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«Não é possível tratar militares que se converteram em figuras nacionais, personificação da Revolução libertadora do 25 de Abril, heróis e defensores do Povo Português, como vulgares delinquentes ou golpistas contra-revolucionários; a continuar assim com este procedimento, o pouco que resta do crédito da Revolução Portuguesa, não só entre o nosso Povo, como entre os povos progressistas de todo o mundo, incluindo o dos países emergentes de descolonização, ficará rapidamente anulado e os actuais responsáveis amarrados sem salvação ao pelourinho da História.»
Coronel Varela Gomes
O volume que agora se publica reúne uma série de textos da autoria do capitão Manuel Duran Clemente.
Consideramos este trabalho, no seu conjunto, importante para a compreensão do processo revolucionário português.
Embora sumariamente, Manuel Clemente analisa de forma científica as contradições da Revolução que, como ele acentua, são consequência da luta agudizada entre classes sociais com interesses marcadamente antagónicos. Estas aspirações contraditórias têm a sua origem na diferença de situação e de condições de vida das classes que compõem a sociedade portuguesa.
Clemente reconhece que é à classe operária e aos seus aliados que cabe o papel histórico de fazer, conduzir e dirigir a Revolução Socialista.
Efectivamente, desde muito cedo, alguns de nós éramos levados a pôr com frequência a questão do papel a atribuir às Forças Armadas na construção da sociedade socialista.
Clemente, como se verá, salienta que depois do MFA ter derrubado a Ditadura Fascista surgiram no seu próprio seio contradições inevitáveis e inconciliáveis que traduziram as diferentes posições de classe assumidas pelos então chamados «oficiais do Movimento». Na verdade, não podemos ignorar que antifascismo não é sinónimo de anticapitalismo. Lutar, de forma consequente, pelo Socialismo é lutar contra o imperialismo e o sistema capitalista.
No entanto, também não esquecemos que os trabalhadores para defenderem as conquistas já alcançadas (nacionalizações, reforma agrária, direito à greve, organização popular unitária de base, liberdade sindical, etc.) precisam de contar como firmes aliados todos aqueles que constituem e dirigem as Forças Armadas. Amiudadamente o capitão Manuel Clemente costumava dizer que o Movimento Popular de Massas tem necessidade de ter ao seu lado um Exército Revolucionário tanto para a vitória da Revolução Socialista como para depois poder assegurar com eficácia o desenvolvimento pacífico da Revolução e combater quer as forças contra-revolucionárias internas quer as eventuais agressões estrangeiras armadas. Efectivamente, ele sabia que as Forças Armadas, antes e depois do triunfo da Revolução têm que representar a todo o momento as aspirações e os interesses das massas trabalhadoras porque só assim estarão habilitadas a defender a Independência Nacional.
Em 1973 o capitão Duran Clemente é um dos iniciadores do Movimento dos Capitães.
Em Março desse ano, aquando do Congresso da Oposição Democrática em Aveiro, onde assistiu à feroz repressão desencadeada pelas forças repressivas do ditador Caetano, Manuel Clemente tem a ideia de criar grupos de dinamização política dentro das Forças Armadas.
No mês seguinte (Abril de 1973) elabora um longo requerimento para pedir a demissão de oficial do Exército utilizando-o como manifesto político. Em consequência, é enviado para a Guiné em Julho onde se junta a um grupo de oficiais do quadro e milicianos com objectivos políticos já definidos.
É um dos promotores da reunião de capitães em Bissau de 25 de Agosto de 1973. É um dos quatro autores da carta-protesto subscrita por mais de 50 capitães na Guiné: primeiro documento de insubordinação colectiva contra Tomás Caetano e seus parceiros. É eleito para a primeira Comissão do Movimento de Capitães na Guiné a 28 de Agosto de 1973.
Um mês depois juntamente com o capitão Faria Paulino (agora preso) torna extensivo o movimento de capitães à Força Aérea na Guiné.
Depois do 25 de Abril faz parte da Comissão Coordenadora do MFA na Guiné. Esta comissão torna-se peça fundamental no processo de descolonização pressionando Spínola a abandonar a sua política de neo-colonialismo e coadjuvando Carlos Fabião na impecável descolonização da Guiné.
Ainda nesses últimos quatro meses Duran Clemente é Director do único jornal da ex-colónia, o «Voz da Guiné». Criando então profundos laços de amizade com militantes do PAIGC é convidado pessoal para as comemorações do aniversário da independência da Guiné-Bissau realizadas no Boé. De regresso a Lisboa funda com outros patriotas e democratas a Associação de Amizade Portugal — Guiné-Bissau de que é vice-presidente em exercício.
Regressa da República da Guiné-Bissau em cima dos acontecimentos do 28 de Setembro ingressando na 5.ª Divisão do EMGFA no dia seguinte. Reforça a equipa de coordenação da informação e redacção do Boletim do MFA. Mais tarde e até 25 de Agosto de 1975 é o responsável pelos programas diários do MFA na rádio e quinzenais na televisão.
Às 13.10 h de 11 de Março é o capitão Duran Clemente que «ocupando» a Emissora Nacional avisa todos os portugueses dos graves acontecimentos contra-revolucionários e faz um apelo a todas as forças progressistas e democráticas para erguerem uma barreira intransponível às forças fascistas. Pela sua actuação é mais tarde louvado publicamente pelo Presidente da República.
Depois do 11 de Março é coordenador-geral do Secretariado da Assembleia do MFA, sendo o habitual porta-voz desta Assembleia.
Antes do assalto à 5.ª Divisão do EMGFA foi nomeado chefe interino do Centro de Esclarecimento e Informação Pública da 5.° Divisão/EMGFA.
Numa jornada histórica em 25 de Agosto representou o 1.º Ministro, general Vasco Gonçalves, em Sesimbra onde fez um vigoroso apelo à unidade das Forças Revolucionárias.
Após a extinção da 5.‘ Divisão e depois do «golpe de Tancos» (Setembro de 1975) passou a engrossar a lista dos saneados à esquerda.
Todavia, em 4 de Novembro foi colocado na E.P.A.M. (Escola Prática de Administração Militar) em Lisboa onde se encontrava em 25 de Novembro.
No dia seguinte o Conselho da Revolução emite um mandato de captura para o capitão Clemente.
Nós que temos a responsabilidade da presente introdução bem como da revisão das provas tipográficas enviamos de Lisboa um forte abraço ao camarada capitão Clemente.
Lisboa, 1 de Dezembro de 1975
F. H.
Oficial das Forças Armadas
Inclusão | 24/04/2019 |