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Não é abusivo afirmar-se que uma das primeiras manifestações colectivas organizadas em Barcouço compreendeu a criação da «Filarmónica Lira Barcoucense 10 de Agosto». Esta data, incluída no nome da Filarmónica, regista o dia da sua aparição, a qual terá ocorrido em 1917.
A música hoje sofre a concorrência da televisão, no preenchimento dos tempos livres, enquanto nos aspectos colectivos a cooperativa e o próprio clube de futebol estão abertos a toda a aldeia, circunstância que parece não animar hoje o espírito dos músicos. Quando perguntamos a um barcoucense se a Filarmónica dava concertos para o povo, a resposta surpreendeu-nos: «A banda só toca se pagarem.» Barcouço é, pois, uma terra sem acontecimentos culturais. O cinema, de resto, só acontece no salão da Filarmónica, e esta de borla só dá a música dos ensaios. O que é muito pouco. Ouçamos, todavia, a palavra de um músico actual e a de um ex-membro da banda.
O primeiro:
«Mais de metade dos músicos são da cooperativa. A banda tem à volta de trinta músicos. Todos tocam, embora claro uns saibam mais que outros. Tem três raparigas, e andam mais três para entrar no princípio do ano. As vezes, também há lá discussões sobre problemas diversos. No caso do salão: o salão é muito grande e bom, e gera discussões. Há músicos com um espírito muito pouco evoluído ainda, e esses indivíduos têm posto um travão e criado obstáculos quando é preciso emprestar o salão para uma actividade cultural qualquer ou política, ou até para o futebol fazer um baile As pessoas mostram-se muito egoístas: dizem que o salão é da música, e daqui e dacolá, e até já tem havido saídas por causa disso. Há pessoas aqui que não gostam da música. Há pessoas que não gostam de nada que seja organizado: não gostam do futebol, não gostam da cooperativa, não gostam de uma creche que amanhã se venha a fazer; não gostam de nada. Só gostam deles próprios. Há muita gente cá em Barcouço assim. Isso é que é a verdade.»
A vez do ex-membro da Filarmónica:
«Está-se a dar muito melhor o futebol com a cooperativa, e a cooperativa com o próprio futebol do que a música com a cooperativa ou com o futebol. A música é muito mais fechada. Até para ceder as instalações é preciso pagar. A música dá concertos, mas é preciso pagar. Já levaram 25 contos parâ ir tocar. Só nos ensaios é que é de graça para quem lá quiser ir ver. O mais? Numa festa querem é receber o dinheiro. A música é de amadores. Os instrumentos são da Filarmónica. Andei lá nove anos e sempre encontrei aquele espírito. Existem lá assim ainda uma espécie de métodos repressivos. Dizem ou pensam que têm lá uma casa que é deles. Mas aquilo foi feito com a ajuda do povo, e nós nara entrarmos lá temos de pedir aos senhores donos da Filarmónica.»
Um domingo de tarde fazia chuva. Era dia de festa em Sete Fontes na cooperativa local. A Filarmónica Barcoucense não foi tocar. A sede fora cedida esssa tarde para uma sessão do PPD/PSD. O salão estava vazio: tinha só os candidatos. À música não tinha saído mas quem a quer fechar? Os senhores doutros tempos? É o que parece dizer-nos o texto incluído no jornal «Camponeses em Luta» n.º 2, de 7/11/75, que vamos transcrever:
«Se não erro a música da nossa terra foi fundada em 1917 no dia 10 de Agosto, já lá vão 58 anos. Durante este tempo toda a música conheceu de tudo; alegrias, tristezas dificuldades económicas, etc. A antiga casa de ensaio era no sítio logo a seguir à casa do António Freitas, portanto ao cimo do adro; ainda se podendo hoje ver lá as escadas que lhe davam acesso. Foi oferecida pelos Carmos.
Como a casa estivesse em mau estado e não ouvesse dinheiro para a sua restauração, assistimos à sua ruína com lágrimas nos olhos.
Depois foi o «andar» com a casa às costas. Primeiro, foi a Casa da Junta que nos serviu algum tempo; com àa entrada de nova direcção fomos corridos à bela maneira fascista. Podem crer que ainda não nos esquecemos «SENHORES» desse tempo!
Como se costuma dizer não cai um pássaro no chão sem que Deus o saiba, pois nova casa se nos abriu!
O salão do Pingó. Não te esqueceremos camarada!
A nossa grande ambição era a construção duma nova sede, primeiro o sonho, depois a realidade. Um punhado de homens bravos lançou mãos à obra: Comprou-se terreno e aí começou ua casa a mexer. Não nos esqueceremos de ti Povo anónimo de Barcouço, pelo contributo que nos deste. Não esqueceremos os que já cairam: Zé Martins — o maior músico que até hoje tocou na banda, João Martins, Joaquim Rito, Joaquim Cristino, Joaquim Nuno, o Mestre Sr. Neves, Quim Rosa e tantos outros. O salão feito em 1961 e que ainda hoje não está totalmente acabado é uma casa grande com rés-do-chão que serve de bufete e arrumação. O primeiro andar que é onde se fazem bailes, cinemas, teatros, reuniões e os ensaios da banda que se realizam todas as quintas-feiras à noite.
Neste momento a banda conta com 31 elementos incluindo 3 raparigas sendo o Mestre e Compositor o sr. Joaquim Simões Pleno. Hoje, para assim dizermos a banda não tem grandes dificuldades económicas, embora para que isto aconteça tenham os músicos de receber uma importância insignificante por cada saída.
Andar na música é um prazer; conhecemos quase todas as povoações e costumes dessas pessoas, numa dezena de quilómetros em redor.
Pai, se tens filhos, manda-os aprender música, não pagas nada. Verás como sentirás prazer em vê-los lá. Tenho a certeza que verterás lágrimas de alegria quando os vires pela primeira vez.
A música é uma arte que já é utilizada há muitos anos; pensem só o que seria do Mundo se todas as emissoras parassem de transmitir música!
A Terra seria um sepulcro de vivos.
Jovem, rapaz ou rapariga, venham para a música! Façamos na nossa terra uma música grande e boa, espalhando o nome de Barcouço ainda mais longe.
E vós, homens adultos que já foram músicos, esqueçam os vossos sentimentos que porventura tiverem para com alguma direcção que não soubesse portar-se correctamente. Lembrem-se que a Direcção não é a Música.
Vinde! Nós vos esperamos!»
Mas quem quer matar a memória do Zé Martins?
Inclusão | 14/06/2019 |