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«Era uma vez um país
Onde entre o mar e a guerra
Vivia o mais infeliz
Dos povos à beira-terra.»
«As portas que Abril abriu» Ary dos Santos
Portugal, este nosso belo país “à beira mar plantado”, com mais de oito séculos de história, entrou no século XX com a ambição republicana agitando o povo miúdo, farto das tiranias duma aristocracia apodrecida a quem um clero, não menos putrefacto, emprestava legitimidade.
A República, proclamada em 5 de Outubro de 1910, é interrompida em 28 de Maio de 1926, por um golpe militar, encabeçado pelo General Gomes da Costa, dando lugar a uma ditadura militar que, por sua vez, deu início a um dos períodos mais negros da nossa história. Neste período se inclui a ditadura fascista de Salazar e Caetano, regime suportado na Constituição de 1933, responsável por todo um historial de violência sobre a população portuguesa, que vai desde o cerceamento total das liberdades cívicas, às perseguições por motivos políticos, à tortura, prisão e mesmo assassinato de opositores políticos, ao cerceamento do acesso da população à cultura, à edu- cação, à saúde, até ao próprio empobrecimento generalizado que conduziu a um surto migratório sem precedentes.
A tudo isto e a uma guerra colonial que, iniciada em 1961 em Angola, logo seguida da Guiné e Moçambique, se arrastava sem solução à vista, em 25 de abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas (MFA), pôs termo.
O que foi o MFA? Como foi possível derrubar o regime sem derramamento de sangue? E muitas outras questões pertinentes, encontram resposta na muita literatura já publicada sobre o assunto. A este propósito apresentamos no capítulo III - Depoimentos, testemunhos de dirigentes da Associação Conquistas da Revolução (ACR), sobre situações e actividades (Conquistas da Revolução) menos evidenciadas na colectânea dos diplomas legais.
O que nos interessa ressaltar neste nosso trabalho, são as Conquistas da Revolução, aquelas que vêm na imediata sequência da histórica vitória militar do 25 de Abril de 1974 e que faziam parte do Programa do Movimento das Forças Armadas e aquelas outras que a revolução criou, na mais surpreendente manifestação de fusão anímica, entre o Povo e as suas Forças Armadas, que o Mundo alguma vez viu.
Nesta parte I- Liberdades, trataremos das primeiras, ou seja, das Conquistas da Revolução que decorreram directamente do Programa do Movimento das Forças Armadas (ANEXO XII), apresentado à população portuguesa logo em 26 de Abril de 1974.
1.1 Dissolução da ANP (DL 172/74 de 25 Abril)
(No ANEXO I dá-se conta do que foi a ANP-Acção Nacional Popular)
1.2 Lei eleitoral (DL621-A/74, DL621-B/74 e DL621-C/74 de 15 Novembro)
Três diplomas, destinados à eleição da Assembleia Constituinte, onde se estabelecem as regras para o recenseamento eleitoral, se institucionaliza a Comissão Nacional de Eleições, se define a capacidade eleitoral dos cidadãos e se regula o próprio acto eleitoral.
No preâmbulo do DL621-C/74, pode ler-se:
“Se as condições de acesso ao sufrágio constituem um indicativo da participação conferida aos cidadãos nos destinos do Estado, o sistema eleitoral, as garantias de dignidade e genuinidade conferidas ao acto eleitoral, as condições de um são pluralismo democrático e o papel atribuído em todo o processo aos partidos políticos completam a tradução legislativa do princípio democrático fundamental.”
E, mais à frente:
“Nela se pretendeu evidenciar o princípio da neutralidade das entidades públicas perante as diversas candidaturas e assegurar a estas um regular e equitativo exercício das liberdades de expressão, informação e reunião.”
E, a terminar:
“Meio século de farsas eleitorais fascistas, em que as próprias autoridades praticaram toda a casta de crimes eleitorais para defraudar a vontade popular, em que as mais diversas pressões eram feitas sobre os cidadãos no sentido de os obrigar a votar ou de os impedir de fazê-lo, criaram uma má tradição e o desprestígio da consulta democrática.
Este mau passado tem que ser vencido. O processo eleitoral deve sair prestigiado das eleições para a Assembleia Constituinte. E, para isso, muito contribuirá a lealdade da lei - uma lei sem alçapões - e a lealdade dos executores dela.”
Este DL tem a assinatura de VASCO GONÇALVES, Primeiro-ministro do Governo Provisório.
1.3 Lei Eleitoral (DL93-A/76, DL93-B/76 e DL93-C/76 de 29 de Janeiro)
Reformula a legislação que disciplinou a eleição para a Assembleia Constituinte (DL621-A-B-C/74), mantendo na maior parte intactas as intenções, a estrutura e até a redação daquele diploma.
(No ANEXO II dá-se conta do que foi a DGS / DIRECÇÃO-GERAL DE SEGURANÇA)
(No ANEXO III dá-se conta do que foi a LEGIÃO PORTUGUESA)
(No ANEXO IV dá-se conta do que foi a MOCIDADE PORTUGUESA)
DL 173/74 de 25 de Abril
No Artº 1º deste DL da Junta de Salvação Nacional, pode ler-se:
“1. São amnistiados os crimes políticos e as infracções disciplinares da mesma natureza.”
…
E mais à frente no Art.º 2º,
“1. Serão reintegrados nas suas funções, se o requerem, os servidores do Estado, militares e civis, que tenham sido demitidos, reformados, ou
passados à reserva compulsivamente e separados do serviço por motivos de natureza política.
2. As expectativas legítimas de promoção que não se efectivaram por efeito da demissão, reforma, aposentação ou passagem à reserva compulsiva e
separação do serviço devem ser consideradas no acto da reintegração.”
DL180/74 de 02 de Maio
Amnistia o crime de deserção e várias infracções à Lei do Serviço Militar.
No preâmbulo, pode ler-se:
“Considerando que muitos militares, quer pertencentes aos quadros permanentes, quer no âmbito do serviço militar obrigatório, se ausentaram do País por motivos de natureza ideológica e política, devido ao regime então em vigor, deixando de cumprir as suas obrigações militares.”
(No ANEXO V dá-se conta do que foi a CENSURA)
“O Governo Provisório, tendo em atenção que as medidas de fundo só poderão ser adoptadas no âmbito da futura Assembleia Constituinte, obrigar-se-á a promover imediatamente: a) A aplicação de medidas que garantam o futuro exercício efectivo da liberdade política dos cidadãos”;
A explosão de liberdade que se seguiu está bem documentada nas mais variadas formas de expressão artística, cultural e política que inundaram o quotidiano dos portugueses.
A pintura colectiva no Mercado do Povo - “48 anos de fascismo - a liberdade de expressão”, em 24 de Julho de 1974, que reuniu 48 pintores portugueses e que posteriormente desapareceu num incêndio, a pintura mural e os jornais de parede, os jornais e revistas de todo o tipo que apareceram, os filmes que a censura não nos tinha deixado ver, os livros proibidos, os teatros sem a mordaça da censura, os poetas, os cantores, os músicos que não nos deixavam ouvir, passaram a fazer parte das nossas vidas. A política deixou de ser aquela coisa de que ninguém dizia querer saber para passar a ser aquilo que todos queríamos e devíamos conhecer e fazer. Os agrupamentos políticos surgiam de todos os quadrantes.
Nas comemorações do 8º Aniversário do 25 de Abril, a Comissão Organizadora, face ao desaparecimento da pintura colectiva tão significativa da importância dos artistas plásticos na Revolução de Abril, decidiu promover um nova iniciativa que resultou na execução colectiva de um Painel, em Santarém. O Painel é constituído por 117 pinturas, em placas de 1 metro quadrado, e por uma estrutura metálica de suporte. Participaram na execução do painel pintores e escultores, em número de 65 de entre os quais muitos, hoje, nossos associados. Nomes como: Rogério Ribeiro, Isabel Sabino, José Aurélio e Pedro Chorão (membros da comissão coordenadora da obra), João Hogan, José Santa-Bárbara, João Vieira, Rodrigo de Freitas, Virgílio Domingues, Hilário Teixeira Lopes, Henrique Cayatte, Jorge Vieira, Marcelino Vespeira, Rolando Sá Nogueira, Maria Keil, Joaquim Lourenço, figuram na lista de participantes
(Em ANEXO VI, apresentamos a lista completa dos participantes)
Um dos participantes foi Vitor Lambert, fundador e dirigente da Associação Conquistas da Revolução (ACR).
DL 406/74 de 29 de Agosto
“Art.º 1º-1.A todos é garantido o livre exercício do direito de se reunirem pacificamente em lugares públicos, abertos ao público e particulares,
independentemente de autorizações, para fins não contrários à lei, à moral, aos direitos das pessoas singulares ou colectivas e à ordem e á
tranquilidade públicas.
2. Sem prejuízo do direito à critica, serão interditas as reuniões que pelo seu objecto ofendam a honra e a consideração devidas aos órgãos de
soberania e as Forças Armadas.”
Este DL tem a assinatura de Vasco Gonçalves Primeiro-ministro do Governo Provisório.
DL 594/74 de 07 de Novembro
No preâmbulo do DL, pode ler-se:
“O direito de livre associação constitui uma garantia básica de realização pessoal dos indivíduos na vida em sociedade. O Estado de Direito, respeitador da pessoa, não pode impor limites à livre constituição de associações, senão os que forem directa e necessariamente exigidos pela salvaguarda de interesses superiores e gerais da comunidade política. No processo democrático em curso, há que suprimir a exigência de autorizações administrativas que condicionam a livre constituição de associações e o seu normal desenvolvimento.”
Este DL tem a assinatura de Vasco Gonçalves, Primeiro-ministro do Governo Provisório.
Decreto-Lei 595/74 de 07 de Novembro - Regulamenta a actividade dos partidos políticos
No preâmbulo do DL, pode ler-se:
“Os partidos políticos constituem uma forma particularmente importante das associações de natureza política. O desenvolvimento natural do processo associativo em Portugal impôs já como facto político a existência de partidos políticos.
A necessidade de se criarem condições para o aperfeiçoamento, por forma institucional, da via democrática de participação dos cidadãos na vida política torna imperioso regular-se imediatamente esta forma associativa.”
Este DL tem a assinatura de Vasco Gonçalves, Primeiro-ministro do Governo Provisório.
Aqui, início de Novembro de 1974, é já evidente que é a REVOLUÇÃO a marcar o ritmo.
Extinção dos Tribunais especiais e dignificação do processo penal em todas as suas fases;
Os crimes contra o Estado no novo regime serão instruídos por juízes de direito e julgados em tribunais ordinários;
As averiguações serão cometidas à Polícia Judiciária.
O MFA punha assim fim, de imediato, a um dos mais vergonhosos e humilhantes instrumentos da repressão política do regime fascista: Os Tribunais Plenários.
Inúmeros adversários políticos do regime foram julgados e condenados nestes Tribunais, acusados de «crimes» contra o Estado. Criados pelo DL nº 35044 de 20 de Outubro de 1945, os Tribunais Plenários funcionavam com juízes da confiança política do regime, com forte domínio da PIDE em todo o processo e um quase inexistente direito de defesa.
(Em ANEXO VII, texto complementar que expressa bem o que foi esta «justiça pidesca»)
Em 14 de Maio de 1974, a Lei Constitucional nº3/74 extinguiu os tribunais plenários, iniciando-se, em Portugal o período democrático. Os tribunais deixaram de julgar os “crimes” contra a segurança do Estado e passaram a ser um órgão de soberania independente.
DL 85-C/75 de 26 de Fevereiro - Lei de Imprensa
No Preâmbulo, pode ler-se:
“Em Portugal, a partir do 25 de Abril, a liberdade de imprensa deixou de ser uma aspiração dos jornalistas e homens de letras, do povo e das forças democráticas e patrióticas, para passar a constituir uma realidade efectiva.
O Programa do Movimento das Forças Armadas que tem força de lei constitucional, criou os fundamentos para a sua rápida institucionalização, ao formular os princípios básicos da actual Lei de Imprensa, através da abolição de quaisquer formas de censura prévia, e ao criar as condições para o exercício imediato de todas as realidades fundamentais.
Assim os jornalistas e homens de letras puderam começar a desenvolver a sua actividade criadora, usufruindo dos benefícios da liberdade conquistada após um longo e dramático período de obscurantismo, monolitismo informativo e de repressão à cultura.”
…
“Referência especial merece a criação do Conselho de Imprensa, como órgão independente em que convergem representantes dos órgãos de imprensa e da opinião pública portuguesa.”
“A presente Lei, garantida a liberdade de expressão de pensamento pela Imprensa, no âmbito mais vasto do direito à informação, cria o quadro institucional que integrará os jornalistas portugueses, empenhados numa acção responsável, que possa contribuir para a solução dos problemas nacionais, em que ocupam papel de relevo a defesa das liberdades públicas e a prática da democracia.”
Logo no Art.º 1º, estabelece-se:
“1. A Liberdade de expressão do pensamento pela imprensa, que se integra no direito fundamental dos cidadãos a uma informação livre e pluralista, é essencial à pratica da democracia, à defesa da paz e ao progresso político, social e económico do País.”
Este DL tem a assinatura do Primeiro-ministro Vasco Gonçalves.
Aqui, hoje, coloca-se uma questão fundamental: estará mesmo “garantida a liberdade de expressão do pensamento pela Imprensa, no âmbito mais vasto do direito à informação”?
A resposta é dada, de forma clara e objectiva, no artigo ”REFLECTIR É PRECISO”, publicado no livro “Crónicas Lusitanas” de José Casanova, editado em 1996:
“Acontece que tenho para mim como coisa evidente que a situação existente na comunicação social reflecte uma outra situação que configura perigos grandes e muitos para a democracia, para liberdade, para os direitos dos cidadãos. Na verdade , este poder que é a comunicação social é um poder não eleito, é um poder imposto pela força dos grandes grupos económicos e financeiros ao serviço dos quais actua e é um poder que entra todos os dias nas nossas casas, nas cabeças, nas vidas de milhões de cidadãos.” José Casanova é Vice-Presidente da Direcção da ACR e seu membro fundador.
A questão colonial foi sem dúvida uma das mais importantes e presentes em todo o processo de gestação do MFA. Ao nível da contestação ao regime, na fase final do fascismo, surgia cada vez com mais intensidade a guerra colonial que se arrastava há 13 anos e sem fim à vista. O Movimento Estudantil que, a partir de 1968 entra numa nova fase, ganhando características regulares e organizadas, segue o mesmo caminho, conforme se pode ver nos textos apresentados no ANEXO VIII.