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Barcouço é uma freguesia do concelho da Mealhada a cerca de dez quilómetros da cidade de Coimbra. São para aí quatro centenas de casas, algumas de emigrantes, mas praticamente todas habitadas por outras tantas famílias. Sem esgotos, nem água canalizada, Barcouço sofreu a sangria da emigração dos anos sessenta, apesar de hoje já existir electricidade.
Freguesia onde predomina a actividade agrícola, Barcouço dispõe no sector industrial de duas padarias, uma pequena oficina de motorizadas e uma empresa de camionagem (serviço de transporte de mercadorias). As actividades comerciais desdobram-se por diversos ramos: mercearias, uma loja de electrodomésticos e outra de móveis, dois cafés (também locais de convívio, quando não de negócio), um talho, e uma farmácia, além da feira quinzenal em Santa Luzia, lugar que dista 4 Km.
Barcouço é terra sem médico e sem hospital. Coimbra ou a Mealhada são os locais destinados aos doentes da povoação. O mesmo sucede para a continuação dos estudos: liceu só naquela cidade e naquela vila, que Barcouço não dispõe senão de instalações e professores para o ensino primário.
Uma igreja e um padre que dá missa todos os domingos e feriados pelas dez horas da manhã, embora pertencente a Casal Comba, compõem Os traços deste retrato à «la minuta» da freguesia de Barcouço, ao qual caberá acrescentar um posto dos CTT.
Sublinhe-se ainda que aqui não há cinema, e a televisão mobiliza as atenções de quem ainda dispõe de forças após um dia de trabalho nos campos. No mais: só é distribuído «O Primeiro de Janeiro» (um exemplar em cada um dos cafés), os jornais da tarde não são lidos, e as mulheres procuram avidamente as revistas «Capricho».
A Filarmónica é uma banda de música, o clube desportivo é o futebol, mas o coração social da aldeia é hoje a Cooperativa de Produção Agro-pecuária (COBAR).
Ao fim de semana em Barcouço muita gente come galinha. A carne é um luxo, e o peixe aparece quando o peixeiro ou a peixeira atravessam o povoado a apregoá-lo. O pão é de milho e quase sempre cozido em casa, embora o pão da padaria chegue a quase todos os lares para o pequeno-almoço.
Estamos no talho: neste primeiro sábado do mês de Dezembro de 1976 um homem, barba por fazer, velho casaco, mãos calejadas pela enxada, gasta em dois ou três nacos de carne 149$50, outro 60$00, e o narrador 105$800 em 700 gramas de rósbife. O que se come mais é sardinha, quando a há, e carne de porco. O resto: as batatas, as hortaliças, e os legumes que cada família arranca anualmente do campo.
Não há restaurantes em Barcouço, nem pensões. E se os transportes para Coimbra ou para a Mealhada não são uma fartura, para Aveiro são uma complicação.
«Barcouço pertence ao distrito de Aveiro o que nos causa grandes transtornos. Estamos muito próximos de Coimbra. Mas parece que o problema já vem do tempo das rainhas. É uma história que os nais velhos contam. Deve ser do tempo da rainha D. Maria I. Barcouço pertencia a Ançã. Ançã antigamente era município. Se reparar, ainda lá encontra prédios de estilo setecentista. Um dia, a Rainha deslocou-se da corte ao norte do país e ao longo da estrada, que já era próxima da estrada nacional de hoje, vieram representações de todos os municípios para apresentar cumprimentos e vassalagem a sua majestade. Dizem os mais velhos que os homens de Ançã se atrasaram, e quando chegaram ao caminho por onde deveria passar a rainha com o seu séquito, a rainha já tinha passado. Ainda encontraram alguns dignatários a quem se dirigiram desolados. Mas os fidalgos disseram que aquilo era um agravo à sua majestade. Todavia, iriam interceder. O certo é que o município de Ançã foi extinto, e passou para Cantanhede. Na Corte, naquele tempo, não se consultava o povo.»
Com esta ou outra história Barcouço é hoje freguesia da Mealhada, concelho do distrito de Aveiro, ocorrência que causa bastantes prejuízos à população barcoucense no que respeita a questões ligadas à administração pública. A questões que podem ir até à ausência do saneamento e da água canalizada.
Um dia de chuva pode ser bom por várias razões para os camponeses e camponesas de Barcouço. Atravessando a rua que leva à Igreja podem descobrir-se, por exemplo, grandes vasilhas de plástico a aparar a água que cai das goteiras do telhado.
«Mais de matade do lugar tem poços. Para regar normalmente há água nos vales. É aí que as mulheres a vão buscar para casa. A água á acarretada às costas pelas encostas acima: é um verdadeiro calvário para as nossas mulheres. Há uma comissão de melhoramentos da aldeia, mas são quase todos indivíduos da coperativa e não podem fazer tudo.»
É evidente que a água ao domicílio foi tema de propaganda dos diversos partidos que concorreram em Barcouço (PS, PPD e FEPU) para a assembleia da freguesia local em Dezembro passado, mas importa-nos sobretudo registar o modo activo como o jornal popular «Camponeses em Luta», de 7-11-75, abordou a questão. Vamos ler.
«Já há muitos anos o povo de Barcouço vem lutando com a falta de água.
O nosso jornal, no seu primeiro número, falava já deste problema e apontava, como caminho a seguir, exigir à Câmara a total satisfação das necessidades de água da aldeia, trazendo-a de onde a houvesse.
Mas, o povo de Barcouço já se vem habituando à ideia de que para ver os seus problemas resolvidos tem de tomá-los nas suas próprias mãos e andar para a frente, pois de Câmarnas ao serviço dos grandes senhores nada pode o povo espenar.
Depois de várias reuniões com a Câmara, em que esta dizia que não tinha dinheiro ou que no Ribeiro não havia água suficiente, o povo decidiu avançar. Depois duma máquina ter acabado um rasgo de 50 metros, foi u vez do povo «homens, mulheres e orianças) pegarem nas pás e enxadas à procura da tão ansiada água.
Foram momentos de alegria quando depois de tanto esforço o povo se viu compensado com uma forte nascente que deita 1,5 litro por segundo.
Depois de já feita a exploração da água, o povo vai parar depois de ter feito o mais difícil?
A iniciativa do povo de Barcouço ao resolver o problema da água foi justa. Mas temos de tirar lições do que se passou!
Será que é justo que quando o povo precisa de uma coisa tão necessária como a água ou a electricidade ou uma estrada, a Câmara responde que não tem dinheiro?
Nós não sabemos se a Câmara tem dinheiro ou não, o que sabemos é que pagámos contribuições, taxas e impostos. Para onde vai esse dinheiro? Claro que a Câmara não dá uma resposta a esta pergunta. Será que a Câmara só está ao serviço dos grandes senhores e industriais? A administração do dinheiro que o povo entrega ao Estado e às Câmaras é feita por indivíduos que sempre nos têm desprezado.
Temos de lutar para obrigar a Câmara a pagar-nos aquilo que nos deve.
Mas para isso temos de avançar na formação de uma Comissão de moradores, eleita em Assembleia de Aldeia. Devemos exigir que a Câmara nos pague todo o dinheiro que gastámos nas obras da água, para levar essa obra até ao fim ou para outros melhoramentos na aldeia!
Em frente na luta pela água!
Em frente na organização de uma Comissão de Moradores!»
Inclusão | 14/06/2019 |