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Em editorial do dia 8-6-74 escrevi no «Voz da Guiné» (primeiro jornal mandado suspender por A. Spínola):
A MESMA LUTA
Como foi largamente noticiado, as conversações de Londres entre os representantes do Governo Português e do PAIGC foram interrompidas por uma semana, de 1 a 8 de Junho, para permitir a ambas as delegações consultarem as entidades que representam.
Das poucas declarações até agora prestadas aos órgãos de Informação, tem sido uma constante o optimismo de qualquer das partes em relação a um acordo. Segundo Mário Soares, já se teria passado mesmo o ponto de um simples cessar-fogo, o que nos indica que devemos aguardar as negociações, que recomeçam no dia 13, com a esperança bem forte que os passos para a Paz seguem o caminho certo.
Têm-se admirado alguns observadores estrangeiros do ambiente de camaradagem em que decorreu a primeira fase das negociações. Este ambiente aparece naturalmente, devido ao facto de as duas delegações não representarem duas partes com interesses opostos que vão, simplesmente, tentar passar a resolução da sua divergência dos campos de batalha para a mesa de conferência. A camaradagem resulta do facto de os homens que, em Londres, se sentam à volta da mesma mesa representarem dois povos cujos desejos de Liberdade e de Paz se identificam, pois os portugueses que lá se encontram representam um Governo que não pode, de maneira nenhuma, ser confundido com o Governo recentemente derrubado.
Contra o regime fascista e colonialista de Salazar e Caetano, totalmente desligado da vontade e interesses populares, estiveram desde o princípio, lado a lado, os povos africanos e o povo português.
Amílcar Cabral, com a objectividade e clareza que sempre caracterizaram as suas posições, afirmou várias vezes que considerava o povo português como aliado do povo da Guiné e Cabo Verde na sua luta contra a opressão colonial.
A queda do fascismo em Portugal foi o desfecho de uma longa luta e o povo português não esquece o papel decisivo que nela tiveram os povos africanos da Guiné, Angola e Moçambique que, através dos seus Movimentos de Libertação, desencadearam um processo irreversível que apressaria o fim do regime opressor.
Da mesma forma, os povos das colónias não esquecerão, decerto, a contribuição que trouxe à sua luta a acção das forças progressistas do povo português que, através dos seus soldados, puseram fim ao grande culpado da exploração colonial: o regime fascista deposto em 25 de Abril. O povo português, obrigado pela força a participar numa guerra injusta, sente agora orgulho em ter colaborado deste modo na libertação dos povos africanos que é possível, neste momento, concretizar com rapidez.
Embora não esteja tudo resolvido; embora haja ainda muito a fazer; embora devamos manter a todo o custo uma vigilância permanente e intransigente, não podemos esquecer que um grande passo foi dado no caminho da libertação definitiva e completa dos povos africanos e português. Esse passo foi dado por esses povos em conjunto.
Esse passo, que deu a grande machadada numa mesma realidade com o duplo aspecto de fascismo e colonialismo, resultou da aliança desses povos. E é essa aliança que tem de constituir a grande plataforma de entendimento e amizade entre o Povo Português e os Povos Africanos até agora colonizados, numa base de igualdade e respeito mútuo.
Inclusão | 24/04/2019 |