Cinco Meses Mudaram Portugal

Otelo Saraiva de Carvalho


7 — O grau de responsabilidade dos agentes da PIDE/DGS


capa

CADERNOS PORTUGÁLIA — Pensa, pois, que os critérios terão de ser diferentes: o funcionário burocrata, o escriturário, o motorista, telefonista, etc., não devem ser tão «culpados» como os próprios agentes da PIDE que são realmente conhecidos como torcionários?

OTELO SARAIVA DE CARVALHO — Exactamente. Conheço de perto o caso flagrante de um moço que era dos melhores furriéis que eu tinha na minha companhia em Angola em 65/67. Rapaz muito esperto, inteligente, que depois do regresso à Metrópole procurou emprego sem grande sucesso, até que, julgo que talvez por influência de um familiar que durante três ou quatro anos fora director da PIDE, acabou por concorrer e ser admitido. Tirou o curso na Escola Prática da DGS e foi logo destacado para a Guiné, onde esteve quatro ou cinco anos; tendo sido, no Exército, especialista em Transmissões, era ele que dava entrada à correspondência oficial, fazia as escutas da Rádio Moscovo para entrega ao Quartel-General do Comando-Chefe e tinha a cifra a seu cargo. Nunca fez um interrogatório, nunca bateu em ninguém. Estive várias vezes em casa dele, em Bissau, com a esposa e a filha. Esse homem está preso há sete meses, farto de me escrever cartas a pedir que lhe resolva o seu problema. Claro que não 0 resolvo e nem sequer o fui lá ver. Não se podem resolver estes casos isoladamente e só porque se conhecem as pessoas. Como esse, há muitos outros casos. Posso dizer que em cada dez cartas que recebo nove são de elementos da DGS ou de familiares referindo que estão na miséria e interrogando-se ansiosamente sobre o seu futuro.

CADERNOS PORTUGÁLIA — Por outro lado, o ódio é tão grande em relação aos elementos da PIDE que, se os puserem em liberdade, correm o risco de não terem emprego em lado nenhum?

OTELO SARAIVA DE CARVALHO — Certo. Muitos deles dizem-me nas suas cartas: «Eu sei perfeitamente que se vier cá para fora não conseguirei arranjar emprego, os vizinhos atirar-me-ão pedradas na rua, não poderei viver em paz. Portanto, dêem-me a possibilidade de ir com a família reconstruir a minha vida noutro lado, fora do País»... Quanto a mim, seria realmente a melhor solução: meter toda essa gente num navio, pô-la nas Honduras, na Nicarágua ou em outro sítio do género e proibi-la, durante cinco ou dez anos, de voltar ao País. Acho o caso algo semelhante ao que aconteceu na Alemanha após a Segunda Guerra Mundial, em que os alemães da extinta Gestapo e das forças SS foram obrigados a abandonar o Pais, indo radicar-se em países estrangeiros ou voltando anos mais tarde à Alemanha, onde hoje vivem, não tendo perdido a sua cidadania e esquecidos, com o tempo, os rancores de outrora. Tenho esperança, também, que tudo venha a serenar, no nosso País e que se consiga vir a restabelecer um clima de paz e harmonia que permita a tão necessária obra de reconciliação nacional.


Inclusão 06/06/2019