas terras. Desde então as mulheres da freguesia fizeram piquete em frente da fábrica e não permitiram mais a entrada desses 120 trabalhadores. Nem pela porta do cavalo. Elas cercaram a empresa completamente. A partir desse dia as mulheres foram para lá desde as cinco e meia da manhã até à noite.
R. — E nunca mais entrou gente na fábrica?
T. — Nunca mais entrou ninguém. Havia centenas de mulheres desde o dia 21 até à solução do caso. O próprio comércio da Vieira começou a enviar de manhã o pequeno almoço às mulheres que estavam no movimento. Foi um bom movimento de solidariedade. A polícia também se manteve lá sempre. Entretanto a partir dessa altura correu o boato de que a família Féteira desapareceu da Vieira, Desapareceu porque as mulheres deram uns socos no carro do Albano Féteira e tal, e ele a partir desse dia nunca mais houve contactos, aliás a própria delegação do INTP. dizia que ele tinha desaparecido, que não se sabia onde ele parava, constava que em Espanha. Depois correu o boato que os 120 trabalhadores, foi a um domingo, iam outra vez cumprir o horário normal às 8 da manhã e como sabiam que as mulheres já lá estavam, iriam entrar à uma da manhã. E, então, as mulheres, nesse domingo, montaram piquete a partir das Onze da noite e durante toda a noite. Faziam fogueiras, embrulhavam-se em cobertores, para aguentar o frio.
R. — E não foram incomodadas pela polícia?
T. — Desse domingo para segunda isso foi ao conhecimento das autoridades e a partir das quatro da manhã começaram a chegar contingentes da PSP, de Leiria, Coimbra e Porto, salvo erro. Nesse dia houve um empregado do escritório que teve umas afirmações que as mulheres entenderam que não devia ter feito à cerca dos metalúrgicos, e as mulheres agarram esse empregado e levaram-no pelo ar durante uns cem metros e a polícia depois teve que o escoltar até Casa, alguns quinze polícias.
A polícia à partir desse dia começou a dispersar as mulheres e montou piquetes diante da fábrica. Então as mulheres montaram outros piquetes além da polícia. Depois a polícia mandou chamar os tais 120 trabalhadores e garantiu-lhes segurança na entrada e na saída da fábrica e esses 120 perguntaram: «E então a segurança depois na povoação?» E à polícia disse «ah, isso não, só garantimos à entrada e saída do portão», e eles «ah, assim não entramos». De maneira que o problema manteve-se neste pé.
Houve várias reuniões do Sindicato com os trabalhadores, fizeram-se circulares e começaram a vir fundos dos trabalhadores de todo o País. Vários trabalhadores foram ao Sindicato ver com os próprios olhos o que estava a acontecer. E o sr. Féteira continuava a não aparecer. Houve uma reunião no INTP com o delegado e o sr. Lúcio Féteira em representação do irmão, porque, depois, o irmão Albano teria passado credenciais ao irmão Lúcio para resolver o assunto.
R. — O tal irmão que estava no Brasil, Lúcio Féteira...
T. — Sim, o que estava no Brasil. O da Covina. Esse veio cá com um inspector da DGS que veio do Ministério do Interior e não se chegou a acordo. Isto foi numa quarta-feira e, na sexta a seguir, a direcção do Sindicato na pessoa do seu presidente é abordada por um agente da DGS que lhe entrega uma contra-fé para se apresentarem às nove e meia sem falta na subdelegação da DGS, em Leiria, porque vinha um inspector do Ministério do Interior para fazer uma comunicação à direcção do Sindicato. E foram lá. Era para dizer que o inspector tinha conseguido que o sr. Lúcio Féteira concordasse em que os trabalhadores apenas assinassem um documento e que dizia frequentarem o trabalho com assiduidade, respeitarem os seus superiores e manterem a média de produção. Apenas isso, não falaria em paralisação nem em direitos perdidos. O sr. Lucio Féteira concordou mas o sul legado do INTP não concordou porque na opinião dele isso tudo já vem expresso na lei do trabalho, portanto não precisava de ser assinado pelos trabalhadores. Bem, depois o inspector disse aos dirigentes sindicais que tinha falado nessa reunião com o sr. Lúcio Féteira, e lhe tinha pedido para ele falar com o irmão, a fim de os trabalhadores não terem que assinar nenhum papel, pois isso já fazia parte da lei do trabalho; para ele dizer alguma coisa aos trabalhadores, e tudo ficou mais ou menos neste pé. Mas, na quinta-feira, o sr. Lúcio Féteira foi ao Ministério do Interior falar com esse inspector, conforme depois nos contaram, dizer que. tudo o que tinham combinado em Leiria ficava sem efeito. Por aquilo que concluímos do que foi dito ao Sindicato, os advogados do sr. Lúcio Féteira não acharam bem a sua atitude porque tinham tido muito trabalho a preparar a tal declaração para eles não terem de pagar indemnizações e agora ia tudo pela água abaixo. Foi o que se disse por aqui. Também foi dito ao Sindicato que uma vez que a situação estava tão difícil o Governo ia processar os Féteiras através do Ministério das Corporações. Isto estava tudo assim, o Sindicato informou os trabalhadores do que se estava a passar e continuámos na mesma, os trabalhadores sem quererem assinar a tal declaração. A situação continuava e os trabalhadores cada vez com mais dificuldades.
No dia 4 de Março, isto não se resolvia, foi a Lisboa a direcção do Sindicato com uma comissão de trabalhadores, para os ministérios do Interior e das Corporações. Neste disseram que não havia ninguém que os pudesse receber, e as pessoas perguntaram se no Ministério todo não havia nenhum dr. que os recebesse. Arranjaram então o Dr. Salgueiro. O Dr. Salgueiro disse que conhecia o problema desde o princípio, embora não fosse ele que directamente trabalhasse no caso, que conhecia a tal declaração e que esta era uma catástrofe para os trabalhadores se a assinassem. Falou-se ainda no caso de os trabalhadores quererem meter um processo no tribunal a pedir a indemnização ao sr. Féteira. Mas a verdade, e essa também era a opinião do Sindicato, aos trabalhadores não interessava tal indemnização mas sim os portões abertos para irem trabalhar. A indemnização eram meia dúzia de contos que depois se gastariam e era preciso que se notasse que estavam ali mais de 400 trabalhadores com vinte, trinta e quarenta anos de casa, que nunca fizeram outra coisa na vida senão limas, e limas em Portugal só na Vieira de Leiria. E se recebiam indemnizações iam pedir emprego onde?, e fazer o quê?, homens daquela idade?! A única solução era abrir os portões. E parecia-nos a todos que já chegava de 6 sr. Féteira andar com declarações daquelas. O Dr. Salgueiro também foi dessa opinião: pedir indemnização era o mesmo que os trabalhadores considerarem-se automaticamente despedidos. Disse, também, que o. problema seria resolvido em breve, mas a verdade é que o Sindicato e a comissão voltaram sem nada estar decidido.
R. — Como é que os trabalhadores encararam essa diligência em Lisboa?
T. — No dia seguinte, dia 5, houve uma reunião e os trabalhadores foram de opinião, mais uma vez, que não assinariam a tal declaração. Entretanto, dos fundos recolhidos já tinham sido dados 620$00 a cada trabalhador, dos que estavam cá fora. Um ou outro, alguns, prescindiram da oferta, pois ainda aguentavam mais algum tempo, em benefício das mulheres que, não sendo operárias, tinham deixado a sua vida para montar. os piquetes em frente da fábrica. No dia 5 ainda se telefonou para o Rádio Clube Português e para o Rádio Renascença a pedir auxílio através das suas emissões para os trabalhadores da Vieira.
Na manhã do dia 6, quando a funcionária do Sindicato foi abrir a porta, já lá estavam dois funcionários do INTP. Vinham, dizer que qualquer membro da direcção que chegasse ao Sindicato não saísse para aguardar um telefonema do delegado do Trabalho pois nesse dia algo de importante se ia passar. A direcção esteve lá toda a manhã e não houve telefonema nem se passou nada. Então os trabalhadores resolveram ir todos para Leiria. Ocuparam os lugares todos das camionetas da carreira, outros foram de bicicleta e carros particulares, outros de motorizada, e à boleia. Conseguiram chegar à delegação do INTP uns 250 a 300 trabalhadores. O delegado quando viu tanto trabalhador perguntou «o sr. Armando não vos comunicou nada?» O sr. Armando é director do Sindicato. Eles responderam que não, ninguém lhes tinha comunicado nada. O delegado disse então: «pois o sr. Armando já lá tem um telefonema, desde as oito e meia da manhã. O problema está resolvido».
Mas a verdade é que o telefonema só foi feito para o Sindicato poucos momentos antes de os trabalhadores chegarem ao INTP em Leiria: Eram duas e meia da tarde. E disseram, ainda, no telefonema que havia uma declaraçãozinha para os trabalhadores assinarem e que vinha já para a Vieira o Dr. Campos, o sr. Lúcio Tomé Féteira e um inspector do Ministério do Interior para falarem com os trabalhadores, que o Sindicato não se incomodasse, estavam convencidos que os trabalhadores assinariam.
R. — A declaração é esta que está aqui?, que diz: «O abaixo assinado compromete-se a retomar o trabalho e a produzir num ritmo normal e ordeiramente. Vieira de Leiria, tantos de Março, Assinatura».
T. — É essa. Nesse telefonema do INTP de Leiria ainda disseram aos directores do Sindicato que não queriam cá ninguém que não fosse trabalhador, o que entendemos como não querendo cá o advogado do Sindicato. Depois começaram a chegar os trabalhadores que tinham ido a Leiria e uns e outros juntaram-se diante do Sindicato. Entretanto, a direcção telefonou ao advogado a contar as coisas e ele compareceu logo. Houve então um telefonema da empresa Féteira a pedir que a direcção do Sindicato fosse lá e ela disse que ia mas levava também o advogado. Aí o Dr. Campos, foi ele quem telefonou, ainda levantou um pouco de obstáculo: se achávamos que o advogado era mesmo lá preciso, e o Sindicato respondeu «pois claro, se até há uma declaração pelo meio, com certeza que o advogado faz faltar. Foram então lá quatro directores e o advogado, mas à porta o empregado disse que tinha ordens de não deixar entrar ninguém, não o tinham avisado de nada. O porteiro foi lá dentro receber ordens e voltou com o subdelegado do INTP.
Bem, a reunião teve lugar e o subdelegado informou que o problema tinha transcendido os trabalhadores e a empresa Féteira e tinha sido o Governo a tomar a decisão do caso. Que a empresa Féteira tinha proposto uma outra declaração, de manhã, a assinar pelos trabalhadores, mas que o Governo sabendo que não a assinariam rejeitou-a e fez outra, que foi a que se leu há pouco, que era imposta aos trabalhadores e à empresa. De maneira que o advogado do Sindicato leu é o Dr. do INTP disse «como vê, aí não há nada que prejudique os trabalhadores, nem perdem a antiguidade. Não se fala em paralisação, não se fala em nada. Foi apenas o Governo para resolver o problema e para satisfazer o capricho do velho de que os trabalhadores teriam que assinar alguma coisa, que pôr o nome». O advogado do Sindicato disse que, de facto, não via nada que prejudicasse os trabalhadores, mas também não sabia para, que era que à firma queria aquilo assinado: parecia uma brincadeira.
O subdelegado do INTP disse aos directores: «meus amigos a palavra é vossa, se os trabalhadores assinam, assinam, se não assinam o caso vai para tribunal, a polícia vai garantir a entrada dos 120 que trabalhavam. Quisemos resolver o assunto da melhor maneira, vão participar aos trabalhadores e estejam aqui dentro dum quarto de hora».
O Dr. Guarda Ribeiro, advogado do Sindicato (o outro advogado, Dr. Agostinho Pessanha, na altura não estava) não via absolutamente nada de mal naquela declaração e era um risco muito grande para os directores assumirem uma responsabilidade sem falarem com os trabalhadores. Eram 600 e tal, com as famílias eram uma duas mil pessoas, os trabalhadores de todo o país tinham enviado donativos, mas havia muita fome na Vieira e a situação corria o risco de a polícia impor a entrada dos 120 trabalhadores e a empresa resolvia ainda o problema com outros que vinham de França. Assim a direcção foi junto dos trabalhadores dar-lhes o papel da declaração do INTP e pôr-lhes o problema: os srs. é que sabem se devem assinar ou não, Eles então pediram a opinião do advogado. O advogado disse que não havia nada em seu prejuízo, embora não se visse a razão por que a empresa queria tal papel assinado. Os trabalhadores disseram depois «vamos assinar». O pessoal foi todo para o refeitório e o sr. Lúcio Féteira ainda se pôs lá com discursos, a dizer que era muito bondoso; aquilo foi mesmo um capricho do velho para fazer assinar um papel daqueles. Bem, os trabalhadores foram assinar, uns assinavam pelos outros «como é que te chamas, pá», outros nem assinaram.
R. — Isso foi no dia 6 de Março?
T. — Foi no dia 6, e no dia seguinte retomou-se o trabalho. Mas no dia 12 começou a DGS a entregar contra-fés e a chamar trabalhadores ao posto para interrogá-los. Estamos agora nessa fase, já foram chamados alguns(2).
R. — Desde que começaram a trabalhar houve mais algum problema na fábrica?
T. — Não, decorreu tudo normal. Mas há agora um problema, o subdelegado do INTP disse que a solução tinha a garantia dum membro do Governo e que aquilo que o patrão dissesse não tinha interesse, que os trabalhadores não receberiam os dias em que estiveram parados mas que as faltas não seriam contadas nenhumas nem para o subsídio de férias nem para O de Natal. No entanto, muitos trabalhadores já foram ao Sindicato saber se ficavam assim com os trinta e tal dias perdidos, uma vez que houve uma paralisação que os trabalhadores não sabem donde ela partiu, nem partiu deles «o parceiro para eu também paro e vou perguntar porquê» e depois o patrão fechou a fábrica e o pessoal queria ir trabalhar e não foram porque o patrão não deixou. De maneira que o Sindicato já pediu o pagamento do mês de Fevereiro por inteiro como é direito dos trabalhadores. Aguardamos a resposta. Depois recorremos ao tribunal, colectivamente ou individualmente.
Entretanto tem-se distribuído o dinheiro que foi enviado pelos trabalhadores de todo o País. Um dos trabalhadores que pertence à comissão de distribuição já foi interrogado pela DGS que se mostra muito interessada em saber se ainda há dinheiro e onde é que ele está. Para não ficarmos sem o dinheiro que nos foi dado pelos trabalhadores temos que proceder à sua distribuição com muito cuidado.
R. — Uma das coisas que nos foi dito é que a delegação do INTP tinha mesmo convidado os trabalhadores a assinar a declaração inicial, feita pelo sr. Féteira, segundo a qual os trabalhadores perdiam a antiguidade e renunciavam ao contrato colectivo.
T. — Exactamente. Aconselhou a direcção do Sindicato a dizer aos trabalhadores para assinarem, que acreditassem na palavra do sr. Féteira. E disse também o mesmo a uma comissão de trabalhadores que foi a Leiria, porque não se deu ao trabalho de vir à Vieira ver o que se estava a passar. Disse, lá, a essa comissão, que os trabalhadores estavam a dar valor de mais àquele documento, à declaração, que em tribunal até podia .nem ter valor nenhum. Mas o Sindicato informou-nos que não era bem assim, porque o sr. Lúcio Féteira tinha já feito o mesmo na Covina. O próprio delegado do INTP disse a uma comissão de trabalhadores da Vieira, na presença dos directores sindicais, para os trabalhadores assinarem a declaração e a entregarem nas mãos do dr. Agostinho Pessanha que é advogado do Sindicato, e que depois ele, delegado, iria junto do sr. Féteira para que ele assinasse também uma a dizer que não se serviria daquelas até ao dia 30 de Abril, e que nesse dia as rasgava. Dias depois perguntou pelo telefone aos directores do Sindicato se os trabalhadores já tinham assinado. E o Sindicato disse «Mas 6ó sr. dr., acredita que nós íamos convencer os trabalhadores a assinar tal, declaração?». O delegado ainda tornou: «Mas eu disse que não havia perigo nenhum, as declarações iam para o cofre do dr. Pessanha». O Sindicato respondeu que alguém se encarregaria de assaltar o cofre do dr. Pessanha e o delegado disse que os directores eram maquiavélicos...
R. — Outro problema, como é que normalmente decorriam as relações patrão-trabalhadores aqui na fábrica das limas?
T. — As relações eram mais ou menos boas. São trabalhadores calmos e simples, de resto, se fossem até mais conscientes era impossível haver boas relações. Os Féteiras nunca viram no trabalhador um colaborador, mas sempre, não diremos um escravo, mas pouco menos do que isso. Salários, sempre os mínimos.
R. — Há uma coisa que também interessa saber: quantas mulheres trabalham na fábrica e quais os seu salários?
T. — Quanto às mulheres eu não sei quantas lá trabalham, mas talvez à volta dumas 80. O salário máximo é 3 100$00 e dos homens também, exceptuando a parte de serralharia, torneiros e fresadores que ganharão mais, pois o ordenado máximo é 4100$00. O vencimento mínimo dos homens, por lei, é 2 300$00, para o servente, e ele está a pagar a alguns mesmo pelo mínimo, como também a algumas mulheres.
R. — Quais são as condições de trabalho, segurança, higiene, etc.?
T. — A higiene deixa muito a desejar. E na secção de esmerís, por exemplo, os trabalhadores não estão nada defendidos contra a sílica.
R. — O Sindicato já pediu a intervenção das autoridades sanitárias alguma vez?
T. — Pediu a intervenção do delegado de Saúde do distrito. Foi lá uma vistoria ver as casas de banho que são uma autêntica porcaria e, então, a firma melhorou aquilo um pouco, mais nada. Pintaram as portas e puseram água.
R. — E quanto a segurança e defesa da saúde do trabalhador?
T. — Na secção de têmpera, por exemplo, uma pessoa que lá fosse fugia... Trabalham com nafta e há os fornos, mas mesmo assim não tem exaustores, não tem nada. É um calor e um fumo e um cheiro a nafta que sufoca. Não estamos defendidos...
R. — Mas há legislação sobre isso ou não? Há doenças profissionais adquiridas aqui, na fábrica das limas?
T. — Não se tem notado muitas. O médico da caixa e o médico do Seguro é patrão, é casado com uma filha do sr. Féteira. Portanto essas doenças das vias superiores, ainda há pouco houve um trabalhador que se começou a sentir mal, a definhar, a definhar e morreu dentro de pouco tempo. A expectoração trazia pedaços de ferrugem. A doença é camuflada.
Há ainda o caso de um trabalhador dos lados da Figueira que trabalhou aqui nas limas uns dois ou três anos. Depois sentiu-se mal e foi embora, arranjou emprego nos transportes públicos mas continuou, a definhar. Foi então ao médico e a radiografia foi elucidativa: silicose; acabou por morrer depressa. No tempo em que esteve aqui trabalhou nessa secção do esmeril. Esse é o único caso que conhecemos de morte por silicose, comprovado por radiografia. Os outros casos não sabemos como é. Aqui há tempos andou lá um inspector da companhia de seguros a fazer exame nessa secção, a inteirar-se das condições de trabalho.
Além disso, sendo uma fábrica com 600 e tal trabalhadores e tantos assim metidos nas poeiras, não há um único chuveiro na empresa para tomar banho.
R. — Algum dos senhores quer referir qualquer caso pessoal ligado a este problema das condições de trabalho?
T. — Olhe, eu ao fim destes trinta e tal dias sem ir à fábrica, enquanto esteve fechada, ainda tenho a expectoração negra do fumo da nafta. Veja o que tenho cá dentro.
Há. também este caso: os encarregados, se calhar. mandados pelos patrões, muitas vezes fecham a água quando faltam dez minutos para o meio dia ou para as cinco e meia, para os trabalhadores não perderem tempo a lavar as mãos.
R. — As instalações da fábrica têm aquecimento?
T. — No inverno são fogueiras dentro das secções, é de fugir para não sufocar com o fumo.
R. — Fogueiras dentro da fábrica para se aquecerem?!
T. — Não há chaufagem, não há nada. Depois arranjaram lá a deitar um vapor quente das caldeiras, mas aquilo até deve ser bastante doentio por ser vapor e fazer calor lá dentro. O vapor é humidade, trabalha-se num ambiente totalmente insalubre. Não há uma autoridade que tome conta. O Sindicato tem-se farto de bater mas não há meio. Não há um gabinete de saúde.
R. — Então não há nada...
T. — Este inverno continuaram as fogueiras lá dentro, aquelas fogueiras grandes com lenha verde, e lenha dos tabuleiros onde as mulheres levam as limas, já velhos, cheios de óleo que faz aquela fumarada.
Ele tem uma serração e convém que façam fogueiras porque vende a lenha da serração à fábrica das limas. Mas neste inverno, talvez em Dezembro ou já em Janeiro, um trabalhador teve princípio de intoxicação, perdeu os sentidos, esteve quase a morrer e, então, proibiram as fogueiras. Mas depois ficámos condenados ao frio. E os trabalhadores agora são acusados de ter feito uma greve premeditada e política — os trabalhadores que até preferem envenenar-se a “eles próprios e dar o lucro ao patrão...
R. — Falou-se há pouco na lenha vendida à fábrica das limas. Quem é que tinha interesse nisso?
T. — É que a serração é só dele, do Albano Féteira, e as limas não são só dele.
R. — E quanto a refeitório?
T. — Refeitório... há lá umas fornalhas onde os trabalhadores põem o almoço, onde esquentam o almoço. Há umas mesas e umas cadeiras.
R. — E creche, há?
T. — Havia uma para as mulheres porem as crianças até aos quatro anos, mas, depois, se calhar na opinião do patrão as mulheres não mereciam essa benesse, deu-lhe na real gana e fechou a creche. Um edifício grande que tem lá em baixo, em frente à fábrica, e até hoje nenhuma autoridade o obrigou a abrir a porta.
Entretanto deu-se um caso com uma mulher que trabalha na empresa e o marido também. Tinham três filhos e, nessa altura, para ir trabalhar pois é evidente que tinham de deixar os filhos entregues a si mesmos. Miúdos, que o mais velho segundo parece tinha quatro anos. Ela tinha que os deixar em casa fechados, um deles pega em fósforos não sei o que fizeram, incendiaram a casa e morreram os três queimados. Apesar disso ninguém teve iniciativa para se tomarem providências.
R. — Há quanto tempo foi isso, da morte das crianças?
T. — Há uns três anos, aproximadamente.
R. — Há quanto tempo encerrou a tal creche?
T. — Há uns cinco anos, cinco, seis anos... ou sete.
R. — Quanto tempo esteve aberta?
T. — Talvez uns cinco anos.
R. — O patrão tinha alguém a orientar a creche?
T. — Não, tinha só duas empregadas de fábrica, sem conhecimento nenhum.
R. — Podíamos agora voltar a um aspecto que já foi referido para vermos mais em pormenor. Gostávamos que nos falassem ainda das reacções da população, da solidariedade. Qual foi a ajuda que houve?
T. — Quanto a isso estamos muito contentes, porque por sinal até houve uma mulherzinha da Vieira que foi ao ponto de andar a pedir por todo o lado, por aqui e por ali, levantava-se às duas e três da manhã, para ir com mulheres buscar fruta e buscar café e queijo. Fazia a repartição pelas mulheres com um atreladozinho. E o comércio da Vieira também aájudou sempre. O comércio e as pensões, e os talhos ofereceram carne. Ou então davam dinheiro, toda a população. E os trabalhadores da indústria dos vidros daqui, onde trabalham talvez umas duzentas pessoas, logo que souberam fizeram um peditório onde arranjaram uns dezasseis contos, para distribuir por nós.
R. — O Comércio daqui também está nas mãos dos Féteiras?
T. — Que a gente saiba, não. O comércio é independente dos Féteiras. Todo o comércio se lastimava com a medida que o sr. Albano Féteira tomou.
Nós até mandámos um telegrama ao presidente do Conselho a pedir a expropriação da fábrica, uma vez que o sr. Féteira a tinha aqui a produzir miséria e não a produzir riqueza. O delegado do Trabalho quando soube disto até afirmou que isso era um caso virgem no País. Os dirigentes estavam então com o nosso advogado que respondeu que já era altura de perder a virgindade... O delegado respondeu com o problema técnico da orientação e a isso respondemos que por esse lado respondiam os trabalhadores, que a administração fosse entregue ao Sindicato que a fábrica ainda dava mais rendimento do que aquele que está a dar actualmente.
R. — Era a repetição do caso LIP...
T. — Pois, o caso aqui até é muito semelhante, e os trabalhadores estavam informados do que se passou com a LIP em França, as notícias vieram nos jornais.
R. — Na fábrica das limas havia prémio de trabalho?
T. — Na produção de alguns havia... Aliás é importante salientar o que se passava com isso antes e depois do último contrato colectivo, de 1972. É que havia antes um prémio de produtividade que foi abolido porque, no dizer da administração, o contrato tinha saído com salários muito altos. Pediram, então, para nós fazermos um esforço a ver se produzíamos mais 20 %, que procurássemos compreender e colaborar. Pois muitos dos trabalhadores foram muito além desse acréscimo de 20 % pedido, houve quem chegasse aos 40 %. Para o que ia além dessa tabela, a administração começou então a dar prémio em dinheiro.
R. — Algum dos senhores está nesse caso, recebeu prémio?
T. — Eu por acaso até tenho aqui a carta que deram na altura, quer ler?
R. — Ora, diz assim: «Tendo V. Ex.ª demonstrado pela sua produção realizada nos meses de Julho a Dezembro próximo passado que dentro do espírito de verdadeira colaboração entre os trabalhadores e a entidade patronal compreendeu que somente pela melhor produtividade garante o futuro tanto do seu próprio lugar de trabalho como o da empresa, em conformidade com o já feito no semestre anterior, resolveu a administração atribuir-lhe a gratificação de... (algumas centenas de escudos), cuja importância se junta à presente. A referida gratificação foi apurada por V. Ex.º ter excedido em... (mais de 30 %) a sua produção... Agradecemos a atitude de V. Ex. cujo valor devidamente apreciámos, esperando também que continuará a colaborar da mesma forma. De V. Ex.ª... assinado Joaquim Pedrosa Tomé Féteira».
T. — Temos aqui mais cartas iguais. Em alguns casos o aumento de produtividade ultrapassou os 40%.
R. — Quer dizer que os trabalhadores têm excedido as suas possibilidades físicas, ao atingir tais acréscimos?...
T. — Exactamente, isso é um problema que devemos pôr, temos enriquecido muito o sr. Féteira para que ele nos pague desta maneira, encerrando a fábrica.
R. — Houve anteriormente alguma situação idêntica, qualquer medida da empresa a propósito da contratação colectiva?
T. — Os nossos contratos têm sido difíceis. O contrato de 1972 era para sair em 1970 e a situação já se arrastava desde 68 ou 69. Na altura da arbitragem, quando saiu era para valer por um ano e, depois, o dr. Silva Pinto deu-lhe mais um ano e o decreto 196/72 deu-lhe ainda mais dois anos. Ficou com a vigência de quatro anos, só havendo revisão das atribuições mínimas de dois em dois anos.
R. — Vigência de quatro anos, mais dois de atraso, valeu por seis...
T. — Exactamente. Bem em 68 ou 69, como os salários eram miseráveis, várias comissões de trabalhadores entraram em contacto com a empresa. Houve reuniões dentro da fábrica, a própria firma exigiu mais produção, os aumentos é que não vinham. Os trabalhadores reivindicaram o aumento, chegou a haver um esboço de paralisação. Bem, era também reivindicado um menor ritmo de trabalho. A empresa chegou a acordo com os trabalhadores, veio um aumento de 17%. Mas desta vez, agora, quem viveu tudo isto, quem analisou tudo desde o princípio, dá a impressão que isto teria sido um esquema muito bem montado já com uma finalidade. Primeiro, a tentativa de fazer os trabalhadores e o Sindicato abdicarem do contrato colectivo, no dia 12. de Janeiro; depois a segunda fase, de provocar a reacção dos trabalhadores, gente simples, com alguém no meio deles, para os picar, para depois fazer despedimentos sem pagar indemnizações...
R. — Qual era a produção actual da fábrica?
T. — Segundo o patrão teria afirmado, entravam no armazém 5 mil contos de limas por mês, o que daria 60000 contos de limas por ano. No entanto, segundo a informação de alguns trabalhadores que estão dentro do assunto, até no armazém de exportação e no próprio escritório, haverá meses em que áté ultrapassa os 7.000 contos.
R. — E nos últimos anos houve aumento de produção?
T. — Pois aumentou. A partir do ano em que eles puseram essa modalidade dos prémios, a produção aumentou muito.
R. — Aqui em Vieira, o que é que a família Féteira possui?
T. — Além da Fábrica de Limas tem a fábrica de aços Tomé Féteira, a serração de madeiras, e, a nível de indústria, não tem mais. Já teve uma fábrica de serras que faliu, em Espanha, onde tem uma fábrica de limas.
T. — Tem também terrenos e propriedades.
R. — E casas aqui na terra?
T. — Mais de metade deve ser dele.
R. — O sr. Albano Féteira tem centenas de afilhados, não?
T. — Sim, muitos.
T. — É sócio da Covina.
T. — É o velho sistema.
T. — Mais de metade de Vieira é dele. E é proprietário do edifício onde está instalado o Hotel Flamingo, em Lisboa.
T. — Tem prédios por todo o País. É sócio de várias fábricas, é da Canada Dry, sócio do cinema de Vieira, sócio da Lusomundo, enfim...
R. — Tem havido perspectivas de novas indústrias na Vieira?
T. — Desde sempre que a família Féteira sempre travou a instauração de novas indústrias lá, não sei qual o tipo de indústria, mas houve travagem deles.
R. — Depois do momento em que correu na freguesia que o patrão tinha desaparecido, quando estabeleceram novo contacto com ele?
T. — Teria sido no dia 28 de Fevereiro que o viram passar de automóvel. Contactar com os trabalhadores, só no dia em que a fábrica abriu. Fez um discurso.
R. — Que disse ele?
T. — Ele pediu que todos trabalhassem. com vontade, pois que aquilo que tinha sucedido, tinha passado, que não tinha ficado com rancor a qualquer dos trabalhadores, nem às mulheres da povoação que para lá foram, porque a maioria delas tinha lá os maridos e os filhos. Não tinha ficado com rancor a não ser a uma que não tinha lá ninguém. Que o documento que tinham assinado não tinha problema nenhum, mas ainda assim foi dizendo que para ele dizia muito porque, com aquele documento, se os trabalhadores não dessem a sua produção como davam podia despedir com justa causa.
T. — Disse que não tinha ficado com rancor, mas, ainda no dia 12 (Março), um trabalhador metalúrgico que é dos poucos que tem um pequenino automóvel levou-o lá para dentro, para o largo, o sr. gerente, o sr. Joaquim Pedrosa Tomé Féteira mandou logo um empregado de escritório dar ordem a esse trabalhador que Pusesse o carro fora das instalações. É assim que eles confirmam que não ficaram com rancor a nenhum trabalhador,
R. — No sector de escritório, são também más as condições de trabalho?
T. — São melhores, muito melhores, tanto que a maioria dos empregados de escritório foi sempre a favor do patrão. Contra os metalúrgicos.
R. — E as instalações deles?
T. — Muito melhores. Acontece que as mulheres da povoação quando impediram a entrada na fábrica, foi para os empregados de escritório e tudo. E eles não entraram lá dentro.
R. — Nenhum dos empregados de escritório aderiu aos metalúrgicos?
T. — Pois, nenhum aderiu. E as mulheres não os deixaram entrar. E houve um que teve uma atitude infeliz e foi corrido pelas mulheres de lá.
T. — Os empregados de escritório têm água quente, têm boas casas de banho, têm aquecedores lá dentro. Têm a semana de 42 horas, salvo erro. E quando vêm contratos de trabalho para eles nunca há problemas na firma. Nunca há problema.
R. — Quantos são eles?
T. — São à volta de 20, entre 15 e 20.
R. — A nível de maquinaria, a fábrica tem-se actualizado?
T. — Eu trabalho lá há mais de 14 anos e a única coisa que eu lá conheço de novo é uma máquina que chegou há um ou dois meses. Mais nada.
T. — Eu também não conheço. Vejo lá mas é uns museus. Então na têmpera não há máquinas, não há nada.
R. — Está tudo como quando lá entrou?
T. — Tal e qual. Só mais porcaria, cada vez mais porcaria.
R. — Nos últimos tempos quantas vezes houve despedimentos na fábrica?
T. — Duas vezes. Em 1971 e em 1972 como já se disse atrás, mas pagou sempre as indemnizações. Houve apenas três trabalhadores em 1971 a quem ele não quis pagar, alegando que tinha justa causa, mas depois teve de pagar em tribunal.
R. — Actualmente o maior número de trabalhadores é de rapazes jovens ou de chefes de família?
T. — São chefes, de família.
R. — E, mais ou menos, qual o número de filhos?
T. — A média é de quatro, mas uns tem nove, outros dez, outros cinco, outros um.
R. — Qual o nível de instrução dos trabalhadores?
T. — 4.ª classe, 3.ª...
T. — Posso repartir assim: 20% têm a 4ª classe; 40% sabem ler e escrever e os outros 40% são analfabetos.
R. — É verdade que antigamente os entendimentos entre a direcção do sindicato e a firma se processavam sem problemas?
T. — Nunca houve problemas entre a entidade patronal e o Sindicato senão nos últimos tempos. Resolviam os problemas melhor ou pior. Até porque por aquilo que conheço, parece-me que os Sindicatos só aqui há um ano ou dois a esta parte é que têm tido assim uma iniciativa a nível nacional de se quererem aproximar um pouco mais daquilo que deve ser um sindicato.
R. — A última direcção foi eleita quando?
T. — Em 1972; termina este ano o mandato.
R. — Como foi que os trabalhadores conseguiram viver durante o mês de «lock-out)?
T. — Uns dias melhores, outros dias piores, tinha-se de passar.
T. — Tivemos de recorrer a algum dinheirinho que tínhamos amealhado anteriormente para matar a fome aos filhos.
R. — Gastaram então as economias, não é assim?
T. — Evidentemente.
R. — As crianças foram afectadas com a situação?
T. — Até ver, algumas foram porque alguns não tinham possibilidades de dar de comer aos filhos... alguns com sete e nove filhos...
T. — Tenho conhecimento que algumas famílias estavam a passar fome, pois se mesmo com o chefe de família a trabalhar já se alimentavam deficientemente...
T. — Eu sei até de um caso concreto de um trabalhador que tem 8 filhos e a fome apareceu-lhe em casa devido a este estado de coisas. E à fome que ele viu passar aos filhos levou-o a assinar a tal declaração, mas no fim a sua consciência acusou-o daquilo que ele tinha feito e acabou até por adoecer e ir para a cama, com o estado de nervos do acto que tinha cometido. Mas que foi obrigado a cometer devido à situação que tinha em casa.
R. — Este mês de Março certamente será pior já que apesar do auxílio dos trabalhadores de todo o País, o quantitativo recolhido não Chega para igualar os vencimentos e porque a firma se limitou a pagar os quatro dias de Fevereiro...
T. — Este mês pois alguns certamente ainda irão sofrer as consequências mas não tanto como até aqui, porque o próprio comércio sabendo que já estamos a trabalhar e que iremos receber no fim do mês, pois já facilitam mais o crédito.
R. — Não facilitavam?
T. — Quer dizer foram facilitando, mas havia alguns trabalhadores, por exemplo, há chefes de família que ganham 2600$00 e 2800$00, portanto o chefe de família com 3 ou 4 filhos e com mulher que não é empregada em lado nenhum, vai cavar a terra para este ou para aquele e ganha 50$00 ou 60$00, pois tendo que dar de comer a esta gente toda, tendo de pagar a renda, muitos terão a sua dividazinha aqui e ali, quando trabalham normalmente. É natural, portanto, que o próprio comércio a esses trabalhadores, quando esta situação se prolongou, tivesse de tomar posição e dizer «ó pá não».
R. — Em média qual o montante das rendas de casa aqui?
T. — Aqui na Vieira, a renda de uma casa em condições já vai muito aproximadamente a 1 000$00, mas de uma maneira geral os trabalhadores vivem em casas que não são casas em condições. Pagam duzentos ou trezentos escudos por casas antigas, casas baixinhas, sem casa de banho, sem nada.
R. — De parede?
T. — De parede, com dois ou três quartos, daqueles quartos pequeninos, sem janelas, daquele tipo de casas antigas de aldeia, dessas que estão desprezadas pelos senhorios.
R. — O sr. Féteira tem muitas casas alugadas a trabalhadores.
T. — Pelo menos tinha; ultimamente tem estado a vendê-las.
R. — Têm 13.º mês?
T. — Temos pelo contrato mas é meio mês de subsídio pelo Natal. Espera-se que com o novo contrato seja alterado para um mês.
T. — Em relação a este subsídio é de salientar que temos cá um colega com mais de 40 anos de casa e a primeira vez que recebeu qualquer coisa pelo Natal foi porque de facto o contrato de 1972 o trouxe. Em 40 anos de casa nunca recebeu um tostão de subsídio.
R. — O patrão nunca deu qualquer coisa?
T. — Não, nada.
T. — Dava apenas aos chefes de secção aquilo que ele chamava as broas de Natal e mesmo a esses chefes de secção havia discriminação. A uns dava mil, a outros quinhentos, a outros cem, a outros trezentos, conforme entendia. Durante alguns anos foi apenas o que deu. Aos trabalhadores nunca deu um tostão que não fosse obrigado pelo contrato.
T. — Só tirava a pele e parte da carne e tudo. Deixou os ossos porque vamos a ver ainda...
T. — Sempre que se andava em negociações de contrato, ele antecipava-se para que os trabalhadores fizessem acordos de trabalho com a firma para receberem menos do que aquilo que o contrato trouxesse.
R. — Já era hábito?
T. — Já, já. Quando foi do contrato de 1971 até mandou os chefes de secção com listas pelas diversas secções a pedir aos trabalhadores para porem lá a assinatura a dizerem que só queriam 20 % de aumento e se desvinculavam do contrato.
R. — Então já é uma manobra velha?! E resultou em 1971?
T. — Bom, não. Aliás ele obteve muitas assinaturas. Houve só meia dúzia de trabalhadores que não assinaram. Mas como aquilo era uma coisa ilegal, acabou por não ter validade nenhuma.
R. — Foi denunciado a tempo pelo sindicato?
T. — Foi sim.
T. — Mas é necessário frisar que essas pessoas que assinaram para aceitar esses 20 % eram pessoas que tinham. carta de despedimento. Assinavam a ficar só com os 20% ou iam para a rua.
T. — Foi quando ele deu as 800 cartas de despedimento.
T. — Eu próprio nessa altura tinha uma carta de despedimento, passados 3 ou 4 dias iria para à rua. Foi-me apresentada essa lista e eu estava num período bem difícil da minha vida, difícil em face de ser casado, pago renda de casa e minha mulher estava no último período de gravidez, também não trabalhava, mas eu senti-me humilhado, embora tivesse a certeza que daí a três dias iria ser despedido, senti-me humilhado em corresponder a uma proposta tão baixa, enfim que envergonhava uma pessoa que se dignificasse de o ser. Pois eu preferi ir para a rua, mas não assinar.
R. — E saiu?
T. — Não saí porque por imposição não sabemos de quem ele teve de recolher seiscentas e tal cartas.
T. — Talvez por imposição de ninguém, talvez o golpe fosse dar as 800 cartas para obrigar os trabalhadores a assinarem esse documento para ficarem com os 20% apenas.
T. — É matreiro. Tanto se atirava para a frente como para trás.
T. — Acabou por despedir apenas 160 trabalhadores.
R. — Foi em 1971 o primeiro despedimento colectivo?
T. — Sim, de há uns anos a esta parte, porque já em anos anteriores ainda eu não trabalhava na fábrica, aqui há cerca de 20 anos ele fez vários despedimentos assim colectivos. Eu até sei de uma mulher que já saiu de lá três vezes sempre com cartas de despedimento colectivo. Saíam, daí a dois, três anos eram readmitidos e depois daí a uns anos voltavam a ser despedidas e andou assim, há uns anos largos, nesta jiga-joga de tirar os direitos aos trabalhadores.
R. — Dum modo geral com o nível de salários que têm os trabalhadores que estudos podem dar aos filhos?
T. — É a 4ª classe.
R. — Aqui na Vieira há só escolas primárias ou...
T. — Há de facto a telescola que foi por acaso. Se a Vieira dá a possibilidade de os filhos dos trabalhadores irem além, darem o 2.º, 3.º ou até o 5.º ano, isso deve-se ao esforço e à iniciativa de um padre que aí está, porque é lá nas instalações da igreja que ele conseguiu um colégio e até uma escola e não sei que mais. Mas isto também custa dinheiro aos trabalhadores e só um número deles consegue, de facto, dar aos filhos quase até ao 5.º ano.
R. — Quantos estarão agora no 5.º ano?
T. — Poucos. Sei lá, filhos de trabalhadores devem ser uns vinte.
T. — Aqui é necessário frisar que os trabalhadores que têm os filhos a estudar não vivem exclusivamente do seu salário da empresa.
T. — Exactamente, têm uma ocupação extra e é dos ganhos dessa ocupação que lhes permite dar educação aos filhos. De contrário, era impossível.
R. — Portanto, o nível de salários é tão baixo que obriga os trabalhadores a várias horas de trabalho para além das oito normais, se quiserem dar aos filhos um nível de instrução para além da escolaridade primária?
T. — Exactamente. Podemos citar, por exemplo, o caso dos trabalhadores que moram na praia: para além do trabalho na empresa, no período que vai de Maio a Setembro dedicam-se à faina da pesca, depois das suas horas de trabalho. Há épocas em que de facto essa pesca dá pouco, mas há anos em que ganham mais qualquer coisa, cujo ganho já lhes vai compensar para terem uma vida mais equilibrada, porque caso contrário era muito difícil conseguir-se sobreviver.
T. — Há também aqueles que vão consumir as suas energias depois das 8 horas de trabalho a pegar na enxada e outros que têm outra actividade.
R. — Para além daqueles que podem trabalhar fora do tempo normal, há trabalhadores que, não só pelas suas condições de saúde como até por não terem possibilidade de se aplicarem noutra actividade, se limitam única e exclusivamente a viver do baixo salário?
T. — Há muitos. Mais de 50 % talvez.
T. — E alguns até com muitos filhos.
T. — Esses são, precisamente, aqueles cujos filhos assim que saem da escola obrigatória vão trabalhar na construção civil.
R. — Há ainda outros problemas que gostaríamos de abordar. Qual a repercussão que o acontecimento teve na zona da Marinha Grande?
T. — A repercussão foi principalmente um movimento de solidariedade na angariação de fundos. E houve uma fábrica metalúrgica que parou no dia cinco à tarde, até certo ponto em apoio aos colegas de Vieira mas aproveitaram e reivindicaram, mais dinheiro. E conquistaram, aliando uma coisa à outra, um aumento com efeito retroactivo a partir de Janeiro.
R. — Em que fábrica?
T. — Na fábrica Aníbal Abrantes. Mas houve uma outra, a fábrica Emídio Maria da Silva, que também parou. Isto já no dia 6.
R. — E para além disso...
T. — O movimento do povo não só na Vieira, mas da Marinha Grande foi intenso. Não só os metalúrgicos, mas todos os trabalhadores em geral, incluindo os vidreiros, colaboraram. Todo o povo colaborou na colheita de géneros alimentícios, géneros, de primeira necessidade e na angariação de fundos. Quer dizer foi uma coisa importante, houve comissões que, na Marinha Grande, andaram de porta em porta a pedir fundos para a Vieira e nunca me constou que alguma porta se tivesse fechado. O povo manifestou, de facto, a sua solidariedade até porque eles sabem bem que o metalúrgico da Vieira tem sido um trabalhador sacrificado, pelo menos os que trabalham no Tomé Féteira. Há famílias inteiras a trabalhar na fábrica e aquilo lembra tal e qual um regime feudal. É claro que as direcções do sindicato têm sido dominadas pelo sr. Tomé Féteira. A direcção actual trilhou um rumo diferente e não se deixa submeter a meras vontades de certas entidades patronais.
R. — Quanto às negociações contratuais?...
T. — Sabe-se que desde as primeiras reuniões na conciliação os patrões andaram sempre a empatar com o decreto 196/72 que diziam sempre que era mentira, que ainda não tinha vindo o parecer e sabia-se de antemão que até já estava homologado esse parecer que também só foi Publicado, com bastante pressão dos sindicatos, no boletim do dia 8 de Fevereiro. Estou convencido que nós, na arbitragem, devemos obter o salário mínimo para o servente entre 3 500$00 e 3800$00, se não obtivermos isso será uma derrota, porque já tivemos isso nas mãos.
T. — É muito longe daquilo que pretendíamos e achávamos o ordenado justo que eram seis mil escudos.
T. — Aliás, até na passada reunião de conciliação; o próprio Governo, por intermédio do dr. Basílio Horta, achava que o ordenado mínimo estava justíssimo.
R. — Quem é o dr. Basílio Horta?
T. — O dr. Basílio Horta é o secretário geral da Corporação da Indústria. Mas vem sempre com aquelas coisas, de que os grémios coitadinhos não podem pagar, mais isto, mais aquilo e agora agarraram-se a uma desculpa que é a dos automóveis das garagens, das oficinas de reparações de automóveis, a desculpa é de que baixou o movimento.
R. — A nível dos sindicatos do País como foi encarado o problema de Vieira?
T. — Bem, no País há sindicatos e sindicatos. Há sindicatos com uma certa (passividade, uma pachorrice, que deixam correr o marfim; não têm dirigentes à: altura, é mesmo assim, é o termo. Há outros activos que têm a informação sobre a hora e alertaram os metalúrgicos dos diversos distritos para o que ia acontecendo; e realmente deram-nos apoio. Não só as direcções desses Sindicatos, mas sobretudo os trabalhadores deram-nos um apoio constante. Entretanto a maneira como se encerrou esta primeira fase do caso Tomé Féteira a muitos sindicatos não agradou. E não agradou porquê? Porque no parecer deles os operários só deviam ter voltado ao trabalho mediante um aumento salarial à volta dos 30%. Ora isso para aqui era impossível. Era impossível porque o que se pretendia era simplesmente anular a pretensão do patrão quanto à famigerada declaração. O ponto fundamental era não perder, a antiguidade. O operário da Vieira é um operário pobre, um operário bom, operário que muitos não sabem o que é um sindicato, só de há dois anos para cá é que se estavam a sindicalizar, portanto o que se queria eram as portas abertas. Antes de se dizer que se deveria ter reivindicado é, preciso ver as condições em que os trabalhadores têm vivido, subjugados...
R. — Qual foi a posição do Sindicato face aos desejos dos trabalhadores?
T. — Os dirigentes do Sindicato nunca decidiram por eles, Punham os problemas aos trabalhadores, explicavam-nos e «vocês agora é que decidem». Nós até tínhamos na fábrica uma comissão de trabalhadores para tratar dos problemas que surgissem. Comissão essa arranjada pelos próprios trabalhadores que já iam vendo aquilo a que tinham direito. O sindicato antes nem tinha um consultor jurídico. Eu sei, por exemplo, de um operário que há uns anos foi despedido de uma fábrica e que foi para tribunal e ele é que teve que pagar advogado e tratar de tudo. Agora não, qualquer operário que seja despedido, ou que tenha qualquer dificuldade com o patrão, tem o apoio do Sindicato. E temos consultor jurídico. Dantes o Sindicato, aquilo era sempre às moscas; havia lá uma sala para televisão que era aberta à noite para os operários que quisessem lá ir ver televisão, e pronto. Nessa altura era grande de mais. Presentemente, tem havido lá reuniões e assembleias em que temos de estar com altifalantes lá para fora, porque enche da rua ao primeiro andar, e têm de estar as portas abertas. Temos um pátio e aquilo é invadido porque aquilo é pequeno de mais.
R. — Dado que houve uma mudança entre as direcções do Sindicato anteriores e a actual, sabem se houve qualquer ameaça do sr. Tomé Féteira, directamente, ou por portas travessas?
T. — Ele chegou a dizer que com a outra direcção ainda se podia trabalhar, era uma direcção compreensiva, e que esta...
R. — Mas no princípio?
T. — Não chegou a haver. Trabalhadores igados a ele é que não viam os dirigentes sindicais com bons olhos. Os lacaios dele é que espicaçavam uns trabalhadores contra os outros para logo de início virar os trabalhadores contra o Sindicato. Mas isso não chegou a acontecer.
T. — As direcções anteriores acompanhavam o ritmo do Féteira... não interessa esclarecer...
R. — As direcções eram a contento dele...
T. — Eram, eram. E acompanhavam, quer dizer, além do Féteira, acompanhavam o delegado do INTP.
R. — Quantos trabalhadores estão sindicalizados?
T. — Contribuintes e não contribuintes era à volta de cinco mil, mas com esta história quase todos os operários da fábrica de limas entraram para sócios porque houve um dia em que a polícia trancou aquela entrada e só passava quem tivesse cartão. Fizeram um cordão e só passava quem, tivesse cartão.
R. — Foi dessa altura a dispersão das mulheres?
T. — As mulheres foram um bocado dispersadas. Eles dispersavam e elas punham-se mais à frente.
T. — Houve uma operária, uma tipa tesa, que prenderam. Fizeram-lhe um interrogatório a perguntar se tinham sido os dirigentes sindicais que tinham formado os piquetes.
R. — Soube-se que o Ministério estava a fazer um inquérito sobre as causas da paralisação...
T. — O inquérito, desde o primeiro dia que eles viram como é que aquilo ali apareceu. Quando a fábrica parou, nesse mesmo dia às nove e meia já havia tipos da Pide, a gente conhece-os, vimos logo, «alto, já?!, começou cedo».
R. — Há aquela opinião de que o dono da fábrica sabia de véspera o que ia acontecer...
T. — Sim, ele disse no refeitório.
T. — Estou-me a recordar de uma coisa, durante o «lock-out» os dirigentes sindicais foram chamados ao INTP e o delegado, dr. Campos, acho que lhes disse que tivessem cuidado com as circulares que punham na rua para não levantar muitas ondas. Este jogo... para não fazer ondas...
R. — Qual era a posição do delegado face ao problema?
T. — A ideia era esta: nós processarmos o Féteira ou irmos para as comissões corporativas. Mas ir para as comissões corporativas era aceitar que tínhamos sido despedidos. Não era indo para o tribunal ou para as comissões corporativas que se resolvia o problema. Era sim as portas abertas e mais nada. Mas mesmo assim houve um homenzinho que chegou a ir para a comissão corporativa. Coitado, caiu, honesto viu a ratoeira em que tinha caído e no outro dia ele até chorou no Sindicato e depois foi ao INTP retirar o que disse. Ali tornou a ser interrogado pelo dr. Campos «se tinha sido o sindicato que o tinha forçado a lá ir retirar a queixa». «Não, eu quando vim fazer a queixa não pedi ao Sindicato e o Sindicato também não me mandou cá vir, fui eu de livre vontade porque tenho esperança de que a fábrica abre; ouvi que a fábrica abre esta semana, que abre amanhã».
R. — Viveram sempre nessa expectativa?
T. — Sim. Havia um boato e... até que na terça-feira, cinco de Março saiu certo.
T. — Quando se lançava o boato de que os «amarelos» iam trabalhar por turnos às duas da manhã, as mulheres chegavam a ir para junto da fábrica, fazer piquete, às 11 horas da noite.
T. — Houve até uma peripécia. Constou-se que eles iam pegar mais cedo, às sete, e elas às 5 horas da manhã estavam à porta da fábrica. Entretanto já lá tinha entrado um indivíduo que era normal entrar para acender os fornos, quando elas viram o tipo andar lá dentro «anda cá que a gente coça-te»; foi um problema para o indivíduo sair. Elas cercaram a fábrica e ele não saiu, teve de trazê-lo um guarda. E ele pôs-se de joelhos à frente das mulheres, pediu perdão e prometeu nunca mais lá ir à fábrica. De forma que o gajo de joelhos em frente das mulheres e as mulheres com aqueles farocos na mão, o tipo nunca mais lá apareceu.
T. — Uma outra atitude também digna de registo foi com a própria telefonista. Houve uma altura em que as mulheres resolvem não deixar entrar a telefonista e ela vai chamar o patrão, o Albanito. Ele vem juntamente com ela para a pôr lá na fábrica. Aí as mulheres agarram o filho dele e quase que o despiam. A vingança delas era despirem-no, mas a coisa lá acalmou. Deixaram-na ir trabalhar e agarraram no telefone e telefonaram para o homem dela: «olha a tua mulher foi trabalhar, se tens amor à tua mulher e aos teus filhos vem buscá-la»; passados cinco minutos estava lá o homem a buscar a mulher e nunca mais a deixou ir trabalhar.
R. — Era da ordem de quantas o movimento das mulheres?
T. — Aí umas cinquenta, não sei, não faço ideia. Elas fizeram com que os indivíduos, os «amarelos», depois na consciência deles, chamemos-lhe assim, não voltassem...
R. — Mesmo assim durante quantos dias trabalharam?
T. — Foi do dia 9 até ao dia 21, depois já ninguém trabalhou.
T. — Houve um tipo chamado Ivo, um guarda-livros que teve bastante influência em o Féteira não abrir a fábrica, que desapareceu de lá e só apareceu no dia da abertura da fábrica, esse que acusou o Sindicato de andar a reunir nas matas, e eles eram os próprios que iam reunir para as matas com medo da população.
T. — Houve dois trabalhadores que viram os patrões reunirem nas matas, foi num domingo e numa segunda-feira.
T. — Eles andavam tão apertados que a gente Começa a ver a coisa, andavam tão aflitos que esse lvo andou a aliciar os «amarelos» com um telegrama a enviar ao presidente do Conselho, para dizer que esses 127 não iam trabalhar Porque os outros não os deixavam ir o que é completamente mentira, eles não iam porque tinham medo. Embora lá tivessem a força para garantir o trabalho, só lhes garantia a entrada e a saída, porque nos caminhos a polícia estava-se marimbando e eles «ah, então não vou» e os patrões é que começaram a reunir nas matas com medo de aparecer.
R. — Quantos são os patrões?
T. — É o Albano, os três filhos e o alemão casado com uma filha dos Féteiras.
R. — A nível da população, qual a aceitação dos Féteiras na Vieira?
T. — A manifestação das pessoas a favor dos trabalhadores diz tudo. O homem dominou sempre aquilo. Toda a gente, mesmo os comerciantes. É o «senhor Féteira». É o dinheiro, é mais isto e mais aquilo. É o «senhor Féteira». População subjugada. E agora manifestaram exactamente todo o ódio que tinham.
T. — Ele para ver se cativa mais o povo de Vieira mete-se em coisas. Um campo de futebol, subsidia o grupo da terra. Enfim esta maneira de cativar...
★ ★ ★
No dia 13 de Março, depois de terem sido seguidos pela polícia desde Vieira, aonde tinham ido entregar o produto de uma colecta feita em Lisboa, foram presos, em Coimbra, cinco estudantes.
Dias após a abertura da fábrica foram despedidas sem justa causa cinco operárias: três escovadoras com cinco e seis anos de casa; duas polidoras admitidas em 1955 e em 1969.
Em comunicação enviada aos clientes, a Empresa de Limas União Tomé Féteira anunciou que a partir de 1 de Abril os seus produtos sofriam um aumento da ordem dos 30 % e de 20 % para o refugo.
Dos fundos angariados sobraram, depois das distribuições feitas, mais de cem contos, quantia essa que os trabalhadores decidiram, em Assembleia Geral, guardar para acudir a qualquer situação de emergência que surgisse a nível nacional.
Nos princípios de Maio foi preso, por pertencer à ex-PIDE-DGS, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Distrito de Leiria, Luís Alberto Pinto Nobre, do qual recolhemos um depoimento.
Efectivamente foi averiguado que, desde a altura em que assumiu as funções de secretário do sindicato (1961), aquele indivíduo estabelecia contactos frequentes com a sinistra polícia secreta, ao mesmo tempo que procurava cimentar a confiança dos camaradas.
Para além de presidente da Direcção do Sindicato, Luís Nobre era tesoureiro da Federação dos Sindicatos Metalúrgicos e membro da Comissão Corporativa do distrito e da 8.º secção da Corporação da Indústria.
Notas de rodapé:
(1) Era do seguinte teor a carta de despedimento enviada nessa altura aos trabalhadores:
«Em virtude duma progressiva e alarmante falia de encomendas somos forçados a suspender trabalhadores, entre os quais V. Ex* o que sinceramente somos os primeiros a lamentar, pelo que a partir do dia 1 de Janeiro de 1973, inclusive, deixará de fazer “parte dos nossos quadros de trabalhadores.
Entretanto, se este estado de coisas melhorar até à data da suspensão, é com a maior satisfação que manteremos V. Exª ao n/ serviço.
Lamentando sermos forçados a tomar esta atitude alheia à nossa vontade e esperando com sinceridade que tudo volte à normalidade, agradecemos todo o serviço prestado nesta Empresa, subscrevendo-nos
de V. Exª
A Administração» (retornar ao texto)
(2) Um trabalhador que havia sido chamado à DGS para Prestar declarações afirmou-nos:
Quando entre; posto da PSP pus-me à vontade por. que a minha consciência estava tranquila, O inspector começou por considerar-me um dos principais agitadores da situação verificada na empresa e eu perguntei-lhe porquê. À resposta pronta. dele: «o sr. sabe muito bem porquê, o sr. tem com certeza uma rede subversiva que o domina lá dentro, porque a mim não me ilude de modo algum, e mais do que nunca esses indivíduos foram espertos no aspecto em que escolheram aquele indivíduo que, sem causar suspeitas em qualquer secção da empresa, podia passar por todas elas e mandar paralisar». A minha resposta pronta foi: «sr. inspector, eu peço-lhe que me apresente alguém de qualquer secção a quem eu tivesse dito que parasse». E ele respondeu: «Ah pois, com certeza, existe (alguém e não são poucos aqueles a quem o sr. mandou parar». «Pois é exactamente isso que eu pretendo», disse-lhe eu. Mas ele replicou: «Alto aí, isto aqui não é nenhuma praça Pública onde se possa discutir problemas dessa natureza, o sr. já desceu três degraus e sabe quantos é que podem conduzir à cadeia?, porque é exactamente o sr. o primeiro a entrar para lá, faltam-lhe sete, porque a cadeia, só tem dez degraus». E adiantou «... não sei quanto é que 6 sr. está a receber do exterior para que tudo isto tivesse acontecido...».
Disse-nos ainda: este trabalhador que, durante o interrogatório, todas as vezes que tentava dizer ao inspector que tinha sabido, na véspera, pelo próprio patrão que ia haver a paralisação no dia 5 de Fevereiro, aquele impedia-o de o fazer é mudava de conversa... (retornar ao texto)